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Constituio e
Cidadania
Ao longo da histria, mesmo nas
pocas mais remotas, o ser humano sempre encontrado em
sociedade. A vida solitria e divorciada do mundo, por opo ou
infortnio, representa exceo.
Essa associao entre os seres
humanos decorre, fundamentalmente, de uma necessidade natural. S
na convivncia e com a cooperao dos semelhantes, homens e
mulheres obtm os meios essenciais aos fins de sua existncia e
desenvolvem todo o seu potencial de aperfeioamento, seja
intelectual, moral ou tcnico. Tal necessidade, contudo,
transcende o mero plano material. Alm disso, a premissa de que o
homem um ser social por natureza no exclui a participao
da conscincia e da vontade humanas.
Consequentemente, a sociedade
produto da conjugao de um impulso associativo natural e da
cooperao da vontade humana, tendo por finalidade o bem de
todos os seus integrantes. Essa finalidade social bem comum,
cujo conceito o Papa Joo XXIII assim formula com muita
propriedade: "O bem comum consiste no conjunto de todas as
condies de vida social que consintam e favoream o
desenvolvimento integral da personalidade humana" (Encclica
"Pacem inm Terris", II, 58).todavia, indispensvel
que a manifestao conjunta e a ao harmnica dos membros da
sociedade humana, sem prejuzo da liberdade, ocorram de forma
ordenada. Ou seja, o bom funcionamento da sociedade pressupe a
organizao, estando nela implcita a idia de um poder social
superior.
Ora, a expresso mais ampla nessa
tendncia associativa do ser humano reside
nas chamadas sociedades polticas, posto
que ocupam-se da totalidade das aes humanas.
E, a sociedade poltica de maior importncia,
por sua capacidade de influir e condicionar,
inegavelmente o Estado.
Assim, o Estado
significa a unio organizada de um certo
nmero considervel de indivduos, estabelecidos
em territrio (contnuo ou descontnuo),
sob a direo de um poder dominante centralizado.
Mas a noo de Estado no se fixa puramente
no mbito jurdico, como pretendeu Hanz
KELSEN, em sua famosa obra "Teoria
Pura do Direito". Procurando no ignorar
os fatores extra-jurdicos inerentes, Dalmo
de Abreu DALLARI conceitua a ordem como
a "ordem jurdica soberana que tem
por fim o bem comum de um povo situado em
determinado territrio" (Elementos
da Teoria Geraldo Estado), 3 ed., Saraiva,
SP, 1976).
Erigido para
atender s necessidades dou s convenincias
dos grupos sociais, o Estado no pode prescindir
de estabelecer regras de conduta, diante
da diversidade de preferncias, de aptides
e de possibilidades entre os seres humanos.
Essas regras que constituem o direito.
Dessa forma, o Estado carece do direito
para organizar a sociedade. Isto , precisa
dispor de um conjunto de normas obrigatrias
que disciplinem o convvio social humano,
no para sufocar as pessoas ou os grupos,
mas para regular as manifestaes e dar
a elas um sentido positivo.
Tendo em vista que comum a
ocorrncia de uma variedade de normas jurdicas num mesmo
Estado, faz-se mister que elas estejam dispostas hierarquicamente
como sistema, denominado de ordenamento jurdico. Nesse
ordenamento, imperioso se eleger um instrumento
poltico-jurdico de primeira grandeza, que declare os direitos
e deveres fundamentais de todos os indivduos e que, ao mesmo
tempo, defina as regras de organizao social e as limitaes
ao uso dos poderes polticos e econmicos, impedindo que a
sociedade se componha de dominantes e dominados. E esse
instrumento a Constituio, qual nada se sobrepe.
A Constituio a lei
principal, situada acima das outras regras. Ela o poder
supremo; a instncia com fora capaz de dar estrutura e lanar
os fundamentos polticos, sociais e jurdicos do Estado. a
prpria revelao da soberania nacional.
A IMPORTNCIA DA
CONSTITUIO:
ONTEM, HOJE E AMANH
Naturalmente, h diversas maneiras
de se conceber a Constituio, cada qual
correspondendo, via de regra, s vrias
acepes do prprio direito. Um conceito
extremamente feliz a respeito explicitado
por Dalmo DALLARI, esse notvel jurista
e cultor dos direitos humanos, posto que
na sua abrangencia contm todos os elementos
essenciais a uma verdadeira e atualizada
Carta Constitucional.
