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DOS DELITOS E DAS
PENAS
Cesare Beccaria 2g4e3f
APNDICE 3u3j5l
394i5k
APRESENTAO 3k6k1p
Nlson Jahr Garcia w2f5h
"Dos delitos e das penas"
uma obra que se insere no movimento filosfico e humanitrio
da segunda metade do sculo XVIII, ao qual pertencem os trabalhos
dos Enciclopedistas, como Voltaire, Rousseau, Montesquieu e tantos
outros.
Na poca havia grassado a tese de
que as penas constituam uma espcie de vingana coletiva; essa
concepo havia induzido aplicao de punies de conseqncias
muito superiores e mais terrveis que os males produzidos pelos
delitos. Prodigalizara-se a prtica de torturas, penas de morte,
prises desumanas, banimentos, acusaes secretas.
Foi contra essa situao que se
insurgiu Beccaria. Sua obra foi elogiada por intelectuais,
religiosos e nobres (inclusive Catarina da Rssia). As crticas
foram poucas, geralmente resultantes de interesses egosticos de
magistrados e clrigos. A humanidade encontrava novos caminhos
para garantir a igualdade e a justia.
Estamos divulgando o texto por
acreditarmos que deva ser lido de novo, especialmente no Brasil. A
prtica de torturas, entre ns, tem sido cada vez mais freqente.
A pena de morte, que vai sendo abolida em pases mais avanados,
aqui tem sido proposta por inmeros polticos raivosos. Crianas
ficam encarceradas sob condies cruis, s vezes brbaras.
Juizes corruptos vivem no conforto de suas manses. Assassinos
frios, por serem influentes, desfrutam de todas as mordomias.
Que o esprito de Beccaria nos
ilumine.
BIOGRAFIA DO AUTOR 111j3d
CESARE BONESANA, marqus
de Beccaria, nasceu em Milo no ano de 1738. Educado em Paris
pelos jesutas, entregou-se com entusiasmo ao estudo da
literatura e das matemticas. Muita influncia exerceu na formao
do seu esprito a leitura das Lettres Persanes de Mostesquieu e
de L'Esprit de Helvtius. Desde ento, todas as suas preocupaes
se voltaram para o estudo da filosofia. Foi ele um dos fundadores
da sociedade literria que se formou em Milo e que,
inspirando-se no exemplo da de Helvtius, divulgou os novos princpios
da filosofia sa. Alm disso, a fim de divulgar na Itlia
as idias novas, Beccaria fez parte da redao do jornal II
Caff, que apareceu de 1764 a 1765.
Foi mais ou menos por essa poca
que, insurgindo-se contra as injustias dos processos criminais
em voga, Beccaria principiou a agitar com os seus amigos, entre os
quais se destacavam os irmos Pietro e Alessandro Verri, os
complexos problemas relacionados com a matria. Assim teve origem
o seu livro Dei Delitti e delle Pene. Receoso de perseguies, o
autor mandou imprimir sua obra secretamente, em Livorno, e ainda
assim velando muitos pensamentos com expresses vagas e
indecisas.
O tratado Dos Delitos e das Penas
a filosofia sa aplicada legislao penal: contra a
tradio jurdica, invoca a razo e o sentimento; faz-se
porta-voz dos protestos da conscincia pblica contra os
julgamentos secretos, o juramento imposto aos acusados, a tortura,
a confiscao, as penas infamantes, a desigualdade ante o
castigo, a atrocidade dos suplcios; estabelece limites entre a
justia divina e a justia humana, entre os pecados e os
delitos; condena o direito de vingana e toma por base do direito
de punir a utilidade social; declara a pena de morte intil e
reclama a proporcionalidade das penas aos delitos, assim como a
separao do poder judicirio e do poder legislativo. Nenhum
livro fora to oportuno e o seu sucesso foi verdadeiramente
extraordinrio, sobretudo entre os filsofos ses. O abade
Morellet traduziu-o, Diderot anotou-o, Voltaire comentou-o.
d'Alembert, Buffon, Hume, Helvtius, o baro d'Holbach, em suma,
todos os grandes homens da Frana manifestaram desde logo a sua
irao e seu entusiasmo. Em 1766, indo a Paris, Beccaria foi
alvo das mais vivas demonstraes de simpatia. No entanto, tendo
regressado a Milo, cidade que ele no mais abandonou, teve de
sofrer uma campanha infamante por parte dos seus adversrios, que
ainda se apegavam aos preconceitos e rotina para acus-lo de
heresia. A denncia no teve conseqncias, mas Beccaria
ressentiu-se de tal forma que o receio de novas perseguies
levou-o a renunciar s dissertaes filosficas.
Em 1768, o governo austraco,
sabedor de que ele recusara as ofertas de Catarina II, que
procurara atra-lo para So Petersburgo, criou em seu favor uma
ctedra de economia poltica.
Beccaria morreu em Milo, em 1794.
PREFCIO DO AUTOR 6r6d2s
A
I. INTRODUO 1st42
AS
vantagens da sociedade devem ser igualmente repartidas entre todos
os seus membros.
No entanto, entre os homens
reunidos, nota-se a tendncia contnua de acumular no menor nmero
os privilgios, o poder e a felicidade, para s deixar
maioria misria e fraqueza.
S com boas leis podem impedir-se
tais abusos. Mas, de ordinrio, os homens abandonam a leis provisrias
e prudncia do momento o cuidado de regular os negcios mais
importantes, quando no os confiam discrio daqueles mesmos
cujo interesse oporem-se s melhores instituies e s leis
mais sbias.
Alm disso, no seno depois
de terem vagado por muito tempo no meio dos erros mais funestos,
depois de terem exposto mil vezes a prpria liberdade e a prpria
existncia, que, cansados de sofrer, reduzidos aos ltimos
extremos, os homens se determinam a remediar os males que os
afligem.
Ento, finalmente, abrem os olhos a
essas verdades palpveis que, por sua simplicidade mesma, escapam
aos espritos vulgares, incapazes de analisar os objetos e
acostumados a receber sem exame e sobre palavra todas as impresses
que se lhes queiram dar.
Abramos a histria, veremos que as
leis, que deveriam ser convenes feitas livremente entre homens
livres, no foram, o mais das vezes, seno o instrumento das
paixes da minoria, ou o produto do acaso e do momento, e nunca a
obra de um prudente observador da natureza humana, que tenha
sabido dirigir todas as aes da sociedade com este nico fim:
todo o bem-estar possvel para a maioria.
Felizes as naes (se h algumas)
que no esperaram que revolues lentas e vicissitudes incertas
fizessem do excesso do mal uma orientao para o bem, e que,
mediante leis sbias. apressaram a agem de um para o outro.
Como digno de todo o reconhecimento do gnero humano o filsofo
(6) que,
do fundo do seu retiro obscuro e desprezado, teve a coragem de lanar
na sociedade as primeiras sementes por tanto tempo infrutferas
das verdades teis!
As verdades filosficas, por toda
parte divulgadas atravs da imprensa, revelaram enfim as
verdadeiras relaes que unem os soberanos aos sditos e os
povos entre si. O comrcio animou-se e entre as naes
elevou-se uma guerra industrial, a nica digna dos homens sbios
e dos povos policiados.
Mas, se as luzes do nosso sculo j
produziram alguns resultados, longe esto de ter dissipado todos
os preconceitos que tnhamos. Ningum se levantou, seno
frouxamente, contra a barbrie das penas em uso nos nossos
tribunais. Ningum se ocupou com reformar a irregularidade dos
processos criminais, essa parte da legislao to importante
quanto descurada em toda a Europa. Raramente se procurou destruir,
em seus fundamentos, as sries de erros acumulados desde vrios
sculos; e muito poucas pessoas tentaram reprimir, pela fora
das verdades imutveis, os abusos de um poder sem limites, e
fazer cessar os exemplos bem freqentes dessa fria atrocidade que
os homens poderosos encaram como um dos seus direitos. Entretanto,
os dolorosos gemidos do fraco, sacrificado ignorncia cruel e
aos opulentos covardes; os tormentos atrozes que a barbrie
inflige por crimes sem provas, ou por delitos quimricos; o
aspecto abominvel dos xadrezes e das masmorras, cujo horror
ainda aumentado pelo suplcio mais invel para os
infelizes, a incerteza; tantos mtodos odiosos, espalhados por
toda parte, deveriam ter despertado a ateno dos filsofos,
essa espcie de magistrados que dirigem as opinies humanas.
O imortal Montesquieu (7)
s ocasionalmente pode abordar essas importantes matrias. Se eu
segui as pegadas luminosas desse grande homem, que a verdade
uma e a mesma em toda parte. Mas, os que sabem pensar (e
somente para estes que escrevo) sabero distinguir meus os
dos seus. Sentir-me-ei feliz se, como ele, puder ser objeto do
vosso secreto reconhecimento, oh vs, discpulos obscuros e pacficos
da razo! Sentir-me-ei feliz se puder excitar alguma vez esse frmito
pelo qual as almas sensveis respondem . voz dos defensores da
humanidade!
Seria este, talvez, o momento de
examinar e distinguir as diferentes espcies de delitos e a
maneira de puni-los; mas, o nmero e a variedade dos crimes,
segundo as diversas circunstncias de tempo e de lugar, nos lanariam
num atalho imenso e fatigante. Contentar-me-ei, pois, com indicar
os princpios mais gerais, as faltas mais comuns e os erros mais
funestos, evitando igualmente os excessos dos que, por um amor mal
entendido da liberdade, procuram introduzir a desordem, e dos que
desejariam submeter os homens regularidade. dos claustros.
Mas, qual a origem das penas, e
qual o fundamento do direito de punir? Quais sero as punies
aplicveis aos diferentes crimes? Ser a pena de morte
verdadeiramente til, necessria, indispensvel para a segurana
e a boa ordem da sociedade? Sero justos os tormentos e as
torturas? Conduziro ao fim que as leis se propem? Quais os
melhores meios de prevenir os delitos? Sero as mesmas penas
igualmente teis em todos os tempos? Que influncia exercem
sobre os costumes?
Todos esses problemas merecem que se
procure resolv-los com essa preciso geomtrica que triunfa da
destreza dos sofismas, das dvidas tmidas e das sedues da
eloqncia.
Sentir-me-ia feliz se no tivesse
outro mrito alm do de ter sido o primeiro que apresentou na Itlia,
com maior clareza, o que outras naes ousaram escrever e comeam
a praticar.
Mas, se, ao sustentar os direitos do
gnero humano e da verdade invencvel, contribu para salvar da
morte atroz algumas das trmulas vtimas da tirania ou da ignorncia
igualmente funesta, as bnos e as lgrimas de um nico
inocente reconduzido aos sentimentos da alegria e da felicidade
consolar-me-iam do desprezo do resto dos homens.
II. ORIGEM DAS PENAS E DIREITO DE
PUNIR 1q2v1t
A MORAL
poltica no pode proporcionar sociedade nenhuma vantagem durvel,
se no for fundada sobre sentimentos indelveis do corao do
homem.
Toda lei que no for estabelecida
sobre essa base encontrar sempre uma resistncia qual ser
constrangida a ceder. Assim, a menor fora, continuamente
aplicada, destri por fim um corpo que parea slido, porque
lhe comunicou um movimento violento.
Consultemos, pois, o corao
humano; acharemos nele os princpios fundamentais do direito de
punir.
Ningum fez gratuitamente o sacrifcio
de uma poro de sua liberdade visando unicamente ao bem pblico.
Tais quimeras s se encontram nos romances. Cada homem s por
seus interesses est ligado s diferentes combinaes polticas
deste globo; e cada qual desejaria, se fosse possvel, no estar
ligado pelas convenes que obrigam os outros homens. Sendo a
multiplicao do gnero humano, embora lenta e pouco considervel,
muito superior aos meios que apresentava a natureza estril e
abandonada, para satisfazer necessidades que se tornavam cada dia
mais numerosas e se cruzavam de mil maneiras, os primeiros homens,
at ento selvagens, se viram forados a reunir-se. Formadas
algumas sociedades, logo se estabeleceram novas, na necessidade em
que se ficou de resistir s primeiras, e assim viveram essas
hordas, como tinham feito os indivduos, num contnuo estado de
guerra entre si. As leis foram as condies que reuniram os
homens, a princpio independentes e isolados sobre a superfcie
da terra.
Cansados de s viver no meio de
temores e de encontrar inimigos por toda parte, fatigados de uma
liberdade que a incerteza de conserv-la tornava intil,
sacrificaram uma parte dela para gozar do resto com mais segurana.
A soma de todas essas pores de liberdade, sacrificadas assim
ao bem geral, formou a soberania da nao; e aquele que foi
encarregado pelas leis do depsito das liberdades e dos cuidados
da istrao foi proclamado o soberano do povo.
No bastava, porm, ter formado
esse depsito; era preciso proteg-lo contra as usurpaes de
cada particular, pois tal a tendncia do homem para o
despotismo, que ele procura sem cessar, no s retirar da massa
comum sua poro de liberdade, mas ainda usurpar a dos outros.
Eram necessrios meios sensveis e
bastante poderosos para comprimir esse esprito desptico, que
logo tornou a mergulhar a sociedade no seu antigo caos. Esses
meios foram as penas estabelecidas contra os infratores das leis.
Disse eu que esses meios tiveram de
ser sensveis, porque a experincia fez ver quanto a maioria est
longe de adotar princpios estveis de conduta. Nota-se, em
todas as partes do mundo fsico e moral, um princpio universal
de dissoluo, cuja ao s pode ser obstada nos seus efeitos
sobre a sociedade por meios que impressionam imediatamente os
sentidos e que se fixam nos espritos, para contrabalanar por
impresses vivas a fora das paixes particulares, quase sempre
opostas ao bem geral. Qualquer outro meio seria insuficiente.
Quando as paixes so vivamente abaladas pelos objetos
presentes, os mais sbios discursos, a eloqncia mais
arrebatadora, as verdades mais sublimes, no am, para elas,
de um freio impotente que logo despedaam.
Por conseguinte, s a necessidade
constrange os homens a ceder uma parte de sua liberdade; da
resulta que cada um s consente em pr no depsito comum a
menor poro possvel dela, isto , precisamente o que era
preciso para empenhar os outros em mant-lo na posse do resto.
O conjunto de todas essas pequenas
pores de liberdade o fundamento do direito de punir. Todo
exerccio do poder que se afastar dessa base abuso e no
justia; um poder de fato e no de direito (8);
uma usurpao e no mais um poder legtimo.
As penas que ultraam a
necessidade de conservar o depsito da salvao pblica so
injustas por sua natureza; e tanto mais justas sero quanto mais
sagrada e inviolvel for a segurana e maior a liberdade que o
soberano conservar aos sditos.
III. CONSEQUNCIAS DESSES PRINCPIOS 193z53
A PRIMEIRA
conseqncia desses princpios que s as leis podem fixar
as penas de cada delito e que o direito de fazer leis penais no
pode residir seno na pessoa do legislador, que representa toda a
sociedade unida por um contrato social.
Ora, o magistrado, que tambm faz
parte da sociedade, no pode com justia infligir a outro membro
dessa sociedade uma pena que no seja estatuda pela lei; e, do
momento em que o juiz mais severo do que a lei, ele injusto,
pois acrescenta um castigo novo ao que j est determinado.
Segue-se que nenhum magistrado pode, mesmo sob o pretexto do bem pblico,
aumentar a pena pronunciada contra o crime de um cidado.
A segunda conseqncia que o
soberano, que representa a prpria sociedade, s pode fazer leis
gerais, s quais todos devem submeter-se; no lhe compete, porm,
julgar se algum violou essas leis.
Com efeito, no caso de um delito, h
duas partes: o soberano, que afirma que o contrato social foi
violado, e o acusado, que nega essa violao. preciso, pois,
que haja entre ambos um terceiro que decida a contestao. Esse
terceiro o magistrado, cujas sentenas devem ser sem apelo e
que deve simplesmente pronunciar se h um delito ou se no h.
Em terceiro lugar, mesmo que a
atrocidade das mesmas no fosse reprovada pela filosofia, me
das virtudes benficas e, por essa razo, esclarecida, que
prefere governar homens felizes e livres a dominar covardemente um
rebanho de tmidos escravos; mesmo que os castigos cruis no
se opusessem diretamente ao bem pblico e ao fim que se lhes
atribui, o de impedir os crimes, bastar provar que essa
crueldade intil, para que se deva consider-la como odiosa,
revoltante, contrria a toda justia e prpria natureza do
contrato social.
IV. DA INTERPRETAO DAS LEIS 2n5s1u
RESULTA
ainda, dos princpios estabelecidos precedentemente, que os
juizes dos crimes no podem ter o direito de interpretar as leis
penais, pela razo mesma de que no so legisladores. Os juizes
no receberam as leis como uma tradio domstica, ou como um
testamento dos nossos anteados, que aos seus descendentes
deixaria apenas a misso de obedecer. Recebem-nas da sociedade
viva, ou do soberano, que representante dessa sociedade, como
depositrio legtimo do resultado atual da vontade de todos.
No se julgue que a autoridade das
leis esteja fundada na obrigao de executar antigas convenes
(9);
essas velhas convenes so nulas, pois no puderam ligar
vontades que no existiam. No se pode sem injustia exigir sua
execuo; seria reduzir os homens a no ar de um vil
rebanho sem vontade e sem direitos. As leis emprestam sua fora
da necessidade de orientar os interesses particulares para o bem
geral e do juramento formal ou tcito que os cidados vivos
voluntariamente fizeram ao rei.
Qual ser, pois o legtimo intrprete
das leis? O soberano, isto , o depositrio das vontades atuais
de todos; e no o juiz, cujo dever consiste exclusivamente em
examinar se tal homem praticou ou no um ato contrrio s leis.
O juiz deve fazer um silogismo
perfeito. A maior deve ser a lei geral; a menor, a ao conforme
ou no lei; a conseqncia, a liberdade ou a pena. Se o juiz
for constrangido a fazer um raciocnio a mais, ou se o fizer por
conta prpria, tudo se torna incerto e obscuro.
Nada mais perigoso do que o axioma
comum, de que preciso consultar o esprito da lei. Adotar tal
axioma romper todos os diques e abandonar as leis torrente
das opinies. Essa verdade me parece demonstrada, embora parea
um. paradoxo aos espritos vulgares que se impressionam mais
fortemente com uma pequena desordem atual do que com conseqncias
distantes, mas mil vezes mais funestas, de um s princpio falso
estabelecido numa nao.
Todos os nossos conhecimentos, todas
as nossas idias se mantm. Quanto mais complicadas, tanto
maiores so as suas relaes e resultados.
Cada homem tem sua maneira prpria
de ver; e o mesmo homem, em diferentes pocas, v diversamente
os mesmos objetos. O esprito de uma lei seria, pois, o resultado
da boa ou m lgica de um juiz, de uma digesto fcil ou
penosa, da fraqueza do acusado, da violncia das paixes do
magistrado, de suas relaes com o ofendido, enfim, de todas as
pequenas causas que mudam as aparncias e desnaturam os objetos
no esprito inconstante do homem.
Veramos, assim, a sorte de um
cidado mudar de face ao ar para outro tribunal, e a vida dos
infelizes estaria merc de um falso raciocnio, ou do mau
humor do juiz. Veramos o magistrado interpretar apressadamente
as leis, segundo as idias vagas e confusas que se apresentassem
ao seu esprito. Veramos os mesmos delitos punidos
diferentemente, em diferentes tempos, pelo mesmo tribunal, porque,
em lugar de escutar a voz constante e invarivel das leis, ele se
entregaria instabilidade enganosa das interpretaes arbitrrias.
Podem essas irregularidades funestas
ser postas em paralelo com os inconvenientes momentneos que s
vezes produz a observao literal das leis?
Talvez esses inconvenientes
ageiros obriguem o legislador a fazer, no texto equvoco de
uma lei, correes necessrias e fceis. Mas, seguindo a letra
da lei, no se ter ao menos que temer esses raciocnios
perniciosos, nem essa licena envenenada de tudo explicar de
maneira arbitrria e muitas vezes com inteno venal.
Quando as leis forem fixas e
literais, quando s confiarem ao magistrado a misso de examinar
os atos dos cidados, para decidir se tais atos so conformes ou
contrrios lei escrita; quando, enfim, a regra do justo e do
injusto, que deve dirigir em todos os seus atos o ignorante e o
homem instrudo, no for um motivo de controvrsia, mas simples
questo de fato, ento no mais se vero os cidados
submetidos ao jugo de uma multido de pequenos tiranos, tanto
mais inveis quanto menor a distncia entre o opressor
e o oprimido; tanto mais cruis quanto maior resistncia
encontram, porque a crueldade dos tiranos proporcional, no s
suas foras, mas aos obstculos que se lhes opem; tanto mais
funestos quanto ningum pode livrar-se do seu jugo seno
submetendo-se ao despotismo de um s.
Com leis penais executadas letra,
cada cidado pode calcular exatamente os inconvenientes de uma ao
reprovvel; e isso til, porque tal conhecimento poder
desvi-lo do crime. Gozar com segurana de sua liberdade e dos
seus bens; e isso justo, porque esse o fim da reunio dos
homens em sociedade. verdade, tambm, que os cidados
adquiriro assim um certo esprito de independncia e sero
menos escravos dos que ousaram dar o nome sagrado de virtude
covardia, s fraquezas e s complacncias cegas; estaro, porm,
menos submetidos s leis e autoridade dos magistrados.
Tais princpios desagradaro sem dvida
aos dspotas subalternos que se arrogaram o direito de esmagar
seus inferiores com o peso da tirania que sustentam. Tudo eu
poderia recear, se esses pequenos tiranos se lembrassem um dia de
ler o meu livro e entend-lo; mas, os tiranos no lem.
V. DA OBSCURIDADE DAS LEIS 681l4h
SE
a interpretao arbitrria das leis um mal, tambm o a
sua obscuridade, pois precisam ser interpretadas. Esse
inconveniente bem maior ainda quando as leis no so escritas
em lngua vulgar (10).
Enquanto o texto das leis no for
um livro familiar, uma espcie de catecismo, enquanto forem
escritas numa lngua morta e ignorada do povo, e enquanto forem
solenemente conservadas como misteriosos orculos, o cidado,
que no puder julgar por si mesmo as conseqncias que devem
ter os seus prprios atos sobre a sua liberdade e sobre os seus
bens, ficar na dependncia de um pequeno nmero de homens
depositrios e intrpretes das leis.
Colocai o texto sagrado das leis nas
mos do povo, e, quanto mais homens houver que o lerem, tanto
menos delitos haver; pois no se pode duvidar que no espirito
daquele que medita um crime, o conhecimento e a certeza das penas
ponham freio eloqncia das paixes.
Que pensar dos homens,, quando se
reflete que as leis da maior parte das naes esto escritas em
lnguas mortas e que esse costume brbaro ainda subsiste nos pases
mais esclarecidos da Europa?
Dessas ltimas reflexes resulta
que, sem um corpo de leis escritas, jamais uma sociedade poder
tomar uma forma de governo fixo, em que a fora resida no corpo
poltico e no nos membros desse corpo; em que as leis no
possam alterar-se e destruir-se pelo choque dos interesses
particulares, nem reformar-se seno pela vontade geral.
A razo e a experincia fizeram
ver quantas tradies humanas se tornam mais duvidosas e mais
contestadas, medida que a gente se afasta de sua fonte. Ora, se
no existe um momento estvel do pacto social, como resistiro
as leis ao movimento sempre vitorioso do tempo e das paixes?
V-se por a, igualmente, a
utilidade da imprensa, que pode, s ela, tornar todo o pblico,
e no alguns particulares, depositrio do cdigo sagrado das
leis.
Foi a imprensa que dissipou esse
tenebroso esprito de cabala e de intriga, que, no pode
ar a luz e que finge desprezar as cincias somente porque
secretamente as teme.
Se agora, na Europa, diminuem esses
crimes atrozes que assombravam nossos pais, se samos enfim desse
estado de barbrie que tornava nossos anteados ora escravos
ora tiranos, imprensa que o devemos.
Os que conhecem a histria de dois
ou trs sculos e do nosso podem ver a humanidade, a
generosidade, a tolerncia mtua e as mais doces virtudes
nasceram no seio do luxo e da indolncia. Quais foram, ao contrrio,
as virtudes dessas pocas que, to sem propsitos, se chamam sculos
da boa f e da simplicidade antiga?
A humanidade gemia sob o jugo da
implacvel superstio; a avareza e a ambio de um pequeno nmero
de homens poderosos inundavam de sangue humano os palcios dos
grandes e os tronos dos reis. Eram traies secretas e morticnios
pblicos. O povo s encontrava na nobreza opressores e tiranos;
e os ministros do Evangelho, manchados na carnificina e as mos
ainda sangrentas, ousavam oferecer aos olhos do povo um Deus de
misericrdia e de paz.
Os que se levantam contra a pretensa
corrupo do grande sculo em que vivemos no acharo ao
menos que esse quadro abominvel possa convir-lhe.
VI. DA PRISO 1o702i
OUTORGA-SE,
em geral, aos magistrados encarregados de fazer as leis, um
direito contrrio ao fim da sociedade, que a segurana
pessoal; refiro-me ao direito de prender discricionariamente os
cidados, de tirar a liberdade ao inimigo sob pretextos frvolos,
e, por conseguinte de deixar livres os que eles protegem, mau
grado todos os indcios do delito.
Como se tornou to comum um erro to
funesto? Embora a priso difira das outras penas, por dever
necessariamente preceder a declarao jurdica do delito, nem
por isto deixa de ter, como todos os outros gneros de castigos,
o carter essencial de que s a lei deve determinar o caso em
que preciso empreg-la.
Assim, a lei deve estabelecer, de
maneira fixa, por que indcios de delito um acusado pode ser
preso e submetido a interrogatrio.
O clamor pblico, a fuga, as
confisses particulares, o depoimento de um cmplice do crime,
as ameaas que o acusado pode fazer, seu dio inveterado ao
ofendido, um corpo de delito existente, e outras presunes
semelhantes, bastam para permitir a priso de um cidado. Tais
indcios devem, porm, ser especificados de maneira estvel
pela lei, e no pelo juiz, cujas sentenas se tornam um atentado
liberdade pblica, quando no so simplesmente a aplicao
particular de uma mxima geral emanada do cdigo das leis.
medida que as penas forem mais
brandas, quando as prises j no forem a horrvel manso do
desespero e da fome, quando a piedade e a humanidade penetrarem
nas masmorras, quando enfim os executores impiedosos dos rigores
da justia abrirem os coraes compaixo, as leis podero
contentar-se com indcios mais fracos para ordenar a priso.
A priso no deveria deixar
nenhuma nota de infmia sobre o acusado cuja inocncia foi
juridicamente reconhecida. Entre os romanos, quantos cidados no
vemos, acusados anteriormente de crimes hediondos, mas em seguida
reconhecidos inocentes, receberem da venerao do povo os
primeiros cargos do Estado? Porque to diferente, em nossos
dias, a sorte de um inocente preso?
porque o sistema atual da
jurisprudncia criminal apresenta aos nossos espritos a idia
da fora e do poder, em lugar da justia; porque se lanam,
indistintamente, na mesma masmorra, o inocente suspeito e o
criminoso convicto; porque a priso, entre ns, antes um
suplcio que um meio de deter um acusado; porque, finalmente,
as foras que defendem externamente o trono e os direitos da nao
esto separadas das que mantm as leis no interior, quando
deveriam estar estreitamente unidas.
Na opinio pblica, as prises
militares desonram bem menos do que as prises civis. Se as
tropas do Estado, reunidas sob a autoridade das leis comuns, sem
contudo dependerem imediatamente dos magistrados, fossem
encarregadas da guarda das prises, a mancha de infmia
desapareceria ante o aparato e o fausto que acompanham os corpos
militares; porque, em geral, a infmia, como tudo o que depende
das opinies populares, se liga mais forma do que ao fundo.
Mas, como as leis e os costumes de
um povo esto sempre atrasados de vrios sculos em relao
s luzes atuais, conservamos ainda a barbrie e as idias
ferozes dos caadores do norte, nossos selvagens anteados.
Os nossos costumes e as nossas leis
retardatrias esto bem longe das luzes dos povos. Ainda estamos
dominados pelos preconceitos brbaros que nos legaram os nossos
avs, os brbaros caadores do norte.
