2q331r
CRIANA
TAMBM GENTE: a trajetria brasileira na luta pelo respeito aos Direitos
Humanos da infncia e
juventude
25101h
Rodrigo Stumpf
Gonzlez[1]
O
tratamento dado infncia na estrutura jurdica e nas polticas
sociais brasileiras foi pautado, na maior parte das vezes, pela violncia
e discriminao. apresentada aqui uma parte desta trajetria e
os caminhos encontrados para buscar a sua superao.
A
atividades assistencial brasileira, como outras polticas sociais, at
a Primeira Repblica se constituir principalmente em
responsabilidade de instituies religiosas, como os conventos e as
Santa Casas, no sendo diferentes em relao infncia e adolescncia.
A
ao do Estado ser iniciada, em relao aos setores
marginalizados da sociedade, de forma repressiva. o caso da poltica
de saneamento no Rio, no princpio do sculo. tambm a via de
entrada do Estado no atendimento infncia pobre.
Com
a urbanizao crescente, acrescida de contingentes de ex-escravos,
aumenta nas cidades de maior porte, em especial no Rio de Janeiro o nmero
de crianas nas ruas, vendendo, esmolando ou furtando.
neste perodo que se construir, segundo Londoo (1991) a categoria
"menor", da forma
como ser utilizada no Brasil no decorrer deste sculo. A
menoridade, do ponto de vista jurdico, representava a delimitao
de limites etrios para o exerccio de direitos e responsabilidades,
como a maioridade civil e a maioridade penal.
Sob
a influncia do modelo norte-americano, de tribunais especializados,
inaugurado com a criao do Tribunal de Menores do Estado de
Illinois, em 1899. Esta perspectiva, denominada posteriormente "doutrina
da situao irregular" propunha a diferenciao do
tratamento dos jovens em relao aos adultos, na aplicao da
legislao penal.
Uma
tentativa de aprovar um Cdigo de Menores derrotada no Congresso
nos anos 10. Finalmente, criado o Juizado de Menores da Capital
Federal em 1923. Sob a
iniciativa do Juiz Mello Mattos, titular do Juizado, em 1927
consolidada a legislao existente, atravs do decreto 17343/A,
surgindo o primeiro Cdigo de Menores do Brasil
Este
Cdigo, elaborado sob a influncia da doutrina da situao
irregular baseia-se no binmio Abandonado/Infrator: a ateno
crianas e adolescentes, menores de 18 anos ser uma preocupao
do Estado se uma destas duas condies ocorrer: o abandono ou a
infrao penal. A partir do cdigo, principalmente, que se
tornar o termo "menor" associado menoridade penal e no civil, e
popularmente se atribuir a condio de "menor"
ao indivduo alcanado pelos dispositivos do cdigo: pobre ou
infrator.
Tendo
por fundamento o Cdigo de Menores se criaro uma srie de
estrutura pblicas destinadas ao atendimento, sob forma de "reformatrios".
O mais conhecido de todos foi o SAM - Servio de Atendimento ao
Menor, destinado a receber os infratores.
A
segunda tica sob a qual vai se desenvolver a ao do Estado no
campo da infncia a de proteo do trabalho juvenil e
profissionalizao, que podem ser enquadradas dentro das preocupaes
da Repblica Nova com a modernizao do capitalismo brasileiro e a
formao da mo-de-obra urbana.
Os
diversos dispositivos de proteo ao trabalho juvenil so includos
na Consolidao das Leis do Trabalho, em 1942, no captulo sobre
"Trabalho do Menor".
Estes dispositivos, sobre idade para o ao trabalho e proteo
contra trabalho penoso ou insalubre so ainda as principais normas
vigentes at os dias atuais, com algumas modificaes a partir da
Constituio Federal, em 1988 e por emenda constitucional em 1998 e
pelo Estatuto da Criana e do Adolescente.
No
campo da formao profissional a medida principal foi a criao do
SENAI e posteriormente do SENAC. Estes organismos ficaram responsveis
pela realizao dos cursos de "aprendiz", para a preparao de mo-de-obra, embora no
exclusivamente juvenil. Dentro da estrutura criada a partir da legislao
trabalhista, no entanto, estes organismos se vinculavam estrutura
sindical patronal, e no ao governo diretamente.
