Direitos
Humanos e Cidadania
Sociedade
Catarinense de Direitos Humanos 6n444
Algumas Influncias na
Constituio Federal 5u1il
A Declarao Universal dos
Direitos Humanos, sntese jurdica que pretende exercer a tutela dos
direitos fundamentais do homem, principalmente contra os cometimentos
arbitrrios por parte do Estado, se revela um estatuto privilegiado
que alinha os tradicionalmente chamados direitos e garantias
individuais, em seguida contemplando os direitos difusos e coletivos.
Atravs de uma superposio
de conquistas ao longo da histria contempornea, a Declarao
Universal dos Direitos Humanos acabou por se constituir em base e
fundamento para um verdadeiro direito internacional de natureza
humanitria.
Trata-se de um diploma jurdico
que ou a conferir status de ente internacional ao indivduo,
protegendo-o como pessoa em todas as partes do mundo, consagrando trs
fundamentos essenciais: a certeza dos direitos, a segurana dos
direitos e a possibilidade dos direitos.
Com a Declarao de 1948,
tem inicio uma terceira e ltima fase, na qual a afirmao dos
direitos , ao mesmo tempo, universal e positiva: universal no
sentido de que os destinatrios dos princpios nela contidos no so
mais apenas os cidados deste ou daquele Estado, mas todos os homens;
positiva no sentido de que pe em movimento um processo em cujo final
os direitos do homem devero ser no mais apenas proclamados ou
apenas idealmente reconhecidos, porm efetivamente protegidos at
mesmo contra o prprio Estado que os tenha violado. No final desse
processo, os direitos do cidado tero se transformado, realmente,
positivamente, em direitos do homem. Ou. pelo menos, sero os
direitos do cidado daquela cidade que no tem fronteiras, porque
compreende toda a humanidade; ou, em outras palavras, sero os
direitos do homem enquanto direitos do cidado do mundo.
(Norberto Bobbio - A Era dos
Direitos)
Tal ordenamento implica na
fixao de direitos e deveres mtuos entre os indivduos de todas
as origens e procedncias, de modo a no subsistir qualquer excludncia
ou exceo.
Estabelece prerrogativas e
obrigaes inescusveis, tanto ao Estado como ao cidado comum,
constituindo-se em um dever de todos, e que tem como referencial a
permanente reciprocidade.
Necessrio enfatizar, ainda,
a sua importncia no apenas como um simples conjunto de normas jurdicas,
mas principalmente como iderio da humanidade em prol da construo
de uma sociedade universalizada, invariavelmente submisso apenas a parmetros
fundamentais de conduta, cuja dinmica vem se expressando atravs de
uma evoluo consubstanciada tanto pelos diplomas temticos especficos
que a ela vo se aderindo, como pela ao prtico de cada Estado e
de cada cidado no sentido de materializar efetivamente essas normas
na vida cotidiana.
(...) quero chamar a teno
para o fato de que a Declarao Universal apenas o incio de um
longo processo, cuja realizao final ainda no somos capazes de
ver. A Declarao algo mais do que um sistema doutrinrio, porm
algo menos do que um sistema de normas jurdicas. De resto, como j
vrias vezes foi observado, a prpria Declarao proclama os princpios
de que se faz pregoeira no como normas jurdicas, mas como ideal
comum a ser alcanado por todos os povos e por todas as naes.
(Norberto Bobbio - A Era dos
Direitos)
Na verdade, sob uma viso
relativista, percebe-se que o exerccio cotidiano dos princpios
estabelecidos pela Declarao Universal dos Direitos Humanos,
encontra-se ainda muito distante da realidade comum dos cidados em
qualquer parte do mundo, funcionando mais como um ideal a ser alcanado,
do que propriamente como uma coleo de regras em contnuo
cumprimento, estabelecendo assim um profundo e permanente paradoxo
existente entre o discurso jurdico e a ao social.
No se poderia explicar a
contradio entre a literatura que faz a apologia da era dos
direitos e aquela que denuncia a massa dos sem direitos. Mas os
direitos de que fala a primeira so somente os proclamados nas
instituies internacionais e nos congressos, enquanto os direitos
de que fala a segunda so aqueles que a esmagadora maioria da
humanidade no possui de fato (ainda que sejam solene e repetidamente
proclamados).
(Norberto Bobbio - A Era dos
Direitos)
Em ltima anlise, a Declarao
Universal dos Direitos Humanos, apesar de j revelar algumas lacunas
do esprito humano contemporneo em seu texto original, muito em
decorrncia do tempo decorrido em face dos direitos que foram
surgindo nesse nterim, proporciona uma viso dos Direitos Humanos bsicos
potenciais, fundamentalizados pelo reconhecimento e pela positivao,
sob forma concisa e objetiva, no perdendo de vista os mltiplos
aspectos do universo extremamente rico em modalidades de manifestaes,
onde trafega.
