Educando
para a Cidadania
Os
Direitos Humanos no Currculo Escolar 7b1i

ENSINO RELIGIOSO
ESCOLAR E CIDADANIA
Este no um texto sobre determinada
Confisso Religiosa. Quer ser uma contribuio a respeito do que
podemos fazer na educao da cidadania, atravs deste espao marcado
por atitudes de busca que o Ensino Religioso Escolar. No dia-a-dia do
homem, grandes questes se fazem presentes: Qual o meu lugar no
Universo? Qual minha funo como criador de Histria e Cultura? Qual
o sentido terminal da vida? Busca o Ensino Religioso Escolar, atravs
de uma metodologia dinmica, contribuir na educao e na formao
da criana e do adolescente no sentido primeiro: fomos feitos imagem
e semelhana de nosso Deus, somos portanto sujeitos de dignidade. Busca
tambm contribuir, no dia-a-dia, com resposta carregada de sentido e de
expressividade diante dos questionamentos que a vida nos coloca. Toda a
construo dessa resposta vem iluminada pela f num Deus que se
apresenta como Criador da Vida, do Amor e da Liberdade.
O homem de f, sincero e consciente,
deve vivenciar atitudes que expressem esses valores fundamentais. Eles
no so posse exclusiva de uma determinada religio, mas fazem parte
essencial de toda a religiosidade humana.
Aqui transparece aquela que, ao nosso
modo de ver, deve ser a grande funo do Ensino Religioso Escolar.
Insisto na expresso Ensino Religioso Escolar para dar-lhe o
carter integrativo, como disciplina ou matria de um currculo
escolar. Se o compromisso de construir a dignidade humana provocar
uma atitude interdisciplinar, o Ensino Religioso Escolar tem algo a
dizer, desde que no caia em falsos moralismos, dogmatismos ou uma
postura meramente conteudstica. claro que dever haver uma
proposta de reflexo, sem, no entanto, reduzi-la ao individualismo. A
educao para a religiosidade, competncia do Ensino Religioso
Escolar, tem um carter de universalidade. O valor da religio deve
ser sentido por todos os seres humanos que buscam e sonham com um mundo
onde a vida esteja presente em todas as formas de relaes. Dizia que
o Ensino Religioso Escolar tem a sua especificidade, sua organicidade,
sua seqncia, sua metodologia prpria, seu papel relevante na
organizao curricular de uma instituio. Para realizar-se como uma
verdadeira matria escolar, deve ter muita clareza dos objetivos que
quer atingir, bem como da prpria metodologia que deve ser ativa na
direo de provocar um processo sistemtico de ao-reflexo.
urgente que revisemos o que estamos fazendo em nossa prtica do
dia-a-dia. No competncia
do Ensino Religioso Escolar e do espao que possui fazer catequese,
aqui entendida como a educao da f explcita. A Educao da
F explcita supe uma resposta do cidado que seja livre, ntima,
consciente e pessoal. Ela deve se dar no interior do ser humanos.
Respeitar esse fundamento condio, entre outras, a uma verdadeira
educao integral para a prtica da cidadania. A instituio, por
outro lado, pode e deve ter sua Identidade. Quanto mais exigente e
coerente ela for, na direo da construo de uma sociedade justa e
livre, mais os sujeitos que vivem no seu dia-a-dia vivero a prtica
da liberdade e o compromisso com a justia.
Neste contexto insere-se o educador que
tambm possui uma opo exigente de vida. A criana e o adolescente
buscam, no adulto, modelos e referncias. No podem identificar-se com
o adulto que no tenha certeza de seus sonhos, de suas utopias, que
no tenha convico do que diz e de como vive aquilo que anuncia.
Tanto um quanto o outro, instituio e educador, devem respeitar e
conviver com o mundo pluralista em que vivemos. condio, para a
proclamao da liberdade de expresso, que isto seja vivenciado e
nunca violentado. Violentar as conscincias impedir que o sujeito
possa fazer livremente sua opo religiosa e at o direito de que ele
tem de no faz-la. Conviver com uma sociedade assim posta exige que
estejamos abertos a aceitar este presusposto.