Esta
estrutura se manter com poucas alteraes at os anos 60. A
estrutura do SAM sobre grandes crticas, sendo intitulado de "Escola
do Crime", pelas ms condies a que submete seus
internos. No entanto, a mudana maior somente ocorrer aps o golpe
militar.
Com
uma perspectiva que permeou tambm a reforma de outras reas da
istrao, a perspectiva era de centralizao do processo
decisrio, com uma viso tecnocrtica, como forma de resoluo
dos problemas existentes.
Com
esta perspectiva aprovada a Lei 4.513/64, que cria a Poltica
Nacional do Bem Estar do Menor e como seu rgo propositor e
gerenciador a Fundao Nacional do Bem Estar do Menor.
Sob
as diretrizes traadas pela FUNABEM os governos estaduais tambm
reformaro suas estruturas istrativas para o atendimento infncia,
centralizando-as sob a forma das Fundaes Estaduais do Bem-Estar do
Menor, as FEBEMs. Grande parte dos Estados da federao criaram
fundaes nos anos 70 com esta finalidade. O Estado da Guanabara,
depois incorporado ao Rio de Janeiro, foi o nico com ao direta
da FUNABEM, devido sua condio de antigo distrito federal.
O
descontentamento com as aes na rea, no entanto, permanece. A
legislao vigente vista como arcaica e superada. As estruturas
governamentais no do conta do problema.
Em
1974 o Senador Nelson Carneiro apresenta um projeto de reformulao
do Cdigo de Menores, que, no entanto, no chega a ir votao.
Em 1976 o Congresso Nacional realiza um "I do Menor", com o objetivo de analisar a questo[2].
A
primeira resposta dada vem sob a forma de criao de uma comisso
de especilista, basicamente juzes de menores, para elaborao de
projeto de um novo Cdigo. Este aprovado em 1979, ando a vigir
como lei 6697/79. O novo Cdigo funda-se na doutrina da situao
irregular. Neste caso a situao irregular funda-se no binmio Vtima
de abandono ou maus tratos/ Infrator.
O Juiz de Menores a autoridade mxima, com poderes
discricionrios para "proteo do menor" e as FEBEMs permanecem como os
estabelecimento encarregados do cumprimento das medidas determinadas.
Nos
anos 70, As principais instituies federais encarregadas de aes
assistnciais na rea da infncia- a LBA
e a FUNABEM so includas no SIMPAS, ando a compor o
sistema de previdncia e assistncia junto com a rea de seguro
previdencirio e de atendimento sade. Este incluso levou a um
aumento do oramento destes organismos nos anos seguintes, ainda que
permancessem irrisrios diante dos gastos dos demais rgos do
sistema.
Mesmo
com a modificao da estrutura legal, a crise do setor no
superada. As condies degradantes de tratamento nas FEBEMS
continuam sendo denunciadas, as rebelies nas casas destinadas aos
infratores se sucedem em vrias partes do pas. Analisando o
problema em So Paulo, Ferreira (1980) a a utilizar uma nova
denominao que fortalecer nos anos 80: meninos de rua.
Identificando
que a manuteno desta perspectiva tendia a no resolver o problema
do aumento de jovens nas ruas, buscando sua sobrevivncia atravs do
trabalho ambulante, da esmola ou do furto, o Governo Federal, atravs
da FUNABEM, juntamente com o UNICEF cria o Projeto Alternativas de
Atendimento aos Meninos de Rua, que se manteve aproximadamente entre
1983 e 1987.
Este
projeto buscava fazer o levantamento e troca de experincias entre inmeras
instituies de crater comunitrio ou religioso em todo o pas,
que vinha desenvolvendo proposta de atendimento criana e ao
adolescente privilegiando o meio comunitrio, o vnculo familiar e a
liberdade, com custos menores e melhores resultados que as instituies
governamentais.
Um
de seus resultados prticos, atravs da articulao de educadores
e lideranas de instituies de vrias partes do pas foi a fundao,
em 1985, do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, que ter
um papel importante na mobilizao nos anos seguintes.