Para DALLARI,
"a Constituio a declarao da vontade
poltica de um povo, feita de modo solene
por meio de uma lei que superior a todas
as outras e que, visando a proteo e a
promoo da dignidade humana, estabelece
os direitos e as responsabilidades fundamentais
dos indivduos, dos grupos sociais, do povo
e do governo".
Do enunciado se permite deduzir a
vigorosa importncia de que se reveste a Lei Maior de um pas,
reconhecer a enorme responsabilidade dos que so investidos na
qualidade de representantes do povo e, entender o papel
indeclinvel dos indivduos e agrupamento sociais na
elaborao de uma Constituio que os retrate e lhe faa
justia.
Tal constatao, por si s,
testifica a opinio majoritria de que a Constituio continua
sendo extremamente necessria, apesar de ser uma criao do
sculo XVIII.
Ora, evidente que o mundo de
hoje no o mesmo de dois sculos atrs. Da porque se
figura conveniente salientar, ainda que sinteticamente, as origens
e destinaes primeiras desse instituto, pois o conhecimento dos
fatores determinantes do surgimento da Constituio torna mais
facilmente perceptvel as conseqncias de seu desrespeito.
De pronto, cabe registrar que os
propsitos deste estudo dispensam incurso histrica, atravs
dos perodos anteriores ao sculo XVIII, por mais til que seja
a identificao dos antecedentes, uma vez que nem mesmo os
grandes cdigos ou expedientes legislativos da Antigidade podem
ser chamados de Constituio, considerando-se a significao
tcnica e as peculiaridades que lhe so atribudas pelos
especialistas.
O certo que a Constituio, no
sentido de preceitos imperativos a abarcar a somatria da vida
jurdica de um povo em carter duradouro, obra moderna. Ela
surgiu com a finalidade de afirmar e garantir os direitos
fundamentais dos indivduos, disciplinar o uso e evitar a
concentrao do poder, assentando a organizao racional da
sociedade e do governo. Assim, reagindo prtica danosa do
absolutismo e percebendo serem insuficientes as Declaraes de
Direitos, os polticos e juristas do sculo XVIII trataram de
coibir, atravs de um texto de valor jurdico obrigatrio, o
abuso de autoridade e o excesso de poder, possibilitando a
punio em tais circunstncias e adotando a idia de
separao de poderes, com base na observao de Montesquieu
segundo a qual "s o poder contm o poder".
A primeira Constituio que se tem
notcia, com a denominao e caractersticas
atuais, foi gestada na Amrica do Norte,
no bojo do processo revolucionrio que levou
as treze colnias inglesas independncia.
Isso aconteceu na Colnia de Virgnia (depois,
Estado da Virgnia), quando, em situao
at ento indita, uma assemblia eleita
pelo povo aprovou um texto constitucional.
Curioso, esse fato se verificou em 29 de
julho de 1776, cinco dias antes de ser publicada
a Declarao de Independncia Americana,
o que ocorreria em 4 de julho daquele ano.
Tamanho feito, por parte de uma Colnia,
no deve causar espanto. Ao darem contornos
definitivos sua luta libertria, as colnias
inglesas as Amrica reuniram-se num Congresso
Continental, em 1774, que recomendou a formao
de governos independentes. E nisso quem
precedeu as demais foi justamente a Virgnia,
que elaborou um Estatuto Fundamental com
a deliberada inteno poltica de selar,
por meio dele, a sua completa e irreversvel
independncia. Conquanto inefvel o pioneirismo,
a Constituio sa, de 1791, a que
teve maior repercusso, irradiando a iniciativa
para outras partes do mundo.
Levando-se
em conta tais elementos, fica relativamente
fcil entender que esse documento singular,
solene e escrito, mesmo consagrado os valores
da burguesia em ascenso, representou o
coroamento de uma longa luta pela afirmao
das liberdades pblicas e garantia dos direitos
individuais, servindo de marco inicial a
um novo tipo de sociedade.
Por isso mesmo, a partir da Revoluo
Americana (1776) e da Revoluo sa
(1789), e consolidado no sculo XIX, esse
instituto especial adquiriu to grande prestgio
terico que ou a ser considerado indispensvel,
a ponto de nenhum estado contemporneo deixar
de Ter a sua Constituio.