VII. DOS INDCIOS DO DELITO E DA
FORMA DOS JULGAMENTOS 5d5i1q
EIS
um teorema geral, que pode ser muito til para calcular a certeza
de um fato e, principalmente, o valor dos indcios de um delito:
Quando as provas de um fato se
apoiam todas entre si, isto , quando os indcios do delito no
se sustentam seno uns pelos outros, quando a fora de vrias
provas depende da verdade de uma s, o nmero dessas provas nada
acrescenta nem subtrai probabilidade do fato: merecem pouca
considerao, porque, destruindo a nica prova que parece
certa, derrubais todas as outras.
Mas, quando as provas so
independentes, isto quando cada indcio se prova parte,
quanto mais numerosos forem esses indcios, tanto mais provvel
ser o delito, porque a falsidade de uma prova em nada influi
sobre a certeza das restantes.
No se irem de ver-me empregar a
palavra probabilidade ao tratar de crimes que, para merecerem um
castigo, devem ser certos; porque, a rigor, toda certeza moral
apenas uma probabilidade, que merece, contudo, ser considerada
como uma certeza, quando todo homem de bom senso forado a
dar-lhe o seu assentimento, por uma espcie de hbito natural
que resulta da necessidade de agir que anterior a toda especulao.
A certeza que se exige para
convencer um culpado , pois, a mesma que determina todos os
homens nos seus mais importantes negcios.
As provas de um delito podem
distinguir-se em provas perfeitas e provas imperfeitas. As provas
perfeitas so as que demonstram positivamente que impossvel
que o acusado seja inocente. As provas so imperfeitas quando no
excluem a possibilidade da inocncia do acusado.
Uma nica prova perfeita
suficiente para autorizar a condenao; se se quiser, porm,
condenar sobre provas imperfeitas, como cada uma dessas provas no
estabelece a impossibilidade da inocncia do acusado, preciso
que sejam em nmero muito grande para valerem uma prova perfeita,
isto , para provarem todas juntas que impossvel que o
acusado no seja culpado.
Acrescentarei ainda que as provas
imperfeitas, s quais o acusado nada responde de satisfatrio,
embora deva, se inocente, ter meios de justificar-se, se tornam
por isso mesmo provas perfeitas.
, todavia, mais fcil sentir essa
certeza moral de um delito do que defini-la exatamente. Eis o que
me faz encarar como sbia a lei que, em algumas naes, d ao
juiz principal assessores que o magistrado no escolheu, mas que
a sorte designou livremente; porque ento a ignorncia, que
julga por sentimento, est menos sujeita ao erro do que homem
instrudo que decide segundo a incerta opinio.
Quando as leis so claras e
precisas, o dever do juiz limita-se constatao do fato. Se so
necessrias destreza e habilidade na investigao das provas de
um delito, se se requerem clareza e preciso na maneira de
apresentar o seu resultado, para julgar segundo esse mesmo
resultado, basta o simples bom-senso: guia menos enganador do que
todo o saber de um juiz acostumado a s procurar culpados por
toda parte e levar tudo ao sistema que adotou segundo os seus
estudos.
Felizes as naes entre as quais o
conhecimento das leis no uma cincia.
Lei sbia e cujos efeitos so
sempre felizes a que prescreve que cada um seja julgado por
seus iguais; porque, quando se trata da fortuna e da liberdade de
um cidado, todos os sentimentos inspirados pela desigualdade
devem silenciar. Ora, o desprezo com o qual o homem poderoso olha
para a vitima do infortnio, e a indignao que experimenta o
homem de condio medocre ao ver o culpado que est acima
dele por sua condio, so sentimentos perigosos que no
existem nos julgamentos de que falo.
Quando o culpado e o ofendido esto
em condies desiguais, os juizes devem ser escolhidos, metade
entre os iguais do acusado e metade entre os do ofendido, para
contrabalanar assim os interesses pessoais, que modificam, mau
grado nosso, as aparncias dos objetos, e para s deixar falar a
verdade e as leis.
Igualmente justo que o culpado
possa recusar um certo nmero dos juizes que lhe forem suspeitos,
e, se o acusado gozar constantemente desse direito, exerc-lo-
com reserva; porque de outro modo pareceria condenar-se a si
mesmo.
Sejam pblicos os julgamentos;
sejam-no tambm as provas do crime: e a opinio, que talvez o
nico lao das sociedades, por freio violncia e s paixes.
O povo dir: No somos escravos, mas protegidos pelas leis. Esse
sentimento de segurana, que inspira a coragem, eqivale a um
tributo para o soberano que compreende os seus verdadeiros
interesses.
No entrarei em outros pormenores
sobre as precaues que exige o estabelecimento dessas espcies
de instituies. Para aqueles aos quais necessrio tudo
dizer, tudo eu diria inutilmente.
VIII. DAS TESTEMUNHAS 4h2758
IMPORTANTE,
em toda boa legislao, determinar de maneira exata o grau de
confiana que se deve dar s testemunhas e a natureza das provas
necessrias para constatar o delito.
Todo homem razovel, isto , todo
homem que p ligao em suas idias e que experimentar as
mesmas sensaes que os outros homens, poder ser recebido em
testemunho. Mas, a confiana que se lhe der deve medir-se pelo
interesse que ele tem de dizer ou no dizer a verdade.
, pois, por motivos frvolos e
absurdos que as leis no item em testemunho nem as mulheres,
por causa de sua franqueza, nem os condenados, porque estes
morreram civilmente, nem as pessoas com nota de infmia, porque,
em todos esses casos, uma testemunha pode dizer a verdade, quando
no tem nenhum interesse em mentir.
Entre os abusos de palavras que
tiveram certa influncia sobre os negcios deste mundo, um dos
mais notveis o que faz considerar como nulo o depoimento de
um culpado j condenado. Graves jurisconsultos fazem este raciocnio
Este homem foi atingido por morte civil; ora, um morto j no
capaz de nada... Muitas vtimas se sacrificaram a essa v metfora:
e muitas vezes se tem contestado seriamente verdade santa o
direito de preferncia sobre as formas judicirias.
Sem dvida, preciso que os
depoimentos de um culpado j condenado no possam retardar o
curso da justia; mas porque, aps a sentena, no conceder
aos interesses da verdade e terrvel situao do culpado
alguns instantes ainda, para justificar, se possvel, ou aos seus
cmplices ou a si prprio, com depoimentos novos que mudam a
natureza do fato?
As formalidades e criteriosas
procrastinaes so necessrias nos processos criminais, ou
porque no deixam nada arbitrariedade do juiz, ou porque fazem
compreender ao povo que os julgamentos so feitos com solenidade
e segundo as regras, e no precipitadamente ditados polo
interesse; ou, finalmente, porque a maior parte dos homens,
escravos do hbito, e mais inclinados a sentir do que raciocinar,
fazem assim uma idia mais augusta das funes do magistrado.
A verdade, muitas vezes demasiado
simples ou demasiado complicada, tem necessidade de certa pompa
exterior para merecer o respeito do povo.
As formalidades, porm, devem ser
fixadas, por leis, nos limites em que no possam prejudicar a
verdade. De outro modo, seria uma nova fonte de inconvenientes
funestos.
Disse eu que se podia itir em
testemunho toda pessoa que no tem nenhum interesse em mentir.
Deve, pois, conceder-se testemunha mais ou menos confiana,
propores do dio ou da amizade que ela tem ao acusado e de
outras relaes mais ou menos estreitas que ambos mantenham.
Uma s testemunha no basta
porque, negando o acusado o que a testemunha afirma, no h nada
de certo e a justia deve ento respeitar o direito que cada um
tem de ser julgado inocente (11).
Deve dar-se s testemunhas um crdito
tanto mais circunspecto quanto mais atrozes so os crimes e mais
inverosmeis as circunstncias. Tais so, por exemplo, as acusaes
de magia e as aes gratuitamente cruis. No primeiro caso,
melhor acreditar que as testemunhas mentem, porque mais comum
ver vrios homens caluniarem de concerto, por dio ou por ignorncia,
do que ver um s homem exercer um poder que Deus recusou a todo
ser criado.
Da mesma forma, no se deve itir
com precipitao a acusao de uma crueldade sem motivos,
porque o homem s cruel por interesse, por dio ou por temor.
O corao humano incapaz de um sentimento intil; todos os
seus sentimentos so o resultado das impresses que os objetos
causaram sobre os sentidos.
Deve, igualmente, dar-se menos crdito
a um homem que membro de uma ordem, ou de uma casta, ou de uma
sociedade particular, cujos costumes e mximas so em geral
desconhecidos, ou diferem dos usos comuns, porque, alm de suas
prprias paixes, esse homem tem ainda as paixes da sociedade
da qual faz parte.
Enfim, os depoimentos das
testemunhas devem ser quase nulos, quando se trata de algumas
palavras das quais se quer fazer um crime; porque o tom, os gestos
e tudo o que precede ou segue as diferentes idias que os homens
ligam a suas palavras, alteram e modificam de tal modo os
discursos que quase impossvel repeti-los com exatido.
As aes violentas, que constituem
os verdadeiros delitos, deixam traos notveis na maioria das
circunstncias que as acompanham e efeitos que das mesmas
derivam; mas, as palavras no deixam vestgio e s subsistem na
memria, quase sempre infiel e muitas vezes influenciadas, dos
que as ouviram.
, pois, infinitamente mais fcil
fundar uma calnia sobre discursos do que sobre aes, pois o nmero
das circunstncias que se alegam para provar as aes fornece
ao acusado mais recursos para justificar-se; ao o que um
delito de palavras no apresenta, de ordinrio, nenhum meio de
justificao.
IX. DAS ACUSAES SECRETAS 2tz5g
AS
acusaes secretas so um abuso manifesto, mas consagrado e
tornado necessrio em vrios governos, pela fraqueza de sua
constituio. Tal uso torna os homens falsos e prfidos. Aquele
que suspeita um delator no seu concidado v nele logo um
inimigo. Costumam, ento, mascarar-se os prprios sentimentos; e
o hbito de ocult-los a outrem faz que cedo sejam dissimulados
a si mesmo.
Como os homens que chegaram a esse
ponto funesto so dignos de piedade! Desorientados, sem guia e
sem princpios estveis, vagam ao acaso no vasto mar da
incerteza, preocupados exclusivamente em escapar aos monstros que
os ameaam. Um futuro cheio de mil perigos envenena para eles os
momentos presentes. Os prazeres durveis da tranqilidade e da
segurana lhes so desconhecidos. Se gozaram., apressadamente e
na confuso, de alguns instantes de felicidade espalhados aqui e
ali sobre o triste curso de sua desgraada vida, bastaro para
consol-los de ter vivido?
Ser entre tais homens que
encontraremos soldados intrpidos, defensores da ptria e do
trono? Acharemos entre eles magistrados incorruptveis, que
saibam sustentar e desenvolver os verdadeiros interesses do
soberano, com uma eloqncia livre e patritica, que deponham
ao mesmo tempo aos ps do monarca os tributos e as bnos de
todos os cidados, que levem ao palcio dos grandes e ao humilde
teto do pobre a segurana, a paz, a confiana, e que dem ao
trabalho e indstria a esperana de uma sorte cada vez mais
doce?... sobretudo este ltimo sentimento que reanima os
Estados e lhes d uma vida nova.
Quem poder defender-se da calnia,
quando esta se arma com o escudo mais slido da tirania: o
sigilo?...
Miservel governo aquele em que o
soberano suspeita um inimigo em cada sdito e se v forado,
para garantir a tranqilidade pblica, a perturbar a de cada
cidado!
Quais so, pois, os motivos sobre
os quais se apoiam os que justificam as acusaes e as penas
secretas? A tranqilidade pblica? A segurana e a manuteno
da forma de governo? mister confessar que estranha constituio
aquela em que o governo, que tem por si a fora e a opinio,
ainda mais poderosa do que a fora, parece todavia temer cada
cidado!
Receia-se que o acusador no esteja
em segurana? As leis so, ento, insuficientes para defend-lo,
e os sditos so mais poderosos do que o soberano e as leis.
Desejar-se-ia salvar o delator da
infmia a que se expe? Seria, ento, confessar que se
autorizam as calnias secretas, mas que se punem as calnias pblicas.
Apoiar-se-o na natureza do delito?
Se o governo for bastante infeliz para considerar como crimes
certos atos indiferentes ou mesmo teis ao pblico, ter razo:
as acusaes e os julgamentos, nesse caso, jamais seriam
bastante secretos.
Pode haver, porm, um delito, isto
, uma ofensa sociedade, que no seja do interesse de todos
punir publicamente? Respeito todos os governos; no falo de
nenhum em particular e sei que h circunstncias em que os
abusos parecem de tal modo inerentes constituio de um
Estado, que no parece possvel desarraig-los sem destruir o
corpo poltico. Mas, se eu tivesse de ditar novas leis em algum
canto isolado do universo, minha mo trmula se recusaria a
autorizar as acusaes secretas: julgaria ver toda a posteridade
responsabilizar-me pelos males atrozes que elas acarretam.
J o disse Montesquieu: as acusaes
pblicas so conformes ao esprito do governo republicano, no
qual o zelo do bem geral deve ser a primeira paixo dos cidados.
Nas monarquias, em que o amor da ptria muito fraco, pela prpria
natureza do governo, sbia a instituio de magistrados
encarregados de acusar, em nome do pblico, os infratores das
leis. Mas, todo governo, republicano ou monrquico, deve infligir
ao caluniador a pena que o acusado sofreu, se ele for culpado.
X. DOS INTERROGATRIOS SUGESTIVOS c2r65
NOSSAS
leis probem os interrogatrios sugestivos, isto , os que se
fazem sobre o fato mesmo do delito; porque, segundo os nossos
jurisconsultos, s se deve interrogar sobre a maneira pela qual o
crime foi cometido e sobre as circunstncias que o acompanham.
Um juiz no pode, contudo, permitir
as questes diretas, que sugiram ao acusado uma resposta
imediata. O juiz que interroga, dizem os criminalistas, s deve
ir ao fato indiretamente, e nunca em linha reta.
Se se estabeleceu esse mtodo para
evitar sugerir ao acusado uma resposta que o salve, ou por que foi
considerada coisa monstruosa e contra a natureza um homem
acusar-se a si mesmo, qualquer que tenha sido o fim visado com a
proibio dos interrogatrios sugestivos, fez-se cair as leis
numa contradio bem notria, pois que ao mesmo tempo se
autorizou a tortura.
Haver, com efeito, interrogatrio
mais sugestivo do que a dor? O celerado robusto, que pode evitar
uma pena longa e rigorosa, sofrendo com fora tormentos de um
instante, guarda um silncio obstinado e se v absolvido. Mas, a
questo arranca ao homem fraco uma confisso pela qual ele se
livra da dor presente, que o afeta mais fortemente do que todos os
males futuros.
E, se um interrogatrio especial
contrrio natureza, obrigando o acusado a acusar-se a si
mesmo, no ser ele constrangido a isso mais violentamente pelos
tormentos e as convulses da dor? Os homens, porm, se ocupam
muito mais, em sua norma de conduta, com a diferena das palavras
do que com a das coisas.
Observemos, finalmente, que aquele
que se obstina a no responder ao interrogatrio a que
submetido merece sofrer uma pena que deve ser fixada pelas leis.
mister que essa pena seja muito
pesada; porque o silncio de um criminoso, perante o juiz que o
interroga, para a sociedade um escndalo e a justia uma
ofensa que cumpre prevenir tanto quanto possvel.
Mas, essa pena particular j no
necessria quando o crime j foi constatado e o criminoso
convencido, pois nesse caso o interrogatrio se torna intil.
Semelhantemente, as confisses do acusado no so necessrias
quando provas suficientes demonstraram que ele evidentemente
culpado do crime de que se trata. Este ltimo caso o mais
ordinrio; e a experincia mostra que, na maior parte dos
processos criminais, os culpados negam tudo.
XI. DOS
JURAMENTOS 4v264d
OUTRA
contradio entre as leis e os sentimentos naturais exigir de
um acusado o juramento de dizer a verdade, quando ele tem o maior
interesse em cal-la. Como se o homem pudesse jurar de boa f
que vai contribuir para sua prpria destruio! Como se, o mais
das vezes, a voz do interesse no abafasse no corao humano a
da religio!
A histria de todos os sculos
prova que esse dom sagrado do cu a coisa de que mais se
abusa. E como a respeitaro os celerados, se ela diariamente
ultrajada pelos homens considerados mais sbios e mais virtuosos?
Os motivos que a religio ope ao
temor dos tormentos e ao amor vida so quase sempre fracos
demais, porque no impressionam os sentidos. As coisas do cu
esto submetidas a leis inteiramente diversas das da terra.
Porque comprometer essas leis umas com as outras? Porque colocar o
homem na atroz alternativa de ofender a Deus, ou perder-se? E no
deixar ao acusado seno a escolha de ser mau cristo ou mrtir
do juramento. Destri-se dessa forma toda a fora dos
sentimentos religiosos, nico apoio da honestidade no corao
da maior parte dos homens; e pouco a pouco os juramentos no so
mais do que uma simples formalidade sem conseqncias.
Consulte-se a experincia e se
reconhecer que os juramentos so inteis, pois no h juiz
que no convenha que jamais o juramento faz o acusado dizer a
verdade.
A razo faz ver que assim deve ser,
porque todas as leis opostas aos sentimentos naturais do homem so
vs e conseguintemente funestas.
Tais leis podem ser comparadas a um
dique que se elevasse diretamente no meio das guas de um rio
para interromper-lhe o curso: ou o dique imediatamente
derrubado pela torrente que o leva, ou se forma debaixo dele um
abismo que o mina e o destri insensivelmente.
XII. DA QUESTO
OU TORTURA 515s3r
uma
barbaria consagrada pelo uso na maioria dos governos aplicar a
tortura a um acusado enquanto se faz o processo, quer para
arrancar dele a confisso do crime, quer para esclarecer as
contradies em que caiu, quer para descobrir os cmplices ou
outros crimes de que no acusado, mas do qual poderia ser
culpado, quer enfim porque sofistas incompreensveis pretenderam
que a tortura purgava a infmia.
Um homem no pode ser considerado
culpado antes da sentena do juiz; e a sociedade s lhe pode
retirar a proteo pblica depois que ele se convenceu de ter
violado as condies com as quais estivera de acordo. O direito
da fora s pode, pois, autorizar um juiz a infligir uma pena a
um cidado quando ainda se duvida se ele inocente ou culpado.
Eis uma proposio bem simples: ou
o delito certo, ou incerto. Se certo, s deve ser punido
com a pena fixada pela lei, e a tortura intil, pois j no
se tem necessidade das confisses do acusado. Se o delito
incerto, no hediondo atormentar um inocente? Com efeito,
perante as leis, inocente aquele cujo delito no se provou.
Qual o fim poltico dos castigos? o
terror que imprimem nos coraes inclinados ao crime.
Mas, que se deve pensar das
torturas, esses suplcios secretos que a tirania emprega na
obscuridade das prises e que se reservam tanto ao inocente como
ao culpado?
Importa que nenhum delito conhecido
fique impune; mas, nem sempre til descobrir o autor de um
delito encoberto nas trevas da incerteza.
Um crime j cometido, para o qual j
no h remdio, s pode ser punido pela sociedade poltica
para impedir que os outros homens cometam outros semelhantes pela
esperana da impunidade. Se verdade que a maioria dos homens
respeita as leis pelo temor ou pela virtude, se provvel que
um cidado prefira segui-las a viol-las, o juiz que ordena a
tortura expe-se constantemente a atormentar inocentes.
Direi ainda que monstruoso e
absurdo exigir que um homem seja acusador de si mesmo, e procurar
fazer nascer a verdade pelos tormentos, como se essa verdade
residisse nos msculos e nas fibras do infeliz! A lei que
autoriza a tortura uma lei que diz: "Homens, resisti
dor. A natureza vos deu um amor invencvel ao vosso ser, e o
direito inalienvel de vos defenderdes; mas, eu quero criar em vs
um sentimento inteiramente contrrio; quero inspirar-vos um dio
de vs mesmos; ordeno-vos que vos tomeis vossos prprios
acusadores e digais enfim a verdade ao meio das torturas que vos
quebraro os ossos e vos dilacerao os msculos... "
Esse meio infame de descobrir a
verdade um monumento da brbara legislao dos nossos
anteados, que honravam com o nome de julgamentos de Deus as
provas de fogo, as da gua fervendo e a sorte incerta dos
combates. Como se os elos dessa corrente eterna, cuja origem est
no seio da Divindade, pudessem desunir-se ou romper-se a cada
instante, ao sabor dos caprichos e das frvolas instituies
dos homens!
A nica diferena existente entre
a tortura e as provas de fogo que a tortura s prova o crime
quando o acusado quer confessar, ao o que as provas queimantes
deixavam uma marca exterior, considerada como prova do crime.
Todavia, essa diferena mais
aparente do que real. O acusado to capaz de no confessar o
que se exige dele quanto o era outrora de impedir, sem fraude, os
efeitos do fogo e da gua fervendo.
Todos os atos da nossa vontade so
proporcionais fora das impresses sensveis que os causam,
e a sensibilidade de todo homem limitada. Ora, se a impresso
da dor se torna muito forte para ocupar todo o poder da alma, ela
no deixa a quem a sofre nenhuma outra atividade que exercer seno
tomar, no momento, a via mais curta para evitar os tormentos
atuais.
Dessa forma, o acusado j no pode
deixar de responder, pois no poderia escapar s impresses do
fogo e da gua.
O inocente exclamar, ento, que
culpado, para fazer cessar torturas que j no pode ar;
e o mesmo meio empregado para distinguir o inocente do criminoso
far desaparecer toda diferena entre ambos.
A tortura muitas vezes um meio
seguro de condenar o inocente fraco e de absolver o celerado
robusto. esse, de ordinrio, o resultado terrvel dessa barbrie
que se julga capaz de produzir a verdade, desse uso digno dos
canibais, e que os romanos, mau grado a dureza dos seus costumes,
reservavam exclusivamente aos escravos, vtimas infelizes de um
povo cuja feroz virtude tanto se tem gabado.
De dois homens, igualmente inocentes
ou igualmente culpados, aquele que for mais corajoso e mais
robusto ser absolvido; o mais fraco, porm, ser condenado em
virtude deste raciocnio: "Eu, juiz, preciso encontrar um
culpado. Tu, que s vigoroso, soubeste resistir dor, e por
isso eu te absolvo. Tu, que s fraco, cedeste fora dos
tormentos; portanto, eu te condeno. Bem sei que uma confisso
arrancada pela violncia da tortura no tem valor algum; mais,
se no confirmares agora o que confessaste, far-te-ei atormentar
de novo".
O resultado da questo depende,
pois, de temperamento e de clculo, que varia em cada homem na
proporo de sua fora e sensibilidade; de maneira que, para
prever o resultado da tortura, bastaria resolver o problema
seguinte, mais digno de um matemtico do que de um juiz:
"Conhecidas a fora dos msculos e a sensibilidade das
fibras de um acusado, achar o grau de dor que o obrigar a
confessar-se culpado de determinado crime".
Interrogam um acusado para conhecer
a verdade; mas, se to dificilmente a distinguem no ar, nos
gestos e na fisionomia de um homem tranqilo, como a descobriro
nos traos descompostos pelas convulses da dor, quando todos os
sinais, que traem s vezes a verdade na fronte dos culpados,
estiverem alterados e confundidos?
Toda ao violenta faz desaparecer
as pequenas diferenas dos movimentos pelos quais se distingue,
s vezes, a verdade da mentira.
Resulta ainda do uso das torturas
uma conseqncia bastante notvel: que o inocente se acha
numa posio pior que a do culpado. Com efeito, o inocente
submetido questo tem tudo contra si: ou ser condenado, se
confessar o crime que no cometeu, ou ser absolvido, mas depois
de sofrer tormentos que no mereceu.
O culpado, ao contrrio, tem por si
um conjunto favorvel: ser absolvido se ar a tortura com
firmeza, e evitar os suplcios de que foi ameaado, sofrendo
uma pena muito mais leve. Assim, o inocente tem tudo que perder, o
culpado s pode ganhar.
Essas verdades so sentidas,
afinal, embora confusamente, pelos prprios legisladores; mas,
nem por isso suprimiram a tortura. Limitam-se a achar que as
confisses do acusado pelos tormentos so nulas se no forem em
seguida confirmadas pelo juramento. Se, porm, recusar-se a
confirm-las, ser torturado de novo.
Em alguns pases e segundo certos
jurisconsultos, essas odiosas violncias no so permitidas
mais do que trs vezes; em outros, porm, e segundo outros
doutores, o direito de torturar fica inteiramente discrio
do juiz.
E intil fundamentar essas reflexes
com os inumerveis exemplos de inocentes que se confessaram
culpados no meio de torturas. No h povo, no h sculo que
no possa citar os seus.
Os homens so sempre os mesmos: vem
as coisas presentes sem preocupar-se com as conseqncias. No
h homem que, elevando suas idias alm das primeiras
necessidades da vida, no tenha ouvido a voz interior da natureza
cham-lo a si e no tenha sido tentado a se lanar de novo nos
braos dela. Mas, o uso, esse tirano das almas vulgares, o
comprime e o retm no erro.
O segundo motivo, pelo qual se
submete questo um homem que se supe culpado, a esperana
de esclarecer as contradies em que ele caiu nos interrogatrios
que o fizeram sofrer. Mas, o medo do suplcio, a incerteza do
julgamento que vai ser pronunciado, a solenidade dos processos, a
majestade do juiz, a prpria ignorncia, igualmente comum
maior parte dos acusados inocentes ou culpados, so outras tantas
razes para fazer cair em contradio, no s a inocncia
que treme como o crime que procura ocultar-se.
Poder-se-ia crer que as contradies,
to ordinrias no homem, ainda mesmo quando este tem o esprito
tranqilo, no se multiplicaro nesses momentos de perturbao,
nos quais a idia de escapar a um perigo iminente absorve toda a
alma?
Em terceiro lugar, submeter um
acusado tortura, para descobrir se ele culpado de outros
crimes alm daquele de que acusado, fazer este odioso
raciocnio: "Tu s culpado de um delito; , pois, possvel
que tenhas cometido cem outros. Essa suspeita me preocupa; quero
certificar-me; vou empregar minha prova de verdade. As leis te faro
sofrer pelos crimes que cometeste, pelos que poderias cometer e
por aqueles dos quais eu quero considerar-te culpado".
Aplica-se igualmente a questo a um
acusado para descobrir os seus cmplices. Mas, se est provado
que a tortura no nada menos do que um meio certo de descobrir
a verdade, como far ela conhecer os cmplices, quando esse
conhecimento uma das verdades que se procuram?
E certo que aquele que se acusa a si
mesmo mais facilmente acusar a outrem.
Alm disso, ser justo atormentar
um homem pelos crimes de outro homem? No podem descobrir-se os cmplices
pelos interrogatrios do acusado e das testemunhas, pelo exame
das provas e do corpo de delito, em suma, por todos os meios
empregados para constatar o delito?
Os cmplices fogem quase sempre,
logo que o companheiro preso. S a incerteza da sorte que os
espera condena-os ao exlio e livra a sociedade dos novos
atentados que poderia recear deles; ao o que o suplcio do
culpado que ela tem nas mos amedronta os outros homens e os
desvia do crime, sendo esse o nico fim dos castigos.
A pretensa necessidade de purgar a
infmia ainda um dos absurdos motivos do uso das torturas. Um
homem declarado infame pelas leis se torna puro porque confessa o
crime enquanto lhe quebram os ossos? Poder a dor, que uma
sensao, destruir a infmia, que uma combinao moral?
Ser a tortura um cadinho e a infmia um corpo misto que deponha
nele tudo o que tem de impuro?
Em verdade, abusos to ridculos no
deveriam ser tolerados no sculo XVIII.
A infmia no um sentimento
sujeito s leis ou regulado pela razo. obra exclusiva da
opinio. Ora, como a tortura torna infame aquele que a sofre,
absurdo que se queira lavar desse modo a infmia com a prpria
infmia.
