Educando
para a Cidadania
Os
Direitos Humanos no Currculo Escolar 4m2p27

FUNDAMENTOS SOCIOLGICOS DA
EDUCAO PARA A CIDADANIA
No h pretenso, aqui, de esgotar o
tema. A funo do presente texto no aprofundar teorias
sociolgicas ou realizar abordagens academicistas que nos coloquem
distantes da realidade em que vivemos. Estudos desse estilo, certamente
os encontramos em bibliotecas ou livrarias. Nosso propsito, ao
contrrio, suscitar um debate democrtico e solidrio sobre a
realidade, apontando algumas pistas rumo a metodologia que possam
provocar mudanas pessoais e coletivas, gerando comunho e
participao, na formao de uma sociedade autnoma, dona de seu
destino.
Tenho certeza que podemos pensar as
coisas pelo menos sob dois enfoques. Ou pensar as coisas da educao,
da realidade, do mundo, do ser humano, da cidadania, da vida, do ponto
de vista funcionalista-positivista, ou pens-las
dialtica-histrica-criticamente. Aqui entra o papel da reflexo os
Fundamentos Sociolgicos da Educao. Aprofundar essas duas
concepes ou teorias em sala de aula fundamental. Mais: buscar
caracterizar como se do, na prtica, estas duas teorias questo
emergencial. Aprofundemos um pouco estas questes. O que significa uma
sociedade adestrando seus cidados para a assimilao, na prtica,
do discurso positivista? As coisas esto postas, a educao est
posta, assim que correr o seu curso. A sociedade est organizada
de maneira tal, que tudo o que acontece, acontece de modo funcional. O
ser humano vai internacionalizando, introjetando esta concepo de
mundo. Dela vai decorrer uma prtica submissa, intimidada, de perda de
identidade, de perda da historicidade, de moralismo exacerbado e
autoritrio, repressivo e opressivo. A Escola cumpre o papel de censor,
reprimindo, punindo, suprimindo os sonhos e as buscas.
Uma abordagem sria sobre nossa
realidade nos permitir perceber que o modelo scio-poltico que
temos implantado um modelo fundamentado no caldo ideolgico do
positivismo. Alis, no difcil imaginar e entender a razo
histrica para tantos regimes de extrema-direita se terem instalado na
Amrica Latina contempornea. No acaso a utilizao de um
aparato repressivo, seja ele jurdico ou militar, como forma de
legitimar o modelo que se pretendia impor ao Continente, opondo a lei
da fora fora da lei. J se disse, com muita
propriedade, que, em toda a dimenso poltica, existe a ao
pedaggica; que toda a dimenso pedaggica subjaz uma ao
poltica. A ausncia de um carter crtico da organizao e da
participao, a apatia e o conformismo so sinais claros do modelo
que busca impedir o o do cidado sua plena maturidade
poltica, prtica marcada pela liberdade. Penso que temos aqui um
grande tema de discusso em sala de aula. Por que no estudar, com
nossos educandos, temas como: alienao da juventude, opresso x
cidadania no contexto brasileiro e Latino-americano? Por que no
aprofundar, com eles, as sadas que os povos vm encontrando rumo
sua maturidade? Quando trazemos para a sala de aula Movimentos pelos
direitos da mulher, da cultura negra, de defesa das naes indgenas,
de organizao do meio popular, de organizao do meio estudantil,
estamos apontando para novas sadas, para uma sociedade que quer tomar
a histria na mo e ter plena conscincia da cor do seu destino.
Estes estudos podem perfeitamente ser feitos a partir de pesquisas, de
painis, de seminrios, de contato concreto com a realidade de cada
segmento. Quando a isso nos propomos, estamos fazendo sociologia? Se
quisermos uma resposta acadmica, diria que no. Se buscamos, porm,
com nossos alunos, o estabelecimento da relao entre a funo da
sociologia e da escola como processo de socializao, de formao da
cidadania, no temos como deixar de caminhar rumo a esta postura de
trabalho.
