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Constituio e Cidadania

Ao longo da histria, mesmo nas pocas mais remotas, o ser humano sempre encontrado em sociedade. A vida solitria e divorciada do mundo, por opo ou infortnio, representa exceo.

Essa associao entre os seres humanos decorre, fundamentalmente, de uma necessidade natural. S na convivncia e com a cooperao dos semelhantes, homens e mulheres obtm os meios essenciais aos fins de sua existncia e desenvolvem todo o seu potencial de aperfeioamento, seja intelectual, moral ou tcnico. Tal necessidade, contudo, transcende o mero plano material. Alm disso, a premissa de que o homem um ser social por natureza no exclui a participao da conscincia e da vontade humanas.

Consequentemente, a sociedade produto da conjugao de um impulso associativo natural e da cooperao da vontade humana, tendo por finalidade o bem de todos os seus integrantes. Essa finalidade social bem comum, cujo conceito o Papa Joo XXIII assim formula com muita propriedade: "O bem comum consiste no conjunto de todas as condies de vida social que consintam e favoream o desenvolvimento integral da personalidade humana" (Encclica "Pacem inm Terris", II, 58).todavia, indispensvel que a manifestao conjunta e a ao harmnica dos membros da sociedade humana, sem prejuzo da liberdade, ocorram de forma ordenada. Ou seja, o bom funcionamento da sociedade pressupe a organizao, estando nela implcita a idia de um poder social superior.

Ora, a expresso mais ampla nessa tendncia associativa do ser humano reside nas chamadas sociedades polticas, posto que ocupam-se da totalidade das aes humanas. E, a sociedade poltica de maior importncia, por sua capacidade de influir e condicionar, inegavelmente o Estado.

Assim, o Estado significa a unio organizada de um certo nmero considervel de indivduos, estabelecidos em territrio (contnuo ou descontnuo), sob a direo de um poder dominante centralizado. Mas a noo de Estado no se fixa puramente no mbito jurdico, como pretendeu Hanz KELSEN, em sua famosa obra "Teoria Pura do Direito". Procurando no ignorar os fatores extra-jurdicos inerentes, Dalmo de Abreu DALLARI conceitua a ordem como a "ordem jurdica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado territrio" (Elementos da Teoria Geraldo Estado), 3 ed., Saraiva, SP, 1976).

Erigido para atender s necessidades dou s convenincias dos grupos sociais, o Estado no pode prescindir de estabelecer regras de conduta, diante da diversidade de preferncias, de aptides e de possibilidades entre os seres humanos. Essas regras que constituem o direito. Dessa forma, o Estado carece do direito para organizar a sociedade. Isto , precisa dispor de um conjunto de normas obrigatrias que disciplinem o convvio social humano, no para sufocar as pessoas ou os grupos, mas para regular as manifestaes e dar a elas um sentido positivo.

Tendo em vista que comum a ocorrncia de uma variedade de normas jurdicas num mesmo Estado, faz-se mister que elas estejam dispostas hierarquicamente como sistema, denominado de ordenamento jurdico. Nesse ordenamento, imperioso se eleger um instrumento poltico-jurdico de primeira grandeza, que declare os direitos e deveres fundamentais de todos os indivduos e que, ao mesmo tempo, defina as regras de organizao social e as limitaes ao uso dos poderes polticos e econmicos, impedindo que a sociedade se componha de dominantes e dominados. E esse instrumento a Constituio, qual nada se sobrepe.

A Constituio a lei principal, situada acima das outras regras. Ela o poder supremo; a instncia com fora capaz de dar estrutura e lanar os fundamentos polticos, sociais e jurdicos do Estado. a prpria revelao da soberania nacional.

A IMPORTNCIA DA CONSTITUIO:
ONTEM, HOJE E AMANH

Naturalmente, h diversas maneiras de se conceber a Constituio, cada qual correspondendo, via de regra, s vrias acepes do prprio direito. Um conceito extremamente feliz a respeito explicitado por Dalmo DALLARI, esse notvel jurista e cultor dos direitos humanos, posto que na sua abrangencia contm todos os elementos essenciais a uma verdadeira e atualizada Carta Constitucional.