No difcil remontar a origem
dessa lei estranha, porque os absurdos adotados por uma nao
inteira se apoiam sempre em outras idias estabelecidas e
respeitadas nessa mesma nao. O uso de purgar a infmia pela
tortura parece ter sua fonte nas prticas da religio, que tanta
influncia exerce sobre o esprito dos homens de todos os pases
e de todos os tempos. A f nos ensina que as ndoas contradas
pela fraqueza humana, quando no mereceram a clera eterna do
Ser supremo, so purificadas em outro mundo por um fogo
incompreensvel. Ora, a infmia uma ndoa civil; e, uma vez
que a dor e o fogo do purgatrio apagam as manchas espirituais,
porque os tormentos da questo no tirariam a ndoa civil da
infmia?
Creio que se pode dar uma origem
mais ou menos semelhante ao uso que observam certos tribunais de
exigir as confisses do culpado como essenciais para sua condenao.
Tal uso parece tirado do misterioso tribunal da penitncia, no
qual a confisso dos pecados parte necessria dos
sacramentos.
E dessa forma que os homens abusam
das luzes da revelao; e, como essas luzes so as nicas que
iluminam os sculos da ignorncia, a elas que a dcil
humanidade recorreu em todas as ocasies, mas para fazer as
aplicaes mais falsas e mais infelizes.
A solidez dos princpios que
expusemos neste captulo era conhecida dos legisladores romanos,
que s submetiam tortura os escravos, espcie de homens sem
direito algum e sem nenhuma parte nas vantagens da sociedade
civil. Esses princpios foram adotados na Inglaterra, nao que
prova a excelncia de suas leis pelos seus progressos nas cincias,
pela superioridade do seu comrcio, pela extenso de suas
riquezas, por seu poder e por freqentes exemplos de coragem e de
virtude poltica.
A Sucia, igualmente convencida da
injustia da tortura, j no permite o seu uso. Esse infame
costume foi abolido por um dos mais sbios monarcas da Europa (12),
que elevou a filosofia ao trono e que, legislador benvolo, amigo
dos sditos, os tornou iguais e livres sob a dependncia das
leis; nica liberdade que homens razoveis podem esperar da
sociedade; nica igualdade que esta pode itir.
Enfim, as leis militares no
itiram a tortura; e, se esta pudesse existir em alguma parte,
seria sem dvida nos exrcitos, compostos em grande parte da escria
das naes.
Coisa espantosa para quem no
refletiu sobre a tirania do uso! So homens endurecidos nos
morticnios e familiarizados com o sangue que do aos
legisladores de um povo em paz o exemplo de julgar os homens com
mais humanidade!
XIII. DA DURAO DO PROCESSO E DA
PRESCRIOQUANDO
o delito constatado e as provas so certas, justo conceder
ao acusado o tempo e os meios de justificar-se, se lhe for possvel;
preciso, porm, que esse tempo seja bastante curto para no
retardar demais o castigo que deve seguir de perto o crime, se se
quiser que o mesmo seja um freio til contra os celerados.
Um mal entendido amor da humanidade
poder condenar logo essa presteza, a qual, porm, ser
aprovada pelos que tiverem refletido sobre os perigos mltiplos
que as extremas procrastinaes da legislao fazem correr
inocncia.
Cabe exclusivamente s leis fixar o
espao de tempo que se deve empregar para a investigao das
provas do delito, e o que se deve conceder ao acusado para sua
defesa. Se o juiz tivesse esse direito, estaria exercendo as funes
do legislador.
Quando se trata desses crimes
atrozes cuja memria subsiste por muito tempo entre os homens, se
os mesmos forem provados, no deve haver nenhuma prescrio em
favor do criminoso que se subtrai ao castigo pela fuga. No
esse, todavia, o caso dos delitos ignorados e pouco considerveis:
mister fixar um tempo aps o qual o acusado, bastante punido
pelo exlio voluntrio, possa reaparecer sem recear novos
castigos.
Com efeito, a obscuridade que
envolveu por muito tempo o delito diminui muito a necessidade do
exemplo, e permite devolver ao cidado sua condio e seus
direitos com o poder de torn-lo melhor.
S posso indicar aqui princpios
gerais. Para fazer sua aplicao precisa, mister considerar a
legislao existente, os usos do pas, as circunstncias.
Limito-me a acrescentar que, para um povo que reconhecesse as
vantagens das penas moderadas, se as leis abreviassem ou
prolongassem a durao dos processos e o tempo da prescrio
segundo a gravidade do delito, se a priso provisria e o exlio
voluntrio fossem contados como uma parte da pena merecida pelo
culpado, chegar-se-ia a estabelecer assim uma justa progresso de
castigos suaves para um grande nmero de delitos.
Mas, o tempo que se emprega na
investigao das provas e o que fixa a prescrio no devem
ser prolongados em razo da gravidade do crime que se persegue,
porque, enquanto um crime no est provado, quanto mais atroz,
menos verossmil ele. Ser preciso, pois, s vezes, reduzir
o tempo dos processos e aumentar o que se exige para a prescrio.
Esse princpio parece, primeira
vista, contraditrio em relao ao que estabeleci mais acima, e
segundo o qual podem aplicar-se penas iguais para crimes
diferentes, considerando como partes do castigo o exlio voluntrio
ou a priso que precedeu a sentena. Procurarei explicar-me com
mais clareza.
Podem distinguir-se duas espcies
de delitos. A primeira a dos crimes atrozes, que comea pelo
homicdio e que compreende toda a progresso dos mais horrveis
assassnios. Incluiremos na segunda espcie os delitos menos
hediondos do que o homicdio.
Essa distino tirada da
natureza. A segurana das pessoas um direito natural; a
segurana dos bens um direito da sociedade. H bem poucos
motivos capazes de levar o homem a abafar no corao o
sentimento natural da compaixo que o desvia do assassnio. Mas,
como cada um vido de buscar o seu bem-estar, como o direito
de propriedade no est gravado nos coraes, sendo simples
obra das convenes sociais, h uma poro de motivos que
induzem os homens a violar tais convenes.
Se se quiser estabelecer regras de
probabilidade para essas duas espcies de delitos, preciso
coloc-las sobre bases diferentes. Nos grandes crimes, pela razo
mesma de que so mais raros, deve diminuir-se a durao da
instruo e do processo, porque a inocncia do acusado mais
provvel do que o crime. Deve-se, porm, prolongar o tempo da
prescrio.
Por esse meio, que acelera a sentena
definitiva, tira-se aos maus a esperana de uma impunidade tanto
mais perigosa quanto maiores so os crimes.
Ao contrrio, nos delitos menos
considerveis e mais comuns, preciso prolongar o tempo dos
processos, porque a inocncia do acusado menos provvel, e
diminuir o tempo fixado para a prescrio, porque a impunidade
menos perigosa.
mister, igualmente, notar que, se
no se atender a isso, essa diferena de processo entre as duas
espcies de delitos pode dar ao criminoso a esperana da
impunidade, esperana tanto mais fundada quanto o crime for mais
hediondo e, portanto, mais verossmil. Observemos, porm, que um
acusado solto por falta de provas no nem absolvido nem
condenado; que pode ser preso de novo pelo mesmo crime e submetido
a novo exame, se se descobrirem novos indcios do seu delito
antes de terminar o tempo fixado para a prescrio, segundo o
crime cometido.
Tal , pelo menos ao meu ver, o
critrio que se poderia seguir para preservar ao mesmo tempo a
segurana dos cidados e a sua liberdade, sem favorecer uma em
detrimento da outra. Esses dois bens so igualmente patrimnio
inalienvel de todos os cidados; e ambos esto cercados de
perigos quando a segurana individual abandonada ao capricho
de um dspota e quando a liberdade protegida pela desordem
tumultuosa.
Cometem-se na sociedade certos
crimes que so ao mesmo tempo comuns e difceis de constatar.
Desde ento, pois quase impossvel provar tais crimes, a inocncia
provvel perante a lei. E, como a esperana da impunidade
contribui pouco para multiplicar essas espcies de delitos, que tm
todos causas diferentes, a impunidade raramente perigosa. Nesse
caso, podem, pois, diminuir-se igualmente o tempo dos processos e
o da prescrio.
Mas, segundo os princpios aceitos,
principalmente para os crimes difceis de provar, como o adultrio,
a pederastia, que se item arbitrariamente as presunes, as
conjecturas, as semiprovas, como se um homem pudesse ser
semi-inocente ou semi-culpado, e merecer ser semi-absolvido ou
semi-punido!
sobretudo nesse gnero de
delitos que se exercem as crueldades da tortura sobre o acusado,
sobre as testemunhas, sobre a famlia inteira do infeliz de quem
se suspeita, segundo as odiosas lies de alguns criminalistas,
que escreveram, com fria barbrie, compilaes de iniqidades
que ousam apresentar como regras aos magistrados e como leis s
naes.
Quando se reflete sobre todas essas
coisas, -se forado a reconhecer com amargura que a razo
quase nunca tem sido consultada nas leis que se deram aos povos.
Os crimes mais hediondos, os delitos mais obscuros e mais quimricos,
e portanto os mais inverossmeis, so precisamente os que se
consideram constatados sobre simples conjecturas e indcios menos
slidos e mais equvocos. Dizer-se-ia que as leis e o magistrado
s tm interesse em descobrir um crime, e no em procurar a
verdade; e que o legislador no v que se expe constantemente
ao risco de condenar um inocente, pronunciando-se sobre crimes
inverossmeis ou mal provados.
maioria dos homens falta essa
energia que produz igualmente as grandes aes e os grandes
crimes, e que traz quase sempre juntas as virtudes magnnimas e
os crimes monstruosos, nos Estados que s se mantm pela
atividade do governo, pelo orgulho nacional e pelo concurso das
paixes pelo bem pblico.
Quanto s naes cujo poderio
consolidado e constantemente sustentado por boas leis, as paixes
enfraquecidas parecem mais capazes de manter a forma de governo
estabelecida do que de melhor-la. Da resulta uma conseqncia
importante: que os grandes crimes nem sempre so a prova da decadncia
de um povo.
XIV. DOS CRIMES COMEADOS; DOS CMPLICES;
DA IMPUNIDADE
SE
BEM que as leis no possam punir a inteno, no menos
verdadeira que uma ao que seja o comeo de um delito e que
prova a vontade de comet-lo, merece um castigo, mas menos grande
do que o que seria aplicado se o crime tivesse sido cometido.
Esse castigo necessrio, porque
importante prevenir mesmo as primeiras tentativas dos crimes.
Mas, como pode haver um intervalo entre a tentativa de um delito e
a sua execuo, justo reservar uma pena maior ao crime
consumado, para deixar quele que apenas comeou o crime alguns
motivos que o impeam de acab-lo.
Deve seguir-se a mesma gradao
nas penas, em relao aos cmplices, se estes no foram todos
executantes imediatos.
Quando vrios homens se unem para
enfrentar um perigo comum, quanto maior o perigo, tanto mais
procuraro torn-lo igual para todos. Se as leis punissem mais
severamente os executantes do crime do que os simples cmplices,
seria mais difcil aos que meditam um atentado encontrar entre
eles um homem que quisesse execut-lo, porque o risco seria
maior, em virtude da diferena das penas. H, contudo, um caso
em que a gente deve afastar-se da regra que formulamos, e
quando o executante do crime recebeu dos cmplices uma recompensa
particular; como a diferena do risco foi compensada pela diferena
das vantagens, o castigo deve ser igual.
Se tais reflexes parecerem um
tanto rebuscadas, reflita-se que importantssimo que as leis
deixem aos cmplices da m ao o mnimo de meios possvel
para que se ponham de acordo.
Alguns tribunais oferecem a
impunidade ao cmplice de um grande crime que trair os seus
companheiros. Esse expediente apresenta certas vantagens; mas, no
est isento de perigos, de vez que a sociedade autoriza desse
modo a traio, que repugna aos prprios celerados. Ela
introduz os crimes de covardia, bem mais funestos do que os crimes
de energia e de coragem, porque a coragem pouco comum e espera
apenas uma fora benfazeja que a dirija para o bem pblico, ao
o que a covardia, muito mais geral, um contgio que
infecta rapidamente todas as almas.
O tribunal que emprega a impunidade
para conhecer um crime mostra que se pode encobrir esse crime,
pois que ele no o conhece; e as leis descobrem-lhe a fraqueza,
implorando o socorro do prprio celerado que as violou.
Por outro lado, a esperana da
impunidade, para o cmplice que trai, pode prevenir grandes
crimes e reanimar o povo, sempre apavorado quando v crimes
cometidos sem conhecer os culpados.
Esse uso mostra ainda aos cidados
que aquele que infringe as leis, isto , as convenes pblicas,
j no fiel s convenes particulares.
Parece-me que uma lei geral, que
prometesse a impunidade a todo cmplice que revela um crime,
seria prefervel a uma declarao especial num caso particular:
preveniria a unio dos maus, pelo temor recproco que inspiraria
a cada um de se expor sozinho aos perigos; e os tribunais j no
veriam os celerados encorajados pela idia de que h casos em
que se pode ter necessidade deles. De resto, seria preciso
acrescentar aos dispositivos dessa lei que a impunidade traria
consigo o banimento do delator.
, porm, em vo que procuro
abafar os remorsos que me afligem, quando autorizo as santas leis,
fiadoras sagradas da confiana pblica, base respeitvel dos
costumes, a proteger a perfdia, a legitimar a traio. E que
oprbrio para uma nao, se os seus magistrados, tornados infiis,
faltassem promessa que fizeram e se apoiassem vergonhosamente
em vs sutilezas, para levar ao suplcio aquele que respondeu ao
convite das leis!...
Esses monstruosos exemplos no so
raros; eis porque tanta gente s v na sociedade poltica uma mquina
complicada, na qual os mais hbeis ou os mais poderosos governam
as molas ao seu capricho.
Eis tambm o que multiplica esses
homens frios, insensveis a tudo o que encanta as almas ternas,
que s experimentam sensaes calculadas e que, todavia, sabem
excitar nos outros os sentimentos mais caros e as paixes mais
fortes, quando estas so teis aos seus projetos; semelhantes ao
msico hbil que, sem nada sentir ele prprio, tira do
instrumento que domina sons tocantes. ou terrveis.
XV. DA MODERAO DAS PENAS 86452
AS
VERDADES at aqui expostas demonstram evidncia que o fim das
penas no pode ser atormentar um ser sensvel, nem fazer que um
crime no cometido seja cometido.
Como pode um corpo poltico, que,
longe de se entregar s paixes, deve ocupar-se exclusivamente
com pr um freio nos particulares, exercer crueldades inteis e
empregar o instrumento do furor, do fanatismo e da covardia dos
tiranos? Podero os gritos de um infeliz nos tormentos retirar do
seio do ado, que no volta mais, uma ao j cometida? No.
Os castigos tm por fim nico impedir o culpado de ser nocivo
futuramente sociedade e desviar seus concidados da senda do
crime.
Entre as penas, e na maneira de
aplic-las proporcionalmente aos delitos, mister, pois,
escolher os meios que devem causar no esprito pblico a impresso
mais eficaz e mais durvel, e, ao mesmo tempo, menos cruel no
corpo do culpado.
Quem no estremece de horror ao ver
na histria tantos tormentos atrozes e inteis, inventados e
empregados friamente por monstros que se davam o nome de sbios?
Quem poderia deixar de tremer at ao fundo da alma, ao ver os
milhares de infelizes que o desespero fora a retomar a vida
selvagem, para escapar a males inveis causados ou
tolerados por essas leis injustas que sempre acorrentaram e
ultrajaram a multido, para favorecer unicamente um pequeno nmero
de homens privilegiados?
Mas, a superstio e a tirania os
perseguem; acusam-nos de crimes impossveis ou imaginrios; ou
ento so culpados, mas somente de terem sido fiis s leis da
natureza. No importa! Homens dotados dos mesmos sentidos e
sujeitos s mesmas paixes se comprazem em julg-los
criminosos, tm prazer em seus tormentos, dilaceram-nos com
solenidade, aplicam-lhes torturas e os entregam ao espetculo de
uma multido fantica que goza lentamente com suas dores.
Quanto mais atrozes forem os
castigos, tanto mais audacioso ser o culpado para evit-los.
Acumular os crimes, para subtrair-se pena merecida pelo
primeiro.
Os pases e os sculos em que os
suplcios mais atrozes foram postos em prtica, so tambm
aqueles em que se viram os crimes mais horrveis. O mesmo esprito
de ferocidade que ditava leis de sangue ao legislador, punha o
punhal nas mos do assassino e do parricida. Do alto do trono, o
soberano dominava com uma verga de ferro; e os escravos s
imolavam os tiranos para possurem novos.
medida que os suplcios se
tornam mais cruis, a alma, semelhante aos fluidos que se pem
sempre ao nvel dos objetos que os cercam, endurece-se pelo espetculo
renovado da barbrie. A gente se habitua aos suplcios horrveis;
e, depois de cem anos de crueldades multiplicadas, as paixes,
sempre ativas, so menos refreadas pela roda e pela fora do que
antes o eram pela priso.
Para que o castigo produza o efeito
que dele se deve esperar, basta que o mal que causa ultrae o
bem que o culpado retirou do crime. Devem contar-se ainda como
parte do castigo os terrores que precedem a execuo e a perda
das vantagens que o crime devia produzir. Toda severidade que
ultrae os limites se torna suprflua e, por conseguinte, tirnica.
Os males que os homens conhecem por
funesta experincia regularo melhor a sua conduta do que
aqueles que eles ignoram. Suponde duas naes entre aquelas em
que as penas so proporcionais aos delitos. Sendo a escravido
perptua o maior castigo em uma, e o suplcio o maior em outra,
certo que essas duas penas inspiraro em cada uma igual
terror.
E, se houvesse uma razo para
transportar para o primeiro povo os castigos mais rigorosos
estabelecidos no segundo, a mesma razo conduziria a aumentar
para este a crueldade dos suplcios, ando insensivelmente do
uso da roda para tormentos mais lentos e mais requintados, em
suma, para o ltimo refinamento da cincia dos tiranos.
A crueldade das penas produz ainda
dois resultados funestos, contrrios ao fim do seu
estabelecimento, que prevenir o crime.
Em primeiro lugar, muito difcil
estabelecer uma justa proporo entre os delitos e as penas;
porque, embora uma crueldade industriosa tenha. multiplicado as
espcies de tormentos, nenhum suplcio pode ultraar o ltimo
grau da fora humana, limitada pela sensibilidade e a organizao
do corpo do homem. Alm desses limites, se surgirem crimes mais
hediondos, onde se encontraro penas bastante cruis?
Em segundo lugar, os suplcios mais
horrveis podem acarretar s vezes a impunidade. A energia da
natureza humana circunscrita no mal como no bem. Espetculos
demasiado brbaros s podem ser o resultado dos furores
ageiros de um tirano, e no ser sustentados por um sistema
constante de legislao. Se as leis so cruis, ou logo sero
modificadas, ou no mais podero vigorar e deixaro o crime
impune.
Termino por esta reflexo: que o
rigor das penas deve ser relativo ao estado atual da nao. So
necessrias impresses fortes e sensveis para impressionar o
esprito grosseiro de um povo que sai do estado selvagem. Para
abater o leo furioso, necessrio o raio, cujo rudo s faz
irrit-lo. Mas, medida que as almas se abrandam no estado de
sociedade, o homem se torna mais sensvel; e, se se quiser
conservar as mesmas relaes entre o objeto e a sensao, as
penas devem ser menos rigorosas.
XVI. DA PENA DE MORTE 725e57
ANTE
o espetculo dessa profuso de suplcios que jamais tornaram os
homens melhores, eu quero examinar se a pena de morte
verdadeiramente til e se justa num governo sbio.
Quem poderia ter dado a homens o
direito de degolar seus semelhantes? Esse direito no tem
certamente a mesma origem que as leis que protegem.
A soberania e as leis no so mais
do que a soma das pequenas pores de liberdade que cada um
cedeu sociedade. Representam a vontade geral, resultado da unio
das vontades particulares. Mas, quem j pensou em dar a outros
homens o direito de tirar-lhe a vida? Ser o caso de supor que,
no sacrifcio que faz de uma pequena parte de sua liberdade,
tenha cada indivduo querido arriscar a prpria existncia, o
mais precioso de todos os bens?
Se assim fosse, como conciliar esse
princpio com a mxima que probe o suicdio? Ou o homem tem o
direito de se matar, ou no pode ceder esse direito a outrem nem
sociedade inteira. A pena de morte no se apoia, assim, em
nenhum direito. uma guerra declarada a um cidado pela nao,
que julga a destruio desse cidado necessria ou til. Se
eu provar, porm, que a morte no til nem necessria,
terei ganho a causa da humanidade.
A morte de um cidado s pode ser
encarada como necessria por dois motivos: nos momentos de confuso
em que uma nao fica na alternativa de recuperar ou de perder
sua liberdade, nas pocas de confuso, em que as leis so
substitudas pela desordem, e quando um cidado, embora privado
de sua liberdade, pode ainda, por suas relaes e seu crdito,
atentar contra a segurana pblica, podendo sua existncia
produzir uma revoluo perigosa no governo estabelecido.
Mas, sob o reino tranqilo das
leis, sob uma forma de governo aprovada pela nao inteira, num
Estado bem defendido no exterior e sustentado no interior pela fora
e pela opinio talvez mais poderosa do que a prpria fora, num
pas em que a autoridade exercida pelo prprio soberano, em
que as riquezas s podem, proporcionar prazeres e no poder, no
pode haver nenhuma necessidade de tirar a vida a um cidado, a
menos que a morte seja o nico freio capaz de impedir novos
crimes.
A experincia de todos os sculos
prova que a pena de morte nunca deteve celerados determinados a
fazer mal. Essa verdade se apoia no exemplo dos romanos e nos
vinte anos do reinado da imperatriz da Rssia, a benfeitora
Izabel (13),
que deu aos chefes dos povos uma lio mais ilustre do que todas
as brilhantes conquistas que a ptria s alcana ao preo do
sangue dos seus filhos.
Se os homens, a quem a linguagem da
razo sempre suspeita e que s se rendem autoridade dos
antigos usos, se recusam evidncia dessas verdades,
bastar-lhes- interrogar a natureza e consultar o prprio corao
para testemunhar os princpios que acabam de ser estabelecidos.
O rigor do castigo causa menos
efeito sobre o esprito humano do que a durao da pena, porque
a nossa sensibilidade mais fcil e mais constantemente afetada
por uma impresso ligeira, mas freqente, do que por um abalo
violento, mas ageiro. Todo ser sensvel est submetido ao
imprio do hbito; e, como este que ensina o homem a falar, a
andar, a satisfazer suas necessidades, tambm ele que grava no
corao do homem as idias de moral por impresses repetidas.
O espetculo atroz, mas momentneo,
da morte de um celerado para o crime um freio menos poderoso do
que o longo e contnuo exemplo de um homem privado de sua
liberdade, tornado at certo ponto uma besta de carga e que
repara com trabalhos penosos o dano que causou sociedade. Essa
volta freqente do espectador a si mesmo: "Se eu cometesse
um crime, estaria reduzido toda a minha vida a essa miservel
condio", - essa idia terrvel assombraria mais
fortemente os espritos do que o medo da morte, que se v apenas
um instante numa obscura distncia que lhe enfraquece o horror.
A impresso produzida pela viso
dos suplcios no pode resistir ao do tempo e das paixes,
que logo apagam da memria dos homens as coisas mais essenciais.
Por via de regra, as paixes
violentas surpreendem vivamente, mas o seu efeito no dura.
Produziro uma dessas revolues sbitas que fazem de repente
de um homem comum um romano ou um espartano. Mas, num governo
tranqilo e livre, so necessrias menos paixes violentas do
que impresses durveis.
Para a maioria dos que assistem
execuo de um criminoso, o suplcio deste apenas um espetculo;
para a minoria, um objeto de piedade mesclado de indignao.
Esses dois sentimentos ocupam a alma do espectador, bem mais do
que o terror salutar que o fim da pena de morte. Mas, as penas
moderadas e contnuas s produzem nos espectadores o sentimento
do medo.
No primeiro caso, sucede ao
espectador do suplcio o mesmo que ao espectador do drama; e,
assim como o avaro retorna ao seu cofre, o homem violento e
injusto retorna s suas injustias.
O legislador deve, por conseguinte,
pr limites ao rigor das penas, quando o suplcio no se torna
mais do que um espetculo e parece ordenado mais para ocupar a
fora do que para punir o crime.
Para que uma pena seja justa, deve
ter apenas o grau de rigor bastante para desviar os homens do
crime. Ora, no h homem que possa vacilar entre o crime, mau
grado a vantagem que este prometa, e o risco de perder para sempre
a liberdade.
Assim, pois, a escravido perptua,
substituindo a pena de morte, tem todo o rigor necessrio para
afastar do crime o esprito mais determinado. Digo mais:
encara-se muitas vezes a morte de modo tranqilo e firme, uns por
fanatismo, outros por essa vaidade que nos acompanha mesmo alm
do tmulo. Alguns, desesperados, fatigados da vida, vem na
morte um meio de se livrar da misria. Mas, o fanatismo e a
vaidade desaparecem nas cadeias, sob os golpes, em meio s barras
de ferro. O desespero no lhes pe fim aos males, mas os comea.
Nossa alma resiste mais violncia
das dores extremas, apenas ageiras, do que ao tempo e
continuidade do desgosto. Todas as foras da alma, reunindo-se
contra males ageiros, podem enfraquecer-lhes a ao; mas,
todas as suas molas acabam por ceder a penas longas e constantes.
Numa nao em que a pena de morte
empregada, foroso, para cada exemplo que se d, um novo
crime; ao o que a escravido perptua de um nico culpado pe
sob os olhos do povo um exemplo que subsiste sempre, e se repete.
Se mister que os homens tenham
sempre sob os olhos os efeitos do poder das leis, preciso que
os suplcios sejam freqentes, e desde ento preciso tambm
que os crimes se multipliquem; o que provar que a pena de morte
no causa toda a impresso que deveria produzir, e que intil
quando julgada necessria.
Dir-se- que a escravido perptua
tambm uma pena rigorosa e, por conseguinte, to cruel quanto
a morte. Responderei que, reunindo num ponto todos os momentos
infelizes da vida de um escravo, sua vida seria talvez mais horrvel
do que os suplcios mais atrozes; mas, esses momentos ficam
espalhados por todo o curso da vida, ao o que a pena de morte
exerce todas as suas foras num s instante.
A vantagem da pena da escravido
para a sociedade que amedronta mais aquele que a testemunha do
que quem a sofre, porque o primeiro considera a soma de todos os
momentos infelizes, ao o que o segundo se alheia de suas penas
futuras, pelo sentimento da infelicidade presente.
A imaginao aumenta todos os
males. Aquele que sofre encontra em sua alma, endurecida pelo hbito
da desgraa, consolaes e recursos que as testemunhas dos seus
males no conhecem, porque julgam segundo sua sensibilidade do
momento.
somente por uma boa educao
que se aprende a desenvolver e a dirigir os sentimentos do prprio
corao. Mas, embora os celerados no possam perceber os seus
princpios, nem por isso deixam de agir segundo um certo raciocnio.
Ora, eis mais ou menos, como raciocina um assassino ou um ladro,
que s se afasta do crime pelo medo do poder ou da roda:
"Quais so, afinal, as leis
que devo respeitar e que deixam to grande intervalo entre mim e
o rico? O homem opulento recusa-me com dureza a pequena esmola que
lhe peo e me manda para o trabalho, que eu jamais conheci. Quem
fez essas leis? Homens ricos e poderosos, que jamais se dignaram
de visitar a miservel choupana do pobre, que no viram repartir
um po grosseiro aos seus pobres filhos famintos e sua me
desolada. Rompamos as convenes, vantajosas somente para alguns
tiranos covardes, mas funestas para a maioria. Ataquemos a injustia
em sua fonte. Sim retornarei ao meu estado de independncia
natural, viverei livre, provarei por algum tempo os frutos felizes
da minha astcia e da minha coragem. frente de alguns homens
determinados como eu, corrigirei os enganos da fortuna e verei
meus tiranos tremer e empalidecer quando virem aquele que o seu
fausto insolente punha abaixo dos cavalos e dos ces. Talvez
venha uma poca de dor e de arrependimento, mas essa poca ser
curta; e por um dia de sofrimento, terei gozado vrios anos de
liberdade e de prazeres".
