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1. Raiz ideolgica da violncia e tortura contra a mulher

No curso da histria temos observado os diferentes postos ocupados por homens e mulheres demonstrando, principalmente, as grandes diferenas entre os dois gneros. Estabeleceu-se, assim, no decorrer do tempo relaes de poder nas quais a mulher sempre tem ocupado uma posio de inferioridade em relao ao homem.

Discusses relativas s relaes de gnero facilmente desembarcam na questo da violncia contra a mulher. Na pr-histria, quando colocamos em questo a relao de poder e, conseqentemente, a violncia, possvel lembrarmos da figura do homem das cavernas puxando sua mulher pelos cabelos, revelando assim o domnio atravs da fora.

Para compreender melhor essa problemtica torna-se essencial apontar um fator, que, apesar de no ser o nico condicionante, tem influenciado para a criao dessa ideologia: o fator cultural. Tratam-se de julgamentos de valor, julgamentos estes que revelam uma superioridade masculina e, ainda por cima, outorgam ao macho a autoridade para dominar.

Na verdade, o fator cultural diz respeito s produes mitolgicas de uma cultura, isto , aos mitos que uma sociedade cria para explicar uma ou outra realidade, sobre a qual se conta uma pequena histria (o mito), geralmente satisfatria e no questionada pelas pessoas, que se vo servindo dela, sem que se detenham diante das realidades com verdadeiro sentido crtico.

Nesta problemtica, o mito aparece como conto ou expresso popular utilizado ingenuamente (ou talvez no) para legitimar a violncia contra as mulheres, remetendo-a para uma tradio cultural de desigualdade entre sexos, onde se tornam legtimos estes e outros crimes.

No Brasil, a situao no diferente. Tantos sculos de poder masculino inquestionvel foram mais do que suficientes para firmar a ideologia do patriarcalismo e do machismo. O machismo, herana de muito tempo, trouxe consigo o peso do machismo portugus que, por sua vez, sofreu a influncia rabe. Esse machismo se fortaleceu no Brasil, desde os tempos da Colnia, para onde vinham homens que deixavam na Europa suas mulheres, noivas e esposas e se juntavam s ndias e negras desprezadas, escravizadas. Neste perodo, o homem dominador, caracterizado como o senhor de engenho, detinha poder de vida e de morte sobre a famlia.

Entre as outras discriminaes, o machismo "classifica" os seres humanos a partir da produo em uma relao de produtor - consumidor. Em linhas gerais temos que o homem tido como o produtor, o explorador por direito (porque produz), forte, valente, ousado, corajoso, desconfia da ternura, da afetividade, ele manda, ele sabe. Enquanto isso a mulher to somente a consumidora, reprodutora, explorada, fraca (porque no possui bens de produo), tmida, covarde, incapaz, deve ser terna, afetuosa para com o homem, ela nunca sabe e sempre obedece. Em suma, o homem superior porque produz, e a mulher inferior porque consome.

Observa-se, ento, o sexismo _ uma postura que tende a excluir do cenrio poltico-social uma das personalidades, pela dominao ou pela anulao. Pelo esquema acima, o machismo vai se perpetuando. Atravs da educao e dos costumes estabelecidos na sociedade, as mulheres so incentivadas desde meninas a serem inseguras, sensveis e a cuidar dos outros, internalizando a sua condio de seres inferiores, menos capazes que os meninos, feitas para viver em funo do homem e para servi-lo, em vez de caminhar com ele lado a lado.

J os homens, desde pequenos, so incentivados a enfrentar o mundo da rua, a terem dificuldade para assumir medos e fragilidades e a exercer o poder sobre os outros. Desde cedo, ambos, meninas e meninos entram no processo de assimilao e adaptao dos preconceitos, sem se perguntar por que assim e no de outro jeito.

No Brasil dos anos dourados, as pginas das revistas e jornais que tratavam de assuntos femininos vm somente comprovar as idias sedimentadas sobre a diferena sexual predominante nessa sociedade. Jornal das Moas, Querida, Vida Domstica, Voc eram algumas dessas revistas e jornais. O Jornal das Moas apresentou os seguintes trechos em uma de suas edies nos anos 50: No que concerne mulher certo que [...] nestas ltimas dcadas seu raio de ao e atividade foi ampliado [...] mas no menos verdade que o trabalho de dona de casa continua o mesmo [...] como em todos os tempos, nossa regra primordial consiste em nos dedicarmos ao bem-estar da famlia, enquanto nossos maridos empenham-se em mant-la. (Jornal das Moas, 02 abr. 1959). O marido perfeito est ao nosso alcance, se cuidarmos de seu bom humor e no considerarmos nunca como uma obrigao ou como coisa natural sua eventual colaborao nos trabalhos domsticos. O trabalho caseiro nosso, o marido tem o seu. (Jornal das Moas, 02 abr. 1959).

A partir desses trechos podemos ver que o casamento - modelo designava funes distintas para homem e mulher. Tarefas de casa como cozinhar, lavar, ar e cuidar dos filhos eram consideradas exclusivamente femininas. O homens deveriam trabalhar fora para sustentar o lar, e, em casa, deveriam fazer apenas alguns reparos domsticos.

