2k3q71
AS
VICISSITUDES DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NO
BRASIL
Rubens
Pinto Lyra[1]
b2h6
2m1b54
AS
FONTES GERADORAS
2cw1k
UMA
NOVA SOCIABILIDADE POLTICA
Do ponto de vista sociolgico, a fonte
geradora das prticas participativas que hoje
A?t?N? integram a institucionalidade
jurdico-poltica brasileira foi a luta pela
redemocratizao, levada a cabo nos anos
setenta, e que teve no novo sindicalismo e
nos movimentos sociais emergentes os seus mais
conspcuos protagonistas. Os operrios do ABC,
liderados por Lus Incio Lula da Silva,
organizaram as primeiras greves sob a ditadura,
visando melhoria de salrios, direitos
trabalhistas, e a conquista das liberdades
sindicais, tendo como forma de organizao a
participao direta das bases no processo
decisrio
O
exemplo dos metalrgicos do ABC irradiou-se
para as categorias mais politizadas de
trabalhadores, na esfera pblica e privada, em
todo o pas, gerando uma nova sociabilidade
poltica lastreada na ao corporativa e na
democracia direta.
O
incremento dessas lutas contra a
institucionalidade ocorreu espontaneamente
(pois o objetivo no estava previamente
traado), contribuindo, de forma decisiva, para
por em cheque a transio lenta, gradual e
segura, substituindo-a por um processo que
culminou, mediante a promulgao da
Constituio cidad, com o pleno
reconhecimento institucional do regime
democrtico.
Neste
sentido, a democracia brasileira pode ser
considerada como um sub-produto de lutas
corporativas. Diferentemente de outras
transies como, por exemplo, as da Espanha e
de Portugal, onde a oposio poltica, ainda
que impulsionada pelas lutas sindicais, teve
papel crucial na liquidao do autoritarismo,
seja atravs de um pacto congregando as
foras vivas da Nao (Espanha) ou pela
mediao revolucionria de militares
progressistas (Portugal). Em ambos os
casos, a restaurao da democracia
constituiu-A?t?N?se no plo aglutinador e na razo
de ser da luta contra o autoritarismo.
No
Brasil, a nova sociabilidade poltica gerada
pelos embates contra a ditadura produziu, como
no podia deixar de ser, importantes
repercusses na esfera jurdico-institucional,
materializadas na Constituio de 1988.
Algumas
manifestaes desta nova sociabilidade
concorreram diretamente para a mobilizao
social pr-participao popular na
constituinte: a ampla difuso da democracia
direta no sindicalismo, o basismo
particularmente forte nos movimentos sociais
hegemonizados pela Igreja Catlica, o papel das
Organizaes No Governamentais (ONGs),
ligadas promoo da cidadania e o
engajamento crescente de importantes setores da
classe mdia nas prticas participacionistas.
de se observar, todavia, que o corporativismo
dominante na sociedade civil organizada
restringiu o mpeto de participar
apresentao de emendas constitucionais de
interesse mais direto para o movimento ou para a
organizao proponente.
Somente
as entidades religiosas, com destaque para a
Igreja Catlica, efetuaram ampla mobilizao
nacional objetivando inserir, no texto
constitucional, mecanismos de democracia direta.
No
caso especfico da emenda n 21, sobre
participao popular, aquelas organizaes
lideraram a coleta de s em todas as
regies do pais. Foi a partir desta emenda que
se consolidaram alguns dos princpios
fundamentais da democracia direta, como o
plebiscito, a iniciativa popular de lei e o
referendo.
A?t?N?
Por
essas razes, das sete emendas
constituio que conseguiram recolher mais de
500.000 s, cinco foram apoiadas por
organizaes religiosas (Doimo, 1994:195).
Afora
essas organizaes, apenas entidades ligadas
sade e assistncia social mostraram
capacidade de mobilizao para viabilizar,
primeiro, na Constituio brasileira, e
depois, na legislao federal, a instituio
de canais de participao da cidadania na
formulao de polticas pblicas.
Nesse
processo, desempenharam papel central o
Movimento Popular de Sade (MOPS) - situado na
rbita da Igreja - e o Movimento de Reforma
Sanitria - formado por profissionais da
sade, funcionrios pblicos e professores
universitrios. A ao desses movimentos
possibilitou a insero, no teA?t?N?xto
constitucional, de garantia de participao da
sociedade na formulao da poltica de sade
e, posteriormente, a criao, a nvel
municipal, regional e nacional, de Conselhos
ligados rea.
J
no mbito das polticas relacionadas com a
assistncia social, alcanou papel de destaque
o Movimento Nacional dos Meninos de Rua. Atuando
como plo aglutinador de um conjunto de
entidades empenhadas na luta pelos direitos da
criana e do adolescente, o Movimento garantiu,
na Constituinte, a participao da cidadania
nas aes de governo atinentes poltica da
criana e do adolescente, e contribuiu, de
forma decisiva, para a aprovao do respectivo
Estatuto.
No
mbito do movimento sindical, a Associao
Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES)
foi uma das raras entidades a formular uma
proposta mais abrangente para o texto
A?t?N? constitucional. Tal proposta contemplava, entre
outros pontos, as vrias modalidades de
democracia direta, posteriormente inscritas na
Constituio de 1988. Postulava, tambm, a
criao do cargo de Defensor do Povo
(Ombudsman), eleito
pelo parlamento mediante a indicao de
candidatos pelas organizaes da sociedade
civil (ANDES, 1987:31).
Todavia,
a aprovao das propostas de ndole
no-corporativa teve carter sobretudo formal,
tendo sido votada sem nenhum debate ou
mobilizao da categoria, por um plenrio
sonolento e esvaziado.
A?t?N?
A
NOVA ORDEM JURDICO-INSTITUCIONAL
5m1t4u
A
participao direta do cidado na gesto
pblica princpio consolidado h quase
cinquenta anos, inscrito na prpria
Declarao dos Direitos do Homem, na qual se
l que todo
homem tem o direito a tomar parte no governo de
seu pas diretamente ou por intermdio
de representantes livremente escolhidos
(art. XXI, inciso I).
Todavia,
poucas constituies reproduziram o contedo
desse dispositivo, senA?t?N?do que a brasileira o fez
apenas em 1988:
todo
poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituio (Art.
1, par. nico).
Alm
desta norma genrica, vrios artigos da
Constituio prevem a participao da
cidadania na gesto pblica, seja atravs da participao
da comunidade, no sistema nico de
sade e na seguridade social (Art. 198, III
e art. 194, VII) seja como, no caso da poltica agrcola, com
participao efetiva dos
diferentes agentes econmicos envolvidos
em cada setor de produo (art. 187,
caput). Somente nos casos da assistncia social e das polticas
referentes criana e ao adolescente se
especifica como se d a pA?t?N?articipao da
populao: por meio de organizaes
representativas (Art. 204, 22).