Se a religio se apresentar ento
ao esprito desse infeliz, no o intimidar; diminuir mesmo
aos seus olhos o horror do ltimo suplcio, oferecendo-lhe a
esperana de um arrependimento fcil e da felicidade eterna que
seu fruto. Mas aquele que tem diante dos olhos um grande nmero
de anos, ou mesmo a vida inteira que ar na escravido e na
dor, exposto ao desprezo dos seus concidados, dos quais fora um
igual, escravo dessas leis pelas quais era protegido, faz uma
comparao til de todos os males, do xito incerto do crime e
do pouco tempo que ter para gozar.
O exemplo sempre presente dos
infelizes que ele v vtimas da imprudncia impressiona-o muito
mais do que os suplcios, que podem endurec-lo, mas no
corrigi-lo.
A pena de morte ainda funesta
sociedade, pelos exemplos de crueldade que d aos homens.
Se as paixes ou a necessidade da
guerra ensinam a espalhar o sangue humano, as leis, cujo fim
suavizar os costumes, deveriam multiplicar essa barbaria, tanto
mais horrvel quanto d a morte com mais aparato e formalidades?
No absurdo que as leis, que so
a expresso da vontade geral, que detestam e punem o homicdio,
ordenem um morticnio pblico, para desviar os cidados do
assassnio?
Quais so as leis mais justas e
mais teis? So as que todos proporiam e desejariam observar,
nesses momentos em que o interesse particular se cala ou se
identifica com o interesse pblico.
Qual o sentimento geral sobre a
pena de morte? Est traado em caracteres indelveis nesses
movimentos de indignao e de desprezo que nos inspira a simples
viso do carrasco, que no contudo seno o executor inocente
da vontade pblica, um cidado honesto que contribui para o bem
geral e que defende a segurana do Estado no interior, como o
soldado, a defende no exterior.
Qual , pois, a origem dessa
contradio? E porque esse sentimento de horror resiste a todos
os esforos da razo? que, numa parte recndita da nossa
alma, na qual os princpios naturais ainda no foram alterados,
descobrimos um sentimento que nos grita que um homem no tem
nenhum direito legtimo sobre a vida de outro homem, e que s a
necessidade, que estende por toda parte o seu cetro de ferro, pode
dispor da nossa existncia.
Que se deve pensar ao ver o sbio
magistrado e os ministros sagrados da justia fazer arrastar um
culpado morte, com cerimnia, com tranqilidade, com
indiferena? E, enquanto o infeliz espera o golpe fatal, por
entre convulses e angstias, o juiz que acaba de o condenar
deixa friamente o tribunal para ir provar em paz as douras e os
prazeres da vida, e talvez louvar-se, com secreta complacncia,
pela autoridade que acaba de exercer. No ser o caso de dizer
que essas leis so apenas a mscara da tirania, que essas
formalidades cruis e refletidas da justia so simplesmente um
pretexto para imolar-nos com mais confiana, como vtimas
sacrificadas ao despotismo insacivel?
O assassnio, que nos aparece como
um crime horrvel, ns o vemos cometer friamente e sem remorso.
No poderemos autorizar-nos com esse exemplo? Pintavam-nos a
morte violenta como uma cena terrvel, e apenas questo de um
momento. Ser menos ainda para aquele que tiver coragem de ir-lhe
ao encontro e de poupar-se desse modo tudo o que ela tem de
doloroso. Tais so os tristes e funestos raciocnios que perdem
uma cabea j disposta ao crime, um esprito mais capaz de se
deixar conduzir pelos abusos da religio do que pela religio
mesma.
A histria dos homens um imenso
oceano de erros, no qual se v sobrenadar uma ou outra verdade
mal conhecida. No me oponham, pois, o exemplo da maior parte das
naes, que, em quase todos os tempos, aplicaram a pena de morte
contra certos crimes; esses exemplos nenhuma fora tm contra a
verdade que sempre tempo de reconhecer. Nesse caso,
aprovar-se-iam os sacrifcios humanos, porque estiveram
geralmente em uso entre todos os povos primitivos.
Mas, se descubro alguns povos que se
abstiveram, mesmo durante um curto espao de tempo do emprego da
pena de morte, posso prevalecer-me disso com razo; pois o
destino das grandes verdades no brilhar seno com a durao
do relmpago, no meio da longa noite de trevas que envolve o gnero
humano.
Ainda no chegaram os dias felizes
em que a verdade eliminar o erro e se tornar apangio de
maioria, em que o gnero humano no ser iluminado somente
pelas verdades reveladas.
Sinto quanto a voz fraca de um filsofo
ser facilmente abafada pelos gritos tumultuosos dos fanticos
escravos do preconceito. Mas, o pequeno nmero de sbios
espalhados pela superfcie da terra saber entender-me; seu corao
aprovar meus esforos; e se, mau grado todos os obstculos que
a afastam do trono, a verdade pudesse penetrar at aos ouvidos
dos prncipes, saibam eles que essa verdade lhes leva os votos
secretos da humanidade inteira; saibam que, se protegerem a
verdade santa, sua glria ofuscar a dos mais famosos
conquistadores e a eqitativa posteridade colocar seus nomes
acima dos Titos (14),
dos Antoninos (15)
e dos Trajanos (16).
Feliz o gnero humano, se, pela
primeira vez, recebesse leis! Hoje, que vemos elevados nos tronos
da Europa prncipes benfeitores, amigos das virtudes pacficas,
protetores das cincias e das artes, pais dos seus povos, e cidados
coroados; quando esses prncipes, consolidando sua autoridades,
trabalham para a felicidade dos seus sditos, quando destroem
esse despotismo intermedirio, tanto mais cruel quanto menos
solidamente estabelecido, quando comprimem os tiranos subalternos
que interceptam os votos do povo e os impedem de chegar at ao
trono, onde seriam escutados; quando se considera que, se tais prncipes
deixam subsistir leis defeituosas, porque so premidos pela
extrema dificuldade de destruir erros acreditados por uma longa srie
de sculos e protegidos por um certo nmero de homens
interessados que punem: todo cidado esclarecido deve desejar com
ardor que o poder desses soberanos ainda aumente e se torne
bastante grande para permitir-lhes a reforma de uma legislao
funesta.
XVII. DO BANIMENTO E DAS CONFISCAES 3i6u5n
AQUELE
que perturba a tranqilidade pblica, que no obedece s leis,
que viola as condies sob as quais os homens se sustentam e se
defendem mutuamente, esse deve ser excludo da sociedade, isto ,
banido.
Parece-me que se poderiam banir
aqueles que, acusados de um crime atroz, so suspeitos de culpa
com maior verossimilhana, mas sem estar plenamente convencidos
do crime.
Em casos semelhantes, seria mister
que uma lei, a menos arbitrria e a mais precisa possvel,
condenasse ao banimento aquele que pusesse a nao na fatal
alternativa de fazer uma injustia ou de temer um acusado. Seria
mister, igualmente, que essa lei deixasse ao banido o direito
sagrado de poder a todo instante provar sua inocncia e recuperar
os seus direitos. Seria mister, enfim, que houvesse razes mais
fortes para banir um cidado acusado pela primeira vez do que
para condenar a essa pena um estrangeiro ou um homem que j
tivesse sido chamado justia.
Mas, deve aquele que se bane, que se
exclui para sempre da sociedade de que fazia parte, ser ao mesmo
tempo privado dos seus bens? Essa questo pode ser encarada sob
diferentes aspectos.
A perda dos bens uma pena maior
que a do banimento. Deve, pois, haver casos em que, para
proporcionar a pena ao crime, se confiscaro todos os bens do
banido. Em outras circunstncias, s ser despojado de uma
parte de sua fortuna; e, para certos delitos, o banimento no ser
acompanhado de nenhuma confiscao. O culpado poder perder
todos os seus bens, se a lei que pronuncia o banimento declara
rompidos todos os laos que o ligavam sociedade; porque desde
ento o cidado est morto, resta somente o homem; e, perante a
sociedade, a morte poltica de um cidado deve ter as mesmas
conseqncias que a morte natural.
Segundo essa mxima, dir-se-
talvez que evidente que os bens do culpado deveriam reverter
para os herdeiros legtimos, e no para o prncipe; no
nisso, porm, que me apoiarei para desaprovar as confiscaes.
Se alguns jurisconsultos sustentaram
que as confiscaes punham um freio s vinganas dos
particulares banidos, tirando-lhes o poder de ser nocivos, que
no refletiram que no basta uma pena produzir algum bem para
ser justa. Uma pena s justa quando necessria. Um legislador
no autorizar nunca uma injustia til, se quer prevenir as
invases da tirania, que vela sem cessar, que seduz e abusa pelo
pretexto falaz de algumas vantagens momentneas, e que faz
deperecer em pranto e na misria um povo cuja runa prepara,
para espalhar a abundncia e a felicidade sobre uma minoria de
homens privilegiados.
O uso das confiscaes pe
continuamente a prmio a cabea do infeliz sem defesa, e faz o
inocente sofrer os castigos reservados aos culpados. Pior ainda,
as confiscaes podem fazer do homem de bem um criminoso, pois o
levam ao crime, reduzindo-o indigncia e ao desespero.
E, alm disso, no h espetculo
mais hediondo que o de uma famlia inteira coberta de infmia,
mergulhada nos horrores da misria pelo crime do seu chefe, crime
que essa famlia, submetida autoridade do culpado, no
poderia prevenir, mesmo que tivesse os meios para tanto.
XVIII. DA INFMIA 4q1r72
A INFMIA
um sinal da improbao pblica, que priva o culpado da
considerao, da confiana que a sociedade tinha nele e dessa
espcie de fraternidade que une os cidados de um mesmo pas.
Como os efeitos da infmia no
dependem absolutamente das leis, mister que a vergonha que a
lei inflige se baseie na moral, ou na opinio pblica. Se se
tentasse manchar de infmia uma ao que a opinio no julga
infame, ou a lei deixaria de ser respeitada, ou as idias aceitas
de probidade e de morai desapareceriam, mau grado todas as declamaes
dos moralistas, sempre impotentes contra a fora do exemplo.
Declarar infames aes
indiferentes em si mesmas, diminuir a infmia das que
efetivamente merecem ser designadas desse modo.
Bem necessrio evitar que se
punam com penas corporais e dolorosas certos delitos fundados no
orgulho e que fazem dos castigos uma glria. Tal o fanatismo,
que s pode ser reprimido pelo ridculo e pela vergonha.
Se se humilhar orgulhosa vaidade
dos fanticos perante uma grande multido de espectadores, devem
esperar-se felizes efeitos dessa pena, pois que a prpria verdade
tem necessidade dos maiores esforos para se defender, quando
atacada pela arma do ridculo.
Opondo assim a fora fora e a
opinio opinio, um legislador esclarecido dissipa no esprito
do povo a irao que lhe causa um falso princpio, cujo
absurdo lhe foi dissimulado com raciocnios especiosos.
As penas infamantes devem ser raras,
porque o emprego demasiado freqente do poder da opinio
enfraquece a fora da prpria opinio. A infmia no deve
cair to pouco sobre um grande nmero de pessoas ao mesmo tempo,
porque a infmia de um grande nmero no mais, em breve, a
infmia de ningum.
Tais so os meios de harmonizar as
relaes invariveis das coisas e de atender natureza, que,
sempre ativa e jamais sujeita aos limites do tempo, destri e
revoga todas as leis que se afastam dela. No s nas
belas-artes que preciso seguir fielmente a natureza: as
instituies polticas, ao menos aquelas que tm um carter
de sabedoria e elementos de durao, se fundam na natureza; e a
verdadeira poltica no outra coisa seno a arte de dirigir
para o mesmo fim de utilidade os sentimentos imutveis do homem.
XIX. DA PUBLICIDADE E DA PRESTEZA
DAS PENAS 42r3g
QUANTO
mais pronta for a pena e mais de perto seguir o delito, tanto mais
justa e til ela ser. Mais justa. porque poupar ao acusado os
cruis tormentos da, incerteza, tormentos suprfluos, cujo
horror aumenta para ele na razo da fora de imaginao e do
sentimento de fraqueza.
A presteza do julgamento justa
ainda porque, a perda da liberdade sendo j uma pena, esta s
deve preceder a condenao na estrita medida que a necessidade o
exige.
Se a priso apenas um meio de
deter um cidado at que ele seja julgado culpado, como esse
meio aflitivo e cruel, deve-se, tanto quanto possvel,
suavizar-lhe o rigor e a durao. Um cidado detido s deve
ficar na priso o tempo necessrio para a instruo do
processo; e os mais antigos detidos tm direito de ser julgados
em primeiro lugar.
O acusado no deve ser encerrado
seno na medida em que for necessrio para o impedir de fugir ou
de ocultar as provas do crime. O processo mesmo deve ser conduzido
sem protelaes. Que contraste hediondo entre a indolncia de
um juiz e a angstia de um acusado! De um lado, um magistrado
insensvel, que a os dias no bem-estar e nos prazeres, e de
outro um infeliz que definha, a chorar no fundo de uma masmorra
abominvel.
Os efeitos do castigo que se segue
ao crime devem ser em geral impressionantes e sensveis para os
que o testemunharam; haver, porm, necessidade de que esse
castigo seja to cruel para quem o sofre? Quando os homens se
reuniram em sociedade, foi para s se sujeitarem aos mnimos
males possveis; e no h pas que possa negar esse princpio
incontestvel.
Eu disse que a presteza da pena
til; e certo que, quanto menos tempo decorrer entre o delito
e a pena, tanto mais os espritos ficaro compenetrados da idia
de que no h crimes sem castigo; tanto mais se habituaro a
considerar o crime como a causa da qual o castigo o efeito
necessrio e inseparvel.
a ligao das idias que
sustenta todo o edifcio do entendimento humano. Sem ela, o
prazer e a dor seriam sentimentos isolados, sem efeito, to cedo
esquecidos quanto sentidos. Os homens sem idias gerais e princpios
universais, isto , os homens ignorantes e embrutecidos, no
agem seno segundo as idias mais vizinhas e mais imediatamente
unidas. Negligenciam as relaes distantes, e essas idias
complicadas, que s se apresentam ao homem fortemente apaixonado
por um objeto, ou aos espritos esclarecidos. A luz da ateno
dissipa no homem apaixonado as trevas que cercam o vulgar. O homem
instrudo, acostumado a percorrer e a comparar rapidamente um
grande nmero de idias e de sentimentos opostos, tira do
contraste um resultado que constitui a base de sua conduta, desde
ento menos incerta e menos perigosa.
, pois, da maior importncia
punir prontamente um crime cometido, se se quiser que, no esprito
grosseiro do vulgo, a pintura sedutora das vantagens de uma ao
criminosa desperte imediatamente a idia de um castigo inevitvel.
Uma pena por demais retardada torna menos estreita a unio dessas
duas idias: crime e castigo. Se o suplcio de um acusado causa
ento alguma impresso, e somente como espetculo, pois s se
apresenta ao espectador quando o horror do crime, que contribui
para fortificar o horror da pena, j est enfraquecido nos espritos.
Poder-se-ia ainda estreitar mais a
ligao das idias de crime e de castigo, dando pena toda a
conformidade possvel com a natureza do delito, a fim de que o
receio de um castigo especial afaste o esprito do caminho a que
conduzia a perspectiva de um crime vantajoso. preciso que a idia
do suplcio esteja sempre presente no corao do homem fraco e
domine o sentimento que o leva ao crime.
Entre vrios povos, punem-se os
crimes pouco considerveis com a priso ou com a escravido num
pas distante, isto , manda-se o culpado levar um exemplo intil
a uma sociedade que ele no ofendeu.
Como os homens no se entregam, a
princpio, aos maiores crimes, a maior parte dos que assistem ao
suplcio de um celerado, acusado de algum crime monstruoso, no
experimentam nenhum sentimento de terror ao verem um castigo que
jamais imaginam poder merecer. Ao contrrio, a punio pblica
dos pequenos delitos mais comuns causar-lhe- na alma uma impresso
salutar que os afastar de grandes crimes, desviando-os primeiro
dos que o so menos.
XX. QUE O CASTIGO DEVE SER INEVITVEL.
- DAS GRAAS 1d5i5d
NO
o rigor do suplcio que previne os crimes com mais segurana,
mas a certeza do castigo, o zelo vigilante do magistrado e essa
severidade inflexvel que s uma virtude no juiz quando as
leis so brandas. A perspectiva de um castigo moderado, mas
inevitvel causar sempre uma forte impresso mais forte do que
o vago temor de um suplcio terrvel, em relao ao qual se
apresenta alguma esperana de impunidade.
O homem treme idia dos menores
males, quando v a impossibilidade de evit-los; ao o que a
esperana, doce filha do cu, que tantas vezes nos proporciona
todos os bens, afasta sempre a idia dos tormentos mais cruis,
por pouco que ela seja sustentada pelo exemplo da impunidade, que
a fraqueza ou o amor do ouro to freqentemente concede.
As vezes, a gente se abstm de
punir um delito pouco importante, quando o ofendido perdoa. um
ato de benevolncia, mas um ato contrrio ao bem pblico. Um
particular pode bem no exigir a reparao do mal que se lhe
fez; mas, o perdo que ele concede no pode destruir a
necessidade do exemplo.
O direito de punir no pertence a
nenhum cidado em particular; pertence s leis, que so o rgo
da vontade de todos. Um cidado ofendido pode renunciar sua
poro desse direito, mas no tem nenhum poder sobre a dos
outros.
Quando as penas se tiverem tornado
menos cruis, a demncia e o perdo sero menos necessrios.
Feliz a nao que no mais lhes desse o nome de virtudes! A demncia,
que se tem visto em alguns soberanos substituir outras qualidades
que lhes faltavam para cumprir os deveres do trono, deveria ser
banida de uma legislao sbia na qual as penas fossem brandas
e a justia feita com formas prontas e regulares.
Essa verdade parecer dura apenas
aos que vivem submetidos aos abusos de uma jurisprudncia
criminal que concede a graa e o perdo necessrios em razo
mesmo da atrocidade das penas e do absurdo das leis.
O direito de conceder graa sem
dvida a mais bela prerrogativa do trono; o mais precioso
atributo do poder soberano; mas, ao mesmo tempo, uma improbao
tcita das leis existentes. O soberano que se ocupa com a
felicidade pblica e que julga contribuir para ela exercendo o
direito de conceder graa, eleva-se ento contra o cdigo
criminal, consagrado, mau grado seus vcios, pelos preconceitos
antigos, pelo calhamao impostor dos comentadores, pelo grave
aparelho das velhas formalidades, enfim, pelo sufrgio dos semi-sbios,
sempre mais insinuantes e mais escutados do que os verdadeiros sbios.
Sendo a clemncia virtude do
legislador e no do executor das leis, devendo manifestar-se no Cdigo
e no em julgamentos particulares, se se deixar ver aos homens
que o crime pode ser perdoado e que o castigo nem sempre a sua
conseqncia necessria, nutre-se neles a esperana da
impunidade; faz-se com que aceitem os suplcios no como atos de
justia, mas como atos de violncia.
Quando o soberano concede graa a
um criminoso, no ser o caso de dizer que sacrifica a segurana
pblica de um particular e que, por um ato de cega benevolncia,
pronuncia um decreto geral de impunidade?
Sejam, pois, as leis inexorveis,
sejam os executores das leis inflexveis; seja, porm, o
legislador indulgente e humano. Arquiteto prudente, d por base
ao seu edifcio o amor que todo homem tem ao prprio bem-estar,
e saiba fazer resultar o bem geral do concurso dos interesses
particulares; no se ver, assim, constrangido a recorrer a leis
imperfeitas, a meios pouco refletidos que separam a cada instante
os interesses da sociedade dos cidados; no ser forado a
elevar sobre o medo e a desconfiana o simulacro da felicidade pblica.
Filsofo profundo e sensvel, ter deixado aos seus irmos o
gozo pacfico da pequena poro de felicidade que o Ser supremo
lhes concedeu nesta terra, que no mais do que um ponto no
meio de todos os mundos.
XXI. DOS ASILOS 64416r
SERO
justos os asilos? E ser til o uso estabelecido entre as naes
de permutarem entre si os criminosos?
Em toda a extenso de um Estado poltico,
no deve haver nenhum lugar fora da dependncia das leis. A fora
destas deve seguir o cidado por toda a parte, como a sombra
segue o corpo.
H pouca diferena entre a
impunidade e os asilos; e, como o melhor meio de impedir o crime
a perspectiva de um castigo certo e inevitvel, os asilos, que
representam um abrigo contra a ao das leis, convidam mais ao
crime do que as penas o evitam, do momento em que se tem a esperana
de evit-los.
Multiplicar os asilos formar
pequenas soberanias, porque, quando as leis no tm poder, novas
potncias se formam de ordem comum, estabelece-se um esprito
oposto ao do corpo inteiro da sociedade.
V-se, na histria de todos os
povos, que os asilos foram a fonte de grandes revolues nos
Estados e nas opinies humanas.
Pretenderam alguns que, cometido um
crime num lugar, isto , um ato contrrio s leis, teriam estas
em toda parte o direito de punir. Ser a qualidade de sdito,
nesse caso, um carter indelvel? Ser o nome de sdito pior
que o de escravo? E itir-se- que um homem habite um pas e
seja submetido s leis de outro pas? que suas aes fiquem ao
mesmo tempo subordinadas a dois soberanos e a duas legislaes
muitas vezes contraditrias?
Ousou-se dizer, assim, que um crime
cometido em Constantinopla podia ser punido em Paris, porque
aquele que ofende uma sociedade humana merece ter todos os homens
por inimigos e deve ser objeto da execrao universal. No
entanto, os juizes no so vingadores do gnero humano em
geral; so os defensores das convenes particulares que ligam
entre si um certo nmero de homens. Um crime s deve ser punido
no pas onde foi cometido, porque somente a, e no em outra
parte, que os homens so forados a reparar, pelo exemplo da
pena, os funestos efeitos que o exemplo do crime pode produzir.
Um celerado, cujos crimes
precedentes no puderam violar as leis de uma sociedade da qual no
era membro, pode bem ser temido e expulso dessa sociedade; mas, as
leis no podem infligir-lhe outra pena, pois so feitas somente
para punir o mal que lhe feito, e no o crime que no as
ofende.
Ser, pois, til que as naes
permutem reciprocamente entre si os criminosos? Certamente, a
persuaso de no encontrar nenhum lugar na terra em que o crime
possa ficar impune seria um meio bem eficaz de preveni-lo. No
ousarei, porm, decidir essa questo, at que as leis,
tornando-se mais conformes aos sentimentos naturais do homem, com
penas mais brandas, impedindo o arbtrio dos juizes e da opinio,
assegurem a inocncia e preservem a virtude das perseguies da
inveja; at que a tirania, relegada ao Oriente, tenha deixado a
Europa sob o doce imprio da razo, dessa razo eterna que une
com um lao indissolvel os interesses dos soberanos aos
interesses dos povos.
XXII. DO USO DE PR A CABEA A
PRMIO 5t1f5r
SER
vantajoso para a sociedade pr a prmio a cabea de um
criminoso, armar cada cidado de um punhal e fazer assim outros
tantos carrascos?
Ou o criminoso saiu do pas, ou
ainda est nele. No primeiro caso, excitam-se os cidados a
cometer um assassnio, a atingir talvez um inocente, a merecer
suplcios. Faz-se uma injria nao estrangeira,
espezinha-se-lhe a autoridade, autoriza-se que se faam
semelhantes usurpaes entre os prprios vizinhos.
Se o criminoso ainda est no pas
cujas leis violou, o governo que pe sua cabea a prmio revela
fraqueza. Quando a gente tem fora para defender-se no compra o
socorro de outrem.
Alm disso, o uso de pr a prmio
a cabea de um cidado anula todas as idias de moral e de
virtude, to fracas e to abaladas no esprito humano. De um
lado, as leis punem a traio; de outro, autorizam-na. O
legislador aperta com uma das mos os laos de sangue e de
amizade, e com a outra recompensa aquele que os quebra. Sempre em
contradio consigo mesmo, ora procura espalhar a confiana e
animar os que duvidam, ora semeia a desconfiana em todos os coraes.
Para prevenir um crime, faz nascer cem.
Semelhantes usos s convm s naes
fracas, cujas leis s servem para sustentar por um momento um
edifcio de runas que todo se esboroa.
Mas, medida que as luzes de uma
nao se difundem, a boa f e a confiana recproca se tornam
necessrias, e a poltica , enfim, constrangida a iti-las.
Ento, desmancham-se e previnem-se mais facilmente as cabalas, os
artifcios, as manobras obscuras e indiretas. Ento, tambm, o
interesse geral sai sempre vencedor dos interesses particulares.
Os povos esclarecidos poderiam
buscar lies em alguns sculos de ignorncia, nos quais a
moral particular era sustentada pela moral pblica.
As naes s sero felizes
quando a s moral estiver estreitamente ligada poltica. Mas,
leis que recompensam a traio, que acendem entre os cidados
uma guerra clandestina, que excitam suspeitas recprocas,
opor-se-o sempre a essa unio to necessria da poltica e
da moral; unio que daria aos homens segurana e paz, que lhes
aliviaria a misria e que traria s naes mais, longos
intervalos de repouso e concrdia do que aqueles de que at ao
presente gozaram.
XXIII. QUE AS PENAS DEVEM SER
PROPORCIONADAS AOS DELITOS 341d4r
O INTERESSE
de todos no somente que se cometam poucos crimes, mais ainda
que os delitos mais funestos sociedade sejam os mais raros. Os
meios que a legislao emprega para impedir os crimes devem,
pois, ser mais fortes medida que o delito mais contrrio ao
bem pblico e pode tornar-se mais comum. Deve. pois, haver uma
proporo entre os delitos e as penas.
Se o prazer e a dor so os dois
grandes motores dos seres sensveis; se, entre os motivos que
determinam os homens em todas as suas aes, o supremo
Legislador colocou como os mais poderosos as recompensas e as
penas; se dois crimes que atingem desigualmente a sociedade
recebem o mesmo castigo, o homem inclinado ao crime, no tendo
que temer uma pena maior para o crime mais monstruoso, decidir-se-
mais facilmente pelo delito que lhe seja mais vantajosos; e a
distribuio desigual das penas produzir a contradio, to
notria quando freqente, de que as leis tero de punir os
crimes que tiveram feito nascer.
Se se estabelece um mesmo castigo, a
pena de morte por exemplo, para quem mata um faiso e para quem
mata um homem ou falsifica um escrito importante, em breve no se
far mais nenhuma diferena entre esses delitos; destruir-se-o
no corao do homem os sentimentos morais, obra de muitos sculos,
cimentada por ondas de sangue, estabelecida com lentido atravs
mil obstculos, edifcio que s se pode elevar com o socorro
dos mais sublimes motivos e o aparato das mais solenes
formalidades.
Seria em vo que se tentaria
prevenir todos os abusos que se originam da fermentao contnua
das paixes humanas; esses abusos crescem em razo da populao
e do choque dos interesses particulares, que impossvel
dirigir em linha reta para o bem pblico. No se pode provar
essa assero com toda a exatido matemtica; pode-se, porm,
apoi-la com exemplos notveis.
Lanai os olhos sobre a histria,
e vereis crescerem os abusos medida que os imprios aumentam.
Ora, como o esprito nacional se enfraquece na mesma proporo,
o pendor para o crime crescer em razo da vantagem que cada um
descobre no abuso mesmo; e a necessidade de agravar as penas
seguir necessariamente igual progresso.
Semelhante gravitao dos
corpos, uma fora secreta impele-nos sempre para o nosso bem
estar. Essa impulso s enfraquecida pelos obstculos que as
leis lhe opem. Todos os diversos atos do homem so efeitos
dessa tendncia interior. As penas so os obstculos polticos
que impedem os funestos efeitos do choque dos interesses pessoais,
sem destruir-lhes a causa, que o amor de si mesmo, inseparvel
da humanidade.
O legislador deve ser um arquiteto hbil,
que saiba ao mesmo tempo empregar todas as foras que podem
contribuir para consolidar o edifcio e enfraquecer todas as que
possam arruin-lo.
Supondo-se a necessidade da reunio
dos homens em sociedade, mediante convenes estabelecidas pelos
interesses opostos de cada particular, achar-se- um progresso
de crimes, dos quais o maior ser aquele que tende destruio
da prpria sociedade. Os menores delitos sero as pequenas
ofensas feitas aos particulares. Entre esses dois extremos estaro
compreendidos todos os atos opostos ao bem pblico, desde o mais
criminoso at ao menos vel de culpa.