Em outras palavras, o ideal feminino nos anos 50 (e incrivelmente ainda hoje) era ser me, esposa e dona de casa.

Alm de todos esses fatores que contriburam para a formao de uma mentalidade preconceituosa no se pode deixar de relatar aqui, a influncia de todas as religies, cujos trabalhos o Velho Testamento, o Novo Testamento, o Talmude, o Coro, o Livro dos Mrmons colocam o homem acima da mulher e outorga ao macho a autoridade para dominar.

Tudo isso veio a somar para que surgisse e se desenvolvesse, no decorrer da histria, uma injusta diferenciao com base no gnero que acabou por legitimar o direito do homem de bater, violentar e torturar a mulher.

Alm da formao dessa ideologia existe ainda todo um histrico na humanidade relacionado prtica de tratamentos cruis, desumanos e degradantes. Os perodos histricos do Brasil em que houve a escravido e a ditadura militar so fatores fortssimos neste sentido, pois nestas duas pocas, grandes eram as barbaridades perpetradas contra seres humanos, e isso veio a somar para o desenvolvimento da mentalidade de dominao e do direito de submeter algum tortura.

2. A aceitao da violncia e tortura com base em alguns mitos

Antes de analisarmos as causas da prtica da violncia contra a mulher, iremos, antes, enfocar alguns mitos que de forma geral dificultam uma conscientizao para o combate de tais atos.

Pelo fato de se tratar de um fenmeno invisvel (Mulheres espancadas, fenmeno invisvel., Langley ,Roger e Levy, Richard C.), o problema das mulheres vtimas de violncia conjugal (casadas ou no) pensado, de forma geral, como algo pouco relevante. A verdade que ela est presente em todas as sociedades e sofrida por muitas mulheres, constituindo um problema social grave, com efeitos negativos na vida de muitas pessoas. Trata-se, primordialmente de um problema de direitos humanos.

Outro mito bastante difundido na sociedade o que diz: Entre marido e mulher no se mete colher. Na verdade toda a sociedade deve estar empenhada em lutar conjuntamente buscando o combate violncia e tortura contra a mulher. No se deve remeter esse problema ao foro privado do casal, considerando como sendo uma questo que diz respeito apenas ao agressor e mulher vtima, antes devem considerar como uma questo pblica que no pode ser tolerada.

S mulheres de meios sociais mais desfavorecidos tm esse problema. Esse mais um pensamento errado. A violncia conjugal est presente em todos os meios sociais, manifestando-se de vrias maneiras. A diferenciao existente que, na maioria dos casos, a violncia fsica ocorre com mais freqncia nos meios sociais mais desfavorecidos enquanto a violncia psicolgica, nos meios sociais mais favorecidos. Outra idia bastante difundida, e em particular no Brasil, a de que uma bofetada no magoa ningum ou, de uma forma mais popular, pancada de amor no di. A violncia perpetrada pelo companheiro no pontual, isolada, nica. Trata-se de uma vitimao continuada no tempo, revelando a existncia de um sistema que consiste em muitas agresses, fsicas e psicolgicas, sobre a mulher vtima. Consiste na prtica de vrios crimes pelo agressor contra a mulher vtima, repetidamente. Algo lastimvel o que a mdia prega atravs de algumas msicas, grupos e artistas. O contedo artstico revelado em muitos trabalhos s incentiva ainda mais a violncia e a discriminao sexual.

Mais um pensamento dominante o seguinte: o marido tem o direito ao corpo da mulher. Ela tem o dever de receber o marido sempre que ele quiser. Ningum tem o direito sobre o corpo de outrem. O marido tem apenas direito ao seu prprio corpo, como todas as outras pessoas. Ser do sexo masculino e ter uma esposa no lhe confere direito algum sobre a vontade desta. A mulher no tem o dever de se relacionar sexualmente com o seu marido sempre que ele o desejar, mas sim quando tambm ela o desejar. Todas as pessoas so livres. Todas as pessoas, homens ou mulheres, tm direito sua vontade prpria e a tomar decises sobre si mesmas.

Por ltimo existe a idia que existem mulheres que provocam os maridos, sendo essa a razo do descontrole do companheiro. A violncia conjugal no pode ser atribuda a um descontrolo por parte do homem, desculpabilizando-o dos seus atos criminosos por causa de um suposto comportamento provocatrio da mulher vtima. A violncia conjugal no deve ser tolerada, pois consiste em aes criminosas.

3. Violncia contra a mulher e tortura: conceitos

Neste ponto faremos uma explanao sobre os conceitos de violncia contra a mulher e tortura dentro das Convenes Internacionais e na lei brasileira. Com relao violncia, trataremos da Conveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher. Sobre o conceito de tortura, faremos uma anlise a partir da Conveno contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruis, Desumanas e Degradantes e da Conveno Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura.

Segundo a Conveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher (Conveno de Belm do Par), entende-se por violncia contra a mulher

qualquer ao ou conduta, baseada no gnero, que cause morte, dano ou sofrimento fsico, sexual ou psicolgico mulher, tanto no mbito pbico como no mbito privado.(art 1 )

Encontramos ainda, de forma mais especificada, no art. 2 , que a violncia contra a mulher

inclui a violncia fsica, sexual e psicolgica., ocorrendo em trs situaes diferentes. A primeira delas quando ocorre

dentro da famlia, ou unidade domstica, ou em qualquer outra relao interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domiclio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violao, maus tratos e abuso sexual.