A
partir de 1986 comea a mobilizao para influenciar a Assemblia
Nacional Constituinte. So formados dois grupos distintos com
vistas a influenciar o processo : A Comisso Criana e Constituinte,
e o Frum Nacional de Defesa dos Direitos da Criana e do
Adolescente, que reuniu o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de
Rua, a CNBB, a Associao de Fabricantes de Brinquedos, a ABI, entre
outros.
Cada
um dos grupos apresentou uma proposta Constituinte, sendo aps
ambas fundidas em uma nica proposta.
O
resultado da ao destes grupos foi a incluso dos Artigos 227 e
228 da Constituio e 1988, dispondo sobre direitos da criana e do
adolescente. O pargrafo 7 do artigo 227 dispor sobre a aplicao
dos dispositivos do artigo 204, sobre a descentralizao e a
participao da comunidade tambm rea da infncia e adolescncia.
Aprovada
a Constituio, ou-se a buscar a regulamentao do artigo e a
substituio do Cdigo de Menores de 1979. Um projeto foi
apresentado simultaneamente na Cmara e no Senado, pelo deputado
Nelson Aguiar e pelo Senador Ronan Tito. Este texto tornou-se a Lei
8080, de 13 de julho de 1990 com o nome de Estatuto da Criana e do
Adolescente.
A
Mudana de Forma e de Contedo: O Estatuto da Criana e do
Adolescente e a Proteo Integral
A
viso tradicional da questo da infncia separava, sem qualquer
constrangimento, os ricos dos pobres. E estes ltimos eram
considerados "caso de polcia"[3].
Estas
talvez sejam palavras duras, mas reais, para descrever como operava a
doutrina da "situao
irregular", consagrada pelo Cdigo de Menores. Eram regidas
pelo Cdigo as situaes envolvendo crianas e adolescentes em
situao irregular, isto , seja os que praticaram atos
infracionais, seja os que no tinham condies de sustento
garantidas pela famlia. A resposta aos dois casos era a
institucionalizao, que no mais das vezes era feita atravs das
Fundaes Estaduais do Bem-estar do Menor (FEBEMs). A Doutrina da
Situao Irregular, como paradigma de ao, herdeira do
processo de organizao dos Tribunais de Menores, cujo nascimento,
em 1899, vem dos EUA, com o Tribunal do Estado de Illinois. Visto como
um avano poca, acabou ultraada pelo tempo.
A
Constituio de 1988 e, aps, o Estatuto da Criana e do
Adolescente, vm consagrar a "doutrina
da proteo integral", preconizada pela ONU. Por esta viso
todas as crianas e adolescentes devem ter especial ateno para
que obtenham proteo integral contra a violao de seus direitos.
So
importantes de ressaltar duas mudanas: uma de contedo jurdico-filosfico,
outra de cunho simblico. Quanto primeira, crianas e
adolescentes am a ser vistos como sujeitos de direitos, isto ,
cidados integralmente, e no apenas como objetos da ateno do
Estado.
Em
segundo lugar, o rompimento com a titulao de "menor".
Embora sob esta denominao estivessem includos todas as pessoas
abaixo dos 21 anos (maioridade civil) ou 18 (maioridade penal),
somente os miserveis eram assim tratados. Quando um meio de comunicao
se refere ao "menor" nunca o faz acerca de um filho de alguma famlia prspera
da alta sociedade. O Estatuto da criana e do adolescente porque
aplica-se a todos, independente de sua situao social. Entretanto,
no h mgica da denominao politicamente correta que mude por
si a realidade social. A reconstruo da realidade no apenas
discursiva. fundamentalmente material.
As
Estruturas Previstas No Estatuto da Criana e do Adolescente
O
Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei 8069/90) no
considerado uma lei avanada apenas pelo discurso ou proposio de
direito de condies de vida para a juventude. Seu grande avano
prever instrumentos para sua viabilizao. Entre os principais
encontram-se os Conselhos de Direitos, os Conselhos Tutelares e os
Fundos da Criana. Como ltima instncia possvel ainda
recorrer ao civil pblica para responsabilizao de
autoridades que, por ao ou omisso, descumprirem o Estatuto da
Criana e do Adolescente.
a)
Os Conselhos
de Direitos da Criana e do Adolescente - existem j o
Conselho Estadual dos Direitos da Criana e do Adolescente do Rio
Grande do Sul - CEDICA e o Conselho Nacional dos Direitos da Criana
e do Adolescente - CONANDA. Cada municpio deve formar seu Conselho
Municipal de Direitos da Criana e do Adolescente, sendo que j
existem cerca de 200 no Rio Grande do Sul
Os
Conselhos de Direitos so a execuo prtica do disposto no Art.