Se os clculos exatos pudessem
aplicar-se a todas as combinaes obscuras que fazem os homens
agir, seria mister procurar e fixar uma progresso de penas
correspondente progresso dos crimes. O quadro dessas duas
progresses seria a medida da liberdade ou da escravido da
humanidade ou da maldade de cada nao.
Bastar, contudo, que o legislador
sbio estabelea divises principais na distribuio das
penas proporcionadas aos delitos e que, sobretudo, no aplique os
menores castigos aos maiores crimes.
XXIV. DA MEDIDA DOS DELITOS 2l5w
J
observamos que a verdadeira medida dos delitos o dano causado
sociedade. Eis a uma dessas verdades que, embora evidentes
para o esprito menos perspicaz, mas ocultas por um concurso
singular de circunstncias, s so conhecidas de um pequeno nmero
de pensadores em todos os pases e em todos os sculos cujas
leis conhecemos.
As opinies espalhadas pelos dspotas
e as paixes dos tiranos abafaram as noes simples e as idias
naturais que constituam sem dvida a filosofia das sociedades
primitivas. Mas, se a tirania comprimiu a natureza por uma ao
insensvel, ou por impresses violentas sobre os espritos da
multido, hoje, enfim, as luzes do nosso sculo dissipam os
tenebrosos projetos do despotismo, reconduzindo-nos aos princpios
da filosofia e mostrando-no-los com mais certeza.
Esperemos que a funesta experincia
dos sculos ados no seja perdida e que os princpios
naturais reapaream entre os homens, mau grado todos os obstculos
que se lhes opem.
A grandeza do crime no depende da
inteno de quem o comete, como erroneamente o julgaram alguns:
porque a inteno do acusado depende das impresses causadas
pelos objetos presentes e das disposies precedentes da alma.
Esses sentimentos variam em todos os homens e no mesmo indivduo,
com a rpida sucesso das idias, das paixes e das circunstncias.
Se se punisse a inteno, seria
preciso ter no s um Cdigo particular para cada cidado, mas
uma nova lei penal para cada crime.
Muitas vezes, com a melhor das intenes,
um cidado faz sociedade os maiores males, ao o que um
outro lhe presta grandes servios com a vontade de prejudicar.
Outros jurisconsultos medem a
gravidade do crime pela dignidade da pessoa ofendida, de preferncia
ao mal que possa causar sociedade. Se esse mtodo fosse
aceito, uma pequena irreverncia para com o Ser supremo mereceria
uma pena bem mais severa do que o assassnio de um monarca, pois
a superioridade da natureza divina compensaria infinitamente a
diferena da ofensa.
Outros, finalmente, julgaram o
delito tanto mais grave quanto maior a ofensa, Divindade.
Sentir-se- facilmente quanto essa opinio falsa, se se
examinarem com sangue-frio as verdadeiras relaes que unem os
homens entre si e as que existem entre o homem e Deus.
As primeiras so relaes de
igualdade. S a necessidade faz nascer; do choque das paixes e
da posio dos interesses particulares, a idia da unidade
comum, base da justia humana. Ao contrrio, as relaes que
existem entre o homem e Deus so relaes de dependncia, que
nos submetem a um ser perfeito e criador de todas as coisas, a um
senhor soberano que somente a si reservou o direito de ser ao
mesmo tempo legislador e juiz, somente ele pode ser a um tempo uma
e outra coisa.
Se ele estabeleceu penas eternas
para aquele que infringiu suas leis, qual ser o inseto bastante
temerrio que ousar vir em socorro de sua justia divina, para
empreender vingar o ser que se basta a si mesmo, que os crimes no
podem entristecer, que os castigos no podem alegrar e que o
nico na natureza a agir de maneira constante?
A grandeza do pecado ou da ofensa
para com Deus depende da maldade do corao; e, para que os
homens pudessem sondar esse abismo, ser-lhes-ia preciso o socorro
da revelao. Como poderiam eles determinar as penas dos
diferentes crimes, sobre princpios cuja base lhes
desconhecida? Seria arriscado punir quando Deus perdoa e perdoar
quando Deus pune.
Se os homens ofendem a Deus com o
pecado, muitas vezes o ofendem mais ainda encarregando-se do
cuidado de ving-lo.
XXV. DIVISO DOS DELITOS 6n4o69
H
crimes que tendem diretamente destruio da sociedade ou dos
que a representam. Outros atingem o cidado em sua vida, nos seus
bens ou em sua honra. Outros, finalmente, so atos contrrios ao
que a lei prescreve ou probe, tendo em vista o bem pblico.
Todo ato no compreendido numa
dessas classes no pode ser considerado como crime, nem punido
como tal, seno pelos que descobrem nisso o seu interesse
particular.
Por no se ter sabido guardar esses
limites que se v em todas as naes uma oposio entre as
leis e a moral, e muitas vezes uma oposio entre aquelas
mesmas. O homem de bem est exposto s penas mais severas. As
palavras vcio e virtude no am de sons vagos. A existncia
do cidado envolve-se de incerteza; e os corpos polticos caem
numa letargia funesta, que os conduz insensivelmente runa.
Cada cidado pode fazer tudo o que
no contrrio s leis, sem temer outros inconvenientes alm
dos que podem resultar de sua ao em si mesma. Esse dogma poltico
deveria ser gravado no esprito dos povos, proclamado pelos
magistrados supremos e protegido pelas leis. Sem esse dogma
sagrado, toda sociedade legtima no pode subsistir por muito
tempo, porque ele a justa recompensa do sacrifcio que os
homens fizeram de sua independncia e de sua liberdade.
essa opinio que torna as almas
fortes e generosas, que eleva o esprito, que inspira aos homens
uma virtude superior ao medo e os faz desprezar essa miservel
maleabilidade que tudo aprova e que a nica virtude dos homens
bastante fracos para ar constantemente uma existncia precria
e incerta.
Percorram-se, com viso filosfica,
as leis e a histria das naes, e se vero quase sempre os
nomes de vcio e virtude, de bom e mau cidado, mudarem de valor
segundo o tempo e as circunstncias. No so, porm, as
reformas operadas no Estado ou nos negcios pblicos que causaro
essa revoluo das idias; esta ser a conseqncia dos
erros e dos interesses ageiros dos diferente legisladores.
Muitas vezes se vero as paixes
de um sculo servir de base moral dos sculos seguintes, e
formar toda a poltica dos que presidem s leis. Mas, as paixes
fortes, filhas do fanatismo e do entusiasmo, obrigam a pouco e
pouco, fora de excessos, o legislador prudncia, e podem
tornar-se um instrumento til nas mos da astcia ou do poder,
quando o tempo as tiver enfraquecido.
Foi do enfraquecimento das paixes
fortes que nasceram entre os homens as noes obscuras de honra
e virtude; e essa obscuridade subsistir sempre, porque as idias
mudam com o tempo, que deixa sobreviver os nomes s coisas, que
variam segundo os lugares e os climas; que a moral esta
submetida, como os imprios, a limites geogrficos.
XXVI. DOS CRIMES DE LESA-MAJESTADE 523d2i
OS
crimes de lesa-majestade foram postos na classe dos grandes
crimes, porque so funestos sociedade. Mas, a tirania e a
ignorncia, que confundem as palavras e as idias mais claras,
deram esse nome a uma multido de delitos de natureza
inteiramente diversa. Aplicaram-se as penas mais graves a faltas
leves; e, nessa ocasio como em mil outras, o homem muitas
vezes vtima de uma palavra.
Toda espcie de delito nociva
sociedade; mas, nem todos os delitos tendem imediatamente a
destruir. preciso julgar as aes morais por seus efeitos
positivos e ter em conta o tempo e o lugar. S a arte das
interpretaes odiosas, que ordinariamente a cincia dos
escravos, pode confundir coisas que a verdade eterna separou por
limites imutveis.
XXVII. DOS ATENTADOS CONTRA A
SEGURANA DOS PARTICULARES E, PRINCIPALMENTE, DAS VIOLNCIAS 4t105r
DEPOIS
dos crimes que atingem a sociedade, ou o soberano que a
representa, vm os atentados contra a segurana dos
particulares.
Como essa segurana o fim de
todas as sociedades humanas, no se pode deixar de punir com as
penas mais graves aquele que a atinge.
Entre esses crimes, uns so
atentados contra a vida, outros contra a honra, e outros contra os
bens. Falaremos antes dos primeiros, que devem ser punidos com
penas corporais.
Os atentados contra a vida e a
liberdade dos cidados esto no nmero dos grandes crimes.
Compreendem-se, nessa classe, no somente os assassnios e os
assaltos cometidos por homens do povo, mas, igualmente as violncias
da mesma natureza exercidas pelos grandes e pelos magistrados:
crimes tanto mais graves quanto as aes dos homens elevados
agem sobre a multido com muito mais influncia e os seus
excessos destroem no esprito dos cidados as idias de justia
e de dever, para substituir as do direito do mais forte: direito
igualmente perigoso para quem dele abusa e para quem o sofre.
Se os grandes e os ricos podem
escapar a preo de dinheiro s penas que merecem os atentados
contra a segurana do fraco e do pobre, as riquezas, que, sob a
proteo das leis, so a recompensa da indstria, tornar-se-o
alimento da tirania e das iniqidades.
No mais existe liberdade todas as
vezes que as leis permitem que em certas circunstncias um cidado
deixe de ser um homem para tornar-se uma coisa que se possa pr a
prmio. V-se, ento, a astcia dos homens poderosos ocupada
completamente com o aumento de sua fora e dos seus privilgios,
aproveitando todas as combinaes que a lei lhes torna favorveis.
Eis o mgico segredo que transformou a massa dos cidados em
bestas de carga; foi assim que os grandes acorrentaram escravos.
por isso que certos governos, que tm todas as aparncias de
liberdade, gemem sob uma tirania oculta. pelos privilgios dos
grandes que os usos tirnicos se fortificam insensivelmente,
depois de se terem introduzido na constituio, por vias que o
legislador negligenciou fechar.
Os homens sabem opor diques bastante
fortes tirania declarada; mas, muitas vezes, no vem o
inseto imperceptvel que mina sua obra e que abre por fim,
torrente devastadora, uma estrada tanto mais segura quanto mais
oculta.
Quais sero, pois, as penas
reservadas aos crimes dos nobres, cujos privilgios ocupam to
grande lugar na legislao da. maior parte dos povos? No
examinarei se essa distino hereditria entre plebeus e nobres
til ao governo, ou necessria s monarquias; nem se
verdade que a nobreza um poder intermedirio prprio para
conter em justos limites o povo e o soberano; nem se essa ordem
isolada da sociedade no tem o inconveniente de reunir num crculo
estreito todas as vantagens da indstria, todas as esperanas e
toda a felicidade: como essas ilhotas encantadoras e frteis que
se encontram no meio dos desertos terrveis da Arbia.
Quando fosse verdade que a
desigualdade inevitvel e mesmo til na sociedade, certo
que s deveria existir entre os indivduos e em virtude das
dignidades e do mrito, mas no entre as ordens do Estado; que
as distines no devem permanecer. num s lugar, mas circular
em todas as partes do corpo poltico; que as desigualdades
sociais devem nascer e desaparecer a cada instante, mas no
perpetuar-se nas famlias.
Seja qual for a concluso de todas
essas questes, limitar-me-ei, a dizer que as penas das pessoas
de mais alta linhagem devem ser as mesmas que as do ltimo dos
cidados. A igualdade civil anterior a todas as distines
de honras, e de riquezas. Se todos os cidados no dependerem
igualmente das mesmas leis, as distines deixaro de ser legtimas.
Deve supor-se que os homens,
renunciando liberdade desptica que receberam da natureza,
para se reunirem em sociedade, disseram entre si: "Aquele que
for mais industrioso obter as maiores honras, a glria do seu
nome ar aos seus descendentes; mas, no obstante as honras
e as riquezas, no recear menos do que o ltimo dos cidados
a violao, das leis que o elevaram acima dos outros".
E verdade que no h assemblia
geral do gnero humano em que se tenha aprovado semelhante
decreto; este se funda, porm, na natureza imutvel dos
sentimentos do homem.
A igualdade perante as leis no
destri as vantagens que os prncipes julgam retirar da nobreza:
apenas impede os inconvenientes das distines e torna as leis
respeitveis, tirando toda esperana de impunidade.
Dir-se-, talvez, que a mesma pena,
aplicada contra o nobre e contra o plebeu, torna-se completamente
diversa e mais grave para o primeiro, por causa da educao que
recebeu, e da infmia que se espalha sobre uma famlia ilustre.
Responderei no entanto, que o castigo se mede pelo dano causado
sociedade, e no pela sensibilidade do culpado. Ora, o exemplo do
crime tanto mais funesto quanto dado por um cidado de
condio mais elevada.
Acrescentarei que a igualdade da
pena s pode ser exterior, e no pode ser proporcionada ao grau
de sensibilidade, que diferente em cada indivduo.
Quanto infmia que cobre uma famlia
inocente, o soberano pode facilmente apag-la com demonstraes
pblicas de benevolncia. Sabe-se que tais demonstraes de
favor tm foros de razo no povo crdulo e irador.
XXVIII. DAS INJRIAS 2a6jy
A
XXIX. DOS DUELOS 6jjd
A HONRA,
que no seno a necessidade dos sufrgios pblicos, deu
nascimento aos combates singulares, que s puderam estabelecer-se
na desordem das ms leis.
Se os duelos no estiveram em uso
na antigidade, como algumas pessoas o crem, que os antigos
no se reuniam armados com um ar de desconfiana, nos templos,
no teatro e entre os amigos. Talvez tambm, sendo o duelo um
espetculo muito comum que vis escravos davam ao povo, os homens
livres tivessem receio de que os combates singulares no
bastassem para que eles fossem considerados homens honrados.
Seja como for, em vo que se
experimentou entre os modernos impedir os duelos com pena de
morte. Essas leis severas no puderam destruir um costume fundado
numa espcie de honra, mais cara aos homens do que a prpria
vida. O cidado que recusa um duelo v-se presa do desprezo dos
seus concidados; forado a levar uma vida solitria, a
renunciar aos encantos da sociedade, ou a expor-se constantemente
aos insultos e vergonha, cujos repetidos golpes o afetam de
maneira mais cruel do que a idia do suplcio.
Por que motivo sero os duelos
menos freqentes entre os homens do povo do que entre os grandes?
somente porque o povo no traz espada, porque tem menos
necessidade de sufrgios pblicos do que os homens de condio
mais elevada, que se observam entre si com mais desconfiana e
inveja.
No intil repetir aqui o que j
se disse certa vez: que o melhor meio de impedir o duelo punir
o agressor, isto , aquele que deu lugar querela, a declarar
inocente aquele que, sem procurar tirar a espada, se viu
constrangido a defender a prpria honra, isto , a opinio, que
as leis no protegem suficientemente, e mostrar aos seus concidados
que pode respeitar as leis, mas que no teme os homens.
XXX. DO ROUBO 4i471a
UM
roubo cometido sem violncia s deveria ser punido com uma pena
pecuniria. justo que quem rouba o bem de outrem seja
despojado do seu.
Mas, se o roubo ordinariamente o
crime da misria e do desespero, se esse delito s cometido
por essa classe de homens infortunados, a quem o direito de
propriedade (direito terrvel e talvez desnecessrio) s deixou
a existncia como nico bem, as penas pecunirias contribuiro
simplesmente para multiplicar os roubos, aumentando o nmero dos
indigentes, arrancando o po a uma famlia inocente, para d-lo
a um rico talvez criminoso.
A pena mais natural do roubo ser,
pois, essa espcie de escravido, que a nica que se pode
chamar justa, isto , a escravido temporria, que torna a
sociedade senhora absoluta da pessoa e do trabalho do culpado,
para faz-lo expiar, por essa dependncia, o dano que causou e a
violao do pacto social.
Se, porm, o roubo acompanhado
de violncia, justo ajuntar servido as penas corporais.
Outros escritores mostraram, antes
de mim, os inconvenientes graves que resultam do uso de aplicar as
mesmas penas contra os roubos cometidos com violncia e contra
aqueles em que o ladro s empregou a astcia. Fez-se ver
quanto absurdo pr na mesma balana uma certa soma de
dinheiro e a vida de um homem. O roubo com violncia e o roubo de
astcia so delitos absolutamente diferentes; e a s poltica
deve itir, ainda mais do que as matemticas, o axioma certo de
que entre dois objetos heterogneos, h uma distncia infinita.
Essas coisas foram ditas; mas,
sempre til repetir verdades que jamais se pam em prtica.
Os corpos polticos conservam por muito tempo o movimento
recebido; , porm, moroso e difcil imprimir-lhes um novo
movimento.
XXXI. DO CONTRABANDO s2em
O CONTRABANDO
um verdadeiro delito, que ofende o soberano e a nao, mas
cuja pena no deveria ser infamante, porque a opinio pblica no
empresta nenhuma infmia a essa espcie de delito.
Porque, pois, o contrabando, que
um roubo feito ao prncipe, e por conseguinte nao, no
acarreta a infmia sobre aquele que o exerce? E que os delitos
que os homens no consideram nocivos aos seus interesses no
afetam bastante para excitar a indignao pblica. Tal o
contrabando. Os homens, sobre os quais as conseqncias remotas
de um ato s produzem impresses fracas, no vem o dano que o
contrabando pode causar-lhes. Chegam mesmo, s vezes, a retirar
dele vantagens momentneas. No vem seno o mal causado ao prncipe,
e, para recusarem estima ao culpado, s tm uma razo premente
contra o ladro, o falsrio e alguns outros criminosos que podem
prejudic-los pessoalmente.
Essa maneira de sentir conseqncia
do princpio incontestvel de que todo ser sensvel s se
interessa pelos males que conhece.
O contrabando um delito gerado
pelas prprias leis, porque, quanto mais se aumentam os direitos,
tanto maior a vantagem do contrabando; a tentao de exerc-lo
tambm to forte quanto mais fcil cometer essa espcie
de delito, sobretudo se os objetos proibidos so de pequeno
volume, e se so interditos numa to grande circunferncia de
territrio que a extenso deste torne difcil guard-lo.
O confisco das mercadorias
proibidas, e mesmo de tudo o que se acha apreendido com objetos de
contrabando, uma pena justssima. Para torn-lo mais eficaz,
seria preciso que os direitos fossem pouco considerveis; pois os
homens s se arriscam na proporo do lucro que o xito possa
proporcionar-lhes.
Ser, porm, o caso de deixar
impune o culpado que no tem nada que perder? No. Os impostos so
parte to essencial e to difcil numa boa legislao, e esto
de tal modo comprometidos em certas espcies de contrabando, que
tal delito merece uma pena considervel, como a priso e mesmo a
servido, mas uma priso e uma servido anlogas natureza
do delito.
Por exemplo, a priso de um
contrabandista de fumo no deve ser a do assassino ou a do ladro;
e, sem dvida, o castigo mais conveniente ao gnero do delito
seria aplicar utilidade do fisco a servido e o trabalho
daquele que pretendeu fraudar-lhe os direitos.
XXXII. DAS FALNCIAS 4h2a1i
O LEGISLADOR
que percebe o preo da boa f nos contratos, e que quer proteger
a segurana do comrcio, deve dar recurso aos credores sobre a
pessoa mesma dos seus devedores, quando estes abrem falncia.
Importa, porm, no confundir o falido fraudulento com o que
de boa f. O primeiro deveria ser punido como o so os moedeiros
falsos, porque no maior o crime de falsificar o metal
amoedado, que constitui a garantia dos homens entre si, do que
falsificar essas obrigaes mesmas.
Mas, o falido de boa f, o infeliz
que pode provar evidentemente aos seus juizes que a infidelidade
de outrem, as perdas dos seus correspondentes, ou enfim
contratempos que a prudncia humana no poderia evitar, o
despojaram dos seus bens, deve ser tratado com menos rigor. Por
que motivos brbaros ousar-se- mergulh-lo nas masmorras, priv-lo
do nico bem que lhe resta na misria, a liberdade, e
confundi-lo com os criminosos e for-lo a arrepender-se de ter
sido honesto? Vivia tranqilo, ao abrigo de sua probidade, e
contava com a proteo das leis. Se as violou, que no
estava em seu poder conformar-se exatamente a essas leis severas,
que o poder e a avidez insensvel impam e que o pobre aceitou
seduzido pela esperana que subsiste sempre no corao do homem
e que o faz acreditar que todos os acontecimentos felizes sero
para ele e todas as desgraas para os outros.
O medo de ser ofendido predomina
geralmente na alma sobre a vontade de prejudicar; e os homens,
entregando-se s suas primeiras impresses, amam as leis cruis,
se bem que seja do seu interesse viver sob leis brandas, pois eles
prprios esto submetidos a elas.
Mas, voltemos ao falido de boa f:
no o desobriguem de sua dvida seno depois que ele a tiver
pago inteiramente; recusem-lhe o direito de subtrair-se aos
credores sem o consentimento destes, e a liberdade de levar
adiante sua indstria; forcem-no a empregar seu trabalho e seus
talentos no pagamento do que deve, proporcionalmente aos seus
lucros. Mas, sob nenhum pretexto legtimo, no se poder faz-lo
sofrer uma priso injusta e intil aos credores.
Dir-se-, talvez, que os horrores
da priso obrigaro o falido a revelar as trapaas que
ocasionaram uma falncia suspeita de fraude. bem raro, porm,
que essa espcie de tortura seja necessria, se se fizer um
exame rigoroso da conduta e dos negcios do acusado.
Se a fraude do falido for muito
duvidosa, ser melhor optar por sua inocncia. H uma mxima
geralmente certa em legislao, segundo a qual a impunidade de
um culpado tem graves inconvenientes; mas, a impunidade pouco
perigosa quando o delito difcil de constatar-se.
Alegar-se- tambm a necessidade
de proteger os interesses do comrcio, assim como o direito de
propriedade, que deve ser sagrado. Mas, o comrcio e o direito de
propriedade no so o fim do pacto social, so apenas meios que
podem conduzir a esse fim.
Se se submeterem todos os membros da
sociedade a leis cruis, para preserv-los dos inconvenientes
que so as conseqncias naturais do estado social, isso ser
faltar ao fim procurando atingi-lo; e esse o erro funesto que
perde o esprito humano em todas as cincias, mas sobretudo na
poltica (17).
Poder-se-ia distinguir a fraude do
delito grave, mas menos odioso, e fazer uma diferena entre o
delito grave e a pequena falta, que seria preciso separar tambm
da perfeita inocncia.
No primeiro caso, aplicar-se-iam ao
culpado as penas aplicveis ao crime de falsrio. O segundo
delito seria punido com penas menores, com a perda da liberdade.
Deixar-se-ia ao falido inteiramente inocente a escolha dos meios
que desejasse empregar para estabelecer os seus negcios; e, no
caso de um delito leve, dar-se-ia aos credores o direito de
prescrever esses meios.
Mas, a distino entre faltas
graves e leves deve ser obra da lei, que a nica imparcial;
seria perigoso abandon-la prudncia arbitrria de um juiz.
E to necessrio fixar limites na poltica quanto nas cincias
matemticas, porque o bem pblico se mede como os espaos e a
extenso.
Seria fcil ao legislador
previdente impedir a maior parte das falncias fraudulentas e
remediar a desgraa do homem laborioso, que falta aos seus
compromissos sem ser culpado. Possam todos os cidados consultar
a cada instante os registros pblicos, nos quais se ter uma
nota exata de todos os contratos; e que contribuies sabiamente
repartidas entre os comerciantes felizes formem um banco, do qual
se tirem somas convenientes para socorrer a indstria infeliz.
Tais estabelecimentos s podero ter vantagens numerosas, sem
inconvenientes real.
Mas essas leis fceis, a um tempo to
simples e to sublimes; essas leis que esperam apenas o sinal do
legislador para espalhar sobre as naes a abundncia e a fora;
essas leis que seriam motivo de reconhecimento eterno de todas as
geraes, so desconhecidas ou rejeitadas. Um esprito de
hesitao, idias estreitas, a tmida prudncia do momento,
uma rotina obstinada, que teme as inovaes mais teis: tais so
os mveis ordinrios dos legisladores que regulam o destino da
fraca humanidade.
XXXIII. DOS DELITOS QUE PERTURBAM
A TRANQUILIDADE PBLICA u6h2m
A TERCEIRA
espcie de delitos que distinguimos compreende os que perturbam
particularmente o repouso e a tranqilidade pblica: as querelas
e o tumulto de pessoas que se batem na via pblica, destinada ao
comrcio e agem dos cidados, e os discursos fanticos
que excitam facilmente as paixes de uma populaa curiosa e que
emprestam grande fora da multido dos auditores e sobretudo um
certo entusiasmo obscuro e misterioso, com poder bem maior sobre o
esprito do povo do que a tranqila razo, cuja linguagem a
multido no entende.
Iluminar as cidades durante a noite
custa do pblico; colocar guardas de segurana nos diversos
bairros das cidades; reservar ao silncio e tranqilidade
sagrada dos templos, protegidos pelo governo, os discursos de
moral religiosa, e as arengas destinadas a sustentar os interesses
particulares e pblicos s assemblias da nao, aos
parlamentos aos lugares, enfim, onde reside a majestade soberana:
tais so as medidas prprias para prevenir a perigosa fermentao
das paixes populares; e so esses os principais objetos que
devem ocupar a vigilncia do magistrado de polcia.
Mas, se esse magistrado no age
segundo leis conhecidas e familiares a todos os cidados; se
pode, ao contrrio, fazer ao seu capricho leis que julga serem
necessrias, abre assim a porta tirania, que ronda sem cessar
em torno das barreiras que a liberdade pblica lhe fixou e que s
procura transp-las.
Creio no haver exceo regra
geral de que os cidados devem saber o que precisam fazer para
serem culpados, e o que precisam evitar para serem inocentes.
Um governo que tem necessidade de
censores, ou de qualquer outra espcie de magistrados arbitrrios,
prova que mal organizado e que sua constituio no tem fora.
Num pas em que o destino dos cidados est entregue
incerteza, a tirania oculta imola mais vtimas do que o tirano
mais cruel que age abertamente. Este ultimo revolta, mas no
avilta.
O verdadeiro tirano comea sempre
reinando sobre a opinio; quando senhor dela, apressa-se a
comprimir as almas corajosas, das quais tem tudo que temer, porque
s se apresentam com o archote da verdade, quer no fogo das paixes,
quer na ignorncia dos perigos.
XXXIV. DA OCIOSIDADE 6x4lb
OS
governos sbios no sofrem, no seio do trabalho e da indstria,
uma espcie de ociosidade que contrria ao fim poltico do
estado social: quero falar de certas pessoas ociosas e inteis
que no do sociedade nem trabalho nem riquezas, que acumulam
sempre sem jamais perder, que o vulgo respeita com uma irao
estpida e que so aos olhos do sbio um objeto de desprezo.
Quero falar de certas pessoas que no conhecem necessidade de
istrar ou aumentar as comodidades da vida, nico motivo
capaz de excitar a atividade humana, e que indiferentes
prosperidade do Estado, s se inflamam com paixo por opinies
que lhes agradam, mas que podem ser perigosas.
Austeros declamadores confundiram
essa espcie de ociosidade com a que fruto das riquezas
adquiridas pela indstria. Cabe exclusivamente s leis, e no
virtude rgida (mas fechada em idias estreitas) de alguns
censores, definir a espcie de ociosidade punvel.
No se pode encarar como ociosidade
funesta em poltica aquela que, gozando do fruto dos vcios ou
das virtudes de alguns anteados, d contudo po e existncia
pobreza industriosa, da troca dos prazeres atuais que recebe
desta e que pe o pobre na contingncia de travar a guerra pacfica
que a indstria sustenta contra a opulncia e que sucedeu aos
combates sangrentos e incertos da fora contra a fora.
Essa espcie de ociosidade pode
mesmo tornar-se vantajosa, medida que a sociedade aumenta e que
o governo deixa aos cidados mais liberdade.
XXXV. DO SUICDIO 1v163o
O SUICDIO
um delito que parece no poder ser submetido a nenhuma pena
propriamente dita; pois essa pena s poderia recair sobre um
corpo insensvel e sem vida, ou sobre inocentes. Ora, o castigo
que se aplicasse contra os restos inanimados do culpado no
poderia produzir outra impresso sobre os espectadores seno a
que estes experimentariam ao verem fustigar uma esttua.