O
espao do Ensino Religioso no poder se prestar a um doutrinamento,
seja ele de qualquer matiz. Ele deve despertar a grandeza humana de
cada um, sua plena dignidade na construo de uma sociedade que
contempla a solidariedade humana. Este texto, como um todo, quer
privilegiar o espao do Ensino Religioso Escolar. evidente que a
experincia de Catequese como aprendizado de doutrina e de vivncia
religiosa deve possuir seu espao junto comunidade confessional,
respeitada a livre adeso do indivduo.
Nossa prtica religiosa deve explicitar
o Deus que queremos anunciar e pelo qual queremos nos comprometer na
solidariedade humana. Estratgias como a organizao de um jornal ou
mural alternativo na escola, tipo o que a gente no conseguiu ler
nas entrelinhas, a dramatizao das mentiras anunciadas com cara de
verdade, pesquisa de opinio com a respectiva anlise sobre este ou
aquele programa, anlise de personagens, tudo isso ajuda todos ns a
entendermos o processo de manipulao das conscincias humanas. Chama
a ateno sobre estas questes, trazer para a escola experincias de
comunicao alternativa na linha da defesa da vida (ecologia, terra,
ndio, negros, menores, adolescentes, mulheres...) so exigncias
vitais para aproximar aspectos tericos da prtica que queremos
assumir, de forma cooperativa, na defesa da cidadania aqui e agora.
isto que apaixona crianas e adolescentes. Recentemente, em nossas
escolas, participamos de um pedgio, para coleta de fundos para a
Anistia Internacional, organizao de defesa da vida, e a cadeira de
Ensino Religioso esteve profundamente comprometida.
Ao lanarmos a proposta, foi
surpreendente o nmero de adolescentes que abraaram o projeto,
identificando no mesmo uma forma concreta de vivenciar o que, naquele
momento do trabalho, estavam refletindo: a gente s consegue mudar a
sociedade quando se engaja de fato em prticas que contribuam na
experincia da participao, da organizao na solidariedade pela
pessoa humana. Hoje, ns estamos articulando na escola a formao de
um grupo de treinamento e discusso sobre Vida e Cidadania. Exigncia
dos alunos, gratificados pela experincia que tem mostrado ser mais
fcil falar de Deus depois destas vivncias. O adolescente se
identifica com o educador que aponta referncias de Vida e que procura
viv-las no cotidiano. fundamental que saibamos quem so os
educandos com quem trabalhamos, de onde vm, o que pensam da vida, o
que sonham, estimulando neles o que trazem de melhor.
A educao da religiosidade com os
adolescentes de periferia no tem o mesmo perfil da educao que se
gesta em centros providos de recursos. Para os primeiros, valores como
organizao, participao, prticas cooperativas em centros
comunitrios, so requisitos para a vivncia da solidariedade. Para
os segundos, a compreenso de que a liberdade e a dignidade so
questes vitais a todos e que o bem comum deve ser patrimnio de toda
uma coletividade, so valores que devem ser trabalhados com muita
sensibilidade, no cultivo de atitudes de fundo que provoquem um
compromisso com a comunidade. O mundo dos opressores caracterizado
por situaes onde uns so mais livres do que outros, econmica e
politicamente. Isto fere a dignidade humana. A educao da
religiosidade busca capacitar o ser humano para que encontre o
significado mais profundo para a sua existncia. Nesta busca de
significado, vamos descobrindo que Deus entrou em nossas vidas, que seu projeto e exigente e radical.
Ele
nos compromete na defesa da vida, na recuperao das experincias
de menos vida, na organizao do povo que sua expresso, na
rejeio de tudo aquilo que fere seu Projeto, no importando o lugar,
nem o sistema, nem a ideologia. Deus no se presta para legitimar
qualquer forma de injustia. No se compra. Deus se vive. Sua
presena exige uma postura que renuncia ao indiferentismo e
omisso. Precisamos afirmar a ns todos, educadores do Ensino
Religioso, estes compromissos com a vida. fundamental que nossos
educandos encontrem, em nosso espao de sala de aula, este empenho de
fazer, aqui e agora, um lugar onde transparea que este o mundo que
Deus quer, marcado pela sensibilidade, pela solidariedade, pelo querer
bem, onde a realizao humana expresse que aquilo que cremos e
fazemos, cremos e fazemos em nome do nosso Deus que nos fez para sermos irmos.