204 da Constituio Federal, garantindo a participao da populao
na formulao e controle das polticas de atendimento. Esto
previstos no Art. 88 do Estatuto da Criana e do Adolescente, com a
garantia de participao paritria para os representantes da
sociedade.
O
primeiro o para a aplicao de uma poltica adequada de ateno
infncia a criao e organizao do Conselho Municipal de
Direitos. Atravs dele ser possvel formular e controlar a execuo
de polticas no interior do municpio - no s dos rgos
municipais, mas tambm de rgos pblicos estaduais e federais e
organizaes no governamentais de atendimento crianas e
adolescentes[4].
O
trabalho do Conselho facilita a articulao com os programas de
atendimento no-governamentais (por exemplo, os ligados s Igrejas)
para que as aes deixem de ser paralelas e descoordenadas.
b)
Os Conselhos Tutelares
- so rgos no jurisdicionais encarregados de zelar pelo
cumprimento dos direitos da criana e do adolescente. Faz parte da
proposta do Estatuto da Criana e do Adolescente de
desjurisdicionalizao das questes sociais envolvendo crianas e
adolescentes. Desta forma retira-se dos antigos juizados de menores,
hoje juizados da infncia e da juventude, as funes de assistncia
social.
Assim
os casos que envolvam violao dos direitos de crianas e
adolescentes so encaminhados ao Conselho Tutelar que busca solues
- seja encaminhamento ao Ministrio Pblico ou Judicirio, quando
necessrio, seja no trabalho junto famlia e comunidade, seja
requisitando servios pblicos.
O
Conselho Tutelar formado por 5 pessoas, eleitas pela comunidade em
processo organizado pelo Conselho Municipal de Direitos. Seus direitos
e vantagens, inclusive remunerao, devem ser definidos em lei
municipal. As competncias esto no Estatuto da Criana e do
Adolescente. Sua infra-estrutura deve ser fornecida pelo Poder Pblico
Municipal.
Fundamentalmente
uma forma de comprometer as comunidades com a soluo de seus
problemas, rompendo com a poltica de "exportao",
que consistia em enviar Fundao Estadual do Bem-Estar do Menor
(FEBEM) os jovens considerados problemticos , e com a impunidade nas
violaes de direitos, devidas dificuldade de o ou falhas na
atuao de autoridades pblicas.
c)
Os Fundos da Criana e
do Adolescente - cada Conselho de Direitos deve ter vinculado a si
um Fundo, conforme previso do Estatuto da Criana e do Adolescente,
como instrumento de captao de recursos.
Sabe-se
que uma poltica de atendimento custa dinheiro e que os recursos em
geral so escassos. Para permitir uma dilatao dos oramentos
destinados rea da infncia e juventude foram idealizados os
fundos.
Como
fontes de recursos h a possibilidade de obter doaes de pessoas fsicas
e jurdicas, mediante o desconto no imposto de renda; o recebimento
de multas aplicadas pela Justia nas violaes do Estatuto da Criana
e do Adolescente; contribuies de organismos internacionais e o
ree de recursos estaduais e federais (destacando-se at 1994 a
Fundao Centro Brasileiro para a Infncia e Adolescncia (FCBIA),
rgo do governo federal na rea da infncia, extinto pelo novo
governo em janeiro de 1995), alm do oramento pblico.
Estes
recursos podem ser utilizados para a manuteno dos programas de
atendimento de entidades no-governamentais conveniadas bem como
manter aes especiais do municpio visando a cobertura de lacunas
das polticas bsicas.
E
Como Ficam os Direitos Humanos das Crianas e Adolescentes?
Hoje
se encontra em evidncia na sociedade brasileira a violncia sofrida
por crianas e adolescentes, em especial meninos e meninas de rua,
como fato ultrajante e merecedor de providncias por parte da
Sociedade e do Estado.
Esta
violncia possui vrias faces, desde as desigualdades econmico-sociais
at a prtica do extermnio.