O
Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA),
criado pela Lei 8.059, de 12 de Julho de 1990,
d contedo ainda mais preciso s inovaes
introduzidas na Carta Magna em matria de
participao popular. Assim, nos
Conselhos da Criana e do Adolescente - cuja
instalao a nvel nacional, estadual e
municipal o ECA torna obrigatria
- devero ter assegurada a paridade entre as
organizaes representativas da populao e
os rgos do Governo (Art. 88, I).
Vale
salientar que o ECA tornou-se o primeiro diploma
legal a consagrar, a nvel nacional, a
democracia participativa paritria, na
definio e implementao de uma poltica
setorial.
A?t?N?
J
no caso dos Conselhos Tutelares, importante
rgo previsto no Estatuto acima referido,
todos os seus integrantes so representantes da
sociedade eleitos pelos cidados locais para
mandato de trs anos (Art. 132).
Tambm
na rea da sade a legislao federal
introduz em todo o pas a participao da
sociedade na gesto pblica, mediante as
Conferncias de Sade, rgo de carter
propositivo - e dos Conselhos de Sade, a quem
compete formular
estratgias e controlar a execuo da
poltica de sade, inclusive nos aspectos
econmicos e financeiros (Lei n 8.142,
de 28 de dezembro de 1990).
Por
outro lado, as Constituies estaduais, por
iniciativa de seus legisladores, tendo em vista
o chamado efeito domin, A?t?N?estenderam a
participao popular a diversas outras reas,
notadamente quela referente ao monitoramento
das polticas de direitos humanos.
Cabe
ainda observar que, mesmo sem amparo
constitucional, outros rgos da democracia
participativa vm se insinuando no ordenamento
jurdico ptrio. Nesse campo, a principal
inovao a Ouvidoria (Ombudsman).
Este instituto de carter unipessoal vem se
desenvolvendo de forma pouco homognea, mas
alcanando diferentes esferas do servio
pblico, especialmente alguns Municpios
(sobretudo no caso do Estado do Paran, o
primeiro dotado de um Ouvidor-Geral), as
instituies policiais e as universidades
pblicas.
Por
outro lado, ainda que no plenamente
recepcionadas pelo ordenamento jurdico
vigente, vm se desenvolvendo, com diferentes
graus de informalidade,
muitas experincias de democracia
direta ou semi-indireta.
O
exemplo de maior impacto relativo primeira
, de longe, o Oramento Participativo, tendo
como paradigma, cantado em verso e prosa, o da
cidade de Porto Alegre. O destaque a essa
experincia se deve, no somente ao seu
carter original e bem sucedido, mas tambm ao
fato de, no caso em espcie, se colocar nas
mos do cidado comum - o muncipe, (quer
dizer, potencialmente, de toda a populao do
Municpio) a deliberao ltima sobre a
alocao de vultosos recursos financeiros.
Quanto
segunda, um exemplo ilustrativo poderia ser o
da democratizao levada a cabo, na prtica, pelas universidades pblicas,
entre estas as federais, que comentaremos
adiante. Nessas instituies, os titulares de
funes executivas (Reitor, Diretores de
Centros, Chefes e Coordenadores) e deliberativas
(Conselheiros integrantes dos Colegiados
Superiores) no so, na prtica, escolhidos
de cima para baixo, como prev a lei, mas de
baixo para cima, pelos seus docentes e
servidores tcnico-istrativos.
OS
OBSTCULOS EXPANSO DA PARTICIPAO
POPULAR CORPORATIVISMO, AUTORITARISMO E
CONSERVADORISMO.
A?t?N?
Um
dos principais bices disseminao da
democracia participativa no Brasil relaciona-se
com a indiferena - quando no com a
hostilidade velada - que lhe dedica o novo
sindicalismo e o movimento popular.
Trata-se
de um aparente paradoxo: as entidades populares
e os sindicatos ligados Central nica dos
Trabalhadores (CUT) - principal central sindical
- funcionam (se bem ou mal, outra questo)
com base em mecanismos de deliberao da
democracia direta ou semi-indireta.
Por
que ento no existe entusiasmo em transportar
a experincia da democracia participativa da
esfera privada para a pblica?
Em
primeiro lugar, devido a presena hegemnica
do corporativismo nos diferentes arraiais da
esquerda brasileira. Um exemplo dado por Tarso
Genro ilustra de forma contundente o que foi
dito acima.
Genro
lembra o episdio das greves selvagens dos
trabalhadores da Companhia Municipal de
Transportes Urbanos (CMTC) da cidade de So
Paulo, no Governo Erundina, que terminou por
inviabilizar aquela empresa.
Para
Genro,
o
caso da CMTC emblemtico... Apenas para
lembrar a cegueira dos valores polticos a que
chegaram determinados setores operrios, bom
lembrar que os trabalhadores dessa empresa
vanguardearam o seu sucateamento durante o
governo Erundina. Esse governo defendia a
viabilizao da CMTC como empresa pblica
modelo. O sindicalismo jamais colocou em debate
um milmetro sequer do interesse da
populao, transformando a sua luta
corporativa num centro de desgaste de um governo
que precisamente defendia o Estado como
protagonista das atividades essenciais.
(Genro: 1995 a:142).
Se
o interesse pblico , para Genro, a
medida da aferio da cidadania e,
poderamos acrescentar, de aferio de uma
postura verdadeiramente democrtica, grande
parte da esquerda se encontra bastante
distanciada dele. Na verdade, para esta
A?t?N? esquerda, democracia compreendida e praticada
como sendo apenas (ou sobretudo) o espao de
liberdade que possibilita a luta por mais
benefcios e direitos para determinada
categoria.
Ora,
a democracia direta na esfera privada no
implica qualquer compromisso com a res publica, quaisquer limites aos direitos, qualquer imposio,
por parte da sociedade, de deveres e
responsabilidades.
J
o exerccio da democracia direta ou
semi-indireta na esfera pblica se faz com base
na aceitao, a
priori, de deveres como contrapartida de
direitos, devendo as decises tomadas terem
sempre como referencial o interesse pblico,
por definio restritivo em relao aos
interesses particularistaA?t?N?s desta ou daquela
categoria.
No
obstante, as prticas participativas de ndole
corporativista podem alcanar a esfera
pblica. Mas, ao faz-lo, limitam o seu campo
de interveno apenas aos espaos
institucionais onde o exerccio do poder possa
contemplar os seus interesses especficos.
O
caso da democratizao corporativa das
Instituies Federais de Ensino Superior (IFES)
ilustra, como poucos, o alcance e os limites de
certas experincias da democracia participativa
na esfera pblica.
Docentes
e servidores tcnico-istrativos
conseguiram, no incio dos anos oitenta, por
trmo ao processo autoritrio de escolha dos
dirigentes do ensino superior federal, fazendo
A?t?N? com que estes, fossem, de fato, eleitos
diretamente pela comunidade universitria, ao
invs de serem escolhidos atravs de listas
trplices ou sxtuplas elaboradas pelos
colegiados daquelas instituies.
