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Direitos Humanos
Direitos
Humanos e6j36
Direitos
Humanos em Moambique
Josu
Bila
Parte
II
Captulo
V
Entrevistas
Antnio
Gonalves em entrevista: A educao
moambicana para a manuteno
do status quo
Antnio
Gonalves10
debate, nesta entrevista, sobre direitos
humanos e educao moambicana.
Diz ele: “Nos livros de educao
cvica e moral, por exemplo, existe
um cheirinho dos direitos humanos. Mas,
a maior nfase dada aos
deveres dos alunos. Em fim, penso que
estamos perante uma educao
subjectivadora, usando os termos de Silvio
Gallo, aquela que mais contribui para
a manuteno do Status Quo”.
O entrevistado lembra que nos discursos
oficiais sobre a educao
em Moambique, como por exemplo,
o decreto 16/2000, foi enfatizado a necessidade
de a educao moambicana
formar cidados com elevado esprito
de patriotismo e de civismo. “Veja,
no est em causa a formao
de cidados com conscincia
dos seus direitos, mas, conscientes do
patriotismo e do civismo. Ora, eu pergunto-me:
formar patriotas o mesmo que
formar cidados?”, questiona.
Sobre a ligao entre a
educao em direitos humanos
e o respeito s normas do Estado
de Direito Democrtico, Gonalves
respondeu que “podemos incorrer
ao risco de tornar a educao
em direitos humanos numa educao
moral se vermos apenas por esse ngulo
do respeito s normas. A conscincia
dos direitos humanos e a necessidade do
seu respeito tambm exigem que
se respeite as normas justas de um Estado
democrtico. Assim, critica um
dos maiores filsofos j
registados na Histria da Humanidade,
o pensador Scrates: “Penso
que repetir a mxima de Scrates,
segundo a qual, a Lei, mesmo que seja
injusta, da minha cidade, por
isso tenho de segui-la, pode levar a um
desastre social: conformismo e ivismo,
cada um tornando-se desconhecido de si
prprio”.
Sintetiza, igualmente, que a conscincia
dos direitos humanos, que tambm
implica nos deveres, deve levar a uma
crtica s normas injustas
e seguirem-se as normas justas, elas que
garantem a existncia, vivncia
e convivncia pacfica entre
os seres humanos. “ uma
utopia, mas vale a penas acreditar na
conscincia possvel”,
considera.
Antes que a sua curiosidade se esgote,
desca pelas linhas que se seguem.
Bantulndia
- Em seu artigo, recentemente publicado
aqui http://bantulandia.blogspot.com/2008/11/o-direito-educao-bsica-e-omisso-do.html
revela que o Estado moambicano
omisso quanto ao seu dever de
oferta e gratuidade da educao
bsica, enquanto um direito humano.
- Com que bases faz essa afirmao?
Gonalves - Bem,
naquele texto, eu fiz um exerccio
hermenutico em torno da legislao
moambicana que versa sobre a educao.
Basicamente consultei, conforme expus
no texto, as duas Constituies
de Moambique, designadamente a
de 1990 e a de 2004 e tambm a
Lei 6/92 de 6 de maio de 1992. Veja que
eu fao uma confrontao
entre os compromissos internacionais em
torno da educao, principalmente,
a bsica e as aes
concretas do Estado moambicano.
Em nvel internacional, j
nos finais do sculo XIX, a elite
dirigente, em decorrncia das lutas
do movimento dos trabalhadores, ampliou
o direito educao,
afirmada na Declarao Universal
dos Direito do Homem de 1789. A educao
pblica, tambm reclamada
por Kant e Hegel, como direito do cidado,
era o dever do Estado ofert-la.
A discusso filosfica sobre
a educao, desde a modernidade,
em que pesem as divergncias, rumou
por esse entendimento: direito do cidado
e dever do Estado. Neste incio
do sculo, em face da persistncia
da pobreza, por um lado, e do avano
das tecnologias de informao
e comunicao, por outro,
nos debates internacionais tem-se afirmado
que dificilmente se vencer a pobreza
e se competir neste mundo globalizado
com baixos nveis de educao
da populao de um pas.
Assim, aos Estados, era-lhes incumbido
a tarefa de oferecer a educao
pblica, no mnimo, at
o nvel bsico, assumindo-a
como dever, em resposta ao direito humano
educao. Mas,
o que acontece na legislao
moambicana, desde a Constituio
de 1975 (art.34), o contrrio:
a educao foi sempre concebida
como direito e dever do cidado
e, mais tarde, da famlia.
Bantulndia
- Por que o Estado moambicano
no assume, em nvel de
Lei, a educao como parte
fundamental dos direitos humanos?
Gonalves
- Pessoalmente, no tenho resposta
a essa pergunta pertinente. Somente a
sociedade poltica moambicana
pode dar uma melhor resposta sobre o que
eu chamaria de “demisso”
do Estado no campo do direito
educao.Talvez o paternalismo
que marcou o ps-independncia
tenha levado a esse marasmo na educao.