A um o
do sculo XXI, a ningum a despercebido
que o poderoso de hoje to necessitado
de limitaes jurdicas quanto o poderoso
do sculo XVIII ou de todos os tempos. E
at agora no se inventou um instrumento
melhor que a Constituio para, de forma
eficaz e pacfica, promover a organizao
do poder poltico e limitar o seu exerccio.
Por outro lado, a simples existncia
de uma Carta Magna no o bastante para
configurar a eliminao de injustias sociais
ou assegurar a democratizao de um Estado.
Em contrapartida, sem uma Constituio legtima
e bem elaborada praticamente impossvel
a democracia e a justia numa sociedade.
Na realidade,
embora no se d a ele o significado que
tinha no fim do sculo XVIII e primeira
metade do sculo XIX, o fato que esse
instrumento ainda aceito como prova de
normalidade e sinal inequvoco da vigncia
de certa ordem poltica e social, podendo
operar elevados benefcios em prol da coletividade.
Aceitando-se
esse ponto, tambm no se pode deixar de
reconhecer que de muito pouco adianta a
presena de Constituies, se ilegtimas
ou desrespeitadas costumeiramente.
Na primeira hiptese, atravs do
mau uso do direito, do apego ao formalismo jurdico e/ou
imposio arbitrria de um conjunto de regras, os detentores do
poder costumam fingir de democracia e escamotear seus mtodos e
suas prticas condenveis. Esses exemplos, alguns, dentre tantos
possveis, confirma a importncia terica da Constituio,
mas tambm demonstram que " grande o risco de se Ter um
sistema ditatorial, violento, corrupto ou demaggico, sob a
aparncia de normalidade constitucional".
Note-se, porm, que nestes casos o
que existe uma Constituio aparente, mero arremedo de texto
constitucional objetivando legitimar regimes antidemocrticos.
Logo, no h que se confundir a aparncia com a realidade.
Importa, aqui, que as pessoas no se deixem iludir e no se
acomodem diante de engenhosa falsificao, mas reajam e lutem
pela obteno das vantagens que uma Constituio verdadeira
proporciona.
J quando a Constituio deixa
de ser respeitada e perde sua autoridade, rompe-se o ponto de
referncia que obrigatrio para todos, acarretando o abandono
do padro objetivo de justia da sociedade.
Como j se mencionou, a
Constituio um conjunto de regras fundamentais, que nenhuma
lei e nenhum ato jurdico pode contrariar. No se cumprindo a
Lei Maior concorrem, em prejuzo do povo, a falta de unidade e
coerncia do ordenamento jurdico, a incerteza quanto aos
direitos e os deveres e a supresso da segurana no plano da
aplicao das normas jurdicas. Preponderam, em conseqncia,
a desorganizao, a instabilidade, a prepotncia, a corrupo
e o privilegiamento a interesses minoritrios.
O desrespeito Carta
Constitucional implica em desdobramentos tais que, tornando-se
sistemtica a violao da dignidade humana e pulverizando os
estados do regime democrtico , conduzem fatalmente a uma
sociedade injusta, configurando o que Eduardo GALEANO, escritor
uruguaio, rotula de uma "democradura".
Alm disso, no se pode perder de
vista que, numa conjuntura mundial de constantes
transformaes e progressiva interao,
as mudanas sociais so inevitveis, e intensamente
buscadas nos pases subdesenvolvidos para
a correo dos profundos desequilbrios
scio-econmicos ali existentes. E um processo
pacfico de modificao da ordem pressupe
a normalidade constitucional, onde o respeito
Constituio traduz a possibilidade de
se utilizar dos princpios e garantias nela
estampados para o alcance das aspiraes
comuns, impedindo atitudes discriminatrias
e riscos de retrocesso.
O que permite
concluir que o desrespeito Constituio
torna inseguros os avanos sociais, com
o srio risco de anulao das mudanas.
Enquanto que, ao reverso, as conquistas
populares sero mais facilmente consolidadas
se includas na Carta Poltica e se esta
merecer o respeito de todos, governantes
e governados.
Logicamente, como os tempos so outros,
impe-se uma indispensvel atualizao quanto
ao sentido e s finalidades da Constituio.