Todavia,
deram por encerrado, na prtica, a luta pela
democratizao da Universidade na medida em
que conquistaram para si o poder institucional.
Assim, mesmo tratando-se apenas de
democratizao do poder para a corporao,
esta foi apresentada como sendo a conquista da
democratizao tout
court da Universidade.
Todavia,
quinze anos aps a consolidao das
eleies diretas nas Instituies Federais
de Ensino Superior (IFES) o poder continua, na
prtica, concentrado nas mos do
executivo (Reitores e Diretores de
Centro), apesar da legislao (por sinal
anterior ao processo de democratizao do
A?t?N?
pas) j atribuir aos Colegiados (Conselhos
Universitrios e de Centro) a formulao das
polticas a serem implementadas nas
Universidades.
To
ou mais grave: a democratizao da
Universidade para a sociedade, que a financia e
a quem deve servir, sequer foi intentada na
grande maioria das IFES, e, onde foi, tem sido
apenas timidamente ensaiada. Nenhuma proposta
foi, a esse respeito, apresentada pelo movimento
docente, que se quer paladino das lutas pela
democratizao da Universidade brasileira. Na
realidade, pouco ou nada tem sido feito, no que
se refere participao das foras vivas da
sociedade nas diferentes instncias decisrias
das IFES.
Em
um tal contexto, as propostas para a criao
de Ouvidorias nas Universidades tm-se
defrontado - via de regra - com uma atitude de
indiferena, ou de velada hostilidade, dos
A?t?N? segmentos universitrios que se dizem
comprometidos com a democracia.
Seria
porque o Ombudsman, eleito pela Conselho
Universitrio, (CONSUNI) dispe de
independncia funcional suficiente para
exercitar sua ao fiscalizadora, sem se
dobrar s presses corporativistas?
***
A
resistncia corporativa democracia
participativa se associa uma postura
marcadamente anti-institucional - em franco
declnio, mas, at recentemente, hegemnica
no seio da esquerda brasileira.
A?t?N?
Com
efeito, prevaleceu, at h alguns anos, a
concepo leninista de democracia, esta,
qualificada pejorativamente de burguesa,
que no ite a possibilidade de, atravs da
ao institucional, promover-se mudanas
substanciais de carter econmico-social ou
poltico.
Durante
um Encontro Nacional do Movimento Nacional de
Direitos Humanos, em 1985, Frei Leonardo Boff
declarou:
Por
causa de sua raiz liberal e individualista,
grande parte da luta pelos direitos humanos at
os dias de hoje se concentra
em alguns eixos
que
interessam mais s cA?t?N?lasses burguesas, como so os direitos
liberdade de expresso, liberdade religiosa,
liberdade de imprensa, liberdade de propriedade
(...).
Se
faz pois, necessrio, para Boff, priorizar,
dentre os direitos humanos, os direitos sociais,
a partir dos quais seriam definidos os outros
direitos (Oliveira, 1996:87).
Seguindo
o mesmo diapaso, Frei Betto, de regresso de de
uma viagem Cuba, em 1986, justifica a
ditadura nesse pas, ao esclarecer que o
critrio de valorao de um regime poltico,
para um cristo, se
ele traz mais ou menos vida a seu povo. Porque a
questo de voto no o critrio
fundamental (Oliveira, 1996: 23).
V-se
que, com base em tais concepA?t?N?es, o estmulo
efetivo democracia participativa no poderia
legitimar a participao na esfera pblica
institucional e sim a substituio desta por
uma teia organizada de movimentos a fim de
compatibilizar a democracia poltica (cujos
procedimentos seriam definidos pelos prprios
movimentos organizados) com a democracia social
(Doimo, 1994:182).
As
dificuldades de expanso dos institutos da
democracia participativa no se limitam,
porm, aos movimentos sociais de ndole
corporativa e anti-institucional. Na verdade, as
tradies de exerccio da cidadania no pas
praticamente inexistem. Por isso, o interesse
pela promoo da democracia participativa ,
em muitos casos, limitado, ou mesmo inexistente.
A
professora. Odria Battini observou que um dos
limites impostos ao funcionamento exitoso dos
Conselhos da Criana e do Adolescente aA?t?N?
resistncia de foras da sociedade para essa
nova forma de controle social e para a nova
prtica decisria a nvel local.
A
maior resistncia quebra de valores
institucionais se
encontra no interior dos grupos organizados da
sociedade que desenham o perfil dominante nos
municpios. (Battini, 1993:33).
Mesmo
as organizaes de classe mdia (OAB,
conselhos profissionais, entidades de classe),
as prprias Universidades, muitas ONGs esto
longe de considerar a participao nos
rgos da cidadania da esfera pblica como
importante, sobretudo as que objetivam a
promoo de interesses de carter universal
(Conselhos de Direitos Humanos, de Segurana,
de Comunicao, Ouvidorias, etc). A
participao nesses rgos seria menos
atrativa, pois, na maioria dos casos, esto
A?t?N? longe de oferecer os meios materiais e a
projeo social que conferem cargos de
direo de muitas organizaes de
representao profissional ou classista.
Na
apresentao de um trabalho intitulado
Cidadania e Imprensa na Paraba,
referi-me
existncia
de uma cultura autoritria de que no escapa
nem mesmo a nossa melhor sociedade civil
organizada. Assim, o caso
Gulliver,
as campanhas ilegais de publicidade dos
governamentes, as graves restries
liberdade de imprensa, a utilizao descarada
de jornais pagos pelo contribuinte como o
dirio oficial A Unio (rgo do Governo do
Estado) que apenas expressam a voz do dono no
chegam a comover entidades que, na retrica,A?t?N? se
dizem guardis e paladinas da democracia mas,
na prtica, parecem mesmo adeptas do bata
que eu gosto.
E arrematava: omite-se
a sociedade, omitem-se as autoridades: onde
est o Ministrio Pblico que at hoje no
denunciou a farra radiofnica contra o regime
democrtico?. (Lyra, 1996a:6).
As
questes que afligem a democracia, assim como a
indiferena de muitos setores organizados
perante elas, podem apresentar nuanas
regionais, mas tm, seguramente, dimenso
nacional.
Vale
referir-se, a esse respeito, a artigo do
jornalista Marcelo Coelho. Este considera que
o
melhor do homem o espanto. Mas o fato de
haver o espanto que s fica nisso - no espanto
- o que h de mais espantoso nA?t?N?o caso do
Brasil.
Com
efeito Coelho lembra que
a
cultura dominante, autoritria e
corporativista, faz com que, por exemplo, no
se criem movimentos e no se faam
manifestaes para rever as regras da
imunidade parlamentar, para protestar contra a
tortura ao ar livre em Diadema, para,
enfim, reivindicar reformas reais na
constituio.