Bantulndia
- Qual a relao
entre violao ao direito
humano educao
e a fraca qualidade de ensino/educao?
Gonalves - No
sei o que exatamente voc quer dizer
com violao do direito
humano educao.
O Estado moambicano oferece a
educao, mesmo que em dose
homeoptica, parafraseando Adam
Smith. Como, por nvel de Lei,
o mesmo Estado no se pronuncia,
tambm no se v obrigado
a melhorar a qualidade do ensino/educao.
O o a uma educao
com qualidade social tambm faz
parte do direito humano educao.
O erro pensar que uma vez disponibilizada
a escola e os professores, est
resolvido o problema do direito humano
educao.
necessrio questionar se essa educao
que se oferece nossa juventude
tem uma qualidade social, garante um mnimo
de aprendizagem de modo a que a criana
ao concluir as sete classes obrigatrias,
tenha o domnio efectivo dos cdigos
de escrita, sabe se expressar corretamente,
interpreta e compreende o seu contexto;
sabe fazer as contas, escreve corretamente,
l um texto bsico e entende
o que nele est escrito. Se esses
indicadores de qualidade social de educao
no so aferidos em um determinado
sistema de ensino, ento, podemos
afirmar que ocorre uma violao
do direito humano educao.
O que nos diz a nossa educao?
Ainda no temos um Sistema Nacional
de Avaliao da Educao
Bsica, a no ser os exames
finais. Estes ainda no podem constituir-se
em indicadores da qualidade da educao.
Mesmo assim, o nmero de reprovaes
diz alguma coisa.
Bantulndia
- Entende-se que uma educao
de qualidade cria cidados conscientes
de seus direitos e deveres, participantes
do desenvolvimento do pas e organizados
para a Agenda Nacional. Haver
interesse das elites poltico-governamentais
moambicanas em viabilizar uma
educao promotora de cidados/cidadania?
Gonalves - Existe
uma boa discusso no campo da sociologia
sobre o termo elites. No vou entrar
nessa discusso, mas sim, sublinhar
que no so apenas as elites
poltico-governamentais que definem
os rumos da educao num
pas. Indo direto tua
pergunta, Carlos Nelson Coutinho, no livro
"Contra-Corrente: ensaios sobre democracia
e socialismo", faz uma abordagem
da cidadania que vale a pena se apoiar
nela. A cidadania faz parte do rol dos
direitos humanos, e expressa a relao
de pertena de um indivduo
a uma comunidade, onde se vive esses direitos.
Assim, ser cidado implica ser
sujeito de direitos e tambm de
deveres.
Uma educao que promova
a cidadania, conforme explica Silvio Gallo,
aquela que ajuda na constituio
de indivduos livres e autnomos,
cidados ativos que tomem as rdeas
da histria e de suas comunidades.
aquela que forma cidados
que pensam por si mesmos. No basta
formar cidados, necessrio
que as pessoas exeram a cidadania,
lutando, reivindicando e conquistando
os seus direitos.
Nos discursos oficiais sobre a educao
em Moambique, como por exemplo,
o decreto 16/2000, foi enfatizado a necessidade
de a educao moambicana
formar cidados com elevado esprito
de patriotismo e de civismo. Veja, no
est em causa a formao
de cidados com conscincia
dos seus direitos, mas, conscientes do
patriotismo e do civismo.
Ora, eu me pergunto: formar patriotas
o mesmo que formar cidados?
Um cidado que exerce a sua cidadania
aquele que, pensando por si mesmo,
capaz de questionar o sentido
do termo patriotismo, tal como ele tem
sido usado: o que significa ser patriota,
conforme o uso do termo no discurso oficial
sobre a educao? Nos livros
de educao cvica
e moral, por exemplo, existe um cheirinho
dos direitos humanos. Mas a maior nfase
dada aos deveres dos alunos.
Em fim, penso que estamos perante uma
educao subjectivadora,
usando os termos de Silvio Gallo, aquela
que mais contribui para a manunteno
do Status Quo. Claro que no existe
um mecanicismo na educao.
Nesse mundo de informao,
os indivduos possuem outros espaos
de construo da cidadania
que no apenas a educao
escolar.
Bantulndia
- Como Mocambique pode lutar contra a
pobreza com uma educao
de baixa qualidade?
Gonalves -
uma das perguntas que coloquei, mesmo
que indiretamente, no texto em que reflito
sobre o direito educao
bsica. A resposta tua
pergunta bvia:
difcil combater a pobreza com
uma educao de baixa qualidade.
Vivemos num mundo globalizado, marcado
pela competitividade entre as naes.