Se a pena aplicada famlia
inocente, ela odiosa e tirnica, porque j no h liberdade
quando as penas no so puramente pessoais.
Os homens amam demasiado a vida; esto
ligados a ela por todos os objetos que os cercam; a imagem
sedutora do prazer e a doce esperana, amvel feiticeira que
mistura algumas gotas de felicidade ao licor envenenado dos males
que ingerimos a grandes tragos, encantam muito fortemente os coraes
dos mortais, para que se possa temer que a impunidade contribua
para tornar o suicdio mais comum.
Se se obedece s leis pelo temor de
um suplcio doloroso, aquele que se mata nada tem que temer, pois
a morte destri toda sensibilidade. No , pois, esse motivo
que poder deter a mo desesperada do suicida.
Mas, aquele que se mata faz menos
mal sociedade do que aquele que renuncia para sempre sua ptria.
O primeiro deixa tudo ao seu pas, ao o que o outro lhe rouba
sua pessoa e uma parte dos seus bens.
Direi mais. Como a fora de uma nao
consiste no nmero dos cidados, aquele que abandona o seu pas
para entregar-se a outro causa sociedade o dobro do prejuzo
que lhe pode causar o suicida.
A questo reduz-se, pois, a saber
se til ou perigoso sociedade deixar a cada um dos membros
que a compem uma liberdade perptua de afastar-se dela.
Toda lei que no forte por si
mesma, toda lei cuja execuo pode ser impedida em certas
circunstncias, jamais deveria ser promulgada. A opinio, que
governa os espritos, obedece s impresses lentas e indiretas
que o legislador sabe dar-lhe; resiste, porm, aos seus esforos,
quando so violentos e diretos; e as leis inteis, que logo so
desprezadas, comunicam seu aviltamento s leis mais salutares,
que costumam ser vistas antes como obstculos a vencer do que
como a salvaguarda da tranqilidade pblica.
Ora, como a energia dos nossos
sentimentos limitada, se se quiser obrigar os homens a
respeitar objetos estranhos ao bem da sociedade, eles tero menos
venerao pelas leis verdadeiramente teis.
No me deterei no desenvolvimento
das conseqncias vantajosas que um sbio dispensador da
felicidade pblica poder tirar desse princpio; procurarei
apenas provar que no necessrio fazer do Estado uma priso.
Uma lei que tentasse tirar aos cidados
a liberdade de abandonar seu pas, seria uma lei intil; porque,
a menos que rochedos inveis ou mares impraticveis separem
esse pas de todos os outros, como guardar todos os pontos de sua
circunferncia? Como guardar os prprios guardas?
O imigrante que leva tudo o que
possui no deixa nada sobre que as leis possam fazer cair a pena
com que o ameaam. Seu delito j no pode ser punido, desde que
foi cometido; e infligir-lhe um castigo antes que ele seja
consumado, punir a inteno e no o fato, exercer um
poder tirano sobre o pensamento, sempre livre e sempre
independente das leis humanas.
Tentar-se- punir o fugitivo com o
confisco dos bens que ele deixa? Mas a concluso, que no se
pode impedir por pouco que se respeitem os contratos dos cidados
entre si, tornaria esse meio ilusrio. Alm disso, semelhante
lei destruiria todo comrcio entre as naes; e, se se punisse
o emigrado, no caso dele regressar aos pas, isso significaria
impedi-lo de reparar o prejuzo que causou sociedade e banir
para sempre aquele que uma vez se tivesse afastado da ptria.
Enfim, a proibio de sair de um
pas s faz aumentar, em quem o habita, o desejo de abandon-lo,
ao o que desvia os estrangeiros de nele se estabelecerem. Que
se deve, pois, pensar de um governo que no tem outro meio seno
o temor, para reter os homens em sua ptria, qual eles esto
naturalmente ligados pelas primeiras impresses da infncia?
A maneira mais certa de fixar os
homens em sua ptria aumentar o bem-estar respectivo de cada
cidado. Do mesmo modo que todo governo deve empregar os maiores
esforos para fazer pender a seu favor a balana do comrcio,
assim tambm o maior interesse do soberano e da nao que a
soma de felicidade seja a maior do que entre os povos vizinhos.
Os prazeres do luxo no so os
principais elementos dessa felicidade: embora impedindo as
riquezas de se reunirem numa s mo, eles se tornam um remdio
necessrio desigualdade, que toma mais fora medida que a
sociedade faz mais progressos (18).
Mas, os prazeres do luxo so a base
da felicidade pblica, num pas em que a segurana dos bens e a
liberdade das pessoas dependem exclusivamente das leis, porque ento
esses prazeres favorecem a populao; ao o que se tornam um
instrumento de tirania para um povo cujos direitos no so
garantidos. Assim como os animais mais generosos e os livres
habitantes dos ares preferem as solides inveis e as
florestas longnquas, onde sua liberdade no corre risco, aos
campos alegres e frteis, que o homem, seu inimigo, semeou de
armadilhas, assim tambm os homens evitam o prprio prazer,
quando este lhes oferecido pela mo dos tiranos (19).
Est, pois, demonstrado que a lei
que prende os cidados ao seu pas intil e injusta; e o
mesmo juzo deve ser feito sobre a que pune o suicdio.
Trata-se de um crime que Deus pune
aps a morte do culpado, e somente Deus pode punir depois da
morte.
No , porm, um crime perante os
homens, porque o castigo recai sobre a famlia inocente e no
sobre o culpado.
Se me objetarem que o medo desse
castigo pode, contudo, deter a mo do infeliz determinado a
morrer, responderei que quem renuncia tranqilamente doura
de viver e odeia bastante a existncia terrena para preferir-lhe
uma eternidade talvez infeliz, no se comover decerto com a
considerao remota e menos forte da vergonha que o crime atrair
sobre sua famlia.
XXXVI. DE CERTOS DELITOS DIFCEIS
DE CONSTATAR s4m3p
COMETEM-SE
na sociedade certos delitos que so bastante freqentes, mas que
difcil provar. Tais so o adultrio, a pederastia, o
infanticdio.
O adultrio um crime que,
considerado sob o ponto de vista poltico, s to freqente
porque as leis no so fixas e porque os dois sexos so
naturalmente atrados um pelo outro (20).
Se eu falasse a povos ainda privados
das luzes da religio, diria que h uma grande diferena entre
esse delito e todos os outros. O adultrio produzido pelo
abuso de uma necessidade constante, comum a todos os mortais,
anterior sociedade; ao o que os outros delitos, que tendem
mais ou menos destruio do pacto social, so antes o efeito
das paixes do momento do que das necessidades da natureza.
Os que leram a histria e estudaram
os homens podem reconhecer que o nmero dos delitos produzidos
pela tendncia de um sexo para outro , no mesmo clima, sempre
igual a uma quantidade constante. Se assim , toda lei, todo
costume cujo fim fosse diminuir a soma total dos efeitos dessa
paixo, seria intil e at funesta, porque o efeito dessa lei
seria sobrecarregar uma poro da sociedade com suas prprias
necessidades e com as dos outros. O partido mais sbio seria,
pois, seguir at certo ponto o declive do rio das paixes e
dividir-lhe o curso num nmero de regatos suficientes para
impedir em toda parte dois excessos contrrios, a seca e as
enchentes.
A fidelidade conjugal sempre mais
segura proporo que os casamentos so mais numerosos e mais
livres. Se os preconceitos hereditrios os conciliam, se o poder
paterno os forma e os impede ao seu capricho, a galanteria
quebra-lhes secretamente os laos, mau grado as declamaes dos
moralistas vulgares, sempre ocupados em gritar contra os efeitos,
omitindo as causas.
Mas, essas reflexes so inteis
para aqueles que os motivos sublimes da religio mantm nos
limites do dever, que o pendor da natureza os leva a transpor.
O adultrio um delito de um
instante; envolve-se de mistrio; cobre-se de um vu que as prprias
leis se empenham em conservar, vu necessrio, mas de tal modo
transparente que s faz aumentar os encantos do objeto que
oculta. As ocasies so to fceis, as conseqncias to
duvidosas, que bem mais fcil ao legislador preveni-lo quando
no foi cometido do que reprimi-lo quando j se estabeleceu.
Regra geral: em todo delito que, por
sua natureza, deve quase sempre ficar impune, a pena um aguilho
a mais. Nossa imaginao mais vivamente excitada e se empenha
com mais ardor em perseguir o objeto dos seus desejos, quando as
dificuldades que se apresentam no so insuperveis e quando no
tm um aspecto bastante desencorajador, relativamente ao grau de
atividade que se tem no esprito. Os obstculos se tornam, por
assim dizer, tantas barreiras que impedem nossa imaginao
caprichosa de afastar-se delas, e que continuamente a foram a
pensar nas conseqncias da ao que medita. Ento a alma se
apega bem mais fortemente aos lados agradveis que a seduzem do
que s conseqncias perigosas cuja idia se esfora por
afastar.
A pederastia, que as leis punem com
tanta severidade e contra a qual se empregam to facilmente essas
torturas atrozes que triunfam da prpria inocncia, menos o
efeito das necessidades do homem isolado e livre do que o desvio
das paixes do homem escravo que vive em sociedade. Se s vezes
ela produzida pela sociedade dos prazeres, bem freqentemente
o efeito dessa educao que, para tornar os homens teis aos
outros, comea por torn-los inteis a si mesmos, nessas casas
em que uma juventude numerosa, viva, ardente, mas separada por
obstculos intransponveis do sexo, do qual a natureza lhe pinta
fortemente todos os encantos, prepara para si uma velhice
antecipada, consumindo de antemo, inutilmente para a humanidade,
um vigor apenas desenvolvido.
O infanticdio ainda o resultado
quase inevitvel da cruel alternativa em que se acha uma infeliz,
que s cedeu por fraqueza, ou que sucumbiu sob os esforos da
violncia. De um lado a infmia, de outro a morte de um ser
incapaz de sentir a perda da vida: como no havia de preferir
esse ltimo partido, que a rouba vergonha, misria,
juntamente com o desgraado filhinho'
O melhor meio de prevenir essa espcie
de delito seria proteger com leis eficazes a fraqueza e a
infelicidade contra essa espcie de tirania, que s se levanta
contra os vcios que no se podem cobrir com o manto da virtude.
No pretendo enfraquecer o justo
horror que devem inspirar os crimes de que acabamos de falar. Eu
quis indicar suas fontes e penso que me ser permitido tirar da
a conseqncia geral de que no se pode chamar precisamente
justa ou necessria (o que a mesma coisa) a punio de um
delito que as leis no procuraram prevenir com os melhores meios
possveis e segundo as circunstncias em que se encontra uma nao.
XXXVII. DE UMA ESPCIE PARTICULAR
DE DELITO 4s431f
OS
QUE lerem esta obra se apercebero sem dvida de que no falei
de uma espcie de delito cuja punio inundou a Europa de
sangue humano.
No descrevi esses espetculos
espantosos em que o fanatismo elevava constantemente fogueiras, em
que homens vivos serviam de alimento s chamas, em a que multido
feroz se comprazia em ouvir os gemidos abafados dos infelizes, em
que cidados corriam, como a um espetculo agradvel, a
contemplar a morte dos seus irmos, no meio dos turbilhes de
negra fumaa, em que os lugares pblicos ficavam cobertos de
destroos palpitantes e de cinzas humanas.
Os homens esclarecidos vero que o
pas onde habito, o sculo em que vivo e a matria de que trato
no me permitiram examinar a natureza desse delito. Seria, alis,
empresa demasiado longa e que me desviaria muito do meu assunto,
querer provar, contra o exemplo de vrias naes, a necessidade
de uma inteira conformidade de opinio num Estado poltico;
procurar demonstrar como certas crenas religiosas, entre as
quais s podem achar-se diferenas sutis, obscuras e muito acima
da capacidade humana, podem contudo perturbar a tranqilidade pblica,
a menos que somente uma seja autorizada e todas as outras
proscritas.
Seria preciso fazer ver ainda como
algumas dessas crenas, tornando-se mais claras pela fermentaes
dos espritos, podem fazer nascer do choque das opinies a
verdade, que ento sobrenada depois de ter aniquilado o erro, ao
o que outras seitas, pouco firmes em suas bases; tm
necessidade, para manter-se, de se apoiarem na fora.
Seria demasiado longo, igualmente,
mostrar que, para reunir todos os cidados de um Estado numa
perfeita conformidade de opinies religiosas, preciso
tiranizar os espritos e constrang-los a vergar sob o jugo da
fora, embora essa violncia se oponha razo e autoridade
que mais respeitamos (21),
que nos recomenda a doura e o amor dos nossos irmos, embora
seja evidente que a fora s faz hipcritas e, portanto, almas
vis.
Deve-se crer que todas essas coisas
estaro demonstradas e conformes aos interesses da humanidade, se
houver em alguma parte uma autoridade legtima e reconhecida que
as ponha em prtica.
Quanto a mim, s falo aqui dos
crimes que pertencem ao homem natural e que violam o contrato
social; devo silenciar, porm, sobre os pecados cuja punio
mesmo temporal deve ser determinada segundo outras regras que no
as da filosofia.
XXXVIII. DE ALGUMAS FONTES GERAIS
DE ERROS E DE INJUSTIAS NA LEGISLAO 5i4b2u
E, em primeiro lugar, das falsas
idias de utilidade 424k3o
AS
FALSAS idias que os legisladores fizeram da utilidade so uma
das fontes mais fecundas de erros e injustias.
ter falsas idias de utilidade
ocupar-se mais com inconvenientes particulares do que com
inconvenientes gerais; querer comprimir os sentimentos naturais em
lugar de procurar excit-los; impor silncio razo e dizer
ao pensamento: "S escravo".
ter ainda falsas idias de
utilidade sacrificar mil vantagens reais ao temor de uma
desvantagem imaginria ou pouco importante.
No teria certamente idias justas
quem desejasse tirar aos homens o fogo e a gua, porque esses
dois elementos causam incndios e inundaes, e quem s
soubesse impedir o mal pela destruio.
Podem considerar-se igualmente como
contrrias ao fim de utilidade as leis que probem o porte de
armas, pois s desarmam o cidado pacfico, ao o que deixam
o ferro nas mos do celerado, bastante acostumado a violar as
convenes mais sagradas para respeitar as que so apenas
arbitrrias.
Alm disso, essas convenes so
pouco importantes; h pouco perigo em infringi-las e, por outro
lado, se as leis que desarmam fossem executadas com rigor,
destruiriam a liberdade pessoal, to preciosa ao homem to
respeitvel aos olhos do legislador esclarecido; submeteriam a
inocncia a todas as investigaes, a todos os vexames arbitrrios
que s devem ser reservados aos criminosos.
Tais leis s servem para
multiplicar os assassnios, entregam o cidado sem defesa aos
golpes do celerado, que fere com mais audcia um homem desarmado;
favorecem o bandido que ataca, em detrimento do homem honesto que
atacado.
Essas leis so simplesmente o rudo
das impresses tumultuosas que produzem certos fatos
particulares; no podem ser o resultado de combinaes sbias
que pesam numa mesma balana os males e os bens; no para
prevenir os delitos, mas pelo vil sentimento do medo, que se fazem
tais leis.
por uma falsa idia de utilidade
que se procura submeter uma multido de seres sensveis
regularidade simtrica que pode receber uma matria bruta e
inanimada; que se negligenciam os motivos presentes, nicos
capazes de impressionar o esprito humano de maneira forte e durvel,
para empregar motivos remotos, cuja impresso fraca e
ageira, a menos que uma grande fora de imaginao, que s
se se encontra num pequeno nmero de homens, supra o afastamento
do objeto, mantendo-o sob relaes que o aumentam e o aproximam.
Enfim, tambm podem chamar-se
falsas idias de utilidade as que separam o bem geral dos
interesses particulares, sacrificando as coisas s palavras.
H, entre o estado de sociedade e o
estado de natureza, a diferena de que o homem selvagem s faz
mal a outrem quando nisso descobre alguma vantagem para si, ao
o que o homem social s vezes levado, por leis viciosas, a
prejudicar sem nenhum proveito.
O dspota espalha o medo e o
abatimento na alma dos seus escravos, mas esse medo e esse
abatimento voltam-se contra ele prprio, logo lhe enchem o corao
e o tornam presa de males maiores do que os que ele causa.
Aquele que se compraz em inspirar o
terror corre poucos riscos, se teme apenas a prpria famlia e
as pessoas que o cercam. Mas, quando o terror geral, quando
fere uma grande multido de homens, o tirano deve tremer. Receie
a temeridade, o desespero; receie sobretudo o homem audacioso, mas
prudente, que souber com habilidade sublevar contra ele os
descontentes, tanto mais fceis de serem seduzidos quando se
despertarem em suas almas as mais caras esperanas e quando se
tiver o cuidado de mostrar-lhes os perigos da empresa repartidos
entre um grande nmero de cmplices. Juntai a isso que os
infelizes do menos valor sua existncia na proporo dos
males que os afligem.
Eis, sem dvida, porque as ofensas
so quase sempre seguidas de ofensas novas. A tirania e o dio so
sentimentos durveis, que se sustentam e tomam novas foras
medida que se exercem; ao o que, em nossos coraes
corruptos, o amor e os sentimentos ternos se enfraquecem e se
extinguem na ociosidade.
XXXIX. DO ESPRITO DE FAMLIA 4c2g4x
O ESPIRTO
da famlia outra fonte geral de injustias na legislao.
Se as disposies cruis e os
outros vcios das leis penais foram aprovados pelos legisladores
mais esclarecidos, nas repblicas mais livres, que se
considerou o Estado antes como uma sociedade de famlias do que
como a associao de um certo nmero de homens.
Suponha-se uma nao composta de
cem mil homens, distribudos em vinte mil famlias de cinco
pessoas cada uma, inclusive o chefe que a representa; se a associao
feita por famlias, haveria vinte mil cidados e oitenta mil
escravos; se feita por indivduos, haveria cem mil cidados
livres.
No primeiro caso, seria uma repblica
composta de vinte mil pequenas monarquias; no segundo, tudo
respirar o esprito de liberdade, que animar os cidados, no
somente nas praas pblicas e nas assemblias nacionais, mas
ainda sob o teto domstico, onde residem os principais elementos
de felicidade e de misria.
Se a associao feita por famlias,
as leis e os costumes, que so sempre o resultado dos sentimentos
habituais dos membros da sociedade poltica, sero obra dos
chefes dessas famlias; ver-se- em breve o esprito monrquico
introduzir-se aos poucos na prpria repblica, e os seus efeitos
s encontraro obstculos na oposio dos interesses
particulares, porque os sentimentos naturais de liberdade e de
igualdade j tero deixado de viver nos coraes.
O esprito de famlia um
espirito de mincia limitado pelos mais insignificantes
pormenores; ao o que o esprito pblico, ligado aos princpios
gerais, v os fatos com viso segura, coordena-os nos lugares
respectivos e sabe tirar deles conseqncias teis ao bem da
maioria.
Nas sociedades compostas de famlias,
as crianas ficam sob a autoridade do chefe e so obrigadas a
esperar que a morte lhes d uma existncia que s depende das
leis. Habituadas a obedecer e a tremer, na idade da fora, quando
as paixes no so ainda refreadas pela moderao, espcie
de temor prudente que o fruto da experincia e da idade, como
resistiro elas aos obstculos que o vcio ope constantemente
aos esforos da virtude, quando a velhice decrpita e medrosa
tirar-lhes a coragem de tentar reformas ousadas, que alis as
seduzem pouco, porque no tm a esperana de recolher-lhes os
frutos?
Nas repblicas, em que todo homem
cidado, a subordinao nas famlias no efeito da fora,
mas de um contrato; e os filhos, uma vez sados da idade em que a
fraqueza e a necessidade de educao os mantm sob a dependncia
natural dos pais, tornam-se desde ento membros livres da
sociedade: se ainda se submetem ao chefe da famlia, apenas
para participar das vantagens que esta lhes oferece, do mesmo modo
que os cidados se sujeitam, sem perder a liberdade, ao chefe da
grande sociedade poltica.
Nas repblicas compostas de famlias,
os jovens, isto , a parte mais considervel e mais til da nao,
ficam discrio dos pais. Nas repblicas de homens livres,
os nicos laos que submetem os filhos ao pai so os
sentimentos sagrados e inviolveis da natureza, que convidam os
homens a ajudar-se mutuamente em suas necessidades recprocas e
que lhes inspiram o reconhecimento pelos benefcios recebidos.
Esses santos deveres so muito mais
alterados pelo vcio das leis, que prescrevem uma submisso cega
e obrigatria, do que pela maldade do corao humano. Essa
oposio entre as leis fundamentais dos Estados polticos e as
leis de famlia, fonte de muitas outras contradies entre a
moral pblica e a moral particular, que se combatem continuamente
no esprito de cada homem.
A moral particular s inspira a
submisso e o medo, ao o que a moral pblica anima a coragem
e o esprito da liberdade.
Guiado pela primeira, o homem limita
seu bem-estar ao crculo estreito de um pequeno nmero de
pessoas que ele nem mesmo escolheu. Inspirado pela outra, procura
estender a felicidade sobre todas as classes da humanidade.
A moral particular exige que cada
qual se sacrifique continuamente a um falso dolo que se chama o
bem da famlia e que muitas vezes no o bem real de nenhum
dos indivduos que a compem. A moral pblica ensina a procurar
o bem-estar sem ferir as leis; e, se s vezes excita um cidado
a imolar-se pela ptria, recompensa-o pelo entusiasmo que lhe
inspira antes do sacrifcio e pela glria que lhe promete.
Tantas contradies fazem que os
homens desdenhem de praticar a virtude, que no podem reconhecer
no meio das trevas de que a cercaram e que lhes parece distante,
porque est envolta nessa obscuridade que oculta aos nossos olhos
os objetos morais como os objetos fsicos.
Quantas vezes o cidado que reflete
sobre suas aes adas no se ter irado de achar-se um
mau homem?
A medida que a sociedade cresce,
cada um dos seus membros torna-se uma parte menor do todo, e o
amor do bem pblico se enfraquece na mesma proporo, se as
leis deixam de fortific-lo. As sociedades polticas tm, como
o corpo humano, um crescimento limitado; no poderiam estender-se
alm de certos limites, sem que sua economia fosse perturbada.
Parece que a grandeza de um Estado
deve estar na razo inversa do grau de atividade dos indivduos
que a compem. Se essa atividade crescesse ao mesmo tempo que a
populao, as boas leis achariam um obstculo, para prevenir os
delitos, no prprio bem que tivessem podido fazer.
Uma repblica muito vasta s pode
escapar ao despotismo subdividindo-se num certo nmero de
pequenos Estados confederados. Mas, para formar essa unio, seria
preciso um ditador poderoso, que tivesse a coragem de Sila (22),
com tanto gnio para fundar quanto Sila o teve para destruir.
Se tal homem for ambicioso, poder
esperar uma glria imortal. Se for filsofo, as bnos dos
seus concidados o consolaro da perda de sua autoridade, mesmo
sem pedir-lhes reconhecimento.
Quando os sentimentos que nos unem
nao principiam a enfraquecer-se, os que nos ligam aos
objetos que nos cercam adquirem novas foras. Assim, sob o
despotismo feroz, os laos da amizade so mais durveis; e as
virtudes de famlia (virtudes sempre fracas) se tornam, ento,
as mais comuns, ou antes, so as nicas que ainda se praticam.
Aps todas essas observaes,
pode julgar-se quanto foram curtas e limitadas as opinies da
maioria dos nossos legisladores.
XL. DO ESPRITO DO FISCO 5v6p33
HOUVE
um tempo em que todas as penas eram pecunirias. Os crimes dos sditos
eram para o prncipe uma espcie de patrimnio. Os atentados
contra a segurana pblica eram objeto de lucro, sobre o qual se
sabia especular. O soberano e os magistrados achavam seu interesse
nos delitos que deveriam prevenir. Os julgamentos no eram, ento,
nada menos do que um processo entre o fisco que percebia o preo
do crime, e o culpado que devia pag-lo. Fazia-se disso um negcio
civil, contencioso, como se se tratasse de uma querela particular,
e no do bem pblico. Parecia que o fisco tinha outros direitos
que exercer alm da proteo da tranqilidade pblica, e o
culpado outras penas que sofrer alm das que a necessidade do
exemplo o exigia. O juiz, estabelecido para apurar a verdade com
nimo imparcial, no era mais do que o advogado do fisco; e
aquele que se chamava o protetor e o ministro das leis era apenas
o exator dos dinheiros do prncipe.
Nesse sistema, quem se confessasse
culpado se reconhecia, pela prpria confisso, devedor do fisco;
e, como era esse o fim de todos os processos criminais, toda a
arte do juiz consistia em obter essa confisso da maneira mais
favorvel aos interesses do fisco.
ainda para esse mesmo fim fiscal
que tende hoje toda a jurisprudncia criminal, pois os efeitos
permanecem por muito tempo depois de cessadas as causas.
O acusado que recusa confessar-se
culpado, embora convencido por provas certas, sofrer uma pena
mais leve do que se tivesse confessado; no lhe ser aplicada a
tortura pelos outros crimes que poderia ter cometido, precisamente
porque no confessou o crime principal de que est convencido.
Mas, se o crime confessado, o juiz apodera-se do corpo do
culpado; dilacera-o metodicamente; e faz dele,. por assim dizer,
um fundo do qual tira todo o proveito possvel.
Uma vez reconhecida a existncia do
delito, a confisso do acusado se torna prova convincente.
Acredita-se tornar essa prova menos suspeita, arrancando a confisso
do crime pelos tormentos e pelo desespero; e se estabeleceu que a
confisso no basta para condenar o culpado, se esse culpado
calmo, se fala desembaraadamente, se no est cercado das
formalidades judicirias e do aparato aterrador dos suplcios.
Excluem-se cuidadosamente da instruo
de um processo as investigaes e as provas que, esclarecendo o
fato de maneira a favorecer o acusado, poderiam prejudicar as
pretenses do fisco; e, se s vezes se poupam alguns tormentos
ao culpado, no nem por piedade para com a desgraa, nem por
indulgncia para com a fraqueza, mas porque as confisses
obtidas so suficientes para os direitos do fisco, esse dolo
que j no a de uma quimera e que a mudana das circunstncias
nos torna inconcebvel.
O juiz, quando exerce suas funes,
no mais do que o inimigo do culpado, isto , de um infeliz
curvado ao peso das cadeias, minado pelo sofrimento, que os
tormentos esperam e que o futuro mais terrvel cerca de horror e
de assombro. No a verdade o que ele procura; quer descobrir
no acusado um culpado; prepara-lhe armadilhas, parece que tem tudo
que perder e que teme, se no puder convencer o acusado, diminuir
a infalibilidade que o homem se arroga em todas as coisas.
O juiz tem o poder de determinar por
que indcios se pode encarcerar um cidado. E declarar que esse
cidado culpado, antes de poder provar que inocente. No
se parecer tal informao com um procedimento ofensivo? E eis,
todavia, a marcha da jurisprudncia criminal, em quase toda a
Europa, no sculo XVIII, em plena luz. Mal se conhece nos
tribunais o verdadeiro processo das informaes, isto , a
investigao imparcial do fato, prescrita pela razo, seguida
nas leis militares, empregada mesmo por esses dspotas da sia,
nos assuntos que s interessam os particulares.
Nossos descendentes, sem dvida
mais felizes do que ns, tero dificuldade em conceber essa
complicao torturosa dos mais estranhos absurdos, e esse
sistema de iniqidades incrveis, que s o filsofo poder
julgar possvel, estudando a natureza do corao humano.
XLI. DOS MEIOS DE PREVENIR CRIMES 1h2942
MELHOR
prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sbio
deve procurar antes impedir o mal do que repar-lo, pois uma boa
legislao no seno a arte de proporcionar aos homens o
maior bem-estar possvel e preserv-los de todos os sofrimentos
que se lhes possam causar, segundo o clculo dos bens e dos males
desta vida.