A Declarao Universal de
1948 apresenta hoje, meio sculo aps a sua proclamao pela
Assemblia Geral das Naes Unidas, duas deficincias evidentes.
Ela desconhece o direito identidade cultural das minorias tnicas,
religiosas ou lingsticas como contraponto necessrio ao princpio
da isonomia. direito este que s veio a ser reconhecido com a aprovao
do Pacto sobre Direitos Civis e polticos de 1966 (art. 27). Ela ,
ademais, anterior ao surgimento dos chamados direitos da humanidade,
como o direito paz, utilizao dos bens comuns a todos os
homens e preservao do meio ambiente.
J a Constituio Federal
promulgada em 1988, denominada informalmente como Constituio Cidad,
se revela como o diploma constitucional brasileiro mais afinado e
melhor identificado com os propsitos declaratrios, reconhecendo
uma pliade de Direitos Humanos como essenciais e fundamentais,
inserindo-os no pice do ordenamento jurdico ptrio - arduamente
conquistado e democraticamente construdo - ao qual tudo o mais se
subordina, principalmente as leis, enquanto regulamentadoras pela via
das normas infraconstitucionais.
A Carta de 1988 a
primeira Constituio brasileira a ele recai o princpio da prevalncia
dos direitos humanos, como principio fundamental a reger o Estado
brasileiro nas relaes internacionais.
(Flvia Piovesan Direitos
Humanos e o Direito Constitucional Internacional)
A Constituio trouxe
enorme progresso na rea da proteo dos direitos individuais ao
conferir tratamento especial aos direitos humanos, reconhecendo sua
universalidade e eficcia imediata. Em flagrante contraste com o Cdigo
Penal dos anos 1940, que d nfase idia do patrimnio, toma
uma clara posio na enumerao das garantias fundamentais, pela
defesa da vida e da pessoa humana.
(Paulo Srgio Pinheiro O
ado no est morto: nem ado ainda)
No entanto, foroso
reconhecer que, aqui e ali subsistem crticas, algumas severas, com
relao aos textos legais que elencam apenas os direitos, sem
explicitar em contrapartida os respectivos e correspondentes deveres.
Ora, uma Constituio no
tem que fazer declarao de deveres paralela declarao dos
direitos. Os deveres decorrem destes na medida em que cada titular de
direitos individuais tem o dever de reconhecer e respeitar igual
direito do outro, bem como o dever de comportar-se, nas relaes
inter-humanas, com postura democrtica, compreendendo que a dignidade
da pessoa humana do prximo deve ser exaltada como a sua prpria.
Na verdade, os deveres que
decorrem dos incisos do art. 5 tm como destinatrios mais o Poder Pblico
e seus agentes em qualquer nvel do que os indivduos em
particular.
(Jos Afonso da Silva - Curso
de Direito Constitucional Positivo)
A Constituio Federal
concede, atravs do Artigo 4-lI, a prevalncia dos Direitos Humanos
sobre os demais, num contexto de cooperao entre os povos para o
progresso da humanidade (Artigo 4 - IX), reconhecendo e reproduzindo
os princpios e direitos estipulados na Declarao Universal dos
Direitos Humanos.
O diploma constitucional
brasileiro vai alm, especificando novos e garantindo outros direitos
que surgiram e se consolidaram nas conscincias contemporneas
durante esse interregno de exatos quarenta anos verificado entre a
proclamao da Declarao Universal dos Direitos Humanos,
ocorrida em 1948, e a elaborao da mais recente carta
constitucional brasileira.
0 texto de 1988, traz uma
ordem econmica que tem como princpios a livre iniciativa, a livre
concorrncia, a propriedade privada, princpios de origem liberal
que ao lado de princpios de origem socialista, como a funo
social da propriedade, o pleno emprego, a dignidade do trabalho
humano, somam-se a direitos de terceira gerao como o direito do
consumidor e o meio ambiente, para apontar para uma ordem econmica
que embora avanada, pois incorpora o que h de mais atual em termos
de direitos fundamentais, pode no mximo ser interpretada como uma
ordem econmica neoliberal em sentido amplo, com um modelo de Estado
Social no clientelista, dentro de um modelo intervencionista estatal
com a finalidade de promover a diminuio das desigualdades sociais
e regionais dentro de um capitalismo social.
(Jos Luiz Quadros de Magalhes
Princpios Universais de Direitos Humanos e o Novo Estado Democrtico
de Direito)
Para tanto, at concepes
e conceitos como, soberania e autodeterminao sofreram reavaliaes
de contedo, principalmente sob o aspecto da subordinao sem
subalternizao, tudo com vistas a se compatibilizar com os
preceitos declaratrios, bem como com as recentes imposies
constitucionais.