Entretanto,
em nome de seus legtimos
interesses, par-se o trnsito, organizam-se
eatas, irrita-se quem no tem nada a ver
com o peixe. Isto porque, conclui Coelho,
se
perdA?t?N?eu, no meio da briga entre taxistas,
camels ou perueiros, o sentido do que
coletivo e pblico.
Entretanto,
o mais poderoso foco de resistncia
democracia participativa provm dos polticos
no poder, ligados aos partidos da ordem.
Em todo o pas, a maioria dos Governadores
mostra-se indiferente ou hostil criao de
Conselhos de Direitos Humanos. Estes, quando j
instalados, sofrem com as restries impostas
pelo Poder Executivo. Poder que consegue, por
vezes, desfigurar completamente a proposta de
criao de um Conselho de Direitos Humanos,
autnomo em relao ao Executivo,
substituindo-o por um conselho de Governo.
Mesmo
quando o governante A?t?N?ite uma participao
importante da sociedade civil no Conselho,
mantm, apesar disso, um vnculo de
subordinao, atravs da livre escolha, pelo
Governador, de seu Presidente, ou por meio de
dispositivos legais que reservam esta funo
para um Secretrio de Estado. O resultado de
tudo isto que, dentre as vinte e sete
unidades da Federao, em apenas oito esto
em funcionamento Conselhos de Direitos Humanos,
sendo que somente cinco deles so
independentes.
Mesmo
com relao aos Conselhos de Sade, da
Criana e do Adolescente e Tutelar, cujo
funcionamento , por lei, obrigatrio, as
atitudes de Governadores e Prefeitos so
frequentemente marcadas pela lerdeza, ou mesmo
completa inao. Foi necessrio o Governo
Federal ameaar o no ree de verbas
sade e assistncia social para obrigar os
governantes a deixar de ser omissos na matria.
Algumas
pesquisas sobre o funcionamento dos Conselhos da
Criana e do Adolescente revelam que predomina,
por parte de dirigentes dos rgos de Estado,
o peso da tradio de
decises
centralizadas por segmentos ligados aos poderes
constitudos pouca disposio desses
poderes de enfrentar confrontos entre
pensamentos mltiplos e prticas plurais que
necessariamente se evidenciam nos processos mais
abertos, havendo a preferncia por definies
em uma esfera mais restrita.
Trata-se,
em suma, de uma
prtica de definio do problema da criana
e do adolescente de natureza pontual e focalista,
centrada nos organismos do poder pblico,
negando os termos da lei. (Battini,
1993:12)
A?t?N?
Assim,
na Paraba, o Prefeito de Patos, uma das
principais cidades do Estado, acusado de
omisso pela presidente do Conselho Municipal
da Criana e do Adolescente por deixar de
indicar seus representantes no rgo. (O
Norte, 14-2-1998).
Pergunta
formulada a Battini, aps palestra proferida
sobre o tema, sintetiza as dificuldades dos
conselheiros representantes de entidades da
sociedade civil:
todo
o poder no municpio fecha as portas para o
Conselho. No s a Prefeitura, mas tambm a
Delegacia, o Poder Judicirio... Na maioria das
vezes os conselheiros so obrigados a ceder
vontade dos dirigentes para conseguir trabalhar.
O que fazer? Sempre chegar e pedir,
subordinando-se aos mandantesA?t?N??
(Battini, 1994:16).
J
o funcionamento dos conselhos de sade desvela a
existncia de uma cultura centralizada e
autoritria das secretarias estaduais de sade
e do Ministrio da Sade. (Santos,
1998:3).
Tambm,
a nvel municipal, constata-se que muitos
prefeitos entendem que o conselho s tem abuso. um espao manipulado pela oposio.
No d certo. No quero que d certo
(Carvalho, 1998:2).
Esta
predisposio negativa de prefeitos, a nvel
nacional, confirmada na Paraba pela
denncia do Procurador da Repblica Antonio
Edlio Texeira para quem 95% dos Conselhos
existentes na rea de sade, s fA?t?N?uncionam no
papel. Na prtica no existem e isso muito
preocupante porque quem deve decidir sobre a
sade o Conselho e no o prefeito, como
ocorre atualmente (Procurador cobre ...1998).
Com
relao s Ouvidorias, notria a
resistncia de parlamentares e Chefes de
Executivo (Governadores e Prefeitos) sua
criao, sobretudo quando tais Ouvidorias so
dotadas de autonomia
perante os governos. Temem uma
fiscalizao independente porque no am
a transparncia que seria imposta ao
funcionamento de suas istraes.
Tomemos
o exemplo do gasto com verbas publicitrias. O
carter das licitaes, a natureza dos
contratos, o montante e a destinao das
verbas alocadas publicidade, a funo e o
objetivo desta (educativo? informativo?
propagandstico?), a sua conformidade com a
legislao viA?t?N?gente, tudo seria objeto de
fiscalizao, cobrana e debate. Quando se
conhece o clientelismo, o personalismo e o
carter ilegal presentes na publicidade de
inmeros Governos, compreende-se melhor as
resistncias de polticos conservadores a
formas de controle social do servio pblico,
como as Ouvidorias.
Tudo
isso explica que no existam, no Brasil,
Ouvidorias estaduais ou municipais, dotadas de
autonomia em relao aos Governos que
fiscalizam as excees so o Estado de
Mato Grosso do Sul e a Cidade de Santos -. Que a
do Municpio de Campinas
tenham sido extintas ou desativadas j que suas
crticas e denncias do Ouvidor no agradaram
os es de planto. Observe-se que
at mesmo um Governador de esquerda, como Zeca
do PT, do Estado de Mato Grosso do Sul, vetou
dispositivos que garantem a autonomia do Ouvidor
em relao ao Poder Executivo, veto derrubado
pela Assemblia Legislativa daquele Estado
A?t?N? (Dirio Oficial, 1999).
Ainda
que se reconhea serem outras as razes que
explicam, no caso em espcie, a resistncia do
PT autonomia do Ouvidor uma correlao
de foras desfavorvel na Assemblia -, o
Partido assume, na prtica, uma posio
autoritria, com a rejeio de uma forma
democrtica de controle do poder.
No
que diz respeito s Ouvidorias de Polcia, a
do Estado de Minas Gerais mereceu reportagem do
jornal do mesmo nome, na qual o Presidente do
Conselho Estadual de Direitos Humanos denunciava
o fato de a lista trplice dos indicados para a
Ouvidoria de Polcia do Estado de Minas, nos
termos da lei, pelo Conselho, se encontrar, h
mais de cem dias, no Gabinete do Governador,
aguardando nomeao. (Magalhes, 1998).
Pior
do que isto a resistncia surda criao
de Ouvidorias de Polcia autnomas em
relao corporao policial e ao Poder
Executivo. O que faz com que, mesmo contando com
o apoio do Governo Federal, at agora apenas,
cinco Ouvidorias de Polcia tenham sido criadas
seguindo o figurino da autonomia (RELATRIO,
1999).
RUMO
DISSEMINAO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA?
