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2q331r

CRIANA TAMBM GENTE: a trajetria brasileira na luta pelo respeito aos Direitos Humanos da infncia e juventude 25101h

Rodrigo Stumpf Gonzlez[1]

O tratamento dado infncia na estrutura jurdica e nas polticas sociais brasileiras foi pautado, na maior parte das vezes, pela violncia e discriminao. apresentada aqui uma parte desta trajetria e os caminhos encontrados para buscar a sua superao.

A atividades assistencial brasileira, como outras polticas sociais, at a Primeira Repblica se constituir principalmente em responsabilidade de instituies religiosas, como os conventos e as Santa Casas, no sendo diferentes em relao infncia e adolescncia.

A ao do Estado ser iniciada, em relao aos setores marginalizados da sociedade, de forma repressiva. o caso da poltica de saneamento no Rio, no princpio do sculo. tambm a via de entrada do Estado no atendimento infncia pobre.

Com a urbanizao crescente, acrescida de contingentes de ex-escravos, aumenta nas cidades de maior porte, em especial no Rio de Janeiro o nmero de crianas nas ruas, vendendo, esmolando ou furtando.

neste perodo que se construir, segundo Londoo (1991) a categoria "menor", da forma como ser utilizada no Brasil no decorrer deste sculo. A menoridade, do ponto de vista jurdico, representava a delimitao de limites etrios para o exerccio de direitos e responsabilidades, como a maioridade civil e a maioridade penal.

Sob a influncia do modelo norte-americano, de tribunais especializados, inaugurado com a criao do Tribunal de Menores do Estado de Illinois, em 1899. Esta perspectiva, denominada posteriormente "doutrina da situao irregular" propunha a diferenciao do tratamento dos jovens em relao aos adultos, na aplicao da legislao penal.

Uma tentativa de aprovar um Cdigo de Menores derrotada no Congresso nos anos 10. Finalmente, criado o Juizado de Menores da Capital Federal em 1923. Sob a iniciativa do Juiz Mello Mattos, titular do Juizado, em 1927 consolidada a legislao existente, atravs do decreto 17343/A, surgindo o primeiro Cdigo de Menores do Brasil

Este Cdigo, elaborado sob a influncia da doutrina da situao irregular baseia-se no binmio Abandonado/Infrator: a ateno crianas e adolescentes, menores de 18 anos ser uma preocupao do Estado se uma destas duas condies ocorrer: o abandono ou a infrao penal. A partir do cdigo, principalmente, que se tornar o termo "menor" associado menoridade penal e no civil, e popularmente se atribuir a condio de "menor" ao indivduo alcanado pelos dispositivos do cdigo: pobre ou infrator.

Tendo por fundamento o Cdigo de Menores se criaro uma srie de estrutura pblicas destinadas ao atendimento, sob forma de "reformatrios". O mais conhecido de todos foi o SAM - Servio de Atendimento ao Menor, destinado a receber os infratores.

A segunda tica sob a qual vai se desenvolver a ao do Estado no campo da infncia a de proteo do trabalho juvenil e profissionalizao, que podem ser enquadradas dentro das preocupaes da Repblica Nova com a modernizao do capitalismo brasileiro e a formao da mo-de-obra urbana.

Os diversos dispositivos de proteo ao trabalho juvenil so includos na Consolidao das Leis do Trabalho, em 1942, no captulo sobre "Trabalho do Menor". Estes dispositivos, sobre idade para o ao trabalho e proteo contra trabalho penoso ou insalubre so ainda as principais normas vigentes at os dias atuais, com algumas modificaes a partir da Constituio Federal, em 1988 e por emenda constitucional em 1998 e pelo Estatuto da Criana e do Adolescente.

No campo da formao profissional a medida principal foi a criao do SENAI e posteriormente do SENAC. Estes organismos ficaram responsveis pela realizao dos cursos de "aprendiz", para a preparao de mo-de-obra, embora no exclusivamente juvenil. Dentro da estrutura criada a partir da legislao trabalhista, no entanto, estes organismos se vinculavam estrutura sindical patronal, e no ao governo diretamente.

Esta estrutura se manter com poucas alteraes at os anos 60. A estrutura do SAM sobre grandes crticas, sendo intitulado de "Escola do Crime", pelas ms condies a que submete seus internos. No entanto, a mudana maior somente ocorrer aps o golpe militar.

