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Direitos Humanos
Direitos
Humanos e6j36
Direitos
Humanos em Moambique
Josu
Bila
Parte
II
Captulo
V
Entrevistas
Leopoldo
de Amaral: Moambique sem avanos
em direitos humanos
o exemplo tpico do jovem esclarecido
em direitos humanos, democracia e desenvolvimento.
Sabe discutir problemas do seu pas,
Moambique, ando pela frica,
desembocando numa esfera maior: o resto
do mundo. Seu nome Leopoldo de
Amaral.11
Guindou-se, por mrito,
ribalta da vida acadmica, intelectual
e profissional. Formado em Direito e especializado
em Direitos Humanos, hoje, trabalha para
a Open Society Initiative for Southern
Africa, com escritrios na frica
do Sul. Convidei-o em discurso directo,
para falar sobre a situao
de direitos humanos em Moambique:
Bantulndia
– Moambique regista altos
nveis de corrupo,
relatados pela Transparncia Internacional
e rgos locais. Ento,
qual a relaco entre corrupo
e violao de direitos humanos?
Amaral - A corrupo
um dos principais constrangimentos
ao desenvolvimento de um pas.
Em Moambique, ela afecta a implementao
das polticas e planos de desenvolvimento
e afecta negativamente a proviso
de servios pblicos ao
cidado, assim como a competitividade
do Estado no plano internacional.
Assim, fomentar ou ser complacente com
a corrupo negar
o direito educao
para as crianas, a segurana
(uma das razes para o elevado
ndice de criminalidade), o o
sade e outros direitos
sociais. Por isso, a maioria da populao
moambicana empobrece cada vez
mais. Os pases mais transparentes,
responsveis e menos corruptos
so os mais justos e equitativos
para com os seus cidados.
Moambique, por ser um pas
em vias de desenvolvimento e dependente
de ajuda externa, devia ser um exemplo
na gesto dos recursos e coisas
pblicas.
Bantulndia
- Em que reas de direitos humanos
Moambique avanou, desde
1990?
Amaral - Eu diria que,
no geral, Moambique avanou
apenas no campo terico, com as
reformas legislativas e ratificao
de vrios tratados internacionais,
mas claudica na sua implementao.
Ratificamos vrios tratados internacionais
e temos leis bonitas, mas no h
implementao.
Se tivesse que destacar uma rea
especfica diria que houve progresso
na abertura e liberalizao
do sector de comunicao
social (Imprensa). H uma diversidade
de empresas de comunicao
social, mas, infelizmente, tal no
se traduz ainda no debate franco, despolitizado
e na pluralidade de idias. A auto-censura
ainda uma prtica bastante
reportada em Moambique principalmente
quando se trata de assuntos “quentes”
(envolvendo as mais altas figuras) do
Estado.
Ironicamente, apesar de haver uma diversidade
da Imprensa tal no se traduz na
liberdade de expresso (casos da
censura nos rgos pblicos
de comunicao social) e
livre o informao.
No existe uma lei que regule o
o informao
pblica e as fontes de informao.
Bantulndia
- Quais as reas de direitos humanos
que menos avanou, desde 1990?
Amaral - No campo da
segurana, nomeadamente no Policiamento
e Servios Prisionais. A falta
de um apetrechamento tcnico e
material da Polcia faz com que
esta seja uma fonte de violao
de direitos humanos.
A privao da liberdade
de qualquer suspeito usada pela
Polcia como regra por falta de
capacidade para investigar, embora a prpria
Polcia saiba que apenas deve restringir
a liberdade de qualquer cidado
em caso de flagrante delito. Esse fenmeno
contribui para a superlotao
das cadeias, razo pela qual, vezes
sem conta, os reclusos morrem por asfixia
e por contrao de doenas.
Mas no devemos apenas culpar a
Polcia por tais prticas,
mas sim quem devia dot-la de tais
apetrechos materiais e tcnicos.
A questo da profissionalizao
da Polcia de Investigao
Criminal e do necessrio apetrecho
material tem que ser endereado.
Nas condies em que se
encontra a Polcia as violaes
dos direitos do cidado continuaro
a ser o padro por muito tempo.
A vulnerabilidade material da Polcia
e a corrupo no seu seio
fazem com que ela se torne muito violenta
e, por conseguinte, no dando garantias
de poder ser o garante da lei e ordem.
H a notar que o investimento que
est sendo feito no Judicirio
no est a ser acompanhado
na Polcia. Os juzes esto
cada mais profissionalizados e com maiores
apetrechos materiais, mas os policias
no, principalmente os que tem
que investigar crimes. Apesar da existncia
de uma instituio de formao
superior de policias, tal ainda no
teve o seu impacto positivo no quadro
policial e nas suas actividades.