Esta uma tarefa de todas as
instituies, de todos os educadores comprometidos de fato na
construo da paz.
A relao do homem com o transcendente
verificvel em todos os povos da Terra. A religio, por um lado,
vivncia e encontro do homem com o sagrado; por outro lado, resposta
deste homem aos apelos de Deus na histria do mundo. Todos os credos religiosos devem
fazer e dizer a dignidade da pessoa. Ferir a dignidade da pessoa
ferir a Deus. Violar direitos Humanos uma ao que produz a morte.
A morte a negao da vida. E todos os credos religiosos e as
experincias de ensino Religioso devem apontar sempre para a
construo da vida. Cabe a cada ser Humanos, religioso por natureza,
defender, valorizar e desenvolver a vida. importante apontar, neste
momento, para a significativa experincia que podemos realizar em sala
de aula. Estou convencido de que j no basta discutir e aprofundar
sinais de menos vida em todos nveis (econmico, poltico, social,
tico, afetivo, cultural, religioso...). este o risco, se assim o
fizermos, de transformarmos nosso espao formativo num espao
panfletrio. urgente que possibilitemos aos nossos alunos o contato
e o possvel engajamento em movimentos comprometidos com a defesa da
vida. preciso abrir as portas da escola para organizaes
ecolgicas, de defesa da cidadania, da cultura negra, da mulher, da
criana, do adolescente...
H vrios anos temos falado em sala de
aula (principalmente nas escolas onde trabalhamos) sobre o trabalho da
Anistia Internacional. A experincia tem mostrado que o adolescente
busca engajar-se e se apaixona por propostas como a da Anistia. Hoje,
vrios ex-alunos destas escolas so membros da mesma. Atualmente,
alunos de 5 e 6 sries renem-se periodicamente para discutir
cidadania, infncia. Este trabalho possibilita a realizao, na
escola, de uma efetiva experincia interdisciplinar, pois, ao redor do
binmio criana-cidadania, contribuem disciplinas como a Histria, a
Lngua Portuguesa, as Cincias, as Artes, o Ensino Religioso.
Como membros da Anistia Internacional,
sentimos que temos, na prtica didtico-pedaggico, uma caminhada
significativa rumo Educao da Cidadania e espao privilegiado de
divulgao da Anistia Internacional entre pais, professores e alunos.
preciso que derrubemos os muros invisveis que separam a escola do
mundo, que nos proponhamos o aperfeioamento de qualquer questo
ligada defesa da vida. Para analisar a ecologia, de fundamental
importncia convidar pessoas envolvidas na defesa do meio ambiente.
Acho que no podemos nos acomodar no apenas dizer. Precisamos mesmo
apontar caminhos novos de luta rumo sociedade que almejamos e para
qual Deus nos fez sua imagem e semelhana. Penso que ns,
educadores do Ensino Religioso, de uma maneira sensvel e companheira,
cabe despertar e cultivar no educando esse jeito de se comprometer com o
religioso. Comprometer-se com o
religioso comprometer-se com a vida.