Transformaes
recentes vm contribuindo para quebrar as
resistncias expanso dos institutos da
democracia participativa no Brasil. No plano
econmico-social, as mudanas no mundo do
trabalho, decorrentes do processo de
globalizao. Na esfera institucional, a
crescente defasagem entre o ordenamento
jurdico e as instituies do Estado face s
novas realidades sociais. No plano poltico
mais geral, a queda do Muro de Berlim, com a
conseqente valorizao da democracia,
enquanto regime poltico e forma de o ao
poder.
Examinemos
inicialmente as questes relacionadas com a
esfera econmica e social. A globalizao ,
na verdade, uma faca de dois gumes. Ela encerra
elementos potencialmente capazes de conduzir
barbrie, mas tambm traz em seu bojo a
possibilidade de viabilizar uma estratgia de
mudana radicalmente democrtica e
anti-corporativa
Na
atual etapa do desenvolvimento capitalista, o
proletariado, classe operria tradicional,
profundamente atingido, assumindo,
no
seu
lugar,
papel
de destaque
os colarinhos
brancos
(organizadores tcnicos e cientistas do
processo produtivo). A revoluo tecnolgica
torna o trabalho assalariado dos operrios
qualitativamente menos importante, e sua fora
social diminuida. O que conduz o velho
proletariado a
uma posio cada vez mais concorrencial, corporativa, entre
as diversas categorias de trabalhadores,
chamando apenas para si um melhor padro de
vida, pois uma revoluo verdadeiramente
modernizante tornaria ainda mais suprflua a
sua existncia. Trata-se, na viso de
Genro, de uma classe atada
a uma forma de produzir superada sendo sua
situao mais ou menos a mesma, do ponto de
vista poltico, do campesinato no
capitalismo tardio. (Genro, 1995:125-126)a.
Enquanto
a classe operria se constituia no pivot
da resistncia e do combate ao capitalismo,
funcionando como o motor da mudana, cabia ao
Estado apenas reconhecer e generalizar as
conquistas oriundas de sua luta. Agora, porm,
o quadro outro. O processo de globalizaao
fragmenta e desestrutura as relaes sociais,
fragilizando as relaes de trabalho. E, faz,
tambA?t?N?m, emergir novos sujeitos no processo
produtivo, nem de longe dotados da organicidade
prpria do antigo proletariado, ampliando,
concomitantemente, o
desemprego e a excluso social.
Esses
novos sujeitos - que tm em comum a
precarizao das relaes de trabalho -
contam como aliados naturais diversas categorias
de excludos da sociedade capitalista: os
sub-empregados, os sem-emprego, os inempregveis,
os sem-teto, os sem-terra e os antigos lmpens.
Mas conta tambm com o consumidor insatisfeito,
o campons e o pequeno proprietrio
desamparados, e com a prpria classe operria
em declnio.
A
essas foras do mundo da produo se somam
entidades defensoras dos direitos humanos e do
cidado, grupos culturais descontentes,
militantes ecolgicos e diversos setores
A?t?N? engajados na luta contra a discriminao de
mulheres, negros, homossexuais, etc.
Dessa
sorte, uma nova e decisiva polarizao
substitui a luta de classe tradicional: a que
ope esse amplo espectro de atores
sociais, acima destacado, a um Estado
descomprometido com polticas de integrao
social.
Ora,
somente polticas regulatrias levadas a cabo
pelo Estado sero capazes de promover, sob a
presso das lutas populares, a insero dos
deserdados no sistema produtivo. Todavia, face
incapacidade do atual ordenamento jurdico
assegurar canais de participao popular e
acolher as demandas dos excludos, a tarefa
prioritria ser a de superar a
crescente
A?t?N? deslegitimao dos Estados nacionais que,
sugados e decompostos, antes, pelas suas
direes oligrquicas e, hoje, pelo iderio
neoliberal, so incapazes de engajar
politicamente a cidadania para compartilhar de
uma ousada proposta de mudanas.
(Genro, 1995:2)
Isto
em virtude de o direito do Estado moderno no
conter instituies pblicas capazes de
abranger esse novo universo social, nem no plano
interno, nem no mbito do direito
internacional. As reformas propostas sob
o ngulo liberal...
visam
a despontencializar os novos e velhos sujeitos,
cujos interesses so contraditrios com a
ordem neoliberal, e suas exigncias s podem
ser contempladas por ... um novo tipo de Estado
e uma nova organizao social, apta para
socializar - no paraA?t?N? concentrar os benefcios
da terceira revoluo tecnolgica.
(Genro, 1996 a).
Dessarte,
somente
as
lutas que encaminhem as exigncias do Estado, a
partir dos velhos e principalmente novos focos
de conflitividade, para mudar o Estado, para
control-lo a partir da sociedade civil...
s estas lutas que unem os
dispersos... podem reduzir o potencial
excludente do corporativismo e propor uma nova
cidadania, transgressora dos limites formais da
velha cidadania burguesa e proponente de novas
formas de legitimidade. (Genro, 1996 b).
Essa
transgresso aos limites formais da velha
cidadania burguesa ser feita mediante a
A?t?N? construo de um novo espao pblico, no
qual o exerccio da democracia
direta possa vir a desconstituir o
ordenamento jurdico-institucional vigente e a
construir um Estado que garanta a mobilizao
transformadora de milhes de cidados.
Conforme
sublinha Tarso Genro
esta
nova esfera pblica, popular... j contm
elementos novos que apontam diretamente para a
construo de uma nova ordem, j que recorrem
a um sistema de presses que se realiza
incindindo diretamente sobre o Estado, ao
contrrio das lutas tradicionais que opem,
corporativamente, patres e empregados.
Trata-se,
portanto, de construir uma
A?t?N?
nova
esfera pblica (que) recupera as excluses e
reorganiza, num sentido estrito, os mais
poderosos interesses econmicos privados para
lhes dar forma de interesses pblicos, e isso
de maneira que a eles sejam incorporados as
necessidades da massa
(Genro, 1995: 117).
Na
sntese de Genro:
o
projeto democratizar radicalmente o Estado
atual para criar outro Estado, com duas esferas
de deciso combinadas e contraditrias: uma
esfera decisria, oriunda de representao
poltica, que j existe; e uma segunda esfera
de decises, oriunda de um novo espao
pblico, originrio da presena direta das
organizaes da sociedade civil, que deve ser
combinada com mecanismos universais consultivos,
de referenA?t?N?do e plebiscitrios. O Estado
representativo a a produzir e a implementar
suas polticas - nestas condies - por meio
de uma dinmica democrtica inovadora, que
incorpora vida pblica todos os que dela
quiserem participar.
(Genro, 1997:3).
*
* *
Poderamos
nos perguntar se a fora do corporativismo -
ainda hegemnico no sindicalismo da esquerda e
no movimento popular - no seria capaz de
inviabilizar este novo espao pblico em
construo. E, tambm, se este no estaria
ameaado pela influncia ainda marcante de
correntes ideolgicas, hostis ou reticentes em
relao institucionalidade.