So perguntas significativas, das quais
no temos o direito de abdicar: a quem queremos formar? Para quem
formamos? Que horizontes descortinamos? Que viso de realidade temos?
Que interpretao da sociedade fazemos? Espontanesta? Crtica? O
que buscamos com nosso fazer pedaggico?
Na verdade, nossa prtica
didtico-pedaggica, explcita ou implcita, afirma, queiramos ou
no, toda nossa concepo de sociedade, de poltica, de mundo. Na
perspectiva de um currculo emancipador, a sociologia da educao
torna-se vital para provocar uma discusso cientfica, que faa uma
interpretao competente, sistemtica e orgnica da realidade, que
possa permitir que as demais disciplinas de um curso de formao de
magistrio, como as didticas, possam apontar para sadas de um
projeto educacional formador de cidadania.
Por isso, a Sociologia da Educao se
insere nos Fundamentos da Educao, fundamentos que nos lembram: base,
referncia, paradigma. Olhando para a prtica de todos ns,
educadores brasileiros, penso que nos falta, ao fazermos educao,
olhar para o homem e olh-lo num processo de relaes afetivas,
agindo, interagindo na sociedade. Acredito que somente quando
assumirmos, na prtica, o especfico que nos cabe fazer na
transformao da sociedade, seremos partcipes e co-autores da
Utopia. Cabe-nos ser competentes didtica e pedagogicamente. Esta a
nossa funo, esta a nossa contribuio ao mundo do trabalho,
onde tambm se d a formao do homem como sujeito de direitos,
sujeito de dignidade, construtor da solidariedade. Aqui, apontamos para
uma outra dimenso essencial em nossa prtica. Magistrio, bico ou
profisso? Na educao das sries iniciais, onde se encontra parte
dos meus alunos, o educador no pode escapar desta discusso. Como
falar em Direitos s crianas, como apontar a liberdade e a dignidade
como valores de vida, se no estou convencido desta opo na minha
prpria vida? Se a Escola lugar onde se fazem e se produzem
relaes humanas, ser nesse local que se gestar a mudana, a
vida, a liberdade, na vivncia do cotidiano. Caso contrrio, haver
de ser um espao onde comearemos a perpetuao da opresso, da
desigualdade, da explorao, da omisso... no existe neutralidade.
Ou somos a favor do homem, ou seremos a favor de ideologias, de sistemas
opressores que se apropriaro do destino deste homem em nome de leis,
tradies, estruturas.
Educar o social. Deixar que o social
interpele e questione o educando. Educao e cidadania so coisas que
convergem. Educar o cidado para que seja autor de seu destino, para
que assuma a sua dimenso histrica, cuidando da vida, da sua, dos
outros, de todos, numa dimenso horizontal. Cidadania: dizer no
represso, dizer no escravido, dizer sim liberdade de
expresso, vivncia da solidariedade, construo comunitria
de uma experincia de prtica poltica de autonomia, de
reciprocidade, de cooperao e de responsabilidade. Quando promovemos,
em sala de aula, um seminrio sobre conjuntura nacional, aprofundando
questes angustiantes da realidade brasileira, quando somos capazes de
analisar suas causas e efeitos, quando somos capazes de discernir
sadas, estamos discutindo e aprofundando a compreenso da sociedade,
suas relaes, a questo do poder, a necessidade da mudana.
impossvel discutir cidadania, pensar a realidade globalmente, sem
pensar e discutir a realidade da fome, da sade, das condies de
trabalho...