As
diferenas sociais existentes na sociedade brasileira, bem como as
sucessivas polticas econmicas adotadas pelo Governo Federal, em
especial as polticas recessivas dos anos 80, ao afetarem a qualidade
de vida da populao, afetam diretamente a infncia[5].
O
processo de urbanizao acelerada e a favelizao das grandes
cidades trouxe consigo o aumento do nmero de crianas nas ruas. A
necessidade de crianas e adolescentes utilizarem as ruas como espao
de sobrevivncia no , certamente, um fato novo na histria
brasileira. As evidncias esto espalhadas, desde os quadros de
Debret, retratando crianas negras nas ruas do Imprio at os Capites
de Areia, de Jorge Amado, dos anos 40. Mas a falncia do sistema
repressivo de internatos coloca a nu esta situao, substituindo-se
a violncia institucional pelo extermnio.
As
estatsticas na rea da sade infantil colocam o Brasil em 63
lugar, pela escala do UNICEF, de 1994, baseada na taxa de mortalidade
at 5 anos, junto a pases como El Salvador(65),abaixo de vizinhos
como Chile (112), Uruguai (104) e Argentina (97) e distante de pases como Cuba (121) e EUA (124)[6].
Esta
situao reflexo das condies precrias de saneamento, que
atingem mais diretamente a infncia (Barcelos, 1986). A mortalidade
na adolescncia est relacionada principalmente com causas violentas
(homicdios, acidentes, etc).
O
processo de negao de cidadania crianas e adolescentes
completa-se com a evaso escolar, relacionada diretamente ao trabalho
precoce. Este, na maior parte dos casos, ocorre sem a garantia de
direitos trabalhistas e previdencirios[7].
interessante notar que alm da diferenciao vertical, entre as
diversas classes sociais, existe tambm uma diferenciao
horizontal, com mudanas significativas de indicadores sociais entre
as regies. Por exemplo a probabilidade de mortalidade infantil
mais alta em setores com alta renda do Nordeste que entre a classe mdia-baixa
do Sudeste/Sul[8].
Esta
forma de violncia mata silenciosamente muito mais que os esquadres
da morte, em todas as partes do pas, e seu combate envolve mobilizao
de recursos financeiros e polticos de grande monta.
Ainda
assim no podemos deixar de dar um tratamento especial s situaes
de violncia que colocam hoje
o pas no banco dos rus frente comunidade internacional - o
extermnio de meninos e meninas de rua.
O
Extermnio
O
assassinato de crianas e adolescentes ocorrido nos grandes centros
urbanos tem merecido espao destacado na imprensa nos ltimos meses.
Infelizmente este quadro de violncia no novo.
Opera-se
sua descoberta pela Sociedade atravs do processo de organizao de
entidades como o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua que
conseguiram trazer para a imprensa e para o grande pblico a denncia
dos fatos que vm ocorrendo.
O
assassinato de crianas e adolescentes foi objeto de pesquisas[9] e foi denunciado em eventos como o II Encontro Nacional
de Meninos e Meninas de Rua, ocorrido em Braslia em 1989.
O
assassinato no a nica causa de mortes violentas de crianas e
adolescentes nem o Brasil o nico pas onde ocorrem[10].
O que choca, alm da quantidade, a aparente falta de motivos.
Esta
violncia relaciona-se com a crise do Estado brasileiro. Em nosso pas
o Estado ocupa um papel fundamental no fomento ao desenvolvimento
social. Hoje, entretanto, ele no consegue realizar duas de suas
tarefas bsicas: garantia dos direitos individuais e pacificador da
ordem pblica.
O
Estado, definido segundo Max Weber como detentor do monoplio da violncia
legtima[11],
no caso brasileiro perdeu o controle da violncia ilegtima. O poder
paralelo do trfico, os grupos de extermnio e os arrastes so
elementos que denotam o retorno violncia privada caracterstica
do perodo medieval europeu.
A
formao de grupos armados paralelos ao aparato estatal relaciona-se
em primeiro lugar com o perodo de ditadura militar, onde surgiram
esquadres da morte e grupos paramilitares para auxiliar nas
atividades de represso.
Por
outro lado a combinao entre a corrupo dos rgos policiais
com o jogo do bicho e posteriormente o trfico de drogas criou
estruturas de poder paralelas em cidades como o Rio de Janeiro, onde a
lei aplicada no a oficial, mas a do potentado local.