Com relao
a este ponto, desde logo tenha-se em mente
que, no estertorar do sculo XX, a garantia
de liberdade de todas as pessoas no se
expressa unicamente no controle do poder
poltico para impedir que os economicamente
mais fortes reduzam a liberdade dos economicamente
mais fracos e alicercem uma desmedida desigualdade
entre os cidados. A par disso, a experincia
tem demonstrado que a clssica idia de
liberdade individual deve ser percebida
num outro contexto organizacional, onde
a participao, a repartio dos bens e
o o aos benefcios da vida social favoream
a todos e no permitam grandes desnveis..
Da a lio de que a maior novidade
acerca dos objetivos da Constituio est
no reconhecimento da necessidade de se utiliz-la
por impor limites jurdicos ao poder econmico,
disciplinando a obteno, a acumulao e
o uso da riqueza, em funo dos interesses
individuais e coletivos (Dalmo DALLARI,
ob. Cit., p. 14).
Finalmente,
cada aduzir que para operar com ampla eficcia,
nos tempos do perfil que se lhe avocam os
psteros, essencial que a Constituio
seja legtima e justa. Vale dizer, que nasa
da vontade do povo e promova a igualdade
de participao no convvio social.
Assim, a Constituio legtima e
justa um poderoso instrumento de promoo humana,
contribuindo de modo indelvel para que as pessoas consigam viver
com dignidade e paz de conscincia.
CONSTITUIO: ESTABILIDADE E
LEGITIMIDADE
Na Constituio encontram-se as normas
bsicas que compem a estrutura jurdica,
poltica, social e econmica de um pas.
Importa, pois, que ela seja mais estvel
do que as demais leis. Por isso mesmo,
recomendvel um acentuado rigor no processo
destinado eventual reforma, Que se plasma
por meio de emendas constitucionais. Serve
de exemplo, nesse particular, a atual Carta
Magna brasileira, apontada como "rgida"
no que tange a mutabilidade.
A estabilidade
confere prestgio e credibilidade Constituio.
Se esta transitria, todo o ordenamento
jurdico padece do mesmo mal da volubilidade
poltica; o casusmo legal torna-se expediente
rotineiro e a prpria Carta altamente malevel
aos caprichos das classes dominantes.
Esse cuidado, porm, no significa
que o legislador constituinte deva ignorar
a validade de se conciliar o princpio da
supremacia do texto constitucional com o
princpio da necessidade de alterao das
regras jurdicas. Afinal, o ideal de perenidade
da lei prprio do reacionarismo mais abominvel,
que torna imutveis as relaes sociais.
Essa ideologia obsoleta, mantenedora do
"status quo", urge ser amplamente
rejeitada, porquanto, no dizer de Joo Baptista
HERKENHOFF, "se a lei, que conserva,
conservada, estreita-se, por meio da lei,
a possibilidade de mudana" (Como Participar
da Constituinte, Col. Fazer, SP, Vozes,
1986).
Ora, para
que a Constituio contemple a evoluo
societria ou se lhe antecipe, sem prejuzo
de elementar e razovel durabilidade, a
Constituio h de transpirar legitimidade.
Ou seja, os valores e as aspiraes de um
povo devem encontrar ressonncia no mago
do texto constitucional. E mais, imprescindvel
que a populao no s participe da sua
feitura (processo constituinte), mas tambm
mantenha permanente vigilncia que assegure
sua aplicabilidade.
Destarte, existe uma ntima
relao entre a estabilidade ideal da Constituio e a origem
de sua elaborao. Se a Carta Poltica no reverenciou o povo,
ela se torna vulnervel e instvel. Se o povo, por qualquer
razo, permaneceu margem do processo constituinte, ele no
sintoniza com o documento que rege a Nao, deixando de lutar
pelo seu cumprimento, inclusive pelos dispositivos que lhe
beneficiem.
E justamente onde o povo deixa de
influir na fase antecedente aprovao do Estatuto Fundamental
- votando mal, sendo trado pelo mau uso do mandato parlamentar
ou no acompanhando organizadamente os desdobramentos -, o
desrespeito. Essa propenso ainda maior quando da ocorrncia
nefanda, constatada com certa freqncia, da Constituio
imposta pelo poder arbitrrio, revelia da populao.
Embora no sculo XX a existncia
de uma Constituio esteja associada com a imagem de governo
democrtico, a deturpao da teoria constitucionalista permitiu
rotular-se de Carta Magna um documento assim travestido,
independentemente, as falsas Constituies, procurando-se
design-las diferentemente das verdadeiras.