Mas, os meios que at hoje se
empregam so em geral insuficientes ou contrrios ao fim que se
propem. No possvel submeter a atividade tumultuosa de uma
massa de cidados a uma ordem geomtrica, que no apresente nem
irregularidade nem confuso. Embora as leis da natureza sejam
sempre simples e sempre constantes, no impedem que os planetas
se desviem s vezes dos movimentos habituais. Como poderiam,
pois, as leis humanas, em meio ao choque das paixes e dos
sentimentos opostos da dor e do prazer, impedir que no haja
alguma perturbao e algum desarranjo na sociedade? essa, porm,
a quimera dos homens limitados, quando tm algum poder.
Se se probem aos cidados uma poro
de atos indiferentes, no tendo tais atos nada de nocivo, no se
previnem os crimes: ao contrrio, faz-se que surjam novos, porque
se mudam arbitrariamente as idias ordinrias de vcio e
virtude, que todavia se proclamam eternas e imutveis.
Alm disso, a que ficaria o homem
reduzido, se fosse preciso interdizer-lhe tudo o que pode ser para
ele uma ocasio de praticar o mal? Seria preciso comear por
tirar-lhe o uso dos sentidos.
Para um motivo que leva os homens a
cometer um crime, h mil outros que os levam a aes
indiferentes, que s so delitos perante as ms leis. Ora,
quanto mais se estender a esfera dos crimes, tanto mais se far
que sejam cometidos. porque se vero os delitos multiplicar-se
medida que os motivos de delitos especificados pelas leis forem
mais numerosos, sobretudo se a maioria dessas leis no arem
de privilgios, isto , de um pequeno nmero de senhores.
Quereis prevenir os crimes? Fazeis
leis simples e claras; fazei-as amar; e esteja a nao inteira
pronta a armar-se para defend-las, sem que a minoria de que
falamos se preocupe constantemente em destru-las.
No favoream elas nenhuma classe
particular; protejam igualmente cada membro da sociedade;
receie-as o cidado e trema somente diante delas. O temor que as
leis inspiram salutar, o temor que os homens inspiram uma
fonte funesta de crimes.
Os homens escravos so sempre mais
debochados, mais covardes, mais cruis do que os homens livres.
Estes investigam as cincias; ocupam-se com os interesses da nao;
vem os objetos sob um ponto de vista elevado, e fazem grandes
coisas. Mas, os escravos, satisfeitos com os prazeres do momento,
procuram no rudo do deboche uma distrao para o aniquilamento
em que se vem mergulhados. Toda sua vida est cercada de
incertezas, e, como para eles os delitos no esto determinados,
no sabem quais sero suas conseqncias: e isso empresta nova
fora paixo que os leva a pratic-los.
Num povo que o clima torna
indolente, a incerteza das leis entretm e aumenta a inao e a
estupidez.
Numa nao voluptuosa, mas ativa,
as leis incertas fazem que a atividade dos cidados se limite a
pequenas cabalas e intrigas, surdas, que semeiam a desconfiana.
Ento, o homem mais prudente aquele que sabe melhor dissimular
e trair.
Num povo forte e corajoso, a
incerteza das leis forada por fim e substituir-se por uma
legislao precisa; isso, porm, s acontece depois de revolues
freqentes, que conduziram esse povo, alternativamente, da
liberdade escravido e da escravido liberdade.
Quereis prevenir os crimes? Marche a
liberdade acompanhada das luzes. Se as cincias produzem alguns
males, quando esto pouco difundidas; mas, medida que se
estendem, as vantagens que trazem se tornam maiores.
Um impostor ousado (que no pode
ser um homem vulgar) faz-se adorar por um povo ignorante e s
objeto de desprezo para uma nao esclarecida.
O homem instrudo sabe comparar os
objetos, consider-los sob diversos pontos-de-vista e modificar
os prprios sentimentos pelos dos outros, porque v nos seus
semelhantes os mesmos desejos e as mesmas averses que agem sobre
o seu corao.
Se prodigalizardes luzes ao povo, a
ignorncia e a calnia desaparecero diante delas, a autoridade
injusta tremer, s as leis permanecero inabalveis,
todo-poderosas; e o homem esclarecido amar uma constituio
cujas vantagens so evidentes, uma vez conhecidos seus
dispositivos, e que d bases slidas segurana pblica.
Poder ele lamentar essa intil partcula de liberdade de que
se privou, se a comparar com a soma de todas as outras liberdades
que os seus concidados lhe sacrificaram, e se pensar que, sem as
leis, estes ltimos poderiam armar-se e unir-se contra ele?
Dotado de uma alma sensvel,
verifica-se que, sob boas leis, o homem s perdeu a funesta
liberdade de praticar o mal, forado a bendizer o trono e o
soberano que s o ocupa para proteger.
No verdade que as cincias
sejam nocivas humanidade. Se s vezes deram maus resultados,
que o mal era inevitvel. Multiplicando-se os homens sobre a
superfcie da terra, viram-se nascer a guerra, algumas artes
grosseiras, e as primeiras leis, que no eram seno convenes
momentneas e que pereciam com a necessidade ageira que as
produziria. Foi ento que a filosofia comeou a aparecer; seus
primeiros princpios foram pouco numerosos e sabiamente
escolhidos, porque a preguia e a pouca sagacidade dos primeiros
homens os preservam de muitos erros.
Mas, multiplicadas as necessidades
juntamente com a espcie humana, foram necessrias impresses
mais fortes e mais durveis para impedir as voltas freqentes, e
cada dia mais funestas ao estado selvagem. Foram, pois, um grande
bem para a humanidade (digo um grande bem sob o aspecto poltico)
os primeiros erros religiosos que povoaram o universo de falsas
divindades e que inventaram um mundo invisvel de espritos
encarregados de governar a terra.
Foram benfeitores do gnero humano
esses homens audaciosos que ousaram enganar seus semelhantes para
servi-los e que arrastaram a ignorncia temerosa ao p dos
altares. Apresentando aos homens objetos fora do alcance dos
sentidos, interessaram-nos na investigao desses objetos, que
fugiam diante deles medida que os julgavam mais prximos; foraram-nos
a respeitar o que no conheciam bem e souberam concentrar para
esse nico fim, que os impressionava fortemente, todas as paixes
que os agitavam.
Tal foi a sorte de todas as naes
que se formaram da reunio de diferentes povoaes selvagens.
Foi a poca da formao das grandes sociedades; e as idias
religiosas foram sem dvida o nico lao que pode obrigar os
homens a viverem constantemente sob leis.
No falo desse povo que Deus
escolheu. Os milagres mais extraordinrios e os favores mais
assinalados que o cu lhe prodigalizou substituram a poltica
humana.
Mas, como os erros podem
subdividir-se ao infinito, as falsas cincias que tais erros
produziram fizeram dos homens uma multido fantica de cegos,
perdidos no labirinto em que se encerraram e prestes a chocar-se a
cada o. Ento, alguns filsofos sensveis lamentaram o
antigo estado selvagem; e foi nessa primeira poca que os
conhecimentos, ou antes, as opinies, tornaram-se funestos
humanidade.
Pode considerar-se como uma poca
mais ou menos semelhante o momento terrvel em que preciso
ar do erro verdade, das trevas luz. O choque terrvel
dos preconceitos teis a um pequeno nmero de homens poderosos
contra as verdades vantajosas para a multido fraca, e a fermentao
de todas as paixes sublevadas, causam males infinitos aos
infelizes humanos.
Percorrendo a histria, cujos
principais acontecimentos, aps certos intervalos, se reproduzem
quase sempre, detenhamo-nos na agem perigosa, mas indispensvel,
da ignorncia filosofia, e portanto da escravido
liberdade; e veremos quantas vezes uma gerao inteira
sacrificada felicidade da que deve suceder-lhe.
Quando, porm, a calma est
restabelecida, quando j est extinto o incndio cujas flamas
purificaram a nao, livrando-a dos males que a oprimiam, a
verdade, que primeiro se arrastava com lentido, precipita os
os, senta-se nos tronos ao lado dos monarcas e, por fim, nas
assemblias das naes, sobretudo nas repblicas, obtm culto
e altares.
Poder-se- acreditar, ento, que
as luzes que esclarecem a multido so mais perigosas do que as
trevas? E que filsofo se persuadir de que o conhecimento exato
das relaes que unem os objetos entre si possa ser funesto
humanidade?
Se o semi-saber mais perigoso do
que a ignorncia cega, porque aos males que produz a ignorncia
acrescenta ainda os erros inumerveis que resultam
inevitavelmente de uma viso limitada aqum dos limites da
verdade, sem dvida o dom mais precioso que um soberano pode
conceder nao e a si mesmo confiar o depsito sagrado
das leis a um homem esclarecido. Acostumado a ver a verdade sem
tem-la, acima dessa necessidade geral dos sufrgios pblicos,
necessidade que nunca est satisfeita e que to freqentemente
faz sucumbir a virtude; habituado a tudo considerar sob os pontos
de vista mais elevados, ele v a nao como uma famlia, os
seus concidados como irmos; e a distncia que separa os
grandes do povo lhe parece tanto menor quanto sabe envolver com o
olhar maior massa de homens.
O sbio tem necessidades e
interesses que o vulgo desconhece; para ele uma necessidade no
desmentir, em sua conduta pblica, os princpios que estabeleceu
nos seus escritos e o hbito que adquiriu de amar a verdade por
si mesma.
Tais homens fariam a felicidade de
uma nao; mas, para tornar essa felicidade durvel, preciso
que boas leis aumentem de tal forma o nmero dos sbios que
quase j no seja possvel fazer uma escolha errnea.
Outro meio de prevenir os delitos
afastar do santurio das leis a prpria sombra da corrupo,
interessando os magistrados em conservar em toda a sua pureza o
depsito que a nao lhes confia.
Quanto mais numerosos forem os
tribunais, tanto menos se poder temer que violem as leis,
porque, entre vrios homens que se observam mutuamente, a
vantagem de aumentar a autoridade comum tanto menor quanto
menor a parcela de autoridade de cada um e muito pouco considervel
para contrabalanar os perigos da empresa.
Se o soberano d muito aparato,
pompa e autoridade magistratura; se ao mesmo tempo fecha todo
o aos lamentos justos ou mal fundados do fraco, que se julga
oprimido; se acostuma os sditos a temer os magistrados mais do
que as leis, aumentar sem dvida o poder dos juizes, mas
somente custa da segurana pblica e particular.
Podem ainda prevenir-se os crimes
recompensando a virtude; e pode-se observar que as leis atuais de
todas as naes guardam a esse respeito um profundo silncio.
Se os prmios propostos pelas
academias aos autores das descobertas teis alargaram os
conhecimentos e aumentaram o nmero dos bons livros, imagine-se
que recompensas concedidas por um monarca benfeitor no
multiplicariam tambm as aes virtuosas. A moeda da honra,
distribuda com sabedoria, jamais se esgota e produz sempre bons
frutos.
Afim, o meio mais seguro, mas ao
mesmo tempo mais difcil de tornar os homens menos inclinados a
praticar o mal, aperfeioar a educao.
O assunto vasto demais para
entrar nos limites que me prescrevi. Ouso, porm, dizer que est
to estreitamente ligado com a natureza do governo que ser
apenas um campo estril e cultivado somente por um pequeno nmero
de sbios, at chegarem os sculos ainda distantes em que as
leis no tero outro fim seno a felicidade pblica.
Um grande homem, que esclarece os
seus semelhantes e que por estes perseguido, desenvolveu as mximas
principais de uma educao verdadeiramente til (23).
Fez ver que ela consistia bem menos na multido confusa dos
objetos que se apresentam s crianas do que na escolha e na
preciso com as quais se lhes expem.
Provou que preciso substituir as
cpias pelos originais nos fenmenos morais ou fsicos que o
acaso ou a habilidade do mestre oferece ao esprito do aluno.
Ensinou a conduzir as crianas
virtude, pela estrada fcil do sentimento, a afast-las do mal
pela fora invencvel de necessidade e dos inconvenientes que
seguem a m ao.
Demostrou que o mtodo incerto da
autoridade imperiosa deveria ser abandonado, pois s produz uma
obedincia hipcrita e ageira.
XLII. CONCLUSO 2k5ck
DE
tudo o que acaba de ser exposto, pode deduzir-se um teorema geral
utilssimo, mas conforme ao uso, que o legislador ordinrio das
naes:
que, para no ser um ato de violncia
contra o cidado, a pena deve ser essencialmente pblica, pronta,
necessria, a menor das penas aplicveis nas circunstncias
dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei.
APNDICE 3u3j5l
RESPOSTAS S "NOTAS E OBSERVAES"
DE UM FRADE DOMINICANO SOBRE O LIVRO "DOS DELITOS E DAS
PENAS" 303z3v
ESSAS
Notas e Observaes no am de uma coleo de injrias
contra o autor do livro Dos Delitos e Das Penas, que chamado fantico,
impostor, escritor falso e perigoso, satrico desenfreado, sedutor
do pblico. acusado de distilar o fel mais amargo, de juntar a
contradies vergonhosas os traos prfidos e ocultos da
dissimulao e de ser obscuro por perversidade. O crtico pode
estar certo de que no responderei s personalidades.
Representa ele o meu livro como uma
obra horrvel, virulenta e de uma licena venenosa, infame, mpia.
Encontra nele blasfmias impudentes, insolentes ironias, pilhrias
indecentes, sutilezas perigosas, motejos escandalosos, calnias
grosseiras.
A religio e o respeito devido aos
soberanos so o pretexto para duas das mais graves acusaes que
se acham nessas Notas e Observaes. Sero estas as nicas s
quais me julgarei obrigado a responder. Comecemos pela primeira.
I - Acusao de impiedade 652n2j
1. - "O autor do livro Doa
Delitos e das Penas no conhece essa justia que tem origem no
legislador eterno, que tudo v e prev".
Eis mais ou menos o silogismo do autor
das Notas.
"O autor do livro Dos Delitos no
aprova que a interpretao da lei dependa da vontade e do capricho
de um juiz. - Ora, aquele que no quer confiar a interpretao da
lei vontade e aos caprichos de um juiz no cr numa justia
emanada de Deus. - O autor no ite, pois, uma justia puramente
divina... "
2. - "Segundo o autor do livro
Dos Delitos e das Penas, a Escritura santa s contm
imposturas".
Em toda a obra Dos Delitos e das
Penas, s se trata da Escritura santa uma nica vez; quando, a
propsito dos erros religiosos, no captulo XLI. eu disse que no
falava desse povo eleito de Deus, para o qual os milagres mais
extraordinrios e as graas mais assinaladas substituram a poltica
humana.
3. - "Toda a gente sensata
encontrou no autor do livro Dos Delitos e das Penas um inimigo do
cristianismo, um mau homem e um mau filsofo".
Pouco me importa parecer ao meu crtico
bom ou mau filsofo; os que me conhecem asseguram que no sou mau
homem.
Serei, ento, inimigo do
cristianismo, quando insisto para que a tranqilidade dos templos
seja assegurada sob a proteo do governo, e quando digo, ao falar
da sorte das grandes verdades, que a revelao a nica que se
conservou em sua pureza, em meio s nuvens tenebrosas com que o
erro envolveu o universo durante tantos sculos?
4. - "O autor do livro Dos
Delitos e das Penas fala da religio como se se tratasse de uma
simples mxima poltica".
O autor do livro Dos Delitos e das
Penas chama religio "um dom sagrado do cu". Ser
provvel que ele trate como simples mxima poltica o que lhe
parece um dom sagrado do cu?
5. - "O autor inimigo
declarado do Ser supremo".
Peo de todo meu corao que esse
Ser supremo perdoe a todos os que me ofendem.
6. - "Se o cristianismo causou
algumas desgraas e alguns morticnios, ele exagera-os e silencia
sobre os bens e as vantagens que a luz do Evangelho espalhou sobre
todo o gnero humano".
No se encontrar um nico lugar no
meu livro que faa meno aos males causados pelo Evangelho; no
citei mesmo um s fato que com isso se relacione.
7. - "O autor profere uma blasfmia
contra os ministros da religio, ao dizer que suas mos sujaram-se
de sangue humano".
Todos os que escreveram a histria,
desde Carlos Magno (24)
at Oto-o-Grande (25),
e mesmo depois desse prncipe, proferiram muitas vezes a mesma
blasfmia. Ignorar-se- que, durante trs sculos, o clero, os
abades e. os bispos no tiveram escrpulo algum em marchar para a
guerra? E no ser o caso de dizer, sem blasfemar, que os eclesisticos
que se achavam no meio das batalhas e que participaram da
carnificina sujavam as mos de sangue humano?
8. - "Os prelados da Igreja catlica,
to recomendveis por sua doura e sua humanidade, am, no
livro Dos Delitos e das Penas, por ser os autores de suplcios to
brbaros quanto inteis".
No tenho culpa de ser obrigado a
repetir mais de uma vez a mesma coisa. No se citar na minha obra
uma s frase que diga que os prelados inventaram suplcios.
9. - "A heresia no pode
chamar-se crime de lesa-majestade divina, segundo o autor do livro
Dos Delitos e das Penas".
No h em todo o meu livro uma
palavra que possa dar lugar a tal imputao. Propus-me apenas
tratar Dos Delitos e das Penas, e no dos pecados.
Eu disse, falando do crime de
lesa-majestade, que somente a ignorncia e a tirania, que confundem
as palavras e as idias mais claras, podem chamar por esse nome e
punir como tais, com o ltimo suplcio, delitos de natureza
diferente. O crtico talvez ignore quanto se abusa da palavra
lesa-majestade nos tempos de tirania e de ignorncia, aplicando-a a
delitos de gnero inteiramente diverso, pois no conduziam
imediatamente destruio da sociedade. Consulte a lei dos
imperadores Graciano (26),
Valentiniano (27)
e Teodsio (28);
observe como so considerados criminosos de lesa-majestade aqueles
que ousam duvidar da bondade da escolha do imperador, quando este
conferia algum emprego. Uma outra lei de Valentiniano, de Teodsio
e de Arccio (29)
ensinar-lhe- que os moedeiros falsos tambm eram criminosos de
lesa-majestade. Era preciso um decreto do Senado para livrar da
acusao de lesa-majestade aquele que tivesse fundido esttuas
dos imperadores, embora velhas e mutiladas. Somente depois de um
edito dos imperadores Severo (30)
e Antonino que se deixou de intentar a ao de lesa-majestade
contra os que vendiam as esttuas dos imperadores; e esses prncipes
baixaram um decreto que proibia a perseguio por esse crime
daqueles que acaso tivessem lanado uma pedra contra a esttua de
um imperador. Domiciano (31)
condenou morte uma dama romana, por se ter despido diante de sua
esttua. Tibrio (32)
mandou matar, como criminoso de lesa-majestade, um cidado que
vendera uma casa em que se achava a esttua do imperador.
Em sculos menos distantes do nosso,
ver Henrique VIII (33)
abusar de tal modo das leis que fez perecer por um suplcio infame
o duque de Norfolk, sob o pretexto de crime de lesa-majestade,
porque ele juntara as armas da Inglaterra s de sua famlia. Esse
monarca chegou a declarar culpado do mesmo crime quem quer que
ousasse prever a morte do prncipe; da resultou que, na sua ltima
molstia, os seus mdicos recusaram adverti-lo do perigo em que se
achava.
10. - "Segundo o autor do livro
Dos Delitos e das Penas, os hereges anatematizados pela Igreja e
proscritos pelos prncipes so vtimas de uma palavra".
Todas essas interpretaes so foradas.
Limitei-me a falar do crime de lesa-majestade humana; e a palavra
lesa-majestade serviu muitas vezes de pretexto tirania, sobretudo
ao tempo dos imperadores romanos. Toda ao que tivesse a desgraa
de desagradar-lhes tornava-se logo um crime de lesa-majestade. Suetnio
(34) diz
que o crime de lesa-majestade era o delito dos que no tinham
cometido delito algum. Se eu disse que a ignorncia e a tirania
deram esse nome a delitos de natureza diferente e tornaram os homens
vtimas de uma palavra, no fiz seno falar segundo a histria.
11. - "No ser uma horrvel
blasfmia sustentar, com o autor do livro Dos Delitos e das Penas,
que a eloqncia, a declamao e as mais sublimes verdades so
um freio demasiado fraco para reter por muito tempo as paixes
humanas?"
No penso que a acusao de blasfmia
recaia sobre o que eu disse da eloqncia e da declamao. O
acusador quis, de certo, referir-se insuficincia que eu atribuo
s mais sublimes verdades. Pergunto-lhe se julga que na Itlia se
conhecem essas sublimes verdades, isto , as da f. Sem dvida,
responder-me- que sim. Mas serviram tais verdades de freio s
paixes humanas na Itlia? Todos os oradores sacros, todos os
juizes, todos os homens, numa palavra, assegurar-me-o o contrrio.
um fato, pois, que as sublimes verdades so, para as paixes
humanas, um freio que as no refreia ou que logo se parte; e,
enquanto houver num pas catlico, juizes criminosos, prises e
castigos, estar provada a insuficincia das sublimes verdades.
12. - "O autor do livro Dos
Delitos e das Penas escreve imposturas sacrlegas contra a Inquisio".
Meu livro no faz nenhuma meno,
nem direta, nem indireta, da Inquisio. Pergunto, porm, ao meu
acusador se lhe parece bem conforme ao esprito da Igreja a condenao
de homens morte nas fogueiras. No do seio mesmo de Roma, sob
os olhos do vigrio de Jesus Cristo, na capital da religio catlica,
que se cumprem hoje, para com protestantes de qualquer nao,
todos os deveres de humanidade e hospitalidade? Os ltimos papas, e
sobretudo o atual, receberam e recebem com a maior bondade os
ingleses, os holandeses e os russos; esses povos, de seitas e religies
diferentes, tm em Roma toda a liberdade vel, e ningum est
mais certo do que eles de gozar ali da proteo das leis e do
governo.
13. - O autor do livro Dos Delitos e
das Penas representa, sob cores odiosas, as ordens religiosas e
sobretudo os frades".
Seria difcil citar um s lugar do
meu livro que faa meno de ordens religiosas ou de frades, a
menos que se interprete arbitrariamente o capitulo em que falo da
ociosidade.
14. - "O autor do livro Dos
Delitos e das Penas um desses escritores mpios, para os quais
os eclesisticos no am de charlates, os monarcas de
tiranos, os santos de fanticos, a religio de impostura, e que
nem mesmo respeitam a majestade do Criador, contra o qual vomitam
blasfmias hediondas".
emos s acusaes de sedio.
II - Acusaes de sedio 1y5a4y
1. - "O autor do livro Dos
Delitos e das Penas considera todos os prncipes e todos os
soberanos do sculo como tiranos cruis".
S uma vez falei no meu livro dos
soberanos e dos prncipes que reinam atualmente na Europa; e eis o
que digo: "Feliz o gnero humano, se, pela primeira vez,
recebesse leis! Hoje, que vemos elevados nos tronos da Europa, etc.
(Ver o fim do cap. XVI).
2. - "No podem deixar de
espantar a confiana e a liberdade com que o autor do livro Dos
Delitos e das Penas se volta furioso contra os soberanos e os eclesisticos".
A confiana e a liberdade no so
um mal. Qui ambulat simpliciter, ambulat confidenter; qui autem
depravat vias suas, manifestus erit (35).
Se aprovei nos sditos certo esprito
de independncia, foi na medida que se submetessem s leis e
fossem respeitosos para com os primeiros magistrados. Desejo mesmo
que os homens, no tendo que temer a escravido, mas gozando de
sua liberdade sob a proteo das leis, se tornem soldados intrpidos,
defensores da ptria e do trono, cidados virtuosos e magistrados
incorruptveis, que levem ao p do trono os tributos e o amor de
todas as ordens da nao e que espalhem nas cabanas a segurana
e. a esperana de uma sorte cada vez mais doce. J no estamos
nos sculos de Calgula (36),
de Nero (37),
de Heliogbalo (38);
e o crtico faz muito pouca justia aos prncipes reinantes
acreditando que os meus princpios possam ofend-los.
3. - "O autor do livro Dos
Delitos e das Penas sustenta que o interesse do particular supera o
de toda a sociedade em geral ou dos que a representam".
Se houvesse tal absurdo no livro Dos
Delitos e das Penas, no creio que o meu adversrio tivesse feito
um livro de 191 pginas para refut-lo.
4. - "O autor do livro Dos
Delitos e das Penas contesta aos soberanos o direito de punir com a
morte".
Como no se trata aqui nem de religio
nem de governo, mas somente da justeza de um raciocnio, meu
acusador tem toda a liberdade de julgar o que quiser. Reduzo o meu
silogismo desta forma:
No se deve infligir a pena de morte,
se esta no verdadeiramente til e necessria;
Mas, a pena de morte no necessria
nem verdadeiramente til;
No deve, pois, infligir-se a pena de
morte.
No este o lugar para uma dissertao
sobre os direitos dos soberanos. O crtico no querer,
certamente, sustentar que se deva infligir a pena de morte, mesmo
quando ela no verdadeiramente til, nem necessria. Proposta
to cruel e escandalosa no pode sair da boca de um cristo. Se a
segunda parte do silogismo no exata, tratar-se- de um crime
de lesa-lgica e nunca de lesa-majestade. Podem, alis, escusar-se
os meus pretensos erros; assemelham-se eles queles em que
incidiram tantos cristos zelosos da primitiva Igreja (39);
assemelham-se queles em que incorreram os frades da poca de Teodsio-o-Grande,
no fim do IV sculo. Nos seus Anais da Itlia, diz Muratori (40)
que, no ano 389, "Teodsio fez uma lei pela qual ordenava aos
frades que permanecessem nos conventos, porque levavam a caridade
pelo prximo ao ponto de arrancar os criminosos das mos da justia,
no querendo que se mandasse matar ningum". Minha caridade no
vai to longe e convirei de bom grado que a daquele tempo se
conduzia por falsos princpios. Uma ao violenta contra a
autoridade pblica sempre criminosa.
Restam-me ainda duas palavras que
dizer. Haver no mundo uma lei que proba dizer-se ou escrever-se
que um Estado pode existir e conservar a paz interna sem empregar a
pena de morte contra qualquer culpado? Conta Deodoro (41)
(liv. I, cap. LXV) que Sabaco, rei do Egito, fez-se irar como
modelo de demncia, porque comutou as penas capitais nas da
escravido e porque deu um emprego feliz sua autoridade
condenando os culpados aos trabalhos pblicos. Estrabo (42)
(liv. XI) informa-nos que havia, perto do Cucaso, algumas naes
que no conheciam a pena de morte, mesmo quando o delito merecia os
maiores suplcios, nemini mortem irrogare, quamvis pessima merito (43).
Essa verdade consignada na histria romana, na poca da lei Prcia,
que probe que se tire a vida de um cidado romano, se a sentena
de morte no for revestida do consenso geral de todo o povo. Tito Lvio
(44) fala
dessa lei (liv. X, cap. IX). Finalmente, o exemplo recente de um
reinado de vinte anos, no mais vasto imprio do mundo, a Rssia,
atesta ainda essa verdade: a imperatriz Isabel, morta h alguns
anos, jurou, ao subir ao trono dos czares, que no faria morrer
nenhum culpado sob o seu reinado. Essa augusta princesa nunca deixou
de cumprir o feliz compromisso que assumira, sem interromper o curso
da justia criminal e sem prejudicar a tranqilidade pblica. Se
esses fatos so incontestveis, ser, ento verdade dizer que um
Estado pode subsistir e ser feliz sem punir de morte nenhum
criminoso.
EXTRATO DA CORRESPONDNCIA DE
BECCARIA E DE MORELLET SOBRE O LIVRO "DOS DELITOS E DAS
PENAS" 6242y
De Morellet (45)
a Beccaria 4w1k2v
Paris, fevereiro de 1766.
Senhor:
Sem ter a honra de conhecer-vos,
julgo-me no direito de enderear-vos um exemplar da traduo que
fiz de vossa obra Dei Delitti e delle Pene. Os homens de letras so
cosmopolitas e de todas as naes; esto ligados por laos mais
estreitos do que os que unem os cidados de um mesmo pas, os
habitantes de uma mesma cidade e os membros de uma mesma famlia.
Julgo, pois, poder entrar convosco num comrcio de idias e de
sentimentos que me ser bastante agradvel, se no vos recusardes
ao entusiasmo de um homem que vos estima sem conhecer-vos
pessoalmente, mas que adquiriu esses sentimentos por vs na leitura
do vosso excelente trabalho.
