Livros
Direitos Humanos
Direitos
Humanos e6j36
Direitos
Humanos em Moambique
Josu
Bila
Parte
I – Artigos
Captulo
I
Moambique contemporneo
e Direitos Humanos
Como
Moambique pode materializar direitos
humanos?25
A
Fragilizao do Estado-nao
pode acarretar consigo a fragilizao
dos direitos humanos
Boaventura de Sousa Santos
A forma como as autoridades governamentais
moambicanas menosprezam os direitos
humanos semelhante aos pais biolgicos
que abandonam os seus filhos, gastando
o seu tempo e dinheiro em boates, bebedices
e prostituio. Com este
procedimento ignoram a alta tica
paterna: educar os filhos e investir em
sua vida social e estudantil, para cimentar
uma posteridade digna e qualitativa...
Como tornar que as frutas de direitos
humanos faam parte do cardpio
social dos moambicanos, enquanto
famlia nacional? Longe de dar
respostas conclusivas, o texto trilha
por um caminho exorcista do direito
fala, usando o verbo, o substantivo e
o adjectivo, para se expressar, interpelar,
indagar e propor.
I
Uma das rvores contemporneas
que tenta produzir frutas de direitos
humanos em Moambique
a sua Constituio, cuja
semente foi lanada em Novembro
de 1990, por um parlamento de cariz monopartidrio,
definitivamente enterrado em 1994, precedido
de eleies gerais e multipartidrias.
Ento, como tornar que as frutas
de direitos humanos faam parte
do cardpio social dos moambicanos,
enquanto famlia nacional?
Ora,
desde 1990, os direitos humanos ganharam
status jurdico-constitucional,
legtimo e social. Status jurdico-constitucional
porque os direitos humanos se encontram
plasmados na Constituio
da Repblica de Moambique
e nas demais leis locais, para alm
de que o Pas vai ratificando paulatinamente
um cada vez maior nmero de instrumentos
internacionais de direitos humanos do
sistema da Organizao das
Naes Unidas.26
Com isso, o Pas, ainda que titubeante,
comea a inspirar-se nos requisitos
contemporneos de estar-ser-viver
no mundo: cobrir-se pelo vu de
direitos humanos. Status legtimo
porque os direitos humanos comeam
a fazer parte das suas aces
e do seu vocabulrio nas relaes
interinstitucionais, ainda que na escala
um pouco depois do zero. E social porque
a sua linguagem, valor e efectividade
so paulatinamente compreendidos
e garantidos, como padres ticos
do Homem e de Moambique contemporneos.
II
Posso tomar como exemplo do ganho de status
jurdico-constitucional, legtimo
e social, as consecutivas trs eleies
presidenciais e parlamentares27
e duas municipais28
(esperamos tambm as provinciais),
parlamento multipartidrio, Tribunal
Constitucional, Conselho de Estado, liberdades
civis e polticas, ratificao
de instrumentos internacionais e regionais
de direitos humanos, ampliao
do reconhecimento de igualdade entre homens
e mulheres, ampliao da
rede escolar e sanitria e demais
direitos, para alm do surgimento
de organizaes de direitos
humanos e defensores liberais de justia
social.
Porm,
a insatisfao quanto ao
funcionamento desses institutos, a frustrante
resposta poltica e social do voto,
a fome generalizada de que milhares de
famlias so vtimas,
a escassez e a m prestao
do direito sade, a m
qualidade de educao, o
recente chumbo da Lei que cria a Comisso
Nacional de Direitos Humanos, pelo Conselho
Constitucional, a morte de dezenas de
cidados nas mos da Polcia
ou nas cadeias, o desemprego, a existncia
elitizada do Fundo de Fomento
Habitao e o consequente
parque habitacional precrio, o
limitado o energia elctrica,
o desmazelo de vida rural e urbana, a
histrica manifestao
de 5 de Fevereiro de 2008, a limitada
rede viria e de pontes, a insegurana
pblica, a popularizada excluso
social, a nudez econmica, tcnica
e tecnolgica e as multiplicadas
e visveis mazelas nacionais corroem
os sonhos ticos de direitos humanos.