Os motivos da resistncia
militar aos Direitos Humanos so, basicamente, ligados questo da
soberania brasileira.
(Dalmo de Abreu Dallari -
Direitos Humanos no Brasil: uma Conquista Difcil)
Verifica-se no presente
momento histrico a necessria anlise revisional do conceito de
soberania, conferindo-lhe amplitude democrtica. mediante afirmativa
presena da cidadania na vida nacional.
O espao pblico a
finalmente a dispor de agentes sociais, cada vez mais dotados de
conscincia e capacitao para propiciar eficcia normativa e
operacional de observncia dos valores bsicos dos seres humanos.
(Nilmrio Miranda
Direitos Humanos, Soberania e Desafios da Nacionalidade para o
Terceiro Milnio)
Na realidade, toda a estrutura
da Constituio Federal aproveita as emanaes jurdicas
fundamentais dispostas pela Declarao Universal dos Direitos
Humanos, ao ponto de essa ltima poder ser at considerada como sua
mentora e matriz.
A Constituio democrtica,
que pensamos, deve se aproximar de um texto que reduza os seus princpios
queles considerados universais, somados a princpios regionais,
desde que no inibidores da evoluo de modelos locais,
principalmente no que diz respeito ao estabelecimento de modelos scio-econmicos
pr-fabricados pelos conglomerados econmicos mundiais.
(Jos Luiz Quadros de Magalhes
Princpios Universais de Direitos Humanos e o Novo Estado Democrtico
de Direito)
Por outro lado, o carter
extremamente dinmico do reconhecimento dos mltiplos Direitos
Humanos potenciais, num contexto de elevada pluralidade de expresses
em todo o mundo, fundamentalizados exatamente atravs desses
reconhecimentos, ou seja, aram a se constituir em fundamento legal
para sua sustentao tica e jurdica, tem exigido do Brasil uma
postura de agilidade incomum ao Estado para acompanhar seu
desenvolvimento.
Para o prximo milnio,
aguarda-se do Brasil uma posio de concordncia dos instrumentos e
tratados de proteo pessoa humana, a reviso de clusulas
facultativas e a conjuno harmoniosa entre a Constituio Federal
e as normas internacionais de direitos humanos. Somente assim, nossa
integrao ao mundo dar-se- de forma satisfatoriamente global.
(Nilmrio Miranda - Direitos
Humanos, Soberania e Desafios da Nacionalidade para o Terceiro Milnio)
Apesar da premissa de que o
ordenamento jurdico de cada pas obrigatoriamente se submete s
ocasies e foras determinantes do momento histrico especifico de
sua elaborao, oferecendo variadas alternativas de estrutura, o
mesmo no acontece com as disposies mandamentais, que revelam uma
origem comum, uma matriz tica mundial, uma chancela que imprime um
extrato normativo capaz de concentrar um iderio, uma escala tica
de valores, tudo com vistas a expressar um mnimo denominador comum
contra o qual a humanidade no pode transigir.
A maioria, se no a
totalidade, dos preceitos desta Declarao nos deixa a impresso de
slogans comuns. E de fato o so. Sua maior fora est justamente
nisso. A evidncia o melhor sinal de sua procedncia. Um
documento como esse no procura a originalidade mas a veracidade.
Quanto menos provocar a contestao, como hoje se diz, do leitor,
mais ter alcanado o seu objetivo, que deve ser, antes de tudo,
tornar patente o que est latente em todas as conscincias. Numa
obra literria, o lugar-comum uma prova de inferioridade
substancial. Numa obra cientfica, o lugar-comum um grau inicial
ou elementar da aproximao da verdade. Mas, numa obra moral ou jurdica,
o lugar-comum um sinal de perfeio.
(Alceu Amoroso Lima Os
Direitos do Homem e o Homem sem Direitos)
Em idntico sentido, por tudo
quanto j foi dito, pode-se facilmente concluir que no podem
existir polticas pblicas de qualquer natureza, sem que em sua
formulao incidam, obrigatoriamente, a prevalncia e as
prerrogativas conferidas aos Direitos Humanos como referencial
permanentemente obrigatrio.
Por outro lado, os Direitos
Humanos somente se materializam atravs de polticas pblicas
eficazes, capazes de conferir sustentao ao pleno exerccio da
cidadania, contemplando polticas e aes que garantam o efetivo
cumprimento dos preceitos e normas fundamentais e, principalmente,
resultem na reduo as desigualdades sociais.
Em suma, o entrelaamento dos
diversos conceitos e princpios abrigados tanto na Declarao
Universal dos Direitos Humanos como na Constituio Federal, que
algumas vezes se imbricam e at mesmo se confundem, sem que haja uma
troca ou simbiose que lhes disfarce a origem, no permite que se
estabelea um percentual exato de incidncia, mas o grau de influncia
entre um texto e outro extremamente significativo, sendo que, em
muitos casos, a identidade absoluta, como que vertida da mesma
pena, e por uma conscincia mundial, que todo ser humano, a final,
tambm acaba por reconhecer como sua.