A segunda situao ocorre quando a violncia se d

na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violao, abuso sexual, tortura, maus tratos de pessoas, trfico de mulheres, prostituio forada, seqestro e assdio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituies educacionais, estabelecimentos de sade ou qualquer outro lugar.

J a ltima ocasio quando a violncia

perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.

Acerca do exposto, podemos dividir em trs mbitos a violncia contra a mulher: no mbito domstico, na comunidade (por qualquer pessoa) e a perpetrada pelo Estado atravs dos seus agentes. Vale ressaltar a importncia dessa Conveno, pois a mesma possui fora vinculante, tem fora de lei, isto os Estados Partes so obrigados (de acordo com os artigos 7 e 8 ) a implement-la em seus pases, os quais podem ser cobrados no sentido de proteger as vtimas, prevenir a violncia e punir os agressores.

Em se tratando de tortura, existem, conforme dito antes, duas convenes, a Conveno Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (da OEA) e a Conveno contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruis, Desumanas e Degradantes (da ONU).

De acordo com a Conveno Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, temos que, o conceito de tortura , consoante o artigo 2 :

todo ato pelo qual so infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos fsicos ou mentais, com fins de investigao criminal, como meio de intimidao, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou com qualquer outro fim. Entender-se- tambm como tortura a aplicao, sobre uma pessoa, de mtodos tendentes a anular a personalidade da vtima, ou a diminuir sua capacidade fsica ou mental, embora no causem dor fsica ou angstia psquica.

Para a Conveno contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruis, Desumanos ou Degradantes (conveno da ONU), o conceito de tortura o seguinte:

qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos fsicos ou mentais, so infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informaes ou confisses; de castig-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminao de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos so infligidos por um funcionrio pblico ou outra pessoa no exerccio de funes pblicas, ou por sua instigao, ou com o seu consentimento ou aquiescncia.

Observa-se, a partir desses conceitos, que, em relao s trs situaes em que ocorre a violncia contra a mulher (domiclio comunidade por agentes do Estado), apenas este ltimo tipo de violncia contra a mulher (aquela perpetrada pelos agentes do Estado), pode se enquadrar como tortura, excluindo o que ocorre com a mulher que violentada de forma desumana, cruel e degradante pelo seu companheiro dentro do ambiente familiar ou no. A grande questo essa, existe legislao para tortura, existe fora vinculante (no caso da Conveno Interamericana), mas ambas as Convenes caracterizam tortura somente quando praticada por empregados ou funcionrios pblicos, quando tambm deveria mencionar a tortura praticada por indivduos privados.

O trabalho Tortura no Brasil: a banalidade do mal (de Luciano Mariz Maia), relata o seguinte: o Governo Federal da Alemanha props, em uma discusso acerca do conceito de agente pblico, que a expresso se referisse no apenas para aqueles investidos de autoridade pblica por um rgo do estado, mas tambm abrangesse pessoas que, em certas regies, ou sob condies particulares, efetivamente detivessem e exercessem autoridade sobre outras pessoas, e cuja autoridade fosse comparvel autoridade governamental, ou que, ainda que temporariamente, substitusse a autoridade governamental, ou cuja autoridade derivasse daquelas autoridades estatais. exatamente esse o diferencial, a autoridade exercida pelo agente em relao vtima. J vimos antes a relao de poder, o sexismo, enfim a posio da mulher de inferioridade em relao ao homem. Dessa forma, constatamos a real situao de autoridade do homem e submisso da mulher e, conseqentemente a caracterizao da violncia contra a mulher como tortura, nos casos em que perpetrada pelo seu companheiro, marido, namorado em qualquer relao interpessoal em que o agressor tenha convivido ou conviva no mesmo domiclio que a vtima, que se observe intensa aplicao de maus-tratos, fsicos ou mentais de forma continuada.

Ainda sobre o conceito de tortura, necessrio observar que, no Brasil, desde 1997 existe uma lei que define o crime de tortura, a Lei 9455/97. Essa lei, diferentemente, das Convenes supracitadas definiu de forma mais completa a tortura e trouxe, com isso a punio da tortura domstica.

Segundo a Lei 9455/97 , em seu art. 1 constitui crime de tortura:

I- constranger algum com emprego de violncia ou grave ameaa, causando-lhe sofrimento fsico e mental:

a) com o fim de obter informao, declarao ou confisso da vtima ou de terceira pessoa;

b) para provocar ao ou omisso de natureza criminosa;

c) em razo de discriminao racial ou religiosa;

II- submeter algum , sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violncia ou grave ameaa, a intenso sofrimento fsico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de carter preventivo.

1 Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurana a sofrimento fsico ou mental, por intermdio da prtica de ato no previsto em lei ou no resultante de medida legal.

2 Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evit-las ou apur-las, incorre na pena de deteno de um a quatro anos.