Com uma perspectiva que permeou tambm a reforma de outras reas da istrao, a perspectiva era de centralizao do processo decisrio, com uma viso tecnocrtica, como forma de resoluo dos problemas existentes.

Com esta perspectiva aprovada a Lei 4.513/64, que cria a Poltica Nacional do Bem Estar do Menor e como seu rgo propositor e gerenciador a Fundao Nacional do Bem Estar do Menor.

Sob as diretrizes traadas pela FUNABEM os governos estaduais tambm reformaro suas estruturas istrativas para o atendimento infncia, centralizando-as sob a forma das Fundaes Estaduais do Bem-Estar do Menor, as FEBEMs. Grande parte dos Estados da federao criaram fundaes nos anos 70 com esta finalidade. O Estado da Guanabara, depois incorporado ao Rio de Janeiro, foi o nico com ao direta da FUNABEM, devido sua condio de antigo distrito federal.

O descontentamento com as aes na rea, no entanto, permanece. A legislao vigente vista como arcaica e superada. As estruturas governamentais no do conta do problema.

Em 1974 o Senador Nelson Carneiro apresenta um projeto de reformulao do Cdigo de Menores, que, no entanto, no chega a ir votao. Em 1976 o Congresso Nacional realiza um "I do Menor", com o objetivo de analisar a questo[2].

A primeira resposta dada vem sob a forma de criao de uma comisso de especilista, basicamente juzes de menores, para elaborao de projeto de um novo Cdigo. Este aprovado em 1979, ando a vigir como lei 6697/79. O novo Cdigo funda-se na doutrina da situao irregular. Neste caso a situao irregular funda-se no binmio Vtima de abandono ou maus tratos/ Infrator. O Juiz de Menores a autoridade mxima, com poderes discricionrios para "proteo do menor" e as FEBEMs permanecem como os estabelecimento encarregados do cumprimento das medidas determinadas.

Nos anos 70, As principais instituies federais encarregadas de aes assistnciais na rea da infncia- a LBA e a FUNABEM so includas no SIMPAS, ando a compor o sistema de previdncia e assistncia junto com a rea de seguro previdencirio e de atendimento sade. Este incluso levou a um aumento do oramento destes organismos nos anos seguintes, ainda que permancessem irrisrios diante dos gastos dos demais rgos do sistema.

Mesmo com a modificao da estrutura legal, a crise do setor no superada. As condies degradantes de tratamento nas FEBEMS continuam sendo denunciadas, as rebelies nas casas destinadas aos infratores se sucedem em vrias partes do pas. Analisando o problema em So Paulo, Ferreira (1980) a a utilizar uma nova denominao que fortalecer nos anos 80: meninos de rua.

Identificando que a manuteno desta perspectiva tendia a no resolver o problema do aumento de jovens nas ruas, buscando sua sobrevivncia atravs do trabalho ambulante, da esmola ou do furto, o Governo Federal, atravs da FUNABEM, juntamente com o UNICEF cria o Projeto Alternativas de Atendimento aos Meninos de Rua, que se manteve aproximadamente entre 1983 e 1987.

Este projeto buscava fazer o levantamento e troca de experincias entre inmeras instituies de crater comunitrio ou religioso em todo o pas, que vinha desenvolvendo proposta de atendimento criana e ao adolescente privilegiando o meio comunitrio, o vnculo familiar e a liberdade, com custos menores e melhores resultados que as instituies governamentais.

Um de seus resultados prticos, atravs da articulao de educadores e lideranas de instituies de vrias partes do pas foi a fundao, em 1985, do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, que ter um papel importante na mobilizao nos anos seguintes.

A partir de 1986 comea a mobilizao para influenciar a Assemblia Nacional Constituinte. So formados dois grupos distintos com vistas a influenciar o processo : A Comisso Criana e Constituinte, e o Frum Nacional de Defesa dos Direitos da Criana e do Adolescente, que reuniu o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, a CNBB, a Associao de Fabricantes de Brinquedos, a ABI, entre outros.

Cada um dos grupos apresentou uma proposta Constituinte, sendo aps ambas fundidas em uma nica proposta.

