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Educando para a Cidadania Os Direitos Humanos no Currculo Escolar 523e2t

CIDADANIA E LINGUAGEM

Estudos recentes tem chamado a ateno para a relao entre o uso da linguagem e o exerccio da soberania. Esse interesse se prende, por um lado, as problematizaes que a lingstica tem apresentado com respeito concepo, ensino e aprendizagem da lngua, e por outro lado, tomada de conscincia como cidados por expressivos segmentos populares.

Assim, se concebemos que o homem se constitui pela interao com outros homens e nesse interagir ele produz cultura, ento, para ns, cultura no algo pronto, definitivo. algo que se faz, se constri a cada relao. Da mesma forma, a linguagem, que uma manifestao cultural, algo que ns, falantes, produzimos a cada momento, de acordo com nossas necessidades.

Ver o homem como responsvel pela sua realizao, em parceria com os demais, criando nessa interao suas crenas, suas leis, suas verdades, sua cultura, traz, na realidade, inmeras implicaes. Ter essa conscincia, sobretudo se no for s terica, significa mexer com acomodaes apaziguadas, pelo senso comum e legitimadas por autoridades; significa questionar essas autoridades, muitas vezes representadas por instituies refratrias crtica, proprietrias do saber e da verdade.

Vejamos o caso da linguagem. Como j explicitamos, inserida na cultura, a linguagem produto de um processo internacional histrico, reinventada sempre que a usamos. Essa reinveno real. Apesar de imaginarmos que a lngua algo pronto, sistematizado, cabendo a ns aprend-la, apropriar-nos dela, na verdade no bem assim. At porque impossvel introjetar signos lingsticos, impossvel transferir com preciso jogos de representao simblica. Ademais, a nossa fala averba as interaes que temos com a realidade, abrindo o leque dos smbolos lingsticos.

No entanto, a linguagem no apenas resultado da interao social, seno tambm condio para a prpria condio humana.

A propsito, significativa uma das agens de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, onde Fabiano, assim como a famlia e o meio fsico que os rodeia, retratam o prprio ttulo da obra. Neste contexto fsico e social, o protagonista da histria, preso, sequer consegue elaborar seus pensamentos (que coincidiriam com sua defesa) diante do soldado amarelo.

Fabiano tambm no sabia falar. s vezes, largava nomes arrevasados, por embromao. Via perfeitamente que tudo era besteira. No podia arrumar o que tinha no interior. Se pudesse... Ah! Se pudesse, atacaria os soldados amarelos que espancaram as criaturas inofensivas.

Se Fabiano conseguisse arrumar o que tem no interior (e arrumaria isso por meio da linguagem), ele teria poder: ele atacaria os soldados amarelos que espancam as criaturas inofensivas. Isto significa que a linguagem d poder de argumentao, poder de leitura e explicao da realidade... )Claro que no se trata do poder de polcia). Sem esses poderes, somos menos cidados e, como Fabiano, temos menos possibilidades de sermos livres.

Quando o texto diz que Fabiano tambm no sabia falar no est se referindo ao seu dialeto, porque esse ele sabia, mas variante lingstica culta, urbana. Ento, no nosso contexto social, no o simples expressar que confere poder, prestgio, mas o expressar-se de acordo com o estabelecido como norma, social e historicamente imposta pelo segmento que domina poltica e economicamente a sociedade.

Aqui nos deparamos com um dos problemas cruciais no ensino da linguagem: o papel da escola na formao do cidado quanto ao aspecto lingstico.

Convm retomar a concepo exposta no incio deste texto de que a lngua uma construo social. Seus significados tm, portanto, a ver com suas condies de produo. E toda essa construo simblica a criana leva para a escola. So seus valores, suas crenas, suas falas, seu medo. Isso tudo para ela.

Ao ingressar na escola, ela fala com descontrao, conta suas histrias com toda expressividade, organiza lingisticamente suas experincias e seus sonhos. Leva tudo para a escola, porque tudo isso foi construdo por ela, tem significado, ela.

E a escola aproveitar esse entusiasmo, ampliando o campo de interao da criana com maior autonomia sobre a realidade? Em sntese, possibilitar-lhe- a cidadania? As pesquisas realizadas em escolas brasileiras demonstram que pouco disso acontece. Ao invs disso, ridiculariza-se a linguagem da criana e nega-se a sua cultura. Assim, ainda antes de ensinar uma nova lngua a lngua depositria dos textos escritos, da cultura e da literatura, imprescindvel a todo cidado antes de tudo isso, violenta-se toda uma construo simblica da criana num acintoso desrespeito a uma cultura cuja nica culpa ser diferente daquela que ela, escola, representa. Com isso, no considera todas as linguagens que a criana traz de seu mundo, proibindo que ela seja dona de seu prprio discurso. Isto tem, sem dvida, um efeito arrasador sobre o educando. Tanto assim que, aps alguns anos de escolarizao (h quem fale em domesticao), o aluno esqueceu tudo. No gosta mais de escrever, no sabe mais falar, detesta Portugus. Tornou-se contrrio, no mais organiza seu mundo, muito menos cria outros. De lingisticamente criativo, a escola transforma-o num alienado lingstico.

Com sua viso dogmtica sobre a linguagem. A escola aniquila o sujeito ao impor o professor como o que domina a linguagem, desconsidera o contexto ao cristalizar os significados e acaba matando a lngua, ao v-la apenas como estrutura pronta e definitiva.

Ante tal quadro o que fazer?

Primeiro e antes de tudo, urge que o professor se assuma como cidado, que ele prprio tenha a conscincia da sua cidadania e conhecimentos dos pressupostos tericos que fundamentam sua prtica pedaggica. S seu idealismo, sua boa inteno no so eficientes. H professores que dedicam toda uma vida reforando preconceitos e legitimando um sistema de ensino da linguagem que descaracteriza o sujeito como cidado.

Com essa conscincia, questes como ensinar ou no a gramtica?, lngua padro ou popular?, geradoras de polmicas, perdem praticamente o sentido. Os problemas so outros e questionam se estou ou no favorecendo aos meus alunos dizerem a sua palavra e como devo fazer para que eles se assumam como sujeitos de seus discursos. As metodologias, as estratgias e os contedos, vo depender das respostas que dermos s ltimas perguntas.

Para ns, s a interao construda em sala de aula, num encontro em que se solidariza o refletir e o agir de seus sujeitos, endereados ao mundo a ser transformado e humanizado (Paulo Freire), numa relao em que professor e aluno se respeitam no direito que cada um tem, sem opresso de um sobre o outro, sem posse antecipada da verdade e do saber, de buscar pronunciar o mundo, para ns essa interao dialgica desafiadora de sujeitos que constrem os seus discursos criar uma nova escola: uma escola livre e cidad.

Arcanjo Pedro Briggmann

Educador no Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

e Mestre em Educao

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