Dificilmente,
por quatro razes bsicas:
Primeiro,
as de ordem sociolgica, relacionadas com os
rebatimentos do processo de globalizao
econmica, entre os quais o declnio da classe
operria tradicional, conforme anteriormente
exposto. Processo que exige, de forma aguda, a
interveno do Estado (ainda que reformado
pela ao do
campo popular), como nica forma de
prover as demandas dos novos sujeitos que
compem (ou que gravitam em torno) o mundo do
trabalho.
Segundo,
por razes polticas: os imes e desgastes
a que conduziu o corporativismo contribuiu para
uma maior aceitao da esfera institucional
como locus de luta poltica.
A?t?N?
Terceiro,
pelo aprendizado decorrente da prxis dos
Governos de esquerda, na sua relao com a
institucionalidade. Assim, o fato de o partido
mais estreitamente ligado ao movimento
popular - o Partido dos
Trabalhadores(PT), vir assumindo crescentes
responsabilidades nessa esfera (ando de
estilingue vidraa), pesa
decisivamente na caminhada do movimento
popular rumo plena aceitao das regras
do jogo prprias ao regime democrtico.
Por
fim, a nvel internacional, a queda do Muro de
Berlim repercutiu em todo o mundo, com a
valorizao da democracia, considerada,
doravante, como valor estratgico, pelos
partidos de esquerda
Dissipadas
as iluses relativas via insurrecional para
o poder, e a um governo de ditadura do
proletariado, sabe-se agora, ao aludir-se
democracia, que se trata de um regime baseado no
pluralismo e na alternncia ao poder, devendo
esse ser alcanado pela mediao soberana do
sufrgio universal.
Tudo
isso faz com que o sentimento
de recusa ao espao institucional,
prevalecente no perodo autoritrio, ceda
lugar, progressivamente, a sua contraparte dada
pela linguagem dos direitos, assentada em
prticas que requerem a institucionalidade
poltica (Doimo, 1995:127).
Portanto,
o
sentido arrogante deA?t?N? auto-suficincia, a
face expressiva-disruptiva de importantes
setores da esquerda vai sendo substituida por
condutas de seletividade positiva face
institucionalidade. O paralelismo que
persiste com vigor - a democracia direta
praticada no Oramento Participativo de Porto
Alegre e alhures - recupera o dinamismo do
movimento social para a constituio de um
espao pblico no-estatal. Este, porm,
interage dialeticamente com a
institucionalidade, sem, alis, compactuar com
o corporativismo e com o assemblismo, nem
avanar fora dos limites consentidos pela
autoridade legitimada pelo sufrgio universal.
Dessa
sorte, observa-se que a radicalidade
democrtica dos novos atores sociais vem
desenvolvendo crescente compreenso da
importncia da res
publica, das questes de interesse geral da
sociedade, e de seu tratamento na esfera
institucional, ou em harmonia com ela, sem
perder de vista a necessidade de seu controle
pela sociedade.
A?t?N?
Nas
palavras de Doimo:
Os
segmentos de esquerda, antes comprometidos com a
causa da grande transformao social, no
raro pela via do duplo poder, am a assumir
crescentes compromissos
com
o sistema partidrio,
a reforma do Estado e a gesto da coisa
pblica
(Doimo, 1995:202).
Prova
disto, a nvel partidrio, o prestgio de
que hoje goza no PT um lder radicalmente
anti-corporativo como Tarso Genro, e o empenho
desse partido na disseminao dos institutos
A?t?N? da democracia direta e semi-direta, como o
Oramento Participativo e os Conselhos de
formulao e fiscalizao das polticas
pblicas.
Outro
sinal de mudana nas hostes do Partido dos
Trabalhadores se manifesta em posies como a
do Governador Cristovam Buarque, para quem, o
caminho [do PT] deve
ser o de se libertar das amarras do
corporativismo e interesses especficos para se
tornar um grande partido de massas,
necessrio construo de um
projeto alternativo da esquerda (Buarque,
1998).
Tambm
Olvio Dutra, Governador petista do Rio Grande
do Sul, vem se contrapondo a A?t?N?uma certa
soberania corporativista dos dirigentes
sindicais. A propsito de recente manifestao paredista, Dutra
afirmou que as horas no trabalhadas pelos
servidores do Estado teriam que ser compensadas.
Segundo ele no feriado. E a greve no
um favor do Governo, e sim uma conquista do
trabalhador que tem pronunciado-se a esse
respeito, suas repercusses. Pronunciando-se a
esse respeito a Central nica dos
Trabalhadores, ligada ao PT, considerou o
posicionamento de Dutra incoerente. (Folha
de So Paulo, 11.nov.1999).
No
mbito da sociedade civil, merece registro o
reposicionamento institucional da OAB,
tornado pblico pelo seu ento presidente
nacional, advogado Reginaldo Oscar de Castro.
Tendo
at ento ostentado um comportamento
visceralmente corporativista, a OAB compreende
agora que no debate sobre questes de iA?t?N?nteresse
pblico importante que todos os
segmentos se dispam de seus preconceitos e
interesses corporativistas (Nassif,l998).
Um
outro exemplo marcante das mudanas que esto
a ocorrer diz respeito ao movimento dos docentes
universitrios. Em 1996, por ocasio das
eleies para a Diretoria da ANDES, surgem
wepropostas, apresentadas pela Chapa Trs, que
pela primeira vez discutem os
limites que o privilgio corporativo impe
construo de um espao pblico
Nas
eleies da ANDES, em maio de 1998, os antigos
integrantes da Chapa Trs, constituda, na sua
maioria, por simpatizantes do PT, uniram-se a
militantes de outros partidos de esquerda (PSB,
PC do B, PCB), formando a Chapa Dois. A
oposio unificada Diretoria da ANDES
A?t?N? mereceu o apoio do
professor Roberto Romano, por este
acreditar ter chegado a hora e a vez dos que se preocupam com o movimento no
plano acadmico, poltico-institucional e
societrio, no se prendendo aos limites dos
interesses corporativos (Romano, 1998).
A
chapa oposicionista derrotou a direo da
entidade, pondo fim a uma longa hegemonia de
posies exacerbadamente corporativistas no
movimento docente.
Este
, com certeza, o exemplo de um movimento que
comea a pensar alm de seu prprio
umbigo, convertendo sua energia
scio-poltica em aes propositivas que
rompem com o esprito refratrio
institucionalidade e com a ao reivindicativa
meramente corporativista.
A?t?N?
*
* *
Enquanto
as mudanas se desenvolvem, ainda
embrionariamente, no movimento sindical, mais
notveis parecem ser os novos ventos que sopram
nas ONGs envolvidas com a promoo da
cidadania.
At
recentemente, estas ONGs adotavam um
comportamento do contra, mais defensivo,
de denncia e de cobrana face violao
dos direitos humanos.