Atravs dessa lei, a primeira que veio a definir o crime de tortura, o Brasil diferenciou-se da ideologia seguida pela ONU e pela OEA de considerar tortura apenas quando h relao com agentes do Estado.

4. Caracterizao da tortura contra a mulher

A violncia contra a mulher pode ocorrer sob trs formas_ a violncia fsica, a sexual e a emocional ou psicolgica. A seguir veremos cada uma delas, buscando primordialmente enfocar as situaes em que os sofrimentos so agudos, ocorridos com intencionalidade, com o objetivo nico de castigar a vtima, enfim, tratamentos que so caracteristicamente chamados de tortura.

4.1 A tortura sexual

A relao de poder, da qual tratamos na primeira parte deste trabalho se faz presente em todas as relaes sociais e interpessoais entre homem e mulher, e, dessa forma, tambm se manifesta na relao sexual.

Os papis exercidos por ambos os gneros, os padres de comportamento e de conduta, os simbolismos determinados em sociedade, todos esses valores normatizam as relaes entre o masculino e o feminino, indicando, assim, atravs de uma idia dominante, as formas tidas como adequadas s condutas masculinas e femininas. Esses simbolismos orientadores, em geral, acabam sendo legalizados atravs de leis e normas jurdicas, presentes nos preceitos constitucionais e nos Cdigos Civil e Penal. Exemplo dessa legalizao dos papis sexuais est no direito do marido anular o casamento se souber que a sua esposa no era virgem anteriormente, sem que o mesmo direito seja estabelecido para as esposas.

Antes de qualquer coisa, a mulher, sob o aspecto sexual, considerada o objeto de prazer do homem. Ela deve se preparar desde cedo para agradar o homem, servindo-o da melhor maneira possvel, estando sempre sua disposio, e, sabendo que sua funo proporcionar prazer a ele, e no desfrutar conjuntamente. Dentro desse contexto e paralelamente a isso, existe a relao de domnio, na qual o homem possui um sentimento de posse em relao mulher. Ela, por sua vez, a a uma posio de objeto de violncia / tortura.

Com relao a isso, no podemos deixar de relatar a influncia do sadismo, masoquismo e sadomasoquismo para criao de um imaginrio que aponta para a violnica em relaes sexuais. Sadismo, do francs, sadisme, derivado de sade, significa um conjunto de perverses nas quais a satisfao sexual depende do sofrimento ou da humilhao infligida a um outro. J o masoquismo, do francs mosochisme, significa o mesmo: perverso sexual na qual o prazer s alcanado atravs do sofrimento efetivo e/ou humilhao imposta a outra pessoa. Esses tipos de relaes sexuais partem, teoricamente, do pressuposto de que ambos os parceiros concordem acerca do uso da violncia, mas, como dito antes, tudo isso colabora para a produo da violncia sexual. Alm do mais, o que est por trs dessas prticas , na verdade, a condio da mulher de escrava sexual , fazendo com que ela, muitas vezes , se submeta a tal papel com o nico objetivo de agradar ao outro.

Em geral, a violncia/tortura sexual envolta por relaes amorosas possuindo caractersticas distintas dos demais tipos de violncia. Neste caso, os laos afetivos e/ou de dependncia econmica contribuem para que a vtima no denuncie a agresso que, muitas vezes, se repete por longos anos e, no raramente, desaparece, encoberta pelas prprias vtimas que, por medo, vergonha ou paixo, no denunciam ou no levam ao fim a denncia contra o homem agressor. A mulher, vtima de espancamento, ite para si mesma que viveu e/ou vive essa experincia, como se fizesse parte de sua histria.

Dentro de quatro paredes, a relao de domnio e violncia, se manifesta das mais diversas formas. A princpio, o que mais ocorre o estupro. Entenda-se aqui, o estupro dentro do casamento ou em qualquer relao em que o agressor conviva com a vtima ou tenha convivido. Mas no s isso. No decorrer da relao o agressor, pelo simples sentimento de castigar, humilhar, provocar dores, ele usa diversos artifcios. Em uma edio da revista Veja de 1998, em uma reportagem sobre violncia contra a mulher, uma vtima declarou que teve suas partes genitais rasgadas com as unhas pelo seu marido. J uma outra vtima teve uma garrafa de lcool introduzida em seu nus e, em seguida, o marido estourou a garrafa com o lquido inflamvel.

O fator mais agravante nesses dois casos que as vtimas conviviam com seus companheiros h muito tempo e vinham sofrendo agresses constantemente. Isso revela um comportamento generalizado: s depois da situao limite que as vtimas chegam a denunciar, e isso quando no ocorre o pior, a morte.

4.2 A tortura fsica

A cada 4 (quatro) minutos uma mulher espancada no Brasil. Estatsticas como essa revelam uma situao generalizada e no s no Brasil, mas tambm no mundo.

Em um relatrio divulgado pela Anistia Internacional, Corpos Quebrados, Mentes Destroadas, foi divulgado que a tortura das mulheres ocorre de forma generalizada e que, na maioria dos casos, as vtimas conhecem os agressores, sendo eles parceiros ntimos. A percepo comum que se tem que a tortura ocorre somente nas delegacias de polcia.