Urge que os Fundamentos da Educao
estejam comprometidos com uma proposta que coloque a defesa da vida como
valor maior da nossa ao pedaggica. preciso pensar o homem como
sujeito de direitos: direito alimentao, sade, ao trabalho,
ao lazer, expresso poltica, ao salrio justo, direito
habitao, livre expresso, livre organizao, escolha
livre de um credo ou no... Estes so caminhos para a formao da
conscincia e de uma prtica solidria. Na minha experincia pessoal
de formao de adolescentes, futuros educadores, tenho tido o cuidado
e a insistncia de cultivar as chamadas atitudes de fundo, a to
fundamental sensibilidade, a solidariedade, a bondade. Somente quando
mergulhamos na tica de uma educao pelo mais, conseguiremos
provocar uma atitude que conduza ao inconformismo e mudana.
preciso oportunizar situaes
concretas em sala de aula para este tipo de vivncia. Nem sempre nos
damos conta de que, embora tendo um contedo crtico, nossa prtica autoritria e domesticadora. O cultivo destas
atitudes de fundo vai se dando na forma de como organizamos o espao em
sala de aula: democrtico, gerador de comunho e participao; e no
modo como nos relacionamos no cotidiano com nossos educandos. As
estratgias de como decidir cooperativamente os critrios norteadores
de avaliao (temida e odiada), a forma de como planejamos o trabalho
e o modo de como socializarmos e envolvemos cada aluno so maneiras de
respaldar o discurso explcito manifesto numa prtica implcita.
Certamente no estou dizendo nenhuma novidade. Pelo menos em algum
momento j pensamos nisso. A
verdade, porm, que no fazemos isto. E nossos alunos dos
cursos de magistrio, ao sarem, continuam a repetir as mesmas
prticas domesticadoras e bancrias, verticalistas, porque
contribumos tambm para isto. A Sociologia da Educao deve
propiciar a percepo da relao intrnseca entre a prtica da
liberdade expresso da libertao e o projeto
scio-poltico que a referencia e a norteia. preciso discutir e
aprofundar o mito de que as mudanas sociais dependem da Escola. Hoje,
preciso rever esta posio. Uma sociologia positivista at que
ajudaria a sustentar este mito. No queremos isto. A Escola tem o seu
papel no processo de mudana, mas os meios de socializao so os
mais variados possveis (famlia, igreja, partidos, sindicatos, meios
de comunicao...). onde existem relaes humanas se faz educao.
Nossa prtica educativa se faz a partir de determinadas teorias que
ajudam a explicar e a entender a realidade. Logo, o saber e a forma como
o produzo ajudam a explicitar o horizonte da sociedade que queremos
construir.
Posso fazer, em minha prtica cotidiana,
levantamentos de dados, pesquisas, estatsticas, grficos, tabelas.
Isto tudo pode me ajudar a fundamentar uma anlise sobre o homem, sobre
o que ele, como se do suas relaes, em que sociedade vive. Tudo
isto deve servir para que possa discutir e aprofundar questes de
relevncia, como, por exemplo: o que torna a regio de Pernambuco a
terceira do mundo em mortalidade infantil? O que determina a existncia
de 45 milhes de menores carentes? Como explicar que, de cada mil
crianas que ingressam nas sries iniciais, apenas duas concluem a
universidade, ingressando no mercado de trabalho? Como explicar um pas
que organiza um estatuto da criana e do adolescente e convive com a
impunidade dos esquadres da morte?
Posso estudar as taxas de natalidade, de
mortalidade... Se no fizer uma abordagem e uma interpretao sobre
os mesmos, isto tudo vira mera curiosidade, conhecimento diletante ou,
em alguns casos, discurso panfletrio.
Como educadores, no podemos incorrer em
abordagens, simplistas e lacaias do tipo: o que a est, assim deve
ser e deve ser aceito, pois esta a ordem das coisas.