Independentemente
das mazelas supramencionadas, prximo
ano, no h como os moambicanos
no comemorarem os 20 anos de constitucionalidade
de direitos humanos, abertamente instituda,
provando que so orgulhosos de
suas lutas e conquistas, no obstante
serem alvos de aambarcadores e
parasitas sociais, que indistinguem materializao
de direitos humanos de actividades filantrpicos
e assistencialismo. Volto a este ponto
um pouco abaixo.
III
Como tornar que as frutas de direitos
humanos faam parte do cardpio
social dos moambicanos, enquanto
famlia nacional? Antes de avanar
com propostas, melhor debater as causas
fundamentais que impedem que os moambicanos
se deliciem de frutas de direitos humanos,
to deliciosas quanto o vinho romntico,
em meio aos pomares verdejantes e produtivos.
J
que o propsito inicial
arrolar as causas fundamentais que impedem
que os direitos humanos se efectivem com
a devida normalidade, no
possvel no apontar o bvio:
parte considervel de polticas
e actividades nacionais ainda so
executadas em resposta ideologia
poltico-eleitoral e ao cumprimento
das metas quantitativistas em reas
sectoriais e no como aces
de direitos humanos. Esta uma
das razes por que a insatisfao
popular quanto ao desenvolvimento social
denunciada, conhecida e expressa
na vida da maioria dos moambicanos.
O Plano de Aco para a
Reduo da Pobreza Absoluta
(PARPA) e os Objectivos de Desenvolvimento
do Milnio (ODM) so notabilssimos
exemplos que mostram o quo distante
o planificado do realizado. Embora
a matriz internacional dos Objectivos
de Desenvolvimento do Milnio indicasse
a garantia de direitos humanos bsicos,
com o apoio moral e financeiro da chamada
comunidade internacional, caiu na desgraa
quantitativista e dinamizou alguma demagogia
estril, tal como o PARPA.
Paralelamente,
existe um compromisso poltico-governamental
baixo, comportamento governamental assistencialista
e filantrpica alto, incumprimento
das recomendaes do Tribunal
istrativo quanto ao uso transparente
do oramento do Estado, hibernao
e ronco parlamentar bizarro, independncia
Judiciria casual, superficial
conhecimento de direitos humanos no Judicirio,
populao-habitante, sem
compromisso histrico com a cidadania,
e relaes bilaterais hegemnicas.
Estas e outras questes esto
interligadas, razo pela qual
difcil e ilusrio debat-las
separadamente. Alm disso, discutir
a causa de violao de direitos
humanos , mesmo que inconsciente,
expor alguma matriz ideolgica
a respeito de como os direitos humanos
so violados ou implementados pela
mquina estatal.
A
ttulo exemplificativo, o baixssimo
combate grande corrupo
e a negligncia para com o cumprimento
das recomendaes do Tribunal
istrativo est ligado
resistncia arrogante de homens
e mulheres com laos histricos
e ideolgicos fortes. De igual
modo, a resistncia luta
contra a grande corrupo
e intransparncia no uso do dinheiro
pblico pode ser promovido por
Homens cujos privilgios poltico-ideolgicos
e econmico-empresriais
estejam ameaados. Por isso, o
combate corrupo
desafia privilgios dos poderosos
poltico-ideolgicos e econmico-empresariais
dentro da sociedade moambicana
e fora o cumprimento das leis
e da tica pblica, podendo
obrigar a que os produtos materiais e
financeiros da corrupo
retornem aos seus legtimos destinatrios:
os moambicanos.
Reparem
que, no caso moambicano, a criao
de instituies e de legislao
anticorrupo reflete concepes
ideolgicas equivocadas sobre como
o Estado deve funcionar. Quem toma a iniciativa
de criao desses institutos
e quem faz parte deles? A criao
dessas instituies ir
satisfazer interesses do Estado, enquanto
famlia nacional, ou dos poderosos,
enquanto um grupo de troca de favores,
em meio aos aclitos-aduladores,
que sempre surgem para acobertar as injustias
sociais e o marasmo histrico no
qual o pas se encontra?