Para DALLARI, "a Constituio a declarao da vontade poltica de um povo, feita de modo solene por meio de uma lei que superior a todas as outras e que, visando a proteo e a promoo da dignidade humana, estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indivduos, dos grupos sociais, do povo e do governo".

Do enunciado se permite deduzir a vigorosa importncia de que se reveste a Lei Maior de um pas, reconhecer a enorme responsabilidade dos que so investidos na qualidade de representantes do povo e, entender o papel indeclinvel dos indivduos e agrupamento sociais na elaborao de uma Constituio que os retrate e lhe faa justia.

Tal constatao, por si s, testifica a opinio majoritria de que a Constituio continua sendo extremamente necessria, apesar de ser uma criao do sculo XVIII.

Ora, evidente que o mundo de hoje no o mesmo de dois sculos atrs. Da porque se figura conveniente salientar, ainda que sinteticamente, as origens e destinaes primeiras desse instituto, pois o conhecimento dos fatores determinantes do surgimento da Constituio torna mais facilmente perceptvel as conseqncias de seu desrespeito.

De pronto, cabe registrar que os propsitos deste estudo dispensam incurso histrica, atravs dos perodos anteriores ao sculo XVIII, por mais til que seja a identificao dos antecedentes, uma vez que nem mesmo os grandes cdigos ou expedientes legislativos da Antigidade podem ser chamados de Constituio, considerando-se a significao tcnica e as peculiaridades que lhe so atribudas pelos especialistas.

O certo que a Constituio, no sentido de preceitos imperativos a abarcar a somatria da vida jurdica de um povo em carter duradouro, obra moderna. Ela surgiu com a finalidade de afirmar e garantir os direitos fundamentais dos indivduos, disciplinar o uso e evitar a concentrao do poder, assentando a organizao racional da sociedade e do governo. Assim, reagindo prtica danosa do absolutismo e percebendo serem insuficientes as Declaraes de Direitos, os polticos e juristas do sculo XVIII trataram de coibir, atravs de um texto de valor jurdico obrigatrio, o abuso de autoridade e o excesso de poder, possibilitando a punio em tais circunstncias e adotando a idia de separao de poderes, com base na observao de Montesquieu segundo a qual "s o poder contm o poder".

A primeira Constituio que se tem notcia, com a denominao e caractersticas atuais, foi gestada na Amrica do Norte, no bojo do processo revolucionrio que levou as treze colnias inglesas independncia. Isso aconteceu na Colnia de Virgnia (depois, Estado da Virgnia), quando, em situao at ento indita, uma assemblia eleita pelo povo aprovou um texto constitucional. Curioso, esse fato se verificou em 29 de julho de 1776, cinco dias antes de ser publicada a Declarao de Independncia Americana, o que ocorreria em 4 de julho daquele ano.
Tamanho feito, por parte de uma Colnia, no deve causar espanto. Ao darem contornos definitivos sua luta libertria, as colnias inglesas as Amrica reuniram-se num Congresso Continental, em 1774, que recomendou a formao de governos independentes. E nisso quem precedeu as demais foi justamente a Virgnia, que elaborou um Estatuto Fundamental com a deliberada inteno poltica de selar, por meio dele, a sua completa e irreversvel independncia. Conquanto inefvel o pioneirismo, a Constituio sa, de 1791, a que teve maior repercusso, irradiando a iniciativa para outras partes do mundo.

Levando-se em conta tais elementos, fica relativamente fcil entender que esse documento singular, solene e escrito, mesmo consagrado os valores da burguesia em ascenso, representou o coroamento de uma longa luta pela afirmao das liberdades pblicas e garantia dos direitos individuais, servindo de marco inicial a um novo tipo de sociedade.

Por isso mesmo, a partir da Revoluo Americana (1776) e da Revoluo sa (1789), e consolidado no sculo XIX, esse instituto especial adquiriu to grande prestgio terico que ou a ser considerado indispensvel, a ponto de nenhum estado contemporneo deixar de Ter a sua Constituio.