Mas isso no verdade, trata-se de um fenmeno global. Em todos os pases mulheres so espancadas e violentadas por maridos ou namorados.

De acordo com estatsticas do Banco Mundial, pelo menos 20% das mulheres j foram vtimas de violncia fsica.. Um informe oficial norte-americano fez uma estimativa de que a cada 15 segundos uma mulher espancada, e 700 mil so violentadas por ano.

Na ndia, mais de 40% das mulheres casadas afirmam ter sofrido algum tipo de agresso sexual. No Egito, 30% confessam ter sido espancadas por seus maridos.

Tambm h denncias de "crimes contra a honra", que podem ir da tortura ao homicdio em pases como Iraque, Jordnia, Paquisto e Turquia.

A violncia fsica contra a mulher, diferentemente da sofrida pelo homem, mais visvel nas estatsticas de maus tratos do que nas de mortalidade. Isto significa que no se trata de uma violncia que visa o homicdio, mas sim o sofrimento acentuado, caracterizando mais uma vez, a tortura, de acordo com os conceitos vistos anteriormente: dores ou sofrimentos infligidos a algum com o objetivo de castigar, com base em discriminao. A mulher sofre violncia insidiosa que, apesar de no levar morte, deixa marcas profundas em si e na sociedade.

A violncia/tortura fsica praticada na conjugalidade (entre pessoas que vivem em situao conjugal, casadas ou no) se d em um sistema circular, ou seja: comea, processa-se e termina, iniciando-se novamente, na fase em que, primeiro, comeou.

Esse ciclo reflete as dinmicas da relao do casal, relao essa que ocorre em fases. Em primeiro lugar, inicia-se com a fase de aumento da tenso. Nesta fase inicial, as tenses cotidianas acumuladas pelo agressor contribuem para criar uma situao de perigo eminente para a vtima, que, geralmente culpada pelas tenses. Neste ponto qualquer coisa pretexto para que o agressor lance suas tenses sobre a mulher vtima. Esses pretextos podem ser uma roupa mal ada, a comida mal cozida, enfim, problemas do cotidiano de um lar. Em seguida vem a fase do ataque violento , na qual o agressor maltrata, fsica e psicologicamente, a mulher vtima, que procura defender-se apenas pela ividade, esperando que ele pare e no avance com mais violncia. Este ataque pode ser de grande intensidade, ficando, por vezes, a mulher vtima em estado bastante grave, necessitando de tratamento mdico, ao qual ele nem sempre lhe d o imediato. Por fim, chega a fase do apaziguamento, em que o agressor, depois de ter direcionado toda a violncia e tortura sobre a mulher, manifesta arrependimento e promete no voltar a ser violento. Afirma como motivo do ato o dia corrido, problemas no trabalho, enfim, fazendo a mulher acreditar que foi essa a ltima vez que ele se descontrolou. Como se v, o homem agressor envolve muito a mulher vtima, e, nesta fase usa bons tratos e a seduz.

Neste contexto, a mulher vive uma constante de medo, esperana e paixo. Medo, porque ela sabe do risco que corre; esperana , porque sonha em ser bem sucedida em seu projeto de vida com aquela pessoa; e paixo, ou amor, que continua a sentir pela pessoa. Ela vive numa dependncia emocional, e, quando no, essa dependncia financeira. Dessa forma, a mulher vai ando essa situao at um momento em que atingido um limite quando, por exemplo, os filhos so vtimas de espancamento e estupros.

Os mtodos usados para violentar e torturar a mulher nos lembram os mtodos utilizados no perodo da ditadura militar. O mais comum so os socos, tapas e pontaps. Alguns mtodos de tortura so as pancadas e golpes fortes, por exemplo, na cabea e at mesmo na barriga, quando ela est grvida (ele no respeita nem o perodo de gravidez), queimaduras provocadas por substncias inflamveis ou por cigarro, golpes com faca e outros instrumentos cortantes.

4.3 A tortura psicolgica

A mulher, como todo ser humano, tem direito de ter sua integridade psquica e moral respeitada. Infelizmente a violncia e a tortura psicolgica contra a mulher a a fazer parte da prpria cultura em decorrncia da relao de poder estabelecida na sociedade, que coloca a mulher em posio inferior em relao ao homem. Todo o conjunto de prticas sociais e culturais baseadas em conceitos de inferioridade e subordinao da mulher determina a violncia psicolgica sofrida pela mesma.

Este tipo de violncia e tortura est presente tanto quando ocorrem agresses fsicas, como as sexuais. Isso, porque, no momento em que ocorrem essas agresses, a mulher se encontra em um ambiente de medo, de presses psicolgicas, enfim, ela est em situaes de risco, sem defesa e dentro do prprio lar, o lugar que deveria ser, em tese, o mais seguro.

No contexto domiciliar ou na relao interpessoal com o agressor, este vai destruindo a auto - estima da mulher, aniquilando ou desprezando suas emoes, desvalorizando seus planos e sonhos e ridicularizando-a em casa ou na rua. Essa violncia evidencia aes que objetivam ofender, controlar e bloquear a autonomia da mulher, seu comportamento, suas crenas e decises.