Foi o sr. de Malesherbes (46),
com quem tenho a honra de conviver, que me empenhou em fazer ar
vosso livro para a nossa lngua. Eu no tinha necessidade, para
tanto, de esforar-me muito. Era-me uma ocupao agradvel
tornar-me, para minha nao e para o pas em que nossa lngua
est difundida, o intrprete e o rgo das idias fortes e
grandes e dos sentimentos de benevolncia de que vossa obra est
cheia. Parecia-me que me associaria ao bem que fazeis aos homens e
que poderia igualmente pretender certo reconhecimento da parte dos
coraes sensveis, aos quais so caros os interesses da
humanidade.
Faz hoje oito dias que minha traduo
apareceu. Eu no quis escrever-vos mais cedo, porque julguei dever
esperar que pudesse instruir-vos sobre a impresso causada por
vossa obra. Ouso, pois, assegurar-vos, Senhor, que o xito
universal e que, alm da ateno despertada pelo livro, se
formaram pelo autor sentimentos que podem lisonjear-vos ainda mais,
isto , a estima, o reconhecimento, o interesse, a amizade. Estou
particularmente encarregado de apresentar-vos os agradecimentos e os
cumprimentos do sr. Diderot (47),
do Sr. Helvtius (48),
do Sr. de Buffon (49).
J conversamos muito com o sr. Diderot sobre vossa obra, que bem
capaz de pr fogo a uma cabea to quente como a dele. Terei
algumas observaes que vos comunicar, que so o resultado das
nossas conversas. O sr. de Buffon serviu-se das expresses mais
fortes para testemunhar-me o prazer que vosso livro lhe causou; e
pede-vos aceiteis os seus cumprimentos. Levei tambm vosso livro ao
Sr. Rousseau (50),
que est em Paris de viagem para a Inglaterra, aonde vai
estabelecer-se, e que parte por estes dias. Ainda no posso
dizer-vos sua impresso, porque no tornei a v-lo. Talvez possa
conhec-la hoje por intermdio do Sr. Hume (51),
com quem irei jantar; estou, porm, certo da impresso que ele ter.
O sr. Hume, que vive h tempos conosco, encarregou-me, igualmente,
de dizer-vos mil coisas de sua parte.
A essas pessoas, que conheceis por sua
reputao, acrescento um homem infinitamente estimvel que as rene
em sua casa, o Sr. baro d'Holbach (52),
autor de excelentes trabalhos impressos, de qumica e de histria
natural, e de muitos outros que no foram publicados; filsofo
profundo, juiz esclarecidssimo de todos os gneros de
conhecimentos, alma sensvel e aberta amizade. No posso
exprimir-vos a impresso que vosso livro lhe causou, nem quanto ele
ama e estima a obra, e o autor. Como amos a vida em casa dele,
seria preciso que o conhecsseis primeiro, porque, se pudermos ter
a honra de atrair-vos a Paris, esta casa ser a vossa. Envio-vos,
pois, igualmente, os seus agradecimentos e as suas saudaes. No
vos falo do Sr. d'Alembert (53),
que vos escreveu e me disse que queria juntar ainda uma palavra
minha carta. Deveis conhecer sua opinio sobre vossa obra. Quanto
traduo, compete-lhe dizer-vos se ficou satisfeito...
No vos ocultarei a mais forte razo
que me determinou a tratar de vos dar alguma boa opinio de mim: a
esperana de que me perdoareis mais facilmente a liberdade que
tomei de fazer algumas modificaes na disposio de algumas
partes do vosso trabalho. Apresentei no prefcio as razes gerais
que me justificam: convosco, porm, devo alongar-me um pouco a esse
respeito. Para o esprito filosfico que se torna senhor da matria,
nada mais fcil do que apreender o conjunto de vosso tratado, cujas
partes se ligam estreitamente e dependem todas do mesmo princpio.
Mas, para os leitores vulgares e menos instrudos, e sobretudo para
os leitores ses, julgo ter seguido um caminho mais regular e
em tudo mais conforme ao gnio de minha nao e feio dos
nossos livros.
A nica objeo que posso temer
a censura de ter diminudo a fora e o calor do original, pelo
restabelecimento mesmo dessa ordem. Eis minhas respostas: Sei que a
verdade tem a maior necessidade da eloqncia e do sentimento.
Seria absurdo pensar o contrrio, e sobretudo no seria convosco
que se poderia avanar to estranho paradoxo. Mas, se no
preciso sacrificar o calor ordem, creio no ser preciso to
pouco sacrificar a ordem ao calor; e tudo ir bem se se puderem
conciliar essas duas coisas a um tempo. Resta, pois, examinar, se me
sa bem nessa conciliao.
Se minha traduo tem menos calor do
que o original, seria preciso atribuir essa falha a muitas outras
causas, e no diferena da ordem. Seria ou a fraqueza do estilo
do tradutor, ou a natureza mesma de toda traduo, que deve ficar
abaixo do original, sobretudo nas coisas de sentimento.
No devo dissimular-vos outra objeo
que me fizeram. Disseram-me que um autor poderia chocar-se ao ver em
sua obra modificaes mesmo teis. Mas, Senhor, essa maneira de
ver no poderia ser a vossa. Assim pelo menos o julguei. Um homem
de gnio, que fez uma obra irvel, cheia de idias novas e
fortes, e excelente pelo fundo, deve poder ouvir dizer friamente que
o seu livro no tem toda a ordem de que era suscetvel. Deve ir
mesmo at adoo das modificaes feitas, se forem teis e
baseadas em boas razes. Eis Senhor, a coragem que espero de vs.
Rejeitai, dentre as modificaes feitas por mim, aquelas que vos
parecem mal-entendidas; conservai as que estiverem bem, e acreditai
que s tereis feito aumentar vossa reputao. Sois digno de que
eu use para convosco dessa confiana, e me lisonjeio de que o
aproveis.
Terminarei minha justificativa
citando-vos grandes autoridades que aplaudiram a liberdade por mim
tomada. O sr. d'Alembert permite-me que vos diga ser essa a sua
opinio. O sr. Hume, que leu com muito cuidado o original e a traduo,
do mesmo parecer. Eu poderia citar-vos ainda numerosas pessoas
instrudas que assim tambm o julgaram.
A avidez com a qual o pblico recebeu
aqui vossa obra faz-me acreditar que a nossa primeira edio breve
estar esgotada e que, antes de um ms, ser preciso fazer outra.
Se, na disposio que apresentei, separei idias que devam estar
ligadas, ou fiz aproximaes que vos paream prejudicar o
sentido, peo-vos que a respeito me participeis vossas observaes,
e, numa nova edio, no deixarei de conformar-me com vossas
opinies...
Termino, Senhor, esta longa carta,
rogando-vos que me considereis como um dos vossos maiores
iradores e como um dos homens que mais vivamente desejam
participar de vossa estima e de vossa amizade. Muito me afligiria a
idia de no v-lo poder dizer um dia a vs mesmos. Estou
ansioso por ter vossas notcias, conhecer vosso juzo sobre a
minha traduo, saber se continuais a marchar na bela estrada que
vos abristes e a ocupar-vos com o bem da humanidade.
com tais sentimentos de respeito,
de estima e de amizade que tenho a honra de ser, etc.
Morellet
De Beccaria a Morellet
Milo, maio de 1766.
Permiti-me, Senhor, que empregue
convosco as frmulas usadas na vossa lngua, como mais cmodas,
mais simples, mais verdadeiras, mais dignas por isso de um filsofo
como vs. Permiti-me, igualmente, que me sirva de um copista, por
ser a carta que vos escrevi muito pouco legvel. A mais profunda
estima, o maior reconhecimento, a mais terna amizade, so os
sentimentos que fez nascer em mim a carta encantadora que vos
dignastes escrever-me. Eu no saberia exprimir-vos quanto me honra
ver minha obra traduzida na lngua de uma nao que esclarece e
instrui a Europa. Tudo devo, eu mesmo, aos livros ses. Foram
eles que desenvolveram em minha alma os sentimentos de humanidade
sufocados por oito anos de educao fantica. Eu j respeitava
vosso nome pelos excelentes artigos que inseristes na obra imortal
da Enciclopdia (54);
e foi para mim a mais agradvel surpresa saber que um homem de
letras da vossa reputao dignava-se de traduzir o meu tratado Dos
Delitos. Agradeo-vos, de todo o meu corao, o presente que me
fizeste de vossa traduo, assim como vossa ateno em
satisfazer o interesse que eu tinha em l-la. Li-a com um prazer
que no posso exprimir-vos, e achei que embelezastes o original.
Protesto-vos com a maior sinceridade que a ordem que seguistes
parece-me, a mim mesmo, mais natural e prefervel minha, e que
lamento que a nova edio italiana esteja quase terminada, porque
do contrrio eu me poria inteira ou quase inteiramente de acordo
com o vosso plano.
Minha obra nada perdeu de sua fora
em vossa traduo, exceto nos lugares em que o carter essencial
a uma e a outra lngua estabeleceu certa diferena entre vossa
expresso e a minha. A lngua italiana mais malevel e dcil,
e talvez, por ser menos cultivada no gnero filosfico, possa
adotar expresses que a vossa recusaria empregar. No vejo solidez
na objeo que vos fizeram, de que a mudana da ordem poderia
fazer perder a fora. A fora consiste na escolha das expresses
e na aproximao das idias; e a confuso s pode prejudicar
esses dois efeitos.
O receio de ferir o amor-prprio do
autor no devia deter-vos mais. Primeiro, porque, como vs mesmo o
dissestes com razo em vosso excelente prefcio, um livro em que
se defende a causa da humanidade, uma vez tornado pblico, pertence
ao mundo e a todas as naes; e, relativamente a mim em
particular, eu teria feito muito poucos progressos na filosofia do
corao, que coloco acima da do esprito, se no tivesse
adquirido a coragem de ver e amar a verdade. Espero que a quinta edio,
que deve aparecer breve, esteja logo esgotada; e asseguro-vos que na
sexta observarei inteiramente, ou quase inteiramente, a ordem de
vossa traduo, que d maior relevo s verdades que tratei de
coligir. Digo quase inteiramente, porque, segundo uma leitura nica
e rpida que fiz at este momento no posso decidir-me com
inteiro conhecimento de causa sobre as particularidades como j o
fiz sobre o conjunto.
A impacincia que meus amigos tm de
ler vossa traduo forou-me, Senhor a deix-la sair de minhas mos
logo depois de a ter tido, e sou obrigado a dar em outra carta a
explicao de certas agens que julgastes obscuras. Devo
dizer-vos, porm, que tive, ao escrever, os exemplos de Machiavelli
(55), de
Galileu (56)
e de Giannone ante os meus olhos. Ouvi o rudo das cadeias firmar a
superstio, e os gritos de fanatismo abafar os gemidos da
verdade. A viso desse espetculo medonho determinou-me, algumas
vezes, a envolver a luz de nuvens. Quis defender a humanidade sem
ser mrtir. Essa idia, de que eu devia ser obscuro, tornou-me s
vezes tal, sem necessidade. Acrescentai a isso a inexperincia e a
falta de hbito de escrever, perdoveis num autor que tem apenas
vinte e sete anos e que h somente cinco anos entrou na carreira
das letras.
Ser-me-ia impossvel pintar-vos,
Senhor, a satisfao com a qual vejo o interesse que tomais por
mim, e quanto me comovem as demonstraes de estima que me dais, e
que no posso aceitar sem ser vo, nem rejeitar sem fazer-vos injria.
Recebi com o mesmo reconhecimento e a mesma confuso as coisas
lisonjeiras que me dissestes da parte desses homens clebres que
honram a humanidade, a Europa e a sua nao. D'Alembert, Diderot,
Helvtius, Buffon, Hume, nomes ilustres que no se pode ouvir
pronunciar sem ficar comovido, assim como vossas obras imortais, so
minha leitura contnua, o objeto de minhas ocupaes durante o
dia e de minhas meditaes no silncio da noite. Cheio das
verdades que ensinais, como poderia eu incensar o erro e aviltar-me
ao ponto de mentir posteridade?...
Minha nica ocupao cultivar em
paz a filosofia, e contentar assim trs sentimentos muito vivos em
mim: o amor reputao literria, o amor liberdade e a
compaixo pelas desgraas dos homens, escravos de tantos erros.
Data de cinco anos a poca de minha converso filosofia, e
devo-a leitura das Cartas Persas (57).
A segunda obra que completou a revoluo
do meu esprito foi a do sr. Helvtius. Foi ele quem me lanou
com fora no caminho da verdade e quem primeiro despertou minha
ateno para a cegueira e as desgraas da humanidade. Devo
leitura do Esprito (58)
uma grande parte de minhas idias...
O Sr. conde Firmiani regressou a Milo
h vrios dias, mas est muito ocupado, e ainda no pude v-lo.
Ele protegeu meu livro, e a ele que devo minha tranqilidade.
Remeter-vos-ei breve algumas explicaes
das agens que achastes obscuras e que no pretendo justificar,
porque no escrevi para no ser entendido. Rogo-vos
encarecidamente me envieis vossas observaes e as dos vossos
amigos, para que eu as aproveite numa sexta edio. Comunicai-me,
sobretudo, o resultado de vossas palestras, sobre meu livro com o
sr. Diderot. Desejo vivamente saber que impresso teve de mim essa
alma sublime...
Tenho a honra de ser, etc.
Beccaria
Notas 6v4h4y
(1) Jurisconsulto alemo, do comeo
do sculo XVII.
(2) Jurisconsulto piemonts, falecido
em 1575.
(3) Jurisconsulto italiano, famoso por
sua crueldade, falecido em Roma em 1618. Deixou uma obra em treze
volumes.
(4) Aluso ao frade Vincenzo
Facchinei di Gorfri, do convento de Vallombrosa, que escreveu Notas
e Observaes cuja resposta vem publicada as Notas e Observaes
cuja resposta vem publicada no Apndice deste volume.
(5) Thomas Hobbes (1588-1679), filsofo
ingls autor do Leviatan, obra em que defende o materialismo em
filosofia, o egosmo em moral e o despotismo em poltica.
(6) Aluso a Jean-Jacques Rousseau,
de cuja autoria so os livros: Discursos sobre as Cincias e as
Artes e sobre a Origem da Desigualdade.
(7) Charles de Secondat, baro de
Montesquieu (1689-1755), grande escritor francs, autor das Cartas
Persas e dos livros Grandeza e Decadncia dos Romanos e O Esprito
das Leis.
(8) "Observe-se que a palavra
direito no contradiz a palavra fora. O direito a fora
submetida a leis para vantagens da maioria. Entendo por justia os
laos que renem de maneira estvel os interesses particulares.
Se esses laos se quebrassem, no haveria sociedade. mister que
se evite ligar palavra justia a idia de uma fora fsica ou
de um ser existente. A justia pura e simplesmente o ponto de
vista sob o qual os homens encaram as coisas morais para o bem-estar
de cada um. No pretendo falar aqui de justia de Deus, que de
outra natureza, tendo relaes imediatas com as penas e as
recompensas de uma vida futura".
(9) "Se cada cidado tem obrigaes
a cumprir para com a sociedade, a sociedade tem igualmente obrigaes
a cumprir para com cada cidado, pois a natureza de um contrato
consiste em obrigar igualmente as duas partes contratantes. Essa
cadeia de obrigaes mtuas, que desce do trono at cabana e
que liga igualmente o maior e o menor dos membros da sociedade, tem
como nico fim o interesse pblico, que consiste na observao
das convenes teis maioria. Violada uma dessas convenes,
abre-se a porta desordem. - A palavra obrigao uma das que
se empregam mais freqentemente em moral do que em qualquer outra
cincia. Existem obrigaes a cumprir no comrcio e na
sociedade. Uma obrigao supe um raciocnio moral, convenes
racionadas; no se pode, porm, emprestar palavra obrigao
uma idia fsica ou real. uma palavra abstrata que precisa ser
explicada. Ningum pode obrigar-vos a cumprir obrigaes sem
saberdes quais so tais obrigaes". Nota de Beccaria.
(10) Isto , em vernculo e no em
latim.
(11) "Entre os criminalistas, ao
contrrio, a confiana que merece uma testemunha aumenta em proporo
da atrocidade do crime. Apoiam-se eles neste axioma de ferro, ditado
pela mais cruel imbecilidade: In atrocissimis leviores conjecturae
sufficiunt, et licet judici jura transgredi. Traduzamos essa mxima
hedionda, para que a Europa conhea ao menos um dos revoltantes
princpios e to numerosos aos quais est submetida quase sem o
saber: "Nos delitos mais atrozes, isto , menos provvel,
bastam as mais ligeiras circunstncias, e o juiz pode pr-se acima
das leis." Os absurdos em uso na legislao so muitas vezes
o resultado do medo, fonte inesgotvel das inconseqncias e dos
erros humanos. Os legisladores, ou antes, os jurisconsultos, cujas
opinies so consideradas aps sua morte como espcies de orculos,
e que, como escritores vendidos ao interesse, se tornaram rbitros
soberanos da sorte dos homens, os legisladores, repito, receosos de
ver condenar inocentes, sobrecarregaram a jurisprudncia de
formalidades e excees inteis, cuja exata observao
colocaria a desordem e a impunidade no trono da justia. Outras
vezes, assombrados com certos crimes atrozes e difceis de provar,
acharam que deviam desprezar essas formalidades que eles prprios
estabeleceram. Foi assim. que, dominados ora por um despotismo
impertinente, ora por temores pueris, fizeram dos julgamentos mais
graves uma espcie de jogo abandonado ao acaso e aos caprichos do
arbtrio".
(12) Refere-se Beccaria a Gustavo III
(1746-1792), que subiu ao trono da Sucia, em 1771, tendo feito um
governo liberal e posto em prtica numerosas idias defendidas
pelos enciclopedistas ses. Morreu assassinado aos 46 anos de
idade, vtima de uma conspirao dos aristocratas.
(13) Isabel Petrovna (1709-1762),
filha de Pedro-o-Grande, tendo subido ao trono da Rssia em 1741.
(14) Tito, filho de Vespasiano,
imperador romano de 76 a 81, cognominado a delcia do gnero
humano, em virtude dos grandes benefcios feitos ao povo.
"Perdi o dia" (Diem perdidi), - costumava ele dizer quando
se ava um dia sem que tivesse tido ocasio de praticar alguma ao
generosa.
(15) Antonino o Piedoso foi um dos
sete imperadores romanos (Nerva, Trajano, Adriano, Antonio, Marco
Aurlio, Vero e Cmodo) que reinaram de 96 a 192. Seu governo, de
138 a 161, caracterizou-se por um notvel esprito de moderao
e de justia.
(16) Um dos sete imperadores
antoninos, excelente organizador. Reinou de 98 a 117.
(17) "Nas primeiras edies
desta obra, eu mesmo cometi esse erro. Ousei dizer que o falido de
boa f devia ser guardado como penhor de sua dvida, reduzido ao
estado de escravido e obrigado a trabalhar por conta dos credores.
Envergonho-me de ter escrito essas coisas cruis. Acusaram-me de
impiedade e de sedio, sem que eu fosse sedicioso nem mpio.
Ataquei os direitos da humanidade, e ningum se levantou contra
mim... "
(18) "0 comrcio ou a troca dos
prazeres do luxo no deixa de ter inconvenientes. Esses prazeres so
preparados por muitos agentes, mas partem de um pequeno nmero de mos
e se distribuem a um pequeno nmero de homens. A maioria s
raramente pode prov-los numa pequena proporo. Eis porque o
homem se lamenta quase sempre de sua misria. Mas, esse sentimento
apenas o efeito da comparao e nada tem de real".
(19) "Quando a extenso de um pas
aumenta em proporo maior do que a populao, o luxo favorece o
despotismo, porque a indstria particular diminui medida que os
homens esto mais dispersos, e, quanto menos indstria houver,
mais os pobres dependero dos ricos, cujo fausto os faz subsistir.
Torna-se, ento, to difcil para os oprimidos reunirem-se contra
os opressores, que as insurreies deixam de ser temidas. Os
homens poderosos obtm com muito mais facilidade a submisso, a
obedincia, a venerao e essa espcie de culto que torna mais
sensvel a distncia que o despotismo estabelece entre o homem
poderoso e o infeliz. - Os homens so mais independentes quando so
menos observados, e so menos observados quando so em maior nmero.
- Por outro lado, quando a populao aumenta em maior proporo
do que a extenso do pas, o luxo torna-se, ao contrrio, uma
barreira contra o despotismo. - Anima a indstria com a atividade
dos cidados. O rico encontra em torno de si bastantes prazeres
para entregar-se completamente ao luxo de ostentao, o nico
capaz de firmar no esprito do povo a idia de sua dependncia. E
pode observar-se que nos Estados vastos, mas fracos e despovoados, o
luxo de ostentao deve prevalecer, se outras causas no o
impedem; ao o que o luxo de comodidade tender a diminuir cada
vez mais a ostentao nos pases mais populosos do que
extensos".
(20) "Essa atrao se parece em
muitas coisas com a gravitao universal. A fora dessas duas
causas diminui com a distncia. Se a gravitao modifica os
movimentos dos corpos, a atrao natural de um sexo para outro
afeta todos os movimentos da alma, enquanto durar sua atividade.
Essas causas diferem pelo fato de que a gravitao se pe em
equilbrio com os obstculos que encontra, ao o que a paixo
do amor adquire com os obstculos mais fora e vigor".
(21) 0 Evangelho.
(22) Ditador romano, nascido em 136 a.
C. Companheiro e mais tarde rival de Mrio, cnsul em 88, vencedor
de Mitridates, chefe do partido aristocrtico e depois senhor de
Roma e da Itlia. Proscreveu os adversrios, reformou a constituio
romana em sentido favorvel ao Senado e conseguiu enorme influncia.
Abdicou inesperadamente em pleno fastgio e morreu no ano seguinte
(80 a. C.).
(23) Referencia obra Emilio ou Da
Educao (1762), romance filosfico em que Jean-Jacques Rousseau
prope um sistema de educao baseado no princpio de que
"o homem naturalmente bom" e de que, sendo m a educao
dada pela sociedade, conviria estabelecer "uma educao
negativa, como a melhor, ou antes, como a nica boa". A
despeito de certos paradoxos, esse livro teve influncia salutar
sobre a educao daquela poca.
(24) Carlos Magno ou Carlos I
(742-814), rei dos Francos e imperador do Ocidente, era filho de
Pepino-o-Breve, do qual sucedeu em 768. Poltico profundo e hbil
organizador, estimava e protegia as letras, criando escolas,
rodeando-se de homens eminentes e governando com sabedoria o seu
imenso imprio.
(25) Oto I, o Grande (912-973),
imperador da Alemanha desde 936, tendo governado com grande
habilidade.
(26) Imperador romano de 375 a 383.
(27) Imperador romano de 364 a 375,
cujo governo foi assinalado por grande severidade e intolerncia
religiosa.
(28) Teodsio I, o Grande (346-395),
imperador romano que contribuiu para o triunfo do cristianismo sobre
o paganismo.
(29) Arcdio (376-408), filho de Teodsio,
imperador do Oriente desde 395.
(30) Alexandre Severo (208-235),
imperador romano, sucessor de Heliogbalo.
(31) Imperador romano de 81 a 96,
filho de Vespasiano e de Tito, clebre por sua crueldade. Morreu
assassinado, sendo cmplice do crime sua prpria mulher. Foi o ltimo
dos doze Csares.
(32) Segundo imperador romano, de 14 a
37, famoso por sua desumanidade.
(33) Henrique VIII (1491-1547), rei da
Inglaterra desde 1509, rompeu com a Igreja catlica e fundou o
anglicanismo. Instrudo, artista, mas cruel e libertino.
(34) Historiador latino, autor da obra
Os doze Csares, coleo de anedotas de imenso interesse
documental.
(35) "Quem caminha livremente,
caminha com confiana; quem, porm, se desvia do seu caminho, ser
descoberto".
(36) Calgula (12-41), imperador
romano desde 37. Famoso por sua crueldade, desejava que o povo
romano tivesse uma s cabea para decep-la de um golpe. Sua
insensatez chegou ao ponto de dar o titulo de cnsul ao seu cavalo
Incitatus.
(37) Imperador romano de 54 a 68, que
se celebrizou por sua crueldade.
(38) Imperador romano de 218 a 222 e
que se tornou famoso por suas loucuras e crueldades.
(39) "Podem consultar-se os
santos padres e, entre outros, Tertuliano na sua Apolog., cap.
XXXVII, onde ele diz que os cristos tinham por mxima sofrer ante
a prpria morte do que d-la a algum. E, no seu Tratado de
Idolatria, caps. XVII e XXI, condena ele toda espcie de cargos pblicos,
como interditos aos cristos, porque no era possvel exerc-los
sem que, s vezes, fosse obrigado a pronunciar a pena de morte
contra os criminosos".
(40) Lodovico Antonio Muratori
(1672-1750), historiador Italiano.
(41) Deodoro da Siclia, autor de uma
Biblioteca Histrica.
(42) Gegrafo grego, autor de uma
preciosa Geografia. Morreu sob Tibrio.
(43) "No condenar ningum
morte, nem mesmo pelo pior delito".
(44) Tito Lvio (59 a. C. - 19 d.
C.), historiador latino, nascido em Pdua. Deixou, sob o ttulo de
Dcadas, uma histria romana, mais notvel pelo estilo do que
pela autenticidade dos fatos.
(45) Andr Morellet (1727-1819),
abade, literato e economista francs, colaborador da Enciclopdia.
(46) Chrtien-Guillaume de Lamoignon
de Malesherbes (1721-1794), magistrado de grande reputao,
ministro sob Luiz XVI, que ele defendeu perante a Conveno.
Morreu no cadafalso.
(47) Denis Diderot (1713-1784), filsofo
francs, ardente propagandista das idias filosficas do sculo
XVIII, um dos fundadores da Enciclopdia. Deixou vrias obras
importantes.
(48) Claude-Arien Hlvetius
(1715-1771), literato e filsofo francs, autor do livro Do Esprito.
(49) Georges-Louis Leclerc de Buffon
(1707 1778), naturalista e escritor francs, autor da Histria
Natural.
(50) Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778), filsofo e escritor francs, nascido em Genebra,
autor da Nova Helosa, do Contrato Social, do Emilio ou Da Educao,
Confisses e Discursos sobre as Cincias e as Artes e sobre a
Origem da Desigualdade.
(51) David Hume (1711-1776), filsofo
e historiador ingls, criador da filosofia fenomenista, autor de um
clebre Ensaio sobre o Entendimento Humano.
(52) Paul-Henri Holbach (1723-1789),
baro, filsofo materialista francs, amigo e protetor dos
Enciclopedistas
(53) Jean le Rond d'Alembert
(1717-1783), clebre escritor, filsofo e matemtico francs, um
dos fundadores da Enciclopdia.
(54) Publicao monumental, dirigida
por d' Alembert e Diderot, que foi uma verdadeira mquina de guerra
posta ao servio das doutrinas filosficas do sculo XVIII
(1751-1772).
(55) Nicolau Machiavelli (1469-1527)
poltico e historiador italiano, autor das Dcadas sobre Tito Lvio
e do Prncipe.
(56) Galileu Galilei (1564-1642),
ilustre matemtico, fsico e astrnomo italiano, nascido em Pisa.
Proclamou, partilhando a teoria de Coprnico, que o Sol, e no a
Terra, o centro do mundo planetrio, e que a Terra gira em torno
de si mesma e tem tambm, como os outros planetas, um movimento de
translao ao redor do Sol. Foi por isso denunciado como herege e
obrigado pela Inquisio a abjurar de joelhos as suas afirmaes
(1633). Depois dessa abjurao, que o livrou da fogueira, foi
condenado ao cativeiro e morreu cego alguns anos mais tarde.
famosa sua frase: E pur si muove! (E contudo se move!), que teria
proferido ao ser obrigado a abjurar.
(57) Cartas satricas que Montesquieu
publicou em 1721, sob o annimo. uma correspondncia imaginria
de dois persas chegados Europa, Rica e Uzbek, dirigida aos seus
amigos da Prsia e na qual o autor a em revista, com plena
liberdade, a poltica, a religio e toda a sociedade sa de
sua poca.
(58) Obra publicada em 1758 e na qual
Helvtius aconselha o materialismo, tendo provocado os mais vivos
protestos.
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