A um o do sculo XXI, a ningum a despercebido que o poderoso de hoje to necessitado de limitaes jurdicas quanto o poderoso do sculo XVIII ou de todos os tempos. E at agora no se inventou um instrumento melhor que a Constituio para, de forma eficaz e pacfica, promover a organizao do poder poltico e limitar o seu exerccio.

Por outro lado, a simples existncia de uma Carta Magna no o bastante para configurar a eliminao de injustias sociais ou assegurar a democratizao de um Estado. Em contrapartida, sem uma Constituio legtima e bem elaborada praticamente impossvel a democracia e a justia numa sociedade.

Na realidade, embora no se d a ele o significado que tinha no fim do sculo XVIII e primeira metade do sculo XIX, o fato que esse instrumento ainda aceito como prova de normalidade e sinal inequvoco da vigncia de certa ordem poltica e social, podendo operar elevados benefcios em prol da coletividade.

Aceitando-se esse ponto, tambm no se pode deixar de reconhecer que de muito pouco adianta a presena de Constituies, se ilegtimas ou desrespeitadas costumeiramente.

Na primeira hiptese, atravs do mau uso do direito, do apego ao formalismo jurdico e/ou imposio arbitrria de um conjunto de regras, os detentores do poder costumam fingir de democracia e escamotear seus mtodos e suas prticas condenveis. Esses exemplos, alguns, dentre tantos possveis, confirma a importncia terica da Constituio, mas tambm demonstram que " grande o risco de se Ter um sistema ditatorial, violento, corrupto ou demaggico, sob a aparncia de normalidade constitucional".

Note-se, porm, que nestes casos o que existe uma Constituio aparente, mero arremedo de texto constitucional objetivando legitimar regimes antidemocrticos. Logo, no h que se confundir a aparncia com a realidade. Importa, aqui, que as pessoas no se deixem iludir e no se acomodem diante de engenhosa falsificao, mas reajam e lutem pela obteno das vantagens que uma Constituio verdadeira proporciona.

J quando a Constituio deixa de ser respeitada e perde sua autoridade, rompe-se o ponto de referncia que obrigatrio para todos, acarretando o abandono do padro objetivo de justia da sociedade.

Como j se mencionou, a Constituio um conjunto de regras fundamentais, que nenhuma lei e nenhum ato jurdico pode contrariar. No se cumprindo a Lei Maior concorrem, em prejuzo do povo, a falta de unidade e coerncia do ordenamento jurdico, a incerteza quanto aos direitos e os deveres e a supresso da segurana no plano da aplicao das normas jurdicas. Preponderam, em conseqncia, a desorganizao, a instabilidade, a prepotncia, a corrupo e o privilegiamento a interesses minoritrios.

O desrespeito Carta Constitucional implica em desdobramentos tais que, tornando-se sistemtica a violao da dignidade humana e pulverizando os estados do regime democrtico , conduzem fatalmente a uma sociedade injusta, configurando o que Eduardo GALEANO, escritor uruguaio, rotula de uma "democradura".

Alm disso, no se pode perder de vista que, numa conjuntura mundial de constantes transformaes e progressiva interao, as mudanas sociais so inevitveis, e intensamente buscadas nos pases subdesenvolvidos para a correo dos profundos desequilbrios scio-econmicos ali existentes. E um processo pacfico de modificao da ordem pressupe a normalidade constitucional, onde o respeito Constituio traduz a possibilidade de se utilizar dos princpios e garantias nela estampados para o alcance das aspiraes comuns, impedindo atitudes discriminatrias e riscos de retrocesso.

O que permite concluir que o desrespeito Constituio torna inseguros os avanos sociais, com o srio risco de anulao das mudanas. Enquanto que, ao reverso, as conquistas populares sero mais facilmente consolidadas se includas na Carta Poltica e se esta merecer o respeito de todos, governantes e governados.

Logicamente, como os tempos so outros, impe-se uma indispensvel atualizao quanto ao sentido e s finalidades da Constituio.