O companheiro age atravs de agresses verbais, humilhao, intimidao, desvalorizao, ridicularizao, indiferena, ameaa, isolamento, controle econmico ou qualquer outra conduta que interfira nesse direito bsico de autodeterminao e desenvolvimento pessoal.

Devido violncia e tortura, vrios problemas de sade surgem na mulher, como, por exemplo, problemas de sade mental (ansiedade, depresso), disfunes sexuais, comportamentos compulsivos, enfim, problemas mltiplos de personalidade.

No h no Cdigo Penal Brasileiro nenhum artigo especfico criminalizando a violncia psicolgica. Mas, o crime de leso corporal (art. 129) inclui tambm a ofensa sade de algum, portanto sade mental. Inclusive, existem decises judiciais reconhecendo que tanto leso a desordem das funes fisiolgicas como a das funes psquicas. Assim, algumas vezes, possvel enquadrar a violncia psicolgica no crime de leso corporal, na parte que trata da leso sade.

A violncia psicolgica poder, ainda, se constituir no crime de ameaa. Atravs da ameaa se intimida, causa-se medo a algum

Por fim, a integridade psquica e moral poder ser atingida por condutas que configurem os crime contra a honra: a injria, a difamao e a calnia.

Ao tratarmos da tortura psicolgica, sempre existe uma idia de que algo menos importante e menos agravante que a tortura fsica ou sexual. No entanto, violncia psicolgica no pode ser ignorada haja vista os grandes males que advm dela. Pelo exposto e, relacionando com os conceitos de tortura apresentados antes, podemos facilmente identificar essa prtica, de fato, como tortura, pois um conjunto de tratamentos cruis, desumanos e degradantes, no qual a vtima est completamente sem defesa e na condio de submissa autoridade do agressor (marido, namorado, companheiro).

5. Motivos da violncia e tortura contra a mulher

Vrios so os motivos que convergem para a agresso e tortura da mulher, sendo que deve-se ter em mente que nenhum deles justificvel.

Identificar o tipo de homem que agride a esposa ou a companheira tem sido objeto de estudo de vrios socilogos e psiclogos.

Muitos estudos tm mostrado os pobres como protagonizantes na maioria dos casos. Essa linha de pensamento procura estabelecer uma relao inversa entre a renda e a violncia na famlia, isto , nas famlias de baixa renda a quantidade de casos maior, enquanto que nas famlias de alta renda o nmero de casos menor. Apesar desses estudos apontarem a classe baixa sob este aspecto, muitos cientistas sociais vislumbram a classe mdia como foco de maior incidncia de espancamentos contra a mulher, sugerindo que muitos casos noticiados pertencem s famlias de renda baixa, enquanto a classe mdia, possuindo mais privacidade em seu estilo de vida, no divulga a instabilidade em que se envolve a famlia. As mulheres de classes mdia e alta no denunciam para preservarem seu status e por terem receio com ralao a escndalos.

O que certo afirmar, atravs da experincia histrica, que a violncia e tortura contra a mulher no conhece barreiras geogrficas, sociais, econmicas, tnicas ou raciais. Fazem parte desse conflito pessoas de todas as idades, faixas de renda, raas, religies, situaes empregatcias, sendo um tanto quanto difcil definir o perfil caracterizador dos agressores.

J os motivos da agresso, isso bem mais claro. O esprito violento de alguns homens contra as mulheres possui como causa diversos fatores, entre os quais esto o cime, o uso do lcool e drogas, a recusa da mulher em manter relaes sexuais, frustraes, violncia como recurso para resolver problemas e mudanas que ocorrem na vida conjugal (casados ou no) .

O cime doentio figura como um dos motivos mais freqentes para a prtica da tortura da mulher. Homens com uma auto imagem vulnervel, acometidos por profundos sentimentos de inaptido, por se sentirem longe do ideal de masculinidade estabelecido pela sociedade, tm recorrido utilizao da violncia como forma de provar sua masculinidade, demonstrando um cime extremado. A insinuao de adultrio ou traio agrava-se na mente do homem, principalmente, se a mulher trabalha fora de casa, estuda, visita regularmente o dentista ou o mdico. Qualquer ao que leve ela a sair de casa motivo para insinuar a existncia de um outro relacionamento afetivo fora do lar, com outro homem.

Com relao ao consumo de bebidas alcolicas, na maioria dos casos de violncia e tortura que chegam ao conhecimento das autoridades, h o consumo do lcool. A verdade a respeito disso que os agressores no agiram porque estavam embriagados, mas antes beberam com o objetivo de violentar.

A recusa da mulher de manter relaes sexuais com seu parceiro mais um fator motivador do ato de violentar e torturar a mulher. A esse respeito, um ponto importante a viso que existe na sociedade de que a mulher deve servir ao homem, ela deve ser uma pessoa despojada de vontade prpria, sem direito de deciso sobre seu corpo, sobre seu prazer, constituindo um objeto de seu companheiro, conforme dito anteriormente.

As condies de frustrao, como os limites impostos socialmente, o problema do desemprego, alm de outras tenses econmicas, aliado ideologia masculina vigorante na sociedade, pode levar o homem atos de brutalidade.