O resultado da ao destes grupos foi a incluso dos Artigos 227 e 228 da Constituio e 1988, dispondo sobre direitos da criana e do adolescente. O pargrafo 7 do artigo 227 dispor sobre a aplicao dos dispositivos do artigo 204, sobre a descentralizao e a participao da comunidade tambm rea da infncia e adolescncia.

Aprovada a Constituio, ou-se a buscar a regulamentao do artigo e a substituio do Cdigo de Menores de 1979. Um projeto foi apresentado simultaneamente na Cmara e no Senado, pelo deputado Nelson Aguiar e pelo Senador Ronan Tito. Este texto tornou-se a Lei 8080, de 13 de julho de 1990 com o nome de Estatuto da Criana e do Adolescente.

A Mudana de Forma e de Contedo: O Estatuto da Criana e do Adolescente e a Proteo Integral

A viso tradicional da questo da infncia separava, sem qualquer constrangimento, os ricos dos pobres. E estes ltimos eram considerados "caso de polcia"[3].

Estas talvez sejam palavras duras, mas reais, para descrever como operava a doutrina da "situao irregular", consagrada pelo Cdigo de Menores. Eram regidas pelo Cdigo as situaes envolvendo crianas e adolescentes em situao irregular, isto , seja os que praticaram atos infracionais, seja os que no tinham condies de sustento garantidas pela famlia. A resposta aos dois casos era a institucionalizao, que no mais das vezes era feita atravs das Fundaes Estaduais do Bem-estar do Menor (FEBEMs). A Doutrina da Situao Irregular, como paradigma de ao, herdeira do processo de organizao dos Tribunais de Menores, cujo nascimento, em 1899, vem dos EUA, com o Tribunal do Estado de Illinois. Visto como um avano poca, acabou ultraada pelo tempo.

A Constituio de 1988 e, aps, o Estatuto da Criana e do Adolescente, vm consagrar a "doutrina da proteo integral", preconizada pela ONU. Por esta viso todas as crianas e adolescentes devem ter especial ateno para que obtenham proteo integral contra a violao de seus direitos.

So importantes de ressaltar duas mudanas: uma de contedo jurdico-filosfico, outra de cunho simblico. Quanto primeira, crianas e adolescentes am a ser vistos como sujeitos de direitos, isto , cidados integralmente, e no apenas como objetos da ateno do Estado.

Em segundo lugar, o rompimento com a titulao de "menor". Embora sob esta denominao estivessem includos todas as pessoas abaixo dos 21 anos (maioridade civil) ou 18 (maioridade penal), somente os miserveis eram assim tratados. Quando um meio de comunicao se refere ao "menor" nunca o faz acerca de um filho de alguma famlia prspera da alta sociedade. O Estatuto da criana e do adolescente porque aplica-se a todos, independente de sua situao social. Entretanto, no h mgica da denominao politicamente correta que mude por si a realidade social. A reconstruo da realidade no apenas discursiva. fundamentalmente material.

As Estruturas Previstas No Estatuto da Criana e do Adolescente

O Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei 8069/90) no considerado uma lei avanada apenas pelo discurso ou proposio de direito de condies de vida para a juventude. Seu grande avano prever instrumentos para sua viabilizao. Entre os principais encontram-se os Conselhos de Direitos, os Conselhos Tutelares e os Fundos da Criana. Como ltima instncia possvel ainda recorrer ao civil pblica para responsabilizao de autoridades que, por ao ou omisso, descumprirem o Estatuto da Criana e do Adolescente.

a) Os Conselhos de Direitos da Criana e do Adolescente - existem j o Conselho Estadual dos Direitos da Criana e do Adolescente do Rio Grande do Sul - CEDICA e o Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente - CONANDA. Cada municpio deve formar seu Conselho Municipal de Direitos da Criana e do Adolescente, sendo que j existem cerca de 200 no Rio Grande do Sul

Os Conselhos de Direitos so a execuo prtica do disposto no Art. 204 da Constituio Federal, garantindo a participao da populao na formulao e controle das polticas de atendimento. Esto previstos no Art. 88 do Estatuto da Criana e do Adolescente, com a garantia de participao paritria para os representantes da sociedade.