Com relao a este ponto, desde logo tenha-se em mente que, no estertorar do sculo XX, a garantia de liberdade de todas as pessoas no se expressa unicamente no controle do poder poltico para impedir que os economicamente mais fortes reduzam a liberdade dos economicamente mais fracos e alicercem uma desmedida desigualdade entre os cidados. A par disso, a experincia tem demonstrado que a clssica idia de liberdade individual deve ser percebida num outro contexto organizacional, onde a participao, a repartio dos bens e o o aos benefcios da vida social favoream a todos e no permitam grandes desnveis..

Da a lio de que a maior novidade acerca dos objetivos da Constituio est no reconhecimento da necessidade de se utiliz-la por impor limites jurdicos ao poder econmico, disciplinando a obteno, a acumulao e o uso da riqueza, em funo dos interesses individuais e coletivos (Dalmo DALLARI, ob. Cit., p. 14).

Finalmente, cada aduzir que para operar com ampla eficcia, nos tempos do perfil que se lhe avocam os psteros, essencial que a Constituio seja legtima e justa. Vale dizer, que nasa da vontade do povo e promova a igualdade de participao no convvio social.

Assim, a Constituio legtima e justa um poderoso instrumento de promoo humana, contribuindo de modo indelvel para que as pessoas consigam viver com dignidade e paz de conscincia.

CONSTITUIO: ESTABILIDADE E LEGITIMIDADE

Na Constituio encontram-se as normas bsicas que compem a estrutura jurdica, poltica, social e econmica de um pas. Importa, pois, que ela seja mais estvel do que as demais leis. Por isso mesmo, recomendvel um acentuado rigor no processo destinado eventual reforma, Que se plasma por meio de emendas constitucionais. Serve de exemplo, nesse particular, a atual Carta Magna brasileira, apontada como "rgida" no que tange a mutabilidade.

A estabilidade confere prestgio e credibilidade Constituio. Se esta transitria, todo o ordenamento jurdico padece do mesmo mal da volubilidade poltica; o casusmo legal torna-se expediente rotineiro e a prpria Carta altamente malevel aos caprichos das classes dominantes.

Esse cuidado, porm, no significa que o legislador constituinte deva ignorar a validade de se conciliar o princpio da supremacia do texto constitucional com o princpio da necessidade de alterao das regras jurdicas. Afinal, o ideal de perenidade da lei prprio do reacionarismo mais abominvel, que torna imutveis as relaes sociais. Essa ideologia obsoleta, mantenedora do "status quo", urge ser amplamente rejeitada, porquanto, no dizer de Joo Baptista HERKENHOFF, "se a lei, que conserva, conservada, estreita-se, por meio da lei, a possibilidade de mudana" (Como Participar da Constituinte, Col. Fazer, SP, Vozes, 1986).

Ora, para que a Constituio contemple a evoluo societria ou se lhe antecipe, sem prejuzo de elementar e razovel durabilidade, a Constituio h de transpirar legitimidade. Ou seja, os valores e as aspiraes de um povo devem encontrar ressonncia no mago do texto constitucional. E mais, imprescindvel que a populao no s participe da sua feitura (processo constituinte), mas tambm mantenha permanente vigilncia que assegure sua aplicabilidade.

Destarte, existe uma ntima relao entre a estabilidade ideal da Constituio e a origem de sua elaborao. Se a Carta Poltica no reverenciou o povo, ela se torna vulnervel e instvel. Se o povo, por qualquer razo, permaneceu margem do processo constituinte, ele no sintoniza com o documento que rege a Nao, deixando de lutar pelo seu cumprimento, inclusive pelos dispositivos que lhe beneficiem.

E justamente onde o povo deixa de influir na fase antecedente aprovao do Estatuto Fundamental - votando mal, sendo trado pelo mau uso do mandato parlamentar ou no acompanhando organizadamente os desdobramentos -, o desrespeito. Essa propenso ainda maior quando da ocorrncia nefanda, constatada com certa freqncia, da Constituio imposta pelo poder arbitrrio, revelia da populao.

Embora no sculo XX a existncia de uma Constituio esteja associada com a imagem de governo democrtico, a deturpao da teoria constitucionalista permitiu rotular-se de Carta Magna um documento assim travestido, independentemente, as falsas Constituies, procurando-se design-las diferentemente das verdadeiras.