Bantulndia
- O Estado moambicano ainda no
ratificou o Pacto Internacional dos Direitos
Econmicos, Sociais e Culturais
(PIDESC), quando a Constituio
da Repblica de Moambique,
o Plano de Aco para a
Reduo da Pobreza Absoluta,
a Agenda 2025, Declarao
Universal dos Direitos Humanos, Carta
Africana dos Direitos Humanos e Povos,
os Objectivos de Desenvolvimento do Milnio
e outros documentos consagram os direitos
nele plasmados.
- Por que o Estado moambicano
no ratifica o PIDESC?
Amaral - uma
grande contradio. O Estado
moambicano nasceu com o objectivo
de garantir aos seus cidados condies
mnimas de vida, habitao,
educao e sade.
O PIDESC surge para enfatizar o comentimento
dos Estados em garantir tais condies.
Digo que uma contradio
pois, muitos de tais preceitos esto
plasmados na Constituio,
embora de forma programtica, ou
seja, como um ideal e sem garantias de
justiciabilidade. O PIDESC prev
tambm a implementao
progressiva dos direitos a consagrados
no exigindo dos Estados partes
a sua implementao total
de dia para noite, pois aqui reconhece-se
que nem todos os Estados tem as mesmas
condies financeiras para
garantir imediatamente o usufruto de tais
direitos pelos seus cidados.
Bantulndia
- O que prejudicado em virtude
de no ratificar?
Amaral - Ao no
ratificar o PIDESC, o Estado Moambicano
a imagem que no est
preparado/interessado em se comprometer
perante a comunidade dos Estados, garantindo
as condies scio-econmicas
para o desenvolvimento dos seus cidados.
Ao ratificar o PIDESC, o Estado Moambicano
teria a oportunidade de fazer um exerccio
de introspeco sobre o
grau de esforo aplicado no alcance
dos direitos socio-econmicos do
seu povo.
Burundi, Etipia e Guin-Bissau
so Estados africanos com um ndice
de Desenvolvimento Humano e Produto Interno
Bruto (PIB) per capita menor que o de
Moambique, mas j ratificaram
o PIDESC; assim como Estados no
democrticos como a Lbia
e a Swazilndia tambm o
ratificaram. Que medo o Estado moambicano
tem de ratificar o PIDESC?
Bantulndia
- Mudando de assunto, como ex-docente
da Faculdade de Direito, que propostas
avanas para o melhoramento do
currcula do curso de Direito em
relao aos direitos humanos?
Amaral - O ensino e aprendizagem
de Direitos Humanos devia ser introduzido
no ensino pr-universitrio,
semelhana das disciplinas
bsicas como matemtica
e portugus. Educao
em direitos humanos devia fazer parte
do processo de formao
do Homem.
No ensino superior apenas devia ser aperfeioado
e especializado para quem optasse por
esse ramo. Salvo erro, apenas a Universidade
Eduardo Mondlane (UEM) e a Universidade
Catlica de Moambique (UCM)
leccionam a cadeira de Direitos Humanos,
sendo que a UEM prepara-se para introduzir
uma especializao nesse
ramo.
Bantulndia
- Qual o nvel de percepo
de juzes moambicanos sobre
direitos humanos?
Amaral - Moambique
parte de vrios tratados
e convenes internacionais
que regulam os direitos humanos. Raramente
esses instrumentos jurdicos internacionais
que fazem parte do ordenamento jurdico
nacional so citados quer por advogados
e por juizes em foros judiciais. A formao
em direitos humanos apenas foi introduzida
recentemente na UEM e na UCM. A maioria
dos juizes e advogados moambicanos
nunca aprenderam direitos humanos como
disciplina razo pela qual no
esto abalizados nessa matria.
Outro factor que inibe o desenvolvimento
da cultura jurdica de direitos
humanos o facto de a lei restringir
o o ao Conselho Constitucional a
cidados individualmente, ou seja,
estes no tm o locus standi
para disputar a constitucionalidade ou
legalidades de factos e actos practicados
contra si. Se tal fosse possvel,
semelhana do que acontece
na maioria dos Estados, direitos humanos
teriam espao de debate, anlise
e aplicabilidade.
Bantulndia
- Qual o balano que faz
dos jovens moambicanos que j
fizeram intercmbio em direitos
humanos no Brasil, com financiamento da
Open Iniciative Southern Africa?
Amaral - O balano
positivo. O projecto iniciou
em 2003 e desde l mais 10 formandos,
incluindo entre eles jornalistas, activistas
sociais e advogados j beneficiaram
da formao.
Como sabe a nivel da LP, o Brazil possui
a melhor experincia na luta, promoo
e proteco de direitos
humanos, desenvolvida nos ltimos
50 anos. Os formandos hoje emprestam o
seu saber em vrios departamentos
do Estado, na academia, em organizaes
internacionais e em ONGs.
So Paulo, 16 de Maio de 2009
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Nota:
11
- Jurista especializado em direitos humano.
Coordenador-adjunto do programa de direitos
humanos e democracia da Open Society Iniciative
For Southern Africa (OSISA). Ex-docente
de direito internacional pblico
e direitos fundamentais na Faculdade de
Direito da Universidade Eduardo Mondlane.
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