fundamental que tenhamos, diante de
ns, um marco de referncias a respeito das grandes questes urgentes
e emergentes a serem refletidas em aula. Refletir nao discutir. A
atitude reflexiva exige leitura, aprofundamento. Exige silncio. Exige
abertura para mudar, para buscar, para querer mais, para inconformar-se,
inquietar-se, desacomodar-se. Esta busca do cultivo da atitude
reflexiva, em ns e em nossos alunos, clama para que organizemos o
processo ensino-aprendizagem nessa direo. A anlise de temas como
aborto, pena de morte, perda da identidade cultural, manipulao e
monoplio da informao, a gravidez na adolescncia, relao
homem-mulher, sexualidade, sistemas sociais, ideologias... exemplo do
quanto podemos contribuir na formao de nossos alunos, no
oferecimento de critrios humanizadores, que os conduzem a pensar o
mundo e suas relaes no enfoque de libertao. Fomos criados para a
dignidade. Deus o autor e o criador da Vida. Abraar a morte ou os
caminhos que a propagam no condizente com os desgnios de Deus. A
proposta de Deus defende a vida e a prtica da liberdade. Deve conduzir
um relacionamento humano que resguarda os direitos dos pequenos contra a
tentao e prtica de apropriao do ser humano em todas as
instncias. No matar , na realidade concreta, impedir esquadres
da morte, o ndice altssimo de mortalidade infantil, os povos
empobrecidos com o enriquecimento de outros. resgatar a conscincia
do negro, do ndio, da mulher, dos povos terceiromundistas. dar ao
homem o direito de traar seu destino com autonomia, construindo a
reciprocidade e a cooperao e assumindo a responsabilidade pessoal e
coletiva de que o mundo de todos e de todo homem. No deveriam
caber, neste mundo, arbtrios, torturas, ditaduras, assassinatos. Ns,
educadores do Ensino Religioso, no podemos compactuar com essa triste
realidade. Estratgias como o jri simulado, resolvendo com seriedade
tica e cientfica, por exemplo, a questo da pena de morte, ajudam a
aprofundar estas reflexes.
Se o religioso Vida, o Ensino
Religioso tem de apontar este horizonte. Este um compromisso a ser
assumido por todas as confisses religiosas. tarefa emergente, que
extrapola a sala de aula, mas encontra, na mesma, espao concreto de
vivncia e de prticas em defesa da Vida. O adolescente somente se
identificar com a nossa proposta de trabalho se perceber na mesma um
efetivo compromisso com a justia e a liberdade. A experincia tem mostrado a rejeio s prticas de carter
doutrinrio e moralizante. preciso trazer para a sala de aula
experincias que falem da luta pela vida. O Ensino Religioso
escolar jamais se dissociar da viso de mundo, da realidade, de
educao, da pessoa e de Deus de quem o ministra. O Ensino Religioso
deve manifestar toda uma viso dinmica e processual da Vida. Deus
no algo esttico, acomodador. Pelo contrrio, exige compromisso
dinmico com a Verdade e a Paz. Deus inquieta e clama por pessoas que
falem em seu nome.
Ao assumirmos seu projeto urge que nos
coloquemos numa postura de misso, numa atitude de busca, de dilogo
gerador de encontro do homem consigo mesmo, do homem com seu irmo
homem, do homem com sua irm natureza, do homem com Deus.
Temos um compromisso com a cidadania.
Quando lutamos por uma sociedade igualitria, quando rejeitamos, por
nossa prtica, sistemas totalitrios que dividem os homens entre si,
quando negamos o aviltamento do ser humano pelo lucro fcil, por
salrios de fome que acumulam riqueza, quando lutamos pela igualdade,
lutamos, sim, pelo Deus de todos os homens.
Somente gente de f. Temos uma
identidade, se Deus comunho e provoca participao, ento
preciso trabalhar para erradicarmos a marginalizao, a dor imposta, o
dio, a guerra. A luta pela Paz e pela Justia dura e permanente.
Ela no tem bandeiras nem fronteiras. tarefa das instituies e
dos educadores. preciso, no entanto, estar atentos ao clamor que
brota dos oprimidos.
Vai! Sai da tua terra! Envio-te pelo
mundo. Ningum far por ns o que nos cabe. Em nome de Deus,
chamados somos a manifestar, a cantar, a dizer e a viver seu projeto
hoje, experincia antecipadora do mundo novo que todos queremos e que
queremos para todos.
Esta a nossa misso proftica.
Carlos
Alberto Barcellos*
Ivanor Reginatto**
* Educador
nos Colgios Anchieta e Svign em Porto Alegre, especialista em
psicomotricidade e Assessor da Anistia Internacional
no Programa Nacional de Educao para a Cidadania PRONEC.
** Educador
e Coordenador da rea de Cincias Humanas do II Grau do Colgio
Anchieta, em Porto Alegre e assessor da Anistia Internacional
no Programa Nacional de Educao para a Cidadania |