Diante do que, as Constituies so classificadas, quanto origem, em promulgadas e outorgadas.

promulgada aquela que resulta de assemblia popular, eleita para exercer a atividade constituinte. produto da vontade do povo, que se faz conhecer na boca das urnas, atravs de procedimento efetivamente livre, claro e inequvoco.

J a Carta outorgada aquela que emana de um indivduo ou de um grupo que no recebeu, diretamente do povo, o poder de exercer a funo constituinte. Ela no obedece regras, desconsiderando o processo regular de consulta prvia populao, pois expresso do arbtrio. s vezes, ela at chega a se identificar parcialmente com os interesses do povo, desde que esses coincidam coma vontade do ditador. Fique claro, porm, que o documento outorgado ilegtimo por sua origem e injusto por seus objetivos, no podendo ser confundido com uma Constituio autntica.

Resta, ainda, considerando os primeiros destinatrios deste estudo, esclarecer que nos pases organizados sob a forma de Federao por exemplo, o Brasil - ocorre uma distribuio do poder poltico entre as vrias unidades territoriais, que possuem cada qual competncias prprias ou concorrentes. Essas unidades so denominadas de Provncias ou de Estados-Membros, conforme a tradio de cada pas. No caso brasileiro, a diviso poltico-istrativa da Repblica se d atravs de Estados membros, que possuem a caracterstica de se auto-organizarem por meios de Constituies locais.

Assim, nos Estados Federais existe a Constituio Federal e Constituies Estaduais (ou Provncias). Naturalmente, a Constituio Federal figura a cima das Estaduais, inclusive delimitando o alcance do poder que cabe Unio (rbita federal) e o que se reserva aos Estados-Membros (rbita estadual). Nesse contexto, s o Estado Federal detm a soberania; s unidades federais se confere, to somente, autonomia regional ("poder residual ou remanescente") - cuja dimenso varivel de pas para pas.

Registre-se, por derradeiro, que os Municpios no tm uma Constituio propriamente dita, regendo-se atravs das chamadas Leis Orgnicas Municipais. A Lei Orgnica no pode contrariar a Carta estadual; e esta, por sua vez, subordina-se ao texto constitucional da Federao.

CONCLUSO

Por melhor e mais avanada que seja, a Constituio por si s, pouco vale. Dada a sua destinao, o seu significado est em razo direta de ser cumprida, assumida e respeitada por todos, governantes e governados. O que no exclui, conforme consideraes j expendidas, os embates democrticos pelo seu aperfeioamento ou regulamentao - buscando sempre mais colocar o Estado a servio das grandes parcelas da populao.

Naturalmente, a simples enumerao dos direitos e a previso de determinadas garantias - geralmente adstritas ao campo dos direitos civis e polticos - so insuficientes. Em sentido mais amplo, necessrio que sejam criadas as condies polticas, econmicas, sociais e culturais que assegurem a todas as pessoas as mesmas possibilidades de Ter e de usufruir os direitos todos.
Nesta questo, impe-se no perder de vista que a Constituio perdeu boa parte de seu prestgio e sua fora pelo fato de no ser efetivamente aplicada. Na opinio do renomado estudioso Karl LOEWENSTEIN, esse desprestgio decorre de vrios fatores negativos, ligados prtica, os quais podem ser assim resumidos: a) o comportamento dos governantes - que com certa freqncia desprezam as regras constitucionais, deixando de execut-las ou at ingerindo frontalmente contra elas; b) o comportamento dos juristas - que aram a se valer de uma linguagem complexa e rebuscada, tornando a Constituio alguma coisa obscura e distanciada da vida dos mortais comuns; e, c) o desinteresse popular - posto que a inrcia e a alienao perante o cumprimento das normas constitucionais diminui a autoridade da Carta e encoraja os que pretendem contrari-la ("Teoria de la Constitucin". Barcelona, Ed. Ariel, 1964).

Comentrios a parte, o certo que, consideradas a utilidade e a necessidade do sistema legal, a Constituio feita para ser praticada.