Em
ambos os casos os setores privilegiados de recrutamento de homens e
armas so as polcias civil e militar e as empresas de segurana
privada. Deve-se acrescentar a facilidade que o contrabando de armas
pesadas tem encontrado para operar no Brasil.
Entre
os maiores atingidos esto todos os no-cidados. Pessoas vivendo
em nossa sociedade cujos direitos mais elementares so negados na prtica.
Entre estas pessoas um dos grupos mais atingidos so os meninos e
meninas de rua.
Identifica-se
aqui a situao proposta por O'Donnell em relao homogeneidade
de penetrao das instituies do Estado de Direito[12]. Mesmo nos grandes centros urbanos da regio Sudeste
uma parcela razovel da populao no tem garantias de defesa dos
direitos civis bsicos.
Devido
a esta situao conjuga-se a misria com a violncia familiar,
levando os jovens a buscar as ruas. Nestas ruas, alm das formas
tradicionais de violncia sofridas, como a explorao sexual, do
trabalho ou mesmo do produto do furto, hoje se agregam outras,
ando da mutilao eliminao fsica dos sujeitos atingidos
por esta violncia.
O
extermnio em geral caracterizado como "operao
de limpeza", solicitada por comerciantes incomodados com a
presena dos meninos no local, identificando estes como possveis
assaltantes, no presente ou no futuro[13].
Estas
aes contam muitas vezes com a conivncia, ividade ou silncio
pelo medo, por parte da populao local. A concordncia se embasa
na negao de direitos humanos aos "bandidos" [14].
A
polcia em geral tentava explicar a ocorrncia dos casos de extermnio
com "queimas de arquivo"
ou disputa entre gangues. A pesquisa realizada pelo Movimento Nacional
de Meninos e Meninas de Rua, IBASE e NEV-USP ( MNMMR/IBASE/NEV-USP,
1991) ajudou a desmascarar esta justificativa. A grande maioria dos
mortos no tinha antecedentes criminais, no portava armas ou drogas
quando foram mortos.
As
tentativas de dar resposta questo, a partir da presso de
organismos e entidades internacionais como UNICEF e ANISTIA
INTERNACIONAL resultaram na elaborao de um plano de combate
violncia, feito por um grupo de trabalho do Ministrio da Justia
e na realizao de uma Comisso Parlamentar de Inqurito na Cmara
dos Deputados. O plano poucos resultados prticos atingiu. A I
contribui para trazer questo para a ordem do dia, mas ainda se
aguarda que seus encaminhamentos e propostas surtam efeitos.
A
Superao
Por
mais trgica que seja a situao, de nada serve chorar. Temos que
lutar por mudanas. Neste sentido deve ser reafirmada uma relao
direta entre democracia, cidadania e respeito aos direitos humanos. Um
no convive sem o outro.
A
construo de uma ordem democrtica e o resgate da cidadania da
populao exige mudanas estruturais com a obteno de uma ordem
social mais justa. Isso s ser obtido com mobilizao da
sociedade e a construo de uma nova proposta hegemnica de
Sociedade. Pressionar o Estado e no apenas esperar por ele.
O
processo de construo da nova ordem deve ser concomitante com o
combate violncia cotidiana. Devemos denunciar e combater os atos
de violncia para romper com o ciclo de impunidade. As prprias
crianas e adolescentes devem participar deste processo como cidados
ativos, buscando no uma superao individual da situao, mas
coletiva enquanto grupo. No fazer por eles, mas com eles.
A
mobilizao da sociedade, atravs principalmente de Organizaes
No-Governamentais, deve ser acompanhada da busca da institucionalizao
de instrumentos de interveno na realidade social.
Um
dos instrumentos que temos disposio, atualmente, no Brasil,
para esta luta, o Estatuto da Criana e do Adolescente. Mas h
outros, tanto polticos como jurdicos, que devemos usar, buscando
resultados efetivos no presente e no esperando pelo futuro. Centro
minha exposio no caso brasileiro, sem deixar de ter em conta que
nossa experincia extremamente vlida como exemplo para os
Estados Unidos, como forma de atuao no campo da infncia e
juventude e como forma de organizao jurdica e institucional.
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