Tambm as mudanas que surgem na relao conjugal (casados ou no), como gravidez, , obesidade, mudanas na personalidade da mulher, um emprego conseguido, ou quando a mulher a a estudar, enfim, tudo aquilo que represente, aos olhos do homem, uma mudana no seu estilo de vida, ou que coloque o homem no risco de perder seu posto de mais capacitado, pode acionar nele reaes violentar que o levem a violentar e torturar a companheira.

A violncia do companheiro pode, em muitos casos, ser um reflexo da construo da violncia em seu comportamento, atravs do tempo, ou seja, quando a criana aprendeu que a punio fsica instaurada pelos seus pais um meio para se conseguir uma reforma social ou de comportamento. Aprenderam que a violncia em certos casos justificada para resolver problemas.

Inmeros estudos mostram que as crianas testemunhas de violncia domstica, tendem a imitar este tipo de comportamento, reproduzindo essas cenas mais tarde, quando constiturem suas famlias. Elas am a possuir todo um conjunto ideolgico aprendido com os pais.

So estes os mais importantes motivos da violncia e tortura aplicada mulher por seu companheiro, namorado ou marido. So fatores que explicam, mas no justificam pois a mulher, como todo ser humano possui direitos inerentes que apontam para um vida digna e livre de maus tratos.

6. Formas de combate

A forma de combater a violncia contra a mulher atravs da denncia em delegacias especializadas da mulher. Alm disso, claro, deve existir todo um aparato para acolher a mulher vtima, a fim de trat-la tanto fisicamente como psicologicamente, e buscando, de forma precpua, proteg-la de possveis revides por parte do agressor.

Libertar a mulher espancada e agredida sexual e psicologicamente algo de suma importncia para tambm lanar por terra a prtica da tortura. Comumente as mulheres tem se mostrado em inrcia quando so agredidas . Em mdia, apenas um sexto da violncia contra a mulher denunciada. Existem muitas barreiras para a efetiva atuao de programas de combate e uma delas diz respeito s prprias mulheres que buscam ajuda.

As formas de efetivar esse combate se d atravs de legislaes tanto internas como a nvel internacional. Um ponto bastante relevante e inovador da Coveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a mulher (Conveno de Belm de Par), o mecanismo das peties individuais, que proporciona um sistema mais completo de proteo nos casos de violncia, possuindo, no entanto, o incoveniente de no caracterizar a tortura da mulher. Alm disso, esse sistema de peties individuais s poder ser aplicado quando se esgotarem todos os recursos internos do Pais.

A Incorporao dos direitos humanos nas legislaes dos pases tambm constitui um grande avano para a proteo da mulher e combate da violncia e tortura.

Com relao ao Brasil, as formas de combate incluem uma legislao que define claramente o crime de tortura e alm disso estipula penas para o agressor. O sistema de combate tortura constitui-se de Delegacias da Mulher e Delegacias Distritais; rgos Governamentais _ Ministrio Pblico, Defensoria Pblica e Juizados; rgos no-governamentais de defesa dos direitos da mulher. Alm desses rgos, toda uma ao conjunta da mdia e instituies de educao deve ocorrer objetivando a luta contra a violncia e tortura.

A mulher tambm deve fazer sua parte, denunciando e no retirando sua queixa, levando-se em considerao as dificuldades para se punir efetivamente os agressores. Por um lado, a deciso de buscar, num momento de crise, a ajuda de um centro de apoio mulher ou mesmo de fazer a denncia, significa um certo grau de percepo e compreenso dos problemas que as afligem. Por outro lado, elas no sabem muito bem porque procuram ajuda e o que podem esperar dessa ajuda. Na verdade, as mulheres chegam at esses centros buscando algum tipo de apoio, esclarecimentos e solidariedade, justamente quando seu problema atinge os limites do vel, mas no se mostram dispostas a questionarem as razes dessa situao.

Os rgos que trabalham com o apoio de mulheres vtimas, na pessoa de seus profissionais devem ser bem treinados no sentido de acolher a vtima com ateno e dar-lhe um atendimento conveniente.

7. Casos concretos de tortura contra a mulher

Os casos concretos foram fundamentados em visitas a alguns rgos estaduais, a uma ONG e ao Hospital Maternidade Frei Damio, todos localizados em Joo Pessoa. O trabalho constou de entrevistas com profissionais atuantes na rea e algumas vtimas que, por questes de tica e segurana, no tiveram seus nomes identificados neste trabalho. Os rgos estaduais visitados foram a Delegacia da Mulher, localizada na Central de Polcia e a Secretaria de Cidadania e Justia, localizada no Centro istrativo Estadual. A Organizao no governamental referida anteriormente foi o Centro da Mulher 8 de Maro.