A?t?N?
Doravante,
a valorizao da democracia, com o
concomitante declnio da ideologia e das
prticas basistas, por um lado, e por
outro, a presso de agncias financiadoras, no
mbito da cooperao internacional, no
sentido de elaborarem propostas construtivas,
conduzem as ONGs a uma mudana substantiva no
direcionamento de seus trabalhos.
A
esse respeito, Doimo lembra a Campanha Contra a
Fome, de Betinho, a qual, segundo a Misereor,
alm de
conscientizar
a sociedade brasileira, mobilizar a
solidariedade e politizar a questo da fome,
atingiu camadas no atingidas pelas
organizaes e conseguiu criar uma instncia
complementar, o CONSEA - ConsA?t?N?elho de Segurana
Alimentar... (Doimo:
1995:211).
Na
trilha dessas inovaes,
muitas
ONGs esto agora empenhadas em conquistar
direitos de cidadania e influir na mudana das
relaes entre a sociedade e o Estado, pela
via conselhista.
Trata-se, em suma, de fortalecer
a sociedade civil para que ela possa influir nas
polticas pblicas, ampliando-se os espaos
de participao da sociedade para alm dos
tradicionais formatos de intermediao
poltica (Doimo,
1995:210).
De
fato, notria a mudana de comportamento
dessas A?t?N?entidades, especialmente as ligadas aos
direitos humanos. Ela se expressa em uma
revalorizao da ao institucional, ora
como parceiras desta ao, ora tendo o Estado
como o nico protagonista.
Segundo
Gatica, Conselheiro Nacional do Movimento
Nacional dos Direitos Humanos (MNDH), o grande
divisor de guas na questo foi o lanamento,
pelo Governo Federal, do Plano Nacional dos
Direitos Humanos (Gatica, 1998). A partir da,
as ONGs atuantes nesta rea aram a
desenvolver efetiva parceria com o Governo
Federal, e, na seqncia, com alguns Governos
estaduais, com vistas implementao do
Programa Nacional de Direitos Humanos.
A
I Conferncia Nacional dos Direitos Humanos,
convocada para subsidiar o referido Programa,
realizou-se nos dias 26 e 27 de abril de 1996.
Contou com o apoio e a participao oficiais
do MNDH e com a presena efetiva de dezenas de
entidades de Direitos Humanos. Uma de suas
A?t?N? primeiras propostas de que os Planos
Estaduais de Direitos Humanos sejam elaborados
com a participao, no seu rgo gestor, em
igual nmero, de representantes da sociedade
civil e de rgos do Estado.
As
outras propostas que interessam diretamente
democracia participativa dizem respeito
criao da Ouvidoria-Geral da Repblica e de
Ouvidorias Estaduais; a criao de Conselhos
Estaduais e Municipais de Direitos Humanos, a
serem compostos majoritariamente por
representantes da sociedade civil, indicados por
entidades de defesa dos direitos humanos;
a criao do Conselho Nacional de Justia,
como rgo de controle do Judicirio e do
Ministrio Pblico, a
ser composto majoritariamente por entidades
no-governamentais; a criao de
Conselhos de Direitos da Criana e do
Adolescente e Tutelares e, finalmente, a
criao
de Ouvidorias de Polcia, como representantes
da sociedade civil, nos Estados, com autonomia e
independncia para desenvolver suas funes
de investigao e fiscalizao das
irregularidades cometidas por agentes
(Conferncia Nacional de Direitos Humanos,
1996: 6,8,9,10 e 11).
Nas
Conferncias de Direitos Humanos as ONGs
atuantes na rea tem apoiado todas essas teses
e, alm disso, participado ativamente na
criao e no funcionamento dos diferentes
conselhos que incorporam representantes da
sociedade civil a seus Colegiados.
Exemplos
eloqentes, que, em definitivo, ilustram a
importncia conferida pelas organizaes de
direitos humanos atuao na esfera pblica
A?t?N? da cidadania, dizem respeito ao fato de que
quadros de grande destaque do MNDH , como
Domingos Mariano e Valria Brito - esta ltima
Coordenadora do Conselho Nacional do Movimento -
tenham escolhido essa nova esfera pblica para
o exerccio de sua militncia ao assumirem,
respectivamente, as funes de Ouvidor das
Polcias Civil e Militar do Estado de So
Paulo e de Presidente do Conselho Distrital de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.
V-se,
pois, que as mudanas em curso na vida social e
poltica, nacional e internacional, e
especialmente, as que afetam os partidos,
sindicatos e movimentos ligados ao campo
popular parecem tender, progressivamente, a
sobrepujar os bices disseminao da
democracia participativa.
A
essas mudanas estruturais deve-se acrescentar
as exigncias crescentes, por parte de setores
sempre mais expressivos da sociedade,A?t?N? no sentido
de assegurar maior controle social em relao
res
publica, e mais respeito aos direitos do
cidado.
Segundo
assinala o jornal Folha
de So Paulo, a disseminao, entre
outros instrumentos da democracia participativa,
do instituto do Ombudsman,
o resultado da presso social(Nem
Tudo..., 1999).
Recentes
episdios, que trouxeram estrepitosamente
tona a barbrie policial e a falta de
assepsia de setores ponderveis do establishment
poltico, deram um novo e inesperado alento s
foras sociais que lutam para tornar efetivo o
fortalecimento da cidadania.
A
aprovao, em um timo, da lei que
criminaliza a tortura, que se arrastava h anos
nas comisses do Congresso Nacional, mostra o
quanto pesam manifestaes da sociedade na
produo de uma normatividade jurdica
renovadora.
Este
crescimento da conscincia cidad
produziu, em 28 de setembro de 1999, a primeira
lei resultante de uma iniciativa
popular, permitindo
a anulao de registro de candidatos
que compram votos, explorando as necessidades do
povo (WHITAKER,1999).
A
referida lei no teria sido aprovada em apenas
41 dias se no tivesse, atrs de si,
apoiando-a, um milho de s.
Por
outro lado - da parte do Governo - o lanamento
A?t?N? do Plano Nacional de Direitos Humanos, a
despeito de seus limites, e do limitado
engajamento do Presidente da Repblica na sua
implementao, gera uma dinmica de
participao, de cobrana e de presso. Esta
dinmica contribui, ainda que de forma
molecular, para sedimentar uma cultura de
cidadania, e coloca em situao de desconforto
governos municipais e estaduais resistentes s
mudanas, obrigando estes governos a cessarem a
sua oposio aos institutos de defesa do
cidado, inscritos no Plano.
De
tal forma que, a mdio e a longo prazo, na
hiptese de consolidao da democracia no
Brasil, a questo que se coloca no tanto
de saber se a democracia participativa se
ampliar, e sim de se definir qual das suas
modalidades ir prevalecer - a seletiva
ou a de massa - e o peso, que, conforme o
caso, tero os institutos da democracia direta
no processo participativo, sob a gide do
Estado reformado.