Tais observaes continuam
proporcionando diversificadas reflexes, uma delas o reconhecimento
da existncia de uma ordem e um direito supraconstitucional, que
parecem defender direitos e interesses supranacionais, mas que diz
respeito tanto a uma ordem jurdica e social multinacional, como ao
cotidiano de cada uma das pessoas indistintamente, e as atinge sem
exceo, de forma contundente e naquilo que lhes mais profundo e
essencial.
A luta pelos direitos
humanos se d no cotidiano, no nosso dia-a-dia, e afeta profundamente
a vida de cada um de ns e de cada grupo social. No mera convico
terica que faz com que os direitos sejam realidade, se essa adeso
no traduzida na prtica em atitudes e comportamentos que marquem
nossa maneira de pensar, de sentir, de agir, de viver.
(Vera Maria Candau - Tecendo a
Cidadania)
Num segundo momento, a
constatao da existncia de normas-matriz de comportamento
social e jurdico, que neste ltimo meio sculo vm servindo de
molde, matriz e modelo, tal qual uma chancela imprime um padro, que
confere ou no autenticidade a determinado Estado para participar,
seja por convico ou simples adeso, do conjunto das naes.
Outra reflexo que se faz
necessria pela contundncia do paradoxo, a virtual imposio
dos Direitos Humanos como matria imperativa, a salvo de discusses
e alternativas, em contraposio ao carter essencialmente popular,
controverso e plural da democracia, que inclusive lhes serve de
ambiente e adubo, estabelecendo um dilema quando da confrontao
entre a supremacia dos Direitos Humanos e a supremacia da vontade
popular.
Por outro lado, se se
ite que o Estado nacional pode criar direitos humanos, e no
apenas reconhecer a sua existncia, irrecusvel itir que o
mesmo Estado tambm pode suprimi-los, ou alterar de tal maneira o seu
contedo a ponto de torn-los irreconhecveis. Ademais, a criao
dos direitos humanos pelo Estado nacional conduziria
impossibilidade de se lhes atribuir o carter de exigncias postas
por normas universais. sem as quais, como salientou Kant. no h tica
racionalmente Justificvel.
(Fbio Konder Comparato - A
Afirmao Histrica dos Direitos Humanos)
Contudo, parece necessrio
repensar a democracia como simples elemento de participao
eleitoral, questionando at a prpria legitimidade da via da
representao como manifestao da vontade popular, procurando
estabelecer um maior envolvimento conceitual com a cidadania, com a
participao do cidado e com a adeso aos Direitos Humanos como
postulado bsico e como vontade popular dos povos.
Malgrado os dados e ndices
assustadores revelados nas mais diversas reas de atuao dos
Direitos Humanos, e as situaes no mnimo angustiantes pelos quais
atravessa o mundo contemporneo, com a aparente decretao do fim
das utopias polticas, emergem os Direitos Humanos como utopia possvel,
lanando mo de sua matriz tica como nico sonho indelvel,
reconhecendo a bandeira dos Direitos Humanos como um processo no
messinico de salvao da humanidade atravs de seu prprio esforo
e determinao. Mais que isso, reconhecendo a importncia de no
apenas fundament-los, proclam-los, ou mesmo expressar sua garantia
formal, mas principalmente internaliz-los, assumi-los, exerc-los e
proteg-los.
Surge agora vista o
termo final do longo processo de unificao da humanidade. E com
isto, abre-se a ltima grande encruzilhada da evoluo histrica:
ou a humanidade ceder presso conjugada da fora militar e do
poderio econmico-financeiro fazendo prevalecer uma coeso puramente
tcnica entre os diferentes povos e Estados, ou construiremos enfim a
civilizao da cidadania mundial, com o respeito integral aos
direitos humanos, segundo o princpio da solidariedade tica.
(Fbio Konder Comparato - A
Afirmao Histrica dos Direitos Humanos)
A utopia de um pas de
pessoas verdadeiramente livres, iguais em direitos e dignidade, comeou
a se converter em realidade. As barreiras do egosmo, da arrogncia.
da hipocrisia, da insensibilidade moral e da injustia institucional,
que at hoje protegeram os privilegiados, apresentam visveis
rachaduras. J comeou a nascer o Brasil de amanh, que por vias
pacificas dever transformar em realidade o sonho de justia e de
paz, que muitos j ousam sonhar.
(Dalmo de Abreu Dallari -
Direitos Humanos no Brasil: uma conquista difcil)
Pare e Reflita 20
A partir daquilo que j foi
lido at agora, como voc v a importncia dos Direitos Humanos na
sua vida cotidiana?