Cada pas busca, atravs
dos seus prprios mecanismos, inserir-se
nesse mundo, em que a capacidade de inovao
a condio para
a maior produtividade e, por sua vez,
a flexibilidade se mostra como condio
para a maior competividade, culminando
na gerao da riqueza. A
capacidade de domnio dos cdigos
informacionais, atravs do o
e uso das novas tecnologias, e uso da
informao na produo
de conhecimentos aplicados para a inovao,
crucial neste incio de
sculo. Em todo esse processo,
a educao um fator
preponderante. Mas uma educao
com qualidade social, apresentando os
indicadores que acima fiz referncia.
Vencer a pobreza significa haver um Produto
Interno Bruto elevado e, para o alcance
desse, necessrio haver
lucratividade que, por sua vez, est
relacionada a maior produtividade. A produtividade
depende da capacidade de inovao
de cada pas. E, para haver inovao,
o grau da instruo e o
tipo de educao que se
oferece, por sua vez, so cruciais.
Moambique aprova neste teste?
Bantulndia
- Mudando um pouco de assunto, hoje por
hoje, a educao em direitos
humanos uma grande prioridade
das polticas de Estados.
- Qual seria a relevncia de educao
em direitos humanos na sociedade moambicana
actual?
Gonalves - Gostaria
de parafrasear Hegel, quando afirma que
a histria o avano
da conscincia da liberdade, para
responder tua pergunta: uma educao
em direitos humanos pode ser crucial para
o despertar da conscincia dos direitos
humanos em Moambique, em que a
educao tida como
um dos pilares fundamentais.
Bantulndia
- Qual a ligao
entre educao em direitos
humanos e respeito s normas do
Estado de Direito Democrtico?
Gonalves - As
normas de um Estado democrtico,
em princpio, devem ser justas,
voltadas real emancipao
dos respetivos cidados. Podemos
incorrer no risco de tornar a educao
em direitos humanos numa educao
moral se vermos apenas por esse ngulo
do respeito s normas. A conscincia
dos direitos humanos e a necessidade do
seu respeito tambm exigem que
se respeite as normas justas de um Estado
democrtico. Penso que repetir
a mxima de Scrates, segundo
a qual, a Lei, mesmo que seja injusta,
da minha cidade, por isso tenho
de segui-la, pode levar a um desastre
social: conformismo e ivismo, cada
um tornando-se desconhecido de si prprio.
A conscincia dos direitos humanos,
que tambm implica nos deveres,
deve levar a uma crtica s
normas injustas e seguirem-se as normas
justas, elas que garantem a existncia,
vivncia e convivncia pacfica
entre os seres humanos. uma utopia,
mas vale a penas acreditar na conscincia
possvel.
Bantulndia
- Como elevar os valores de tica,
num pas em que educadores que
falam com exemplos so escassos?
Gonalves - No
sei qual a extenso do termo educadores.
Os gregos defenderam o ideal da cidade
educadora, ou seja, todos os cidados
deveriam ser educadores. E a educao
no pode apenas ser vista como
sendo a relao de um adulto
para com a criana, segundo defendeu
Durkheim. Os velhos, entre eles, tambm
se educam. Se no atravs
da escola, como nos diz Olivier Reboul,
a vida uma grande escola. Assim,
todos ns somos educadores. Ainda
voltando a Aristteles, na tica
a Nicmaco, ele afirma que certas
virtudes, as chamadas “virtudes
ticas” no so
ensinveis, adquirem-se pelo hbito
e pelo exemplo. Quando a desonestidade,
o oportunismo, a lei de menor esforo,
a busca fcil pela ascenso
social tornaram-se paradigmas da vida
vivida na cidade, o que esperar da proposta
de elevao das virtudes
ticas?
Bantulndia
- A violncia de vrios tipos
ofuscou espaos de tica
e de respeito s normas do Estado.
- que propostas avanca para ultraarmos
isso?
Gonalves - Ainda
bem que voc coloca os vrios
tipos de violncia, pois quando
se fala nela, pensa-se, em nvel
de senso comum, na violncia fsica:
roubo e furtos, assaltos na via pblica.
Mas h outro tipo de violncia
que os intelectuais parecem no
estare dispostos a discuti-la. Falo, na
esteira de Pierre Bourdieu, da violncia
simblica. Esta talvez seja a mais
grave em Moambique, pois pode
ser a partir dela que decorrem outras
formas de violncia que assolam
o pas. difcil
avanar propostas, pois, na condio
de um razovel aprendiz da Histria
da Filosofia (no me considero
Filsofo), guardei bem que no dia
em que houver a resposta, a Filosofia
ser intil. Apenas pergunto-me:
ser esta a sociedade que queremos
para Moambique? Ser tico
implica em, necessariamente, respeitar
s normas do Estado? A quem beneficiam
tais normas?
Araatuba, Abril de 2009
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Nota:
10
- Doutorado em Polticas de Educao
(UFMG-Brasil), Mestre em Educao
(UFMG) e licenciado em Filosofia (FAJE-Belo
Horizonte, MG).
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