O primeiro o para a aplicao de uma poltica adequada de ateno infncia a criao e organizao do Conselho Municipal de Direitos. Atravs dele ser possvel formular e controlar a execuo de polticas no interior do municpio - no s dos rgos municipais, mas tambm de rgos pblicos estaduais e federais e organizaes no governamentais de atendimento crianas e adolescentes[4].

O trabalho do Conselho facilita a articulao com os programas de atendimento no-governamentais (por exemplo, os ligados s Igrejas) para que as aes deixem de ser paralelas e descoordenadas.

b) Os Conselhos Tutelares - so rgos no jurisdicionais encarregados de zelar pelo cumprimento dos direitos da criana e do adolescente. Faz parte da proposta do Estatuto da Criana e do Adolescente de desjurisdicionalizao das questes sociais envolvendo crianas e adolescentes. Desta forma retira-se dos antigos juizados de menores, hoje juizados da infncia e da juventude, as funes de assistncia social.

Assim os casos que envolvam violao dos direitos de crianas e adolescentes so encaminhados ao Conselho Tutelar que busca solues - seja encaminhamento ao Ministrio Pblico ou Judicirio, quando necessrio, seja no trabalho junto famlia e comunidade, seja requisitando servios pblicos.

O Conselho Tutelar formado por 5 pessoas, eleitas pela comunidade em processo organizado pelo Conselho Municipal de Direitos. Seus direitos e vantagens, inclusive remunerao, devem ser definidos em lei municipal. As competncias esto no Estatuto da Criana e do Adolescente. Sua infra-estrutura deve ser fornecida pelo Poder Pblico Municipal.

Fundamentalmente uma forma de comprometer as comunidades com a soluo de seus problemas, rompendo com a poltica de "exportao", que consistia em enviar Fundao Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM) os jovens considerados problemticos , e com a impunidade nas violaes de direitos, devidas dificuldade de o ou falhas na atuao de autoridades pblicas.

c) Os Fundos da Criana e do Adolescente - cada Conselho de Direitos deve ter vinculado a si um Fundo, conforme previso do Estatuto da Criana e do Adolescente, como instrumento de captao de recursos.

Sabe-se que uma poltica de atendimento custa dinheiro e que os recursos em geral so escassos. Para permitir uma dilatao dos oramentos destinados rea da infncia e juventude foram idealizados os fundos.

Como fontes de recursos h a possibilidade de obter doaes de pessoas fsicas e jurdicas, mediante o desconto no imposto de renda; o recebimento de multas aplicadas pela Justia nas violaes do Estatuto da Criana e do Adolescente; contribuies de organismos internacionais e o ree de recursos estaduais e federais (destacando-se at 1994 a Fundao Centro Brasileiro para a Infncia e Adolescncia (FCBIA), rgo do governo federal na rea da infncia, extinto pelo novo governo em janeiro de 1995), alm do oramento pblico.

Estes recursos podem ser utilizados para a manuteno dos programas de atendimento de entidades no-governamentais conveniadas bem como manter aes especiais do municpio visando a cobertura de lacunas das polticas bsicas.

E Como Ficam os Direitos Humanos das Crianas e Adolescentes?

Hoje se encontra em evidncia na sociedade brasileira a violncia sofrida por crianas e adolescentes, em especial meninos e meninas de rua, como fato ultrajante e merecedor de providncias por parte da Sociedade e do Estado.

Esta violncia possui vrias faces, desde as desigualdades econmico-sociais at a prtica do extermnio.

As diferenas sociais existentes na sociedade brasileira, bem como as sucessivas polticas econmicas adotadas pelo Governo Federal, em especial as polticas recessivas dos anos 80, ao afetarem a qualidade de vida da populao, afetam diretamente a infncia[5].

O processo de urbanizao acelerada e a favelizao das grandes cidades trouxe consigo o aumento do nmero de crianas nas ruas. A necessidade de crianas e adolescentes utilizarem as ruas como espao de sobrevivncia no , certamente, um fato novo na histria brasileira. As evidncias esto espalhadas, desde os quadros de Debret, retratando crianas negras nas ruas do Imprio at os Capites de Areia, de Jorge Amado, dos anos 40. Mas a falncia do sistema repressivo de internatos coloca a nu esta situao, substituindo-se a violncia institucional pelo extermnio.

