Livros
Direitos Humanos
Direitos
Humanos e6j36
Direitos
Humanos em Moambique
Josu
Bila
Parte
I – Artigos
Captulo
III
Jornalismo moambicano:
Avanos e Desafios
Do
jornalismo provinciano e faz-tudo ao jornalismo
responsvel4
“Os
profissionais de informao
devem evitar
falar de generalidades, falar de tudo
para dizer
pouco; por isso, devem especializar-se
em reas
determinadas, apoiadas, porm,
numa cultura
geral... S abraa o jornalismo
quem tem
inteligncia clara e amor
verdade”
- Brazo Mazula
O
jornalismo moambicano5
parece no querer sair do perodo
de jornalismo provinciano e pr-intelectual,
para o jornalismo de especialidade e responsvel.
Assim colocado, qual , ento,
o papel dos jornalistas, rgos
de informao e do Sindicato
Nacional de Jornalistas?
Permitam-me,
antes, pensar que o jornalismo provinciano
e pr-intelectual aquele
em que os jornalistas e os seus rgos
de informao, sem que tenham
bases intelectuais slidas e conhecimento
suficiente sobre um ou vrios assuntos,
entrevistam, noticiam, reportam, opinam
e criticam, rastejando-se, deste modo,
entre a mediocridade, ignorncia
e desinformao,
mistura de alhos e bugalhos jornalsticos.
Contrariamente,
o jornalismo de especialidade e responsvel
seria aquele em que os jornalistas e seus
rgos de informao
tm preparao intelectual
e especializao profissional
slidas, aprofundando determinadas
reas de saber, para entrevistar,
noticiar, reportar, opinar e criticar,
com tica e responsabilidade jornalsticas.
Em
Moambique, o jornalismo provinciano,
faz-tudo e pr-intelectual
o mais abundante e est na moda.
Ele est assente na produo
rpida de vrias notcias
e reportagens por um jornalista, sem que
antes tenha feito a mnima investigao
ou tenha compreendido o assunto, para
responder s exigncias dos
editores ou donos do rgo
de informao ou ainda para
satisfazer os seus interesses de irresponsabilidade
jornalstica. Em sete horas, um
jornalista noticia ou reporta, sob orientaes
dos editores ou por iniciativa prpria,
duas notcias e reportagens de
reas diferentes, cujo conhecimento
prvio e slido
quase nulo. Por exemplo, em um mesmo dia,
capaz de, numa manh,
cobrir um encontro sobre as vantagens
dos biocombustveis e, numa tarde,
estar em uma conferncia de Imprensa
sobre o balano de um evento musical,
decorrido no fim-de-semana ltimo.
Esses assuntos so diferentes e
requerem jornalistas de reas especficas
e no jornalistas provincianos,
fazem-tudo e pr-intelectuais:
no basta tomar notas e -las
ao bloco e ao computador. H que
compreender o que se diz; criticar as
notas tomadas e sistematizar a informao,
de forma coerente, sbia e inteligente
para o pblico.
Um
dos defeitos do jornalismo provinciano,
faz-tudo e pr-intelectual, misturado
com o sensacionalismo provinciano,
perpetuar a idia de que uma notcia,
reportagem ou opinio tem qualidade
quando for apresentado antes dos outros
rgos, mesmo que no
tenha interesse para o nosso bem cultural,
social, poltico, econmico
ou diplomtico, ou mesmo no
tenha sido investigado, como, em muitos
dos casos, acontece. Alisto, aqui, notcias
e reportagens-escndalo, sem provas.
Para qu tanto protagonismo provinciano?
Para qu forar a fama instvel,
umbilical e negativamente profana? Em
nossos rgos de informao,
o “bom” jornalista ou
a ser o jornalista-quantidade e no
o jornalista-qualidade - este sabe, prev,
pensa e faz refletir. A forma como se
recruta jornalistas, em nosso meio, no
difere muito da forma como se ite estivadores.
Este jornalismo, o provinciano, faz-tudo
e pr-intelectual, ainda impercebe,
nega e subestima que a qualidade de uma
informao jornalstica
est na colocao
coerente e responsvel de dados
atempadamente investigados, com intelectualidade,
lgica e tica jornalsticas.