Fazer
f hesitante s informaes
segundo as quais o pas tem recursos
humanos, materiais, financeiros escassos,
comum. Mesmo que essa f
seja hesitante, , no mnimo,
inquestionvel que a escassez desses
recursos crie, em si, barreiras na implementao
de direitos humanos, numa viso
de polticas pblicas. Porm,
a falta de priorizao na
alocao de recursos em
determinadas reas sociais deixa
claro o macro-desinteresse do Governo
para com os direitos humanos e polticas
pblicas. Ento, h
um outro problema que surge, agora: podemos
ter recursos materiais e financeiros digamos
abastados, mas, se, paralelamente, no
tivermos recursos humanos ticos,
continuaremos a ser um pas-marasmo.
O exemplo da mercedizao29
dos ministrios e dos altssimos
salrios dos presidentes dos Conselhos
de istrao de Empresas
Pblicas e a alocao
de altas verbas para Servios Secretos
em detrimento do desenvolvimento rural
(escolas, centros de sade, pontes,
estradas, energia, alimentos, agricultura
de subsistncia, comercial-industrial-pecuria...)
pode estar a expor a priorizao
ideolgica das reas a investir
e a denunciar a falta de recursos humanos
ticos. Nestas condies
de priorizao sectorial
ideolgica, muito difcil
que os direitos humanos se efectivem.
Assim, a forma como as autoridades governamentais
moambicanas menosprezam os direitos
humanos semelhante aos pais biolgicos
que abandonam os seus filhos, gastando
o seu tempo e dinheiro em boates, bebedices
e prostituio, ignorando
a alta tica paterna: educar os
filhos e investir em sua vida social e
estudantil, para cimentar uma posteridade
digna e qualitativa.
Ao
prestar ateno nas actividades
governamentais, h como apontar
que existe, no meio dos altos servidores
pblicos, uma indistino
entre implementar direitos humanos das
aces assistencialistas
e ou filantrpicas, que caracterizam
as organizaes da sociedade
civil. Ilustrao: Em Moambique,
escassa a responsabilidade de
tica pblica de o governo
construir uma unidade sanitria
num determinado distrito, em resposta
dignidade humana de a populao
local usufruir o direito humano
sade. No raras vezes,
verifica-se que a construo
de tal unidade sanitria funda-se
numa racionalidade filantrpica
ou assistencialista e no como
uma obrigao de o Governo
garantir o direito humano sade.
Na eventualidade de um servidor pblico
marcar presena para a inaugurao
daquele empreendimento sanitrio,
diz, sem a mnima vergonha, que
o Governo est a “ajudar”
e nunca afirma que “obrigao”
do mesmo criar mecanismos para a materializao
do direito humano sade.
H, sim, diferena extrema
entre uma ajuda e uma obrigao.
Acresce-se
ainda que as relaes bilaterais
entre Moambique e pases
poderosos so extremamente desumanas
e desequilibradas. O exemplo da China
emergente. Desumanas porque os
acordos de cooperao tm
beneficiado, em larga escala, a China
do que Moambique. O Governo chins
quando entra num acordo de cooperao
com Moambique tem em vista desenvolver
o seu pas, alargando, a todo custo,
os seus nveis de desenvolvimento
e integrao internacional,
em meio aos vcios e resqucios
da Guerra Fria. E nessa cooperao
tira maiores vantagens, uma vez que o
que retira de matrias-primas e
recursos naturais em Moambique
no compensa em nada com o que
supostamente retribui em investimentos
sociais. Infelizmente, o Governo moambicano
- e suas redes clientelistas – entra
em relaes bilaterais no
necessariamente para o benefcio
primrio dos moambicanos,
mas, sim, para pessoas ligadas a ele.
Estas relaes so
um grande perigo para os projectos de
direitos humanos. Por isso, nunca devemos
refletir sobre direitos humanos sem questionar
as relaes bilaterais e
de cooperao internacional
entre pases poderosos e no-poderosos,
porque, embora sejam indispensveis
para os Estados e povos, so desequilibradas.
