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Direitos Humanos
Direitos
Humanos e6j36
Direitos
Humanos em Moambique
Josu
Bila
Parte
II
Captulo
V
Entrevistas
Elsio
Macamo: A discusso sobre direitos
humanos parece-me abstrata para o contexto
moambicano
O
professor universitrio na Alemanha,
o sociolgo moambicano
Elsio Macamo,7
aceitou dar entrevista ao bantulndia,
para discutir sobre direitos humanos em
Moambique, desde os tempos da
criao da FRELIMO at
aos dias de hoje. Ei-lo na primeira pessoa:
“a discusso sobre direitos
humanos parece-me abstracta demais para
ser de alguma utilidade no nosso contexto”.
Para ele, essa discusso torna-se
numa posio tica
que dificulta o debate poltico.
“O pas precisa de poltica”,
enfatiza, “o que pressupe
debate de idias, e no
de certezas que fecham a discusso”.
Em outras perguntas cruciais, Macamo apenas
respondeu: “no sei...tambm
no sei”. A entrevista que
se segue j foi, h dois
anos, solicitada escritora e
ex-combatente das foras da FRELIMO,
Lina Magaia, e posteriormente ao antigo
reitor da Universidade Eduardo Mondlane,
prof. Brazo Mazula, os quais no
puderam responder favoravelmente ao debate.
Bantulndia
- A luta pela Independncia Nacional,
em Moambique, significou, em si,
a luta pelo direito humano autodeterminao
e demais direitos humanos.
- O que a FRELIMO (1962-1975) entendera
de direitos humanos, nessa altura?
Macamo
- Acho que a Frelimo entendeu os direitos
humanos como a recuperao
da nossa dignidade como humanos. A conjuntura
poltica da altura, contudo, no
permitia muita latitude na interpretao
da dignidade. Ou se interpretava essa
dignidade com referncia ao liberalismo
ou com referncia ao socialismo.
A Frelimo optou por todo um conjunto de
razes que me parecem plausveis
por uma interpretao socialista.
Essa opo teve, infelizmente,
consequncias muito graves posteriormente,
pois conduziu a um sistema poltico
muito fechado. fcil ver
isso hoje com a vantagem da retrospectiva
histrica. Eu prprio no
sei se no teria optado por esse
tipo de interpretao. Mesmo
Mondlane8
que tinha um esprito muito aberto
sucumbia cada vez mais a esse tipo de
interpretao.
Bantulndia
- Que temas de direitos humanos foram
mais discutidos no seio da FRELIMO, de
1962 a 1975?
Macamo - No sei.
Bantulndia
- Em termos de implementao
de direitos humanos, o que significaram
as zonas libertadas onde tero
sido implantadas escolas, cuidados de
sade, campos agrcolas?
Macamo
- Segundo a historiografia oficial, as
zonas libertadas significaram a materializao
do sentido e de dignidade que estava na
base da luta. Precisamos, contudo, de
mais trabalho de investigao
para percebermos isso melhor.
Bantulndia
- Alcanamos a Independncia,
em 1975, e, em 1977, Moambique,
sob a direco do j
partido FRELIMO, adopta uma linha de orientao
marxista-leninista. Esta linha, pelo menos,
teria mostrado que amigo dos
direitos econmicos, sociais e
culturais e inimigo, no raras
vezes, dos direitos civis e polticos.
- Internamente, como que o partido
FRELIMO conduziu este processo, tendo
em conta que os direitos humanos so
indivisveis e interdependentes?
Macamo - No concordo
com a distino que faz.
Penso que um indivduo pode ter
orientao marxista-leninista
e, mesmo assim, se interessar por direitos
civis e polticos. difcil,
mas possvel. No sei como
o partido Frelimo conduziu o processo
internamente.
Bantulndia
- Quais foram as maiores convergncias
na conduo da linha marxista-leninista,
no seio da FRELIMO? E quais as divergncias?
Macamo - No sei.
Suponho que entre 1970 e 1980 tenha havido
grande convergncia no seio da Frelimo
quanto ao projecto marxista-leninista.
preciso ver que estes so
anos de grandes vitrias: operao
N-Grdio;
independncia; bom desempenho econmico
at 1980; Zimbabwe. As grandes
vitrias sempre criam coeso.
Depois disso comearam os desaires
e os consensos ruram. As tenses
anteriores voltaram superfcie,
creio.
Bantulndia
- Segundo notas da revista Tempo (1985),
a FRELIMO reconhecia, atravs do
ex-ministro da Defesa Nacional, Alberto
Chipande, o “esprito de
deixa-andar”.
- Qual a diferena entre
o esprito deixa-andar do tempo
do partido-Estado e do actual Estado de
Direito Democrtico?
Macamo - No sei.
Bantulndia
- Qual a relao
entre “esprito deixa-andar”
e o custo de vida?
Macamo - Tambm
no sei.
Bantulndia
- Voltamos a 1985: Chipande reconheceu,
ainda, que “ns (Governo
da FRELIMO) conduzimos mal o processo”
de desenvolvimento de Moambique,
por causa do esprito de deixa-andar.
O que significava esse reconhecimento
de um quadro snior do Governo
e da Frelimo, nessa altura?
Macamo - Tambm
no sei. No conheo
o contexto em que Chipande fez essas afirmaes
e nem sei como ele as fundamentou.
Bantulndia
- O jornalista Aquino de Bragrana,
citado por professor Brazo Mazula,
no livro Educao, Cultura
e Ideologia – 1975-1985, descreve,
nos seus escritos, o que chama de “desmoronamento
moral e silencioso” do partido FRELIMO,
nos primeiros 10 anos da Independncia
Nacional.
- Por que Aquino de Bragana chegou,
nessa altura, a essa concluso?
Macamo - No fao
a mnima ideia.
Bantulndia - Em
que situao moral se encontra
o partido FRELIMO, hoje?
Macamo - Acho que isso
s os membros da Frelimo podem
dizer.
Bantulndia
- Quais so as reas de
direitos humanos em que o Governo moambicano
deveria investir mais?
Macamo - Eu acho a discusso
sobre direitos humanos menos interessante
do que uma discusso mais fundamental
sobre os pressupostos da nossa ordem poltica.
Pessoalmente, estou mais interessado na
questo de saber at que
ponto a nossa classe poltica,
mas tambm a nossa massa intelectual
tomam a srio o desafio que nos
foi imposto pela nossa prpria
histria de garantirmos a dignidade
humana no nosso pas. At
que ponto que o nosso sistema
poltico garante isso? O que faz
para alargar os espaos de afirmao
desta dignidade? Que critrios
identificamos como fazendo parte desta
dignidade? A discusso sobre direitos
humanos parece-me abstracta demais para
ser de alguma utilidade no nosso contexto.
Torna-se numa posio tica
que dificulta o debate poltico.
O pas precisa de poltica,
o que pressupe debate de ideias,
e no de certezas que fecham a
discusso.
^
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Nota:
7
- Elsio Macamo (Universidade de
Bayreuth/Alemanha)
8
- Eduardo Mondlane, antroplogo
e socilogo, foi o primeiro presidente
da Frente de Libertao
de Moambique, enquanto movimento
de libertao, criado em
1962. um dos heris moambicanos
em cuja trajectria humana, tica,
poltica e acadmico-intelectual
encontra-se uma singularidade pessoal
que inspira e continuar a inspirar
milhares de moambicanos. Ele morreu
no dia 3 de Maro de 1969, em Tanznia,
em circunstncias duvidosas e que
at hoje ainda no foram
esclarecidas pelo Estado moambicano.
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