As estatsticas na rea da sade infantil colocam o Brasil em 63 lugar, pela escala do UNICEF, de 1994, baseada na taxa de mortalidade at 5 anos, junto a pases como El Salvador(65),abaixo de vizinhos como Chile (112), Uruguai (104) e Argentina (97) e distante de pases como Cuba (121) e EUA (124)[6].

Esta situao reflexo das condies precrias de saneamento, que atingem mais diretamente a infncia (Barcelos, 1986). A mortalidade na adolescncia est relacionada principalmente com causas violentas (homicdios, acidentes, etc).

O processo de negao de cidadania crianas e adolescentes completa-se com a evaso escolar, relacionada diretamente ao trabalho precoce. Este, na maior parte dos casos, ocorre sem a garantia de direitos trabalhistas e previdencirios[7].

interessante notar que alm da diferenciao vertical, entre as diversas classes sociais, existe tambm uma diferenciao horizontal, com mudanas significativas de indicadores sociais entre as regies. Por exemplo a probabilidade de mortalidade infantil mais alta em setores com alta renda do Nordeste que entre a classe mdia-baixa do Sudeste/Sul[8].

Esta forma de violncia mata silenciosamente muito mais que os esquadres da morte, em todas as partes do pas, e seu combate envolve mobilizao de recursos financeiros e polticos de grande monta.

Ainda assim no podemos deixar de dar um tratamento especial s situaes de violncia que colocam hoje o pas no banco dos rus frente comunidade internacional - o extermnio de meninos e meninas de rua.

O Extermnio

O assassinato de crianas e adolescentes ocorrido nos grandes centros urbanos tem merecido espao destacado na imprensa nos ltimos meses. Infelizmente este quadro de violncia no novo.

Opera-se sua descoberta pela Sociedade atravs do processo de organizao de entidades como o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua que conseguiram trazer para a imprensa e para o grande pblico a denncia dos fatos que vm ocorrendo.

O assassinato de crianas e adolescentes foi objeto de pesquisas[9] e foi denunciado em eventos como o II Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua, ocorrido em Braslia em 1989.

O assassinato no a nica causa de mortes violentas de crianas e adolescentes nem o Brasil o nico pas onde ocorrem[10]. O que choca, alm da quantidade, a aparente falta de motivos.

Esta violncia relaciona-se com a crise do Estado brasileiro. Em nosso pas o Estado ocupa um papel fundamental no fomento ao desenvolvimento social. Hoje, entretanto, ele no consegue realizar duas de suas tarefas bsicas: garantia dos direitos individuais e pacificador da ordem pblica.

O Estado, definido segundo Max Weber como detentor do monoplio da violncia legtima[11], no caso brasileiro perdeu o controle da violncia ilegtima. O poder paralelo do trfico, os grupos de extermnio e os arrastes so elementos que denotam o retorno violncia privada caracterstica do perodo medieval europeu.

A formao de grupos armados paralelos ao aparato estatal relaciona-se em primeiro lugar com o perodo de ditadura militar, onde surgiram esquadres da morte e grupos paramilitares para auxiliar nas atividades de represso.

Por outro lado a combinao entre a corrupo dos rgos policiais com o jogo do bicho e posteriormente o trfico de drogas criou estruturas de poder paralelas em cidades como o Rio de Janeiro, onde a lei aplicada no a oficial, mas a do potentado local.

Em ambos os casos os setores privilegiados de recrutamento de homens e armas so as polcias civil e militar e as empresas de segurana privada. Deve-se acrescentar a facilidade que o contrabando de armas pesadas tem encontrado para operar no Brasil.

Entre os maiores atingidos esto todos os no-cidados. Pessoas vivendo em nossa sociedade cujos direitos mais elementares so negados na prtica. Entre estas pessoas um dos grupos mais atingidos so os meninos e meninas de rua.

Identifica-se aqui a situao proposta por O'Donnell em relao homogeneidade de penetrao das instituies do Estado de Direito[12]. Mesmo nos grandes centros urbanos da regio Sudeste uma parcela razovel da populao no tem garantias de defesa dos direitos civis bsicos.