Na
verdade, estas relaes
bilaterais em que os direitos humanos
no so princpios
prevalecentes e orientadores de polticas
bilaterais dos Estados criam ruptura na
concepo segundo a qual
os direitos humanos constituem preocupao
legtima da comunidade internacional.
Outrossim,
h um outro lado da moeda: a Organizao
das Naes Unidas (ONU)
ainda no ganhou uma respeitabilidade
internacional privilegiada no mundo, para
a concretizao de direitos
humanos. A ONU mostra-se fraco para fazer
cumprir as suas determinaes,
em meio aos interesses ideolgicos,
geo-polticos e econmicos
de alguns pases. Para a desgraa
do mundo, ainda h pases
que, sombra do seu poderio econmico,
tecnolgico, militar, poltico
e at religioso-cultural, amputam
os anseios de alguns povos de viverem
num lar mundial de paz social.30
Alis, mesmo pases como
Moambique, sem uma expresso
vigorosa e conhecida no mundo, no
raras vezes, menosprezam as determinaes
da ONU, por esta ter uma liderana
titubeante, no que concerne aos problemas
que afectam o mundo actual. Termino esta
seco III, com uma pergunta:
Por que as decises da Federao
Internacional de Futebol (FIFA), independentemente
de quem seja o visado, so mais
cumpridas do que as da ONU?
IV
Uma vez discutidos os empecilhos que retardam
o usufruto sistemtico de direitos
humanos, termino com o bvio:
- urgente e obrigatrio
que o Governo cumpra o estipulado na Constituio
da Repblica de Moambique
sobre direitos humanos;
- O ordenamento jurdico-constitucional,
institudo em 1990, deve ser um
imperativo a nortear o respeito
dignidade humana dos moambicanos;
- Necessidade de desenho de um Programa
Nacional de Direitos Humanos, com vis
de poltica pblica;
- Necessidade da tica pblica
e independncia dos trs poderes:
Governamental, Parlamentar e Judicial;
- Governo deve satisfazer direitos humanos,
reduzindo actividades assistencialistas
e filantrpicas;
- Necessidade de ampliao
de interaco entre o Governo
e Sociedade Civil; e
Moambique deve manter acordos
de cooperao que visem
o seu desenvolvimento, priorizando direitos
humanos.
^
Subir
Notas:
25
- Artigo originalmente publicado no jornal
moambicano ZAMBEZE, 7 de Maio
de 2009, pag 14, nr 346, ano VII.
26 - Moambique
tornou-se pas-membro da Organizao
das Naes Unidas em 1975,
ano em que o pas se tornou independente
de Portugal.
27 - As primeiras eleies
realizaram-se em 1994; as segundas em
1999; as terceiras em 2004. E as ltimas
se realizaram em 2009. Todas elas foram
ganhas pelos candidatos do partido governamental
(Frelimo), desde que Moambique
se tornou Independente.
28 - As primeiras eleies
municipais foram realizadas em 1997; as
segundas em 2003; as terceiras em 2008.
29 - De um modo geral,
h gastos financeiros excessivos
que o Estado faz ao comprar viaturas carssimas,
de marca Mercedes Benz e outras.
30 - Por exemplo, os
EUA e outras potncias invadiram
o Iraque, sem o aval da ONU; para alm
disso, o Tribunal Penal Internacional,
no tocante aos crimes contra a humanidade
e de guerra, somente tem responsabilizado
aqueles pases, presidentes e autoridades
civis de naes cuja ideologia
no seja amigvel aos das
potncias hegemnicas. Qual
a diferena entre Charles
Taylor, que, neste momento, julgado
pelo Tribunal Penal Internacional e o
ex-presidente dos EUA, Gorge Bush Jr.,
e o antigo primeiro-ministro britnico,
Tony Blair, que no sofrem nenhum
julgamento do TPI? Ser que os
crimes do ex-presidente iraquiano, Sadam
Hussein, foram to violentos se
comparados com os cometidos pelos governos
ocidentais em pases africanos
e asiticos? Estas perguntas no
so apenas retricas.
<
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