REFERNCIA BIBLIOGRFICA
61203q
ANDES,
Plataforma dos docentes do ensino superior para
a Constituinte. Braslia: Cadernos ANDES, S.
Carlos, n. 4, p. 31, maio, 1987.
BATTINI,
Odria. Cidadania e participao popular. Revista
da Universidade Estadual de Londrina, set. 1993.
_____.
O processo de reestruturao dos Conselhos
Municipais da Criana e do Adolescente. Revista
da Universidade Estadual de Londrina, dez.
1994.
BUARQUE,
Cristovam. Um projeto de esquerda. Correio
da Paraba, Joo Pessoa, 5 maio 1998.
CARVALHO,
Gilson. Controle social: o mundo sob a viso do
dono. Pontos de vista. Edio Especial. Braslia, Conselho Nacional
da Sade, 1998.
COELHO,
Marcelo. Ento isso? Ah, isso? Ah Ento
isso! Folha de So Paulo, So Paulo, 4 mar. 1998. Ilustrada p. 7.
A?t?N?
BRASIL.
Constituio, 1988. Constituio da
Repblica Federativa do Brasil. So Paulo:
Atlas, 1988. 188 p.
CHAPA
TRS. Manifesto
e Carta-Programa. Braslia, 1996. 57 p.
DECLARAO
dos direitos do homem e do cidado. 10 dez.
1948. IN: Revista OAB-RJ. Rio de Janeiro,n 19, p. 121-126, n. 19, out./dez, 1982.
DEPOIMENTO
de Oscar Gatica. Joo Pessoa, 1998.
DIRIO
OFICIAL do Estado de Mato Grosso do Sul. N
5056, de 9.jul.1999 e n 5124, de 20.out.1999.
Campo Grande-MS.
DOIMO,
Ana Maria. A
vez e a voz do popular. Rio de Janeiro:
ANPOCS/ Relume - Dumar, 1995, 355 p.
ESTATUTO
da Criana e do Adolescente. Rio de Janeiro:
IBM, Brasil[199...]. 56 p.
FREDERICO,
Celso. Crise
do socialismo e moviA?t?N?mento operrio. So
Paulo: Cortez, 1994. 94 p.
GENRO,
Tarso.
Utopia possvel. Porto Alegre: Artes e
Ofcios, 1995 a.
_____.
O enigma do Mxico.
Folha de So Paulo. So Paulo, 25
fev. 1995 b
_____.
O novo espao pblico. Folha
de So Paulo, So Paulo, jun. 1996 a.
_____.
Entre a solido e a solidariedade. Sociedade
contempornea sob o risco de extino. Folha
de So Paulo. So Paulo, 14 abr. 1996 b.
_____.Uma
estratgia socialista. Publicao interna
do Partido dos Trabalhadores. 1977.
GIDDENS,
Anthony. Para
alm da esquerda e da direita. So Paulo:
Editora UNESP, 1993, 96 p.
A?t?N?
GOVERNADOR
petista quer compensar faltas.
Folha de So Paulo, So Paulo, 11
nov.1999.
BRASIL.
LEI federal n 8.142, de 28 dez. 1990.
LYRA,
Rubens Pinto. Uma
plataforma constitucional unitria para o
movimento sindical. Joo Pessoa: Ed.
Universitria, 1987. 23 p.
_____.Anlise
crtica das manifestaes vanguardistas e
corporativistas do movimento docente. 40a.
REUNIO ANUL DA SBPC. Resumo publicado no
suplemento Cincia e Cultura. v. 40,
n 7, jul. 1988.
_____.Cidadania
e imprensa na Paraba. Joo Pessoa:
FUNAPE/Ed. Universitria, 1996 a, 173 p.
_____.
A nova
esfera pblica da cidadania. Joo Pessoa:
Ed. Universitria, 1996 b. 222 p.
_____-Ouvidorias
pblicas: as ouvidorias universitrA?t?N?ias. Revista
da Ouvidoria Geral do Paran, Curitiba, v
1, n. 1. p. 44-58, jan/jun. 1997. (Org.).
KAUTSKY,
Karl. A ditadura do proletariado:
Lenin: a revoluo proletria e o renegado
Kautsky. So
Paulo: Cincias Humanas, 1979. 195 p.
MAGALHES,
Jos Luiz Quadros de. A Ouvidoria de
Polcia de Minas. Estado de Minas, Belo Horizonte, 26 fev 1998.
OLIVEIRA,
Luciano. Imagens
da democracia. Recife: Pindorama, 1996. 153
p.
MINISTRO
condecora ex-guerilheiro.
Folha de So Paulo, S. Paulo, 13-dez. l997.
NASSIF,
Lus. A
OABA?t?N? e a reforma do Judicirio. Folha
de So Paulo, So Paulo,15
abr. l998.
ORSI
demite ouvidor pblico. Dirio
do Povo,
Campinas, 29 maio 1996.
NEM TUDO PIORA (EDITORIAL). Folha de So
Paulo, 21 nov. 1999.
PREFEITO
A?t?N? de Patos acusado de omisso. O
Norte, Joo Pessoa, 14 fev. 1998. Estadual.
Reportagem de Marcos Eugnio.
PROCURADOR
cobra criao de conselhos. Correio
da Paraba, Joo Pessoa, 9 maio. 1998.
CONFERNCIA
NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1, 1996,
Braslia. Relatrio. Relatrio.
Braslia: Comisso
de Direitos Humanos da Cmara dos Deputados,
1996 (mimeo.).
A?t?N?
CONFERNCIA
NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1I, 1996,
Braslia. Relatrio. Relatrio.
Braslia: Comisso
de Direitos Humanos da Cmara dos Deputados,
1996 (mimeo.).
RELATRIO
anual de prestao de contas. Ouvidoria de
Polcia do Estado de So Paulo. So Paulo,
Imprensa Oficial, 1999. 338 p.
A?t?N?
REVISTA
Cincia e Cultura, vol. 43, n. 7, jul. 1988.
RIDENTI,
Marcelo. Professores
e ativistas da esfera pblica. So Paulo:
Cortez, 1995. 86 p.
ROMANO,
Roberto. Apoio
ao colega Renato de Oliveira. Carta-aberta,
mimeo, maio 1998.
A?t?N?
SANTOS,
Nelson Rodrigues. Os Conselhos de Sade:
balano atual e algumas questes. Pontos
de vista. Edio Especial. Braslia,
Conselho Nacional de Sade, abr. 1998.
SO
PAULO: Ouvidoria de Polcia do Estado de So
Paulo. Relatrio. So Paulo: Imprensa
Oficial, 1999. 338 p.
SILVA,
Luiz Incio Lula da. Vinte
anA?t?N?os pela democracia. Folha de So Paulo,
So Paulo, 20 maio 1998.
WHITAKER,
Chico. Lies de uma vitria. Folha
de So Paulo, So Paulo, 28 out.
1999.