Diante do que, as Constituies
so classificadas, quanto origem, em promulgadas e outorgadas.
promulgada aquela que resulta de
assemblia popular, eleita para exercer
a atividade constituinte. produto da vontade
do povo, que se faz conhecer na boca das
urnas, atravs de procedimento efetivamente
livre, claro e inequvoco.
J a Carta
outorgada aquela que emana de um indivduo
ou de um grupo que no recebeu, diretamente
do povo, o poder de exercer a funo constituinte.
Ela no obedece regras, desconsiderando
o processo regular de consulta prvia
populao, pois expresso do arbtrio.
s vezes, ela at chega a se identificar
parcialmente com os interesses do povo,
desde que esses coincidam coma vontade do
ditador. Fique claro, porm, que o documento
outorgado ilegtimo por sua origem e injusto
por seus objetivos, no podendo ser confundido
com uma Constituio autntica.
Resta, ainda, considerando os
primeiros destinatrios deste estudo, esclarecer que nos pases
organizados sob a forma de Federao por exemplo, o Brasil -
ocorre uma distribuio do poder poltico entre as vrias
unidades territoriais, que possuem cada qual competncias
prprias ou concorrentes. Essas unidades so denominadas de
Provncias ou de Estados-Membros, conforme a tradio de cada
pas. No caso brasileiro, a diviso poltico-istrativa da
Repblica se d atravs de Estados membros, que possuem a
caracterstica de se auto-organizarem por meios de
Constituies locais.
Assim, nos Estados Federais existe
a Constituio Federal e Constituies Estaduais (ou
Provncias). Naturalmente, a Constituio Federal figura a cima
das Estaduais, inclusive delimitando o alcance do poder que cabe
Unio (rbita federal) e o que se reserva aos Estados-Membros
(rbita estadual). Nesse contexto, s o Estado Federal detm a
soberania; s unidades federais se confere, to somente,
autonomia regional ("poder residual ou remanescente") -
cuja dimenso varivel de pas para pas.
Registre-se, por derradeiro, que os
Municpios no tm uma Constituio propriamente dita,
regendo-se atravs das chamadas Leis Orgnicas Municipais. A Lei
Orgnica no pode contrariar a Carta estadual; e esta, por sua
vez, subordina-se ao texto constitucional da Federao.
CONCLUSO
Por melhor e mais avanada que seja,
a Constituio por si s, pouco vale. Dada
a sua destinao, o seu significado est
em razo direta de ser cumprida, assumida
e respeitada por todos, governantes e governados.
O que no exclui, conforme consideraes
j expendidas, os embates democrticos pelo
seu aperfeioamento ou regulamentao -
buscando sempre mais colocar o Estado a
servio das grandes parcelas da populao.
Naturalmente,
a simples enumerao dos direitos e a previso
de determinadas garantias - geralmente adstritas
ao campo dos direitos civis e polticos
- so insuficientes. Em sentido mais amplo,
necessrio que sejam criadas as condies
polticas, econmicas, sociais e culturais
que assegurem a todas as pessoas as mesmas
possibilidades de Ter e de usufruir os direitos
todos.
Nesta questo, impe-se no perder de vista
que a Constituio perdeu boa parte de seu
prestgio e sua fora pelo fato de no ser
efetivamente aplicada. Na opinio do renomado
estudioso Karl LOEWENSTEIN, esse desprestgio
decorre de vrios fatores negativos, ligados
prtica, os quais podem ser assim resumidos:
a) o comportamento dos governantes - que
com certa freqncia desprezam as regras
constitucionais, deixando de execut-las
ou at ingerindo frontalmente contra elas;
b) o comportamento dos juristas - que aram
a se valer de uma linguagem complexa e rebuscada,
tornando a Constituio alguma coisa obscura
e distanciada da vida dos mortais comuns;
e, c) o desinteresse popular - posto que
a inrcia e a alienao perante o cumprimento
das normas constitucionais diminui a autoridade
da Carta e encoraja os que pretendem contrari-la
("Teoria de la Constitucin".
Barcelona, Ed. Ariel, 1964).
Comentrios
a parte, o certo que, consideradas a utilidade
e a necessidade do sistema legal, a Constituio
feita para ser praticada.
Uma das vantagens
desse procedimento consiste na irradiao
de uma conscincia constitucional na populao.