Uma das vantagens desse procedimento consiste na irradiao de uma conscincia constitucional na populao. Sempre que as pessoas percebem os benefcios proporcionados pela Lei Maior e so conscientes de que se pautam de acordo com ela ou contra ela, fica mais difcil o uso arbitrrio do poder, pois cada um exercer vigilncia diuturna sobre a constitucionalidade dos atos. Dessa forma, onde existe o costume de respeitar a Constituio, esta se fortalece progressivamente e tornam-se mais raras as tentativas de ao constitucional.

Ao contrrio, o seu desconhecimento pela maioria do povo vicia as prprias relaes interpessoais (concorrendo permissividade e conivncia, por exemplo) e deixa sem controle e sem fiscalizao os que dispem de qualquer espcie de poder, notadamente o poltico. Este, ento, fica completamente vontade para decidir a favor dos poderosos e apaniguados, menosprezando as expectativas e a vontade geral da populao. por a que se explica, em parte, a existncia de tantas leis, medidas provisrias e atos istrativos contrrios ao interesse pblico. Do que se depreende que a participao constante no somente um direito, mas tambm um dever de todos, pois a omisso de cada um deixa caminhos abertos para os injustos e audaciosos. Alis, preciso que todos os indivduos entendam que a ofensa ao direito de qualquer pessoa que no receber imediata punio, tampouco contar ao menos com a repulsa da comunidade envolvente, enfraquece todo o conjunto de regras de direito, pois fomenta-se com isso a certeza da impunidade.

A prtica constitucional traz, concomitantemente, a vantagem da certeza e da segurana dos direitos. pela Constituio, que para ser legtima e justa deve se estribar na prpria vida do povo, toda e qualquer pessoa: a) a a saber claramente o que pode, o que no pode e o que deve ser feito. Ou seja, facilmente visualiza o que lhe cabe exigir dos outros e vice-versa; b) fica no s conhecendo os seus direitos, mas sabendo como faz-los respeitar (usando dos mecanismos previstos), pelo que cada um se torna consciente de que responsvel pela proteo de seus direitos e dos direitos de todos.

Sendo indubitvel que a Constituio, como todas as leis, est condicionada a certos fatores que a antecedem, crvel deduzir que ela ser mais precria e autoritria quanto menor o grau de conscincia poltica do povo e sua possibilidade de participao organizada. Estes mesmos elementos, por sinal, influem sobre a maior ou menor possibilidade de violao dos direitos humanos.

A fase de inquietao e perplexidade que o Brasil vem atravessando revelar a todos o grau de eficcia da ltima Constituio, que vigora desde 05 de outubro de 1988. Uma Carta contraditria, imprecisa e vel de vrias crticas, mas que contm inegveis avanos, para o que tambm foi decisiva a capacidade de aglutinao e luta das organizaes de base. No texto constitucional abriram-se brechas e definiram-se instrumentos legais que oportunizam sensveis melhorias sociais e ampliam os espaos de real exerccio da cidadania.

Todavia, como si acontecer em pases do Terceiro Mundo, s h eficincia constitucional se concorrer vontade poltica. Do que cabvel inferir que as decises do Executivo, do Legislativo e do Judicirio so suscetveis manifestao popular, inclusive para a modificao ou regulamentao do ordenamento vigente.

Assim, diante da dicotomia entre a teoria e a prtica dos direitos humanos no pas, as organizaes representativas e cada um dos brasileiros tm um papel insubstituvel na hora presente, pois de sua mobilizao - contnua, cotidiana - depende a efetivao das conquistas abstratas estampadas na Carta Federal.

Ora, isso supe o conhecimento prvio de cada um dos seus prprios direitos, a difuso de tais conceitos, a organizao popular e a ampla participao do conjunto da sociedade, num processo cujo coroamento ser a "construo coletiva da concepo dos direitos humanos". Nesse aspecto, nada mais valioso do que se investir numa ao sistemtica e permanente destinada a educar para os direitos humanos, objetivando a consagrao de um novo tempo, onde haja liberdade qualitativa, igualdade de possibilidade, paz de conscincia e vida digna para todos - sinnimos maiores dos direitos humanos.

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