Devido a esta situao conjuga-se a misria com a violncia familiar, levando os jovens a buscar as ruas. Nestas ruas, alm das formas tradicionais de violncia sofridas, como a explorao sexual, do trabalho ou mesmo do produto do furto, hoje se agregam outras, ando da mutilao eliminao fsica dos sujeitos atingidos por esta violncia.

O extermnio em geral caracterizado como "operao de limpeza", solicitada por comerciantes incomodados com a presena dos meninos no local, identificando estes como possveis assaltantes, no presente ou no futuro[13].

Estas aes contam muitas vezes com a conivncia, ividade ou silncio pelo medo, por parte da populao local. A concordncia se embasa na negao de direitos humanos aos "bandidos" [14].

A polcia em geral tentava explicar a ocorrncia dos casos de extermnio com "queimas de arquivo" ou disputa entre gangues. A pesquisa realizada pelo Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, IBASE e NEV-USP ( MNMMR/IBASE/NEV-USP, 1991) ajudou a desmascarar esta justificativa. A grande maioria dos mortos no tinha antecedentes criminais, no portava armas ou drogas quando foram mortos.

As tentativas de dar resposta questo, a partir da presso de organismos e entidades internacionais como UNICEF e ANISTIA INTERNACIONAL resultaram na elaborao de um plano de combate violncia, feito por um grupo de trabalho do Ministrio da Justia e na realizao de uma Comisso Parlamentar de Inqurito na Cmara dos Deputados. O plano poucos resultados prticos atingiu. A I contribui para trazer questo para a ordem do dia, mas ainda se aguarda que seus encaminhamentos e propostas surtam efeitos.

A Superao

Por mais trgica que seja a situao, de nada serve chorar. Temos que lutar por mudanas. Neste sentido deve ser reafirmada uma relao direta entre democracia, cidadania e respeito aos direitos humanos. Um no convive sem o outro.

A construo de uma ordem democrtica e o resgate da cidadania da populao exige mudanas estruturais com a obteno de uma ordem social mais justa. Isso s ser obtido com mobilizao da sociedade e a construo de uma nova proposta hegemnica de Sociedade. Pressionar o Estado e no apenas esperar por ele.

O processo de construo da nova ordem deve ser concomitante com o combate violncia cotidiana. Devemos denunciar e combater os atos de violncia para romper com o ciclo de impunidade. As prprias crianas e adolescentes devem participar deste processo como cidados ativos, buscando no uma superao individual da situao, mas coletiva enquanto grupo. No fazer por eles, mas com eles.

A mobilizao da sociedade, atravs principalmente de Organizaes No-Governamentais, deve ser acompanhada da busca da institucionalizao de instrumentos de interveno na realidade social.

Um dos instrumentos que temos disposio, atualmente, no Brasil, para esta luta, o Estatuto da Criana e do Adolescente. Mas h outros, tanto polticos como jurdicos, que devemos usar, buscando resultados efetivos no presente e no esperando pelo futuro. Centro minha exposio no caso brasileiro, sem deixar de ter em conta que nossa experincia extremamente vlida como exemplo para os Estados Unidos, como forma de atuao no campo da infncia e juventude e como forma de organizao jurdica e institucional.

Referncias Bibliogrficas 3z2m1e

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BARCELOS, Tania. et al. Segregao urbana e mortalidade em Porto Alegre. Porto Alegre, FEE, 1986. 206 p.

CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Direitos humanos ou "privilgio de bandidos" - desventuras da democratizao brasileira. Novos Estudos CEBRAP, So Paulo, n. 30, jul., 1991. 256 p. p. 162-174.

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[1] Professor da UNISINOS, Doutorando em Cincia Poltica, Coordenador Nacional do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua

[2] Alencar, 1984

[3] Costa, 1991

[4] vide obrigatoriedade de registro de entidades e inscrio de programas, arts. 90 e 91 do Estatuto da Criana e do Adolescente

[5] Cervini e Chahad, 1988; Poerner, 1987

[6] UNICEF, 1990

[7] Fausto e Cervini, 1991

[8] IBGE, 1986

[9] IBASE, 1989; MNMMR/IBASE/NEV-USP, 1991

[10] Yunes, 1993

[11] Weber, 1984

[12] O'Donnell, 1993

[13] Faleiros, 1993

[14] Caldeira, 1991

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