Sempre que as pessoas percebem os benefcios
proporcionados pela Lei Maior e so conscientes
de que se pautam de acordo com ela ou contra
ela, fica mais difcil o uso arbitrrio
do poder, pois cada um exercer vigilncia
diuturna sobre a constitucionalidade dos
atos. Dessa forma, onde existe o costume
de respeitar a Constituio, esta se fortalece
progressivamente e tornam-se mais raras
as tentativas de ao constitucional.
Ao contrrio,
o seu desconhecimento pela maioria do povo
vicia as prprias relaes interpessoais
(concorrendo permissividade e conivncia,
por exemplo) e deixa sem controle e sem
fiscalizao os que dispem de qualquer
espcie de poder, notadamente o poltico.
Este, ento, fica completamente vontade
para decidir a favor dos poderosos e apaniguados,
menosprezando as expectativas e a vontade
geral da populao. por a que se explica,
em parte, a existncia de tantas leis, medidas
provisrias e atos istrativos contrrios
ao interesse pblico. Do que se depreende
que a participao constante no somente
um direito, mas tambm um dever de todos,
pois a omisso de cada um deixa caminhos
abertos para os injustos e audaciosos. Alis,
preciso que todos os indivduos entendam
que a ofensa ao direito de qualquer pessoa
que no receber imediata punio, tampouco
contar ao menos com a repulsa da comunidade
envolvente, enfraquece todo o conjunto de
regras de direito, pois fomenta-se com isso
a certeza da impunidade.
A prtica constitucional traz,
concomitantemente, a vantagem da certeza e da segurana dos
direitos. pela Constituio, que para ser legtima e justa deve
se estribar na prpria vida do povo, toda e qualquer pessoa: a)
a a saber claramente o que pode, o que no pode e o que deve
ser feito. Ou seja, facilmente visualiza o que lhe cabe exigir dos
outros e vice-versa; b) fica no s conhecendo os seus direitos,
mas sabendo como faz-los respeitar (usando dos mecanismos
previstos), pelo que cada um se torna consciente de que
responsvel pela proteo de seus direitos e dos direitos de
todos.
Sendo indubitvel que a Constituio,
como todas as leis, est condicionada a
certos fatores que a antecedem, crvel
deduzir que ela ser mais precria e autoritria
quanto menor o grau de conscincia poltica
do povo e sua possibilidade de participao
organizada. Estes mesmos elementos, por
sinal, influem sobre a maior ou menor possibilidade
de violao dos direitos humanos.
A fase de
inquietao e perplexidade que o Brasil
vem atravessando revelar a todos o grau
de eficcia da ltima Constituio, que
vigora desde 05 de outubro de 1988. Uma
Carta contraditria, imprecisa e vel
de vrias crticas, mas que contm inegveis
avanos, para o que tambm foi decisiva
a capacidade de aglutinao e luta das organizaes
de base. No texto constitucional abriram-se
brechas e definiram-se instrumentos legais
que oportunizam sensveis melhorias sociais
e ampliam os espaos de real exerccio da
cidadania.
Todavia, como
si acontecer em pases do Terceiro Mundo,
s h eficincia constitucional se concorrer
vontade poltica. Do que cabvel inferir
que as decises do Executivo, do Legislativo
e do Judicirio so suscetveis manifestao
popular, inclusive para a modificao ou
regulamentao do ordenamento vigente.
Assim, diante da dicotomia entre
a teoria e a prtica dos direitos humanos
no pas, as organizaes representativas
e cada um dos brasileiros tm um papel insubstituvel
na hora presente, pois de sua mobilizao
- contnua, cotidiana - depende a efetivao
das conquistas abstratas estampadas na Carta
Federal.
Ora, isso
supe o conhecimento prvio de cada um dos
seus prprios direitos, a difuso de tais
conceitos, a organizao popular e a ampla
participao do conjunto da sociedade, num
processo cujo coroamento ser a "construo
coletiva da concepo dos direitos humanos".
Nesse aspecto, nada mais valioso do que
se investir numa ao sistemtica e permanente
destinada a educar para os direitos humanos,
objetivando a consagrao de um novo tempo,
onde haja liberdade qualitativa, igualdade
de possibilidade, paz de conscincia e vida
digna para todos - sinnimos maiores dos
direitos humanos.
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