E isso no feito antes
pelo bloco de notas, cmera, micro-fone,
micro-gravador, viatura para reportagem,
paginador e etc, mas, sim, por jornalismo
e jornalistas intectualmente sofisticados
e politicamente robustos, que no
s tm uma forma local e
redutora de ver e perceber o mundo e o
que lhe rodeia. Entre ns, jornalistas
h que esto sempre no parlamento,
mas nunca leram normas sobre o seu funcionamento
e direitos e deveres do deputado; j
no digo uma simples leitura de
alguns captulos sobre Estado,
Governo, partidos polticos e cincia
poltica e direito, por exemplo
– isto prova o quo provinciano,
faz-tudo e pr-intelectual
o nosso jornalismo.
Por
isso, o jornalismo de especialidade e
responsvel o quase-inexistente,
entre ns, salvo raras e honrosas
excepes. E o processo
de sua existncia to
necessria quanto a paz e o desenvolvimento.
Sugiro que a classe de jornalistas faa
uma organizao interna
e que o Sindicato Nacional de Jornalistas
desperte de sua hibernao,
antes que chegue o dia de “paz
sua alma!!!”, o que no faz
parte do desejvel.
Organizao
interna
• Que um rgo de
informao possa escolher
duas ou trs reas-chave
sobre as quais prefira trabalhar jornalstica
e detalhadamente (pelo menos, o telespectador,
radiouvinte, leitor ou internauta procurar
informar-se, sabendo que nesse rgo
no ser desiludido, com
quantidade sem qualidade, sensacionalismo
e protagonismo provinciano);
• Que os jornalistas possam dedicar-se,
individualmente, em uma rea determinada
– lendo, investigando e estudando
sobre ela, sempre e sempre;
• Que haja um programa de auto-didatismo
e formao superior para
todos jornalistas a curto, mdio
e longo prazos, bolsas de estudos, aumento
substancial e robusto de salrios
e cumprimento de direitos laborais pelo
patronato, prmios e intercmbios
nacionais e internacionais. (
louvvel o esforo individual
de jornalistas que concluram o
ensino superior e outros que esto
por concluir, bem como a sua notvel
pujana jornalstico-intelectual
– aqui, incluo tambm queles
que, mesmo no tendo o ensino superior,
mostram qualidades intelectuais, profissionalmente
sofisticadas. Estendo esse louvor
Universidade Eduardo Mondlane que, atravs
da Escola de Comunicao
e Artes, oferece anualmente vagas a jornalistas.
Devo dizer tambm que dificuldades
intelectuais e acadmicas h
que no devem ser somente imputadas
aos jornalistas, mas forma como
est organizada e estruturada a
nossa sociedade. A nossa sociedade, de
um modo geral, no estimula nem
valoriza bons pensadores, profissionais
e pessoas dadas a cultura do intelecto.
Estimula muito a cultura colorida. Como
possvel que uma sociedade
que est carente de desenvolvimento
tenha mais e s estmulos
pblicos para jovens cantores e
no haja estmulos para
jovens intelectuais e jornalistas? A referncia
supervisvel do nosso jovem ou
a ser de quem mais dana e canta
“dzukuta”, por exemplo; e
aquele que l, pensa, critica e
escreve invisibilizado, cretinizado,
subestimado e subaproveitado, bastas vezes.
Quais so os critrios que
se usam para supervisibilizar uns e invisibilizar
outros?). Insisto em apelidar essa atitude
de provinciana, rural, mitolgica
e pr-intelectual, que caracteriza
as aces do dia-a-dia da
sociedade moambicana.
• Os rgos de informao
deveriam doravante ter critrios
de jornalismo de especialidade e responsvel
ou jornalismo intelectuamente sofisticado
para as redaces (J
tempo de se trazer/fazer frescura
profissional no jornalismo. Os moambicanos
tm direito informao
de qualidade. E o direito humano
informao inegocivel.
Se os cidados tm esse direito
significa que algum tem o dever
de materializ-lo).