O primeiro caso concreto a ser relatado trata de tortura psicolgica. Segundo a vtima, ela e seu companheiro eram noivos e, aps os seis primeiros meses de namoro ele mudou completamente seu comportamento para com ela, ando a demonstrar um cime doentio revelado em diversas situaes em que ela se sentia sempre vigiada por ele. Ele a deixava todos os dias na Faculdade e ficava esperando o trmino da aula. Era agressivo com as amigas dela e no a permitia conversar com homens. Na verdade, ele se sentia inseguro porque ela era um pessoa bem independente, pois trabalhava, estudava e tinha um bom crculo de amizades. Com o tempo o cime foi se tornando cada vez mais patolgico de forma que ele chegou a ameaar familiares dela se ela viesse a findar o relacionamento. A vtima, ento, temendo escndalos, ou muito tempo escondendo dos familiares e amigos o que de fato ocorria _ ela estava se sentindo pressionada psicologicamente. Em um episdio ocorrido num bar, esta mulher, ao ser olhada por outros homens, foi surpreendida por uma promessa feita pelo seu noivo. Ele afirmou que preferia ver seu rosto queimado a ver outros homens olhando para ela. Nesse momento ela despertou para o perigo vivido e ou a procurar meios de finalizar o noivado. A partir da ela o fez entender que no estava mais interessada nele. Em um certo dia, ento, ele chegou com uma arma na casa dela e, como, a princpio, no conseguiu v-la , ameaou atirar na me dela. No houve nenhum acidente, mas ela j estava certa do que deveria fazer. Finalmente, por influncia de familiares, ele decidiu se mudar para outro Estado. A histria se ou h cinco anos, mas ainda hoje a vtima tem receio de reencontr-lo.

O segundo caso que trataremos aqui de tortura sexual. Em visita ao Hospital Maternidade Frei Damio, obtiveram-se informaes a respeito de alguns casos de violncia e tortura. importante enfatizarmos que o referido hospital trabalha juntamente com curadorias, delegacias e ONGs ( Cunh, Centro 8 de maro e Amazona) e pertence Secretaria Estadual de Sade, sendo o nico hospital em Joo Pessoa que trata das mulheres vtimas de violncia sexual atravs de um programa estadual, o Programa de Assistncia s Mulheres Vtimas de Violncia Sexual.

Devido debilidade fsica e psicolgica das vtimas torna-se difcil o o a elas com o fim de colher informaes especficas. Dessa forma, o o s informaes se deu atravs da colaborao da Assistente Social daquela instituio. Segundo a profissional, a vtima j vivia com o seu companheiro h alguns anos. J estando separados, ele, certo dia, arrombou a grade de sua casa e, tomado por um sentimento de cime e machismo, materializou a expresso: se voc no minha, no ser mais de ningum. O agressor, nesse momento, estuprou-a . Seus filhos estavam dormindo e, no momento da violncia sexual, ela teve a preocupao de se calar para evitar que eles ouvissem e se assustassem, agravando ainda mais seu sofrimento. Aps o estupro, o agressor introduziu a mo e, ao finalizar, aspergiu desodorante com o objetivo de intensificar a dor .

Finalmente o terceiro caso que iremos relatar trata de tortura fsica. Esta a que se apresenta em maior nmero. A vtima, uma mulher de 25 anos, morava com seu companheiro h cinco anos. Durante esse perodo de convivncia ele sempre espancava-a e ameaavaa de morte nos momentos em que estava embriagado. Conforme afirmou a vtima, ele sempre se justificava depois alegando o fato de ter ingerido bebida alcolica. No princpio, por estar apaixonada, ela no pensava em deix-lo. Num segundo momento, ela tambm se sentiu presa a ele por no ser financeiramente independente para criar seu filho. Depois de muito sofrimento, ela decidiu se separar dele e ou a morar com sua me, levando consigo o filho. Certo dia ele decidiu ver seu filho e, quando chegou na casa da sogra, sua ex - mulher estava ando roupas. Ele comeou a discutir com ela quando tomou o ferro de ar e queimou-a. Nessa histria, os espancamentos podem ser considerados uma tortura fsica.

8. Concluses

Com base no que foi exposto neste trabalho, verifica-se que a tortura contra a mulher uma prtica disseminada na sociedade devido a vrios fatores que estabeleceram uma diferenciao com base no gnero.

Existem legislaes que buscam prevenir e punir os crimes de violncia a nvel internacional, mas no h nada, de forma especfica, a respeito da tortura aplicada mulher quando perpetrada por companheiro dentro de domiclio ou no. Sobre isso, importante observar a necessidade de um alargamento do conceito de tortura, abrangendo no somente os agentes pblicos, mas tambm agentes privados, fundamentando dessa forma a defesa deste trabalho em caracterizar as graves violncias j referidas como tortura contra a mulher.

vlido ressaltar que crimes de violncia no podem ser colocados no mesmo patamar que os crimes de tortura, visto que estes so dotados de maior severidade e crueldade, alm de ocorrerem de forma continuada. Alm disso, as punies previstas para os crimes de tortura devem ser mais acentuadas do que as punies para os crimes de violncia, e isso objetivando um completo monitoramento no que diz respeito aos direitos humanos .

BIBLIOGRAFIA

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Maia, Luciano Mariz. Tortura no Brasil: a banalidade do mal.

Maia, Luciano Mariz. O Cotidiano dos Direitos Humanos. Joo Pessoa: Editora

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Piovesan, Flvia. Temas de Direitos Humanos. Editora Max Limonad, 1998.

Piovesan, Flvia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Editora Max Limonad.

Priore, Mary Del (org.); Bassanezi, Carla (coord. de textos). Histria das Mulheres no

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