interessante aprofundar com os nossos
alunos esta anlise do mundo funcionalista. Podemos perguntar-lhes: que
conseqncias traz para a vida tal abordagem? Que viso de cidadania
explicita? Para que horizonte aponta? O funcionalismo na educao
acelera o abismo entre os que sabem e os que no sabem, os que pensam e
os que no pensam, os que organizam e os que executam. No a por
aqui o caminho do sonho, da Utopia, da esperana. Lembremos que as
coisas no esto aqui simplesmente. Devem ser analisadas. Deve-se
descobrir sua dimenso histrica. O homem um sujeito histrico. A
educao faz parte deste processo. Libertar despertar conscincia
crtica. Somente assim avanaremos rumo ao futuro e mudana. Ora,
neste enfoque, a escola deve ser vista como uma orquestra que executa
uma cano de amor e de paz. Superar a mesmice, o continusmo,
o tecnocratismo, o cientificismo, o psicologismo, a burocracia e o medo,
exige respostas inovadoras e corajosas. VIDA, penso ser a palavra que
define um novo horizonte. Por que no provocar em sala de aula um
aprofundamento a respeito das vises conteudsticas, tecnicistas
e libertadoras da educao?
No se trata apenas de provocar esta
discusso, mas de caracterizar todos os elementos que interagem num
espao formativo chamado escola. Nesta ltima vertente, a da
educao libertadora, gostaria de dar ainda mais alguns exemplos de
como aprofundar o surgimento de uma conscincia da cidadania. O que
est presente no dia-a-dia presta-se a isto. As canes, por exemplo,
incontveis canes, sejam elas latinas, populares ou nativas,
prestam-se a isto. Podemos analisar a questo da terra, fazendo uma
pesquisa a respeito dos festivais de canes nativas, regionalistas,
descobrindo, em seqncia histrica, como seus autores vo crescendo
na conscincia da funo social da terra. Assim, tambm podemos
analisar Morte e Vida Severina. Podemos pensar o xodo rural
atravs da leitura de Graciliano Ramos, em Vidas Secas... Podemos
aprofundar a questo da violncia urbana e do menor a partir do filme
Pixote... Podemos resgatar a importncia da dignidade humana na
Amrica Latina debatendo incontveis documentrios e filmes, como,
por exemplo: A Histria Oficial, Pr Frente Brasil, Chove
sobre Santiago, etc... Podemos debruar-nos sobre a questo da
Mulher, da Prostituio, da Gravidez na Adolescncia, da Sexualidade
Infantil... Podemos fazer tudo isto numa perspectiva histrica, na qual
o homem agente e construtor. Provocar a libertao exige recursos
didticos que nos aproximam da realidade, como forma de explicitar as
teorias. Nosso espao didtico-pedaggico muito vasto e muito
rico... Quanto mais nos aproximamos da realidade, quanto mais ela
estiver presente em nossa sala de aula, mais e mais estaremos
contribuindo para formar pessoas que pensam a educao.
Por fim, penso que a ns, educadores,
cabe assumir em definitivo o papel do artista, do poeta, do cantador da
palavra que h em ns.
H muitas lutas por fazer... A defesa da
universalizao do saber, de uma escola de qualidade para todos, da
clareza em nosso projeto scio-poltico, da criao de canais de
comunho e participao, da democratizao de escola e do o
mesma. J tempo de assumir este papel de discutir a cultura e de
formar a cidadania. Formar a cidadania pensar no povo, organizar o
social. Com a histria na mo, mangas arregaadas no campo ou na
cidade, em todas as idades, sigamos despertando, sensibilizando,
acordando o sonho que h em cada cidado. preciso olhar para
frente. L est a sada, o novo, o diferente. As perguntas esto
aqui. As respostas, as encontraremos juntos, criativamente.
Ao iniciar este artigo, falvamos de
duas teorias Sociolgicas. De um lado, a que absolutiza o que est
pronto, sem pretenses
transform-lo. De outro, a que pensa o mundo dialeticamente. A
histria exige de ns um posicionamento entre estas duas. Eu j me
decidi pela Segunda, porque creio que a vida no est pronta. Porque
ela dinmica , um processo que se faz a muitas mos e de muitas
formas. Creio que deva ser o nosso credo. Acalentar o h. humanizar o no
homem. Ser.
Carlos
Alberto Barcellos
Educador nos Colgios
Anchieta e Svign em Porto Alegre, especialista em psicomotricidade e
Assessor da Anistia Internacional no Programa Nacional
de Educao para a Cidadania -
PRONEC. |