Sindicato
Nacional de Jornalistas
• Que se (re)organize o Sindicato
Nacional de Jornalistas (SNJ), para que
responda s exigncias de
uma organizao jornalstica
contempornea;
• O SNJ deve promover debates sobre
problemas de actualidade jornalstica,
cultural, social, econmica e poltica
de Moambique, frica e
do mundo em geral;
• O SNJ precisa de um investimento
ou avivamento espiritual e moral: os jornalistas
no o tem como sua casa, no
o prestigiam, nem o olham como um espao
onde possam discutir idias, apontar
os acertos e erros de sua vida jornalstica
e ampliar a solidariedade humana e profissional,
actualmente, to perdida quanto
necessria. (O que mais se lembra
do SNJ , isso sim, meia ou uma
dzia de jornalistas e intelectuais,
que se sentam a uma mesa, cujas idias
de uns, at idade que
tm, no so conhecidas,
de forma coerente e marcante. Mas, devo
dizer tambm que jornalistas e
intelectuais h que se sentam
tal inesquecvel mesa, que so
ostentadores e detentores de um quilate
racional invejvel. Alguns, ainda,
so intelectualmente reciclveis.
queloutros, no tenho comentrios.
O jornalista Carlos Humbelino perdeu a
vida, h semanas. O SNJ olhou-o
de alto a baixo, exorcizando um observar
provinciano e pequenez tica sobre
o colega, que deu a sua vida pelo jornalismo,
independentemente de sua ideologia. Morrer
um outro, porque o nosso fim
esse, veremos uma “cerimnia
de Estado”. Continuo a insistir
em um jornalismo responsvel e
de tica social).
• Que o SNJ possa dialogar com o
Governo sobre a iseno
de impostos e outras facilidades para
a chamada imprensa privada, porque esta
presta igualmente servio pblico
de informao em condies
materiais e financeiras desajustadas.
Quem l um jornal ou radiouve ou
ainda telev alguma informao
em um rgo privado
o pblico, o que significa que
os privados prestam servio pblico.
Em temticas de direito
informao, tenho dificuldades
de refletir onde comea e termina
o servio pblico ou privado.
Por exemplo, quando se noticia, por qualquer
que seja o rgo de informao
privada, que o Governo vai construir,
ainda este ano, sete escolas no distrito
de Manganja da Costa, provncia
da Zambzia, no sei se
o cidado recebe essa informao
de forma privada ou pblica (os
cinco sentidos e as informaes
valiosas que o cidado recebe so
privados ou pblicos?). Estou certo,
ao pensar que recebe a informao
e cresce-lhe a esperana de que
o seu pas est a desenvolver.
A isso no devemos fechar os olhos.
E o desenvolvimento de Moambique
no um assunto privado,
mas de interesse pblico.
tempo de se discutir o sentido de pblico
e privado, na rea jornalstica
e no direito informao.
Alis, embora me parea
meio cooptativo, a deciso da presidncia
da Repblica de, em viagens nacionais
e internacionais do chefe de Estado, se
incluir tambm jornalistas de rgos
privados, uma experincia
a sublinhar. Mas, h que se apoiar
em meios aos rgos privados,
para que faam trabalho onde o
chefe de Estado ou elemento do Governo
no esteja – isto pode reduzir
a auto-censura e elevar a liberdade informacional.
Penso no ter estabelecido alguma
causa-efeito.
• Que o SNJ possa dialogar e criar
memorandos de entendimento com instituies
de ensino superior para a concesso
de bolsas de estudo ou vagas;
• Que o SNJ possa lutar pelo cumprimento
de direitos e deveres de jornalistas;
e
• Que o SNJ possa internacionalizar-se,
porque, nas condies nas
quais se encontra, muitssimo
provinciano e decadente (h sete
anos que presto alguma ateno
nele). Caso o SNJ saia desse provincianismo
e hibernao, poder
ajudar esta proposta contempornea
e cosmopolita: jornalismo de especialidade
e responsvel.
Maputo,
Abril de 2008
^
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Notas:
4 - Publicado em Abril de 2008, no jornal
ZAMBEZE. Maputo – Moambique.
5 - Dedico este artigo
ao j falecido jornalista Xavier
Tsenane, que, em 2001, me deu as primeiras
e inesquecveis aulas prticas
de jornalismo.
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