No
curso da histria temos observado os diferentes
postos ocupados por homens e mulheres demonstrando,
principalmente, as grandes diferenas entre os dois gneros.
Estabeleceu-se, assim,
no decorrer do tempo relaes de poder nas
quais a mulher sempre tem ocupado uma posio de
inferioridade em relao ao homem.
Discusses relativas s relaes
de gnero facilmente desembarcam na questo da violncia
contra a mulher. Na pr-histria, quando colocamos
em questo a relao de poder e, conseqentemente,
a violncia, possvel lembrarmos da figura do
homem das cavernas puxando sua mulher pelos cabelos,
revelando assim o domnio atravs da fora.
Para
compreender melhor essa problemtica torna-se
essencial apontar um fator, que, apesar de no ser o
nico condicionante, tem influenciado para a criao
dessa ideologia:
o fator cultural. Tratam-se de julgamentos de
valor, julgamentos estes que revelam uma superioridade
masculina e, ainda por cima, outorgam ao macho a
autoridade para dominar.
Na
verdade, o fator cultural diz respeito s produes
mitolgicas de uma cultura, isto , aos mitos que
uma sociedade cria para explicar uma ou outra
realidade, sobre a qual se conta uma pequena histria
(o mito), geralmente satisfatria e no questionada
pelas pessoas, que se vo servindo dela, sem que se
detenham diante das realidades com verdadeiro sentido
crtico.
Nesta
problemtica, o mito aparece como conto ou expresso
popular utilizado ingenuamente (ou talvez no) para
legitimar a violncia contra as mulheres, remetendo-a
para uma tradio cultural de desigualdade entre
sexos, onde se tornam legtimos estes e outros
crimes.
No Brasil, a situao no
diferente. Tantos sculos de poder masculino
inquestionvel foram mais do que suficientes para
firmar a ideologia do patriarcalismo e do machismo. O
machismo, herana de muito tempo,
trouxe consigo o peso do machismo portugus
que, por sua vez, sofreu a influncia rabe. Esse
machismo se fortaleceu no Brasil, desde os tempos da
Colnia, para onde vinham homens que deixavam na
Europa suas mulheres, noivas e esposas e se juntavam
s ndias e negras desprezadas, escravizadas. Neste
perodo, o homem dominador, caracterizado como o
senhor de engenho,
detinha poder de vida e de morte sobre a famlia.
Entre as outras discriminaes,
o machismo "classifica" os seres humanos a
partir da produo em uma relao de produtor -
consumidor. Em linhas gerais temos que o homem tido
como o produtor, o explorador por direito (porque
produz), forte, valente, ousado, corajoso,
desconfia da ternura, da afetividade, ele manda, ele
sabe. Enquanto
isso a mulher to somente a consumidora,
reprodutora, explorada, fraca (porque
no possui bens de produo), tmida,
covarde, incapaz, deve ser terna, afetuosa para com o
homem, ela nunca sabe e sempre obedece. Em suma, o
homem superior porque produz, e a mulher inferior
porque consome.
Observa-se, ento,
o sexismo _
uma postura que tende a excluir do cenrio poltico-social
uma das personalidades, pela dominao ou pela anulao.
Pelo esquema acima, o machismo vai se perpetuando.
Atravs da educao e dos costumes estabelecidos na
sociedade, as mulheres so incentivadas desde meninas
a serem inseguras, sensveis e a cuidar dos outros,
internalizando a sua condio de seres
inferiores, menos capazes que os meninos, feitas para
viver em funo do homem e para servi-lo, em vez de
caminhar com ele lado a lado.
J
os homens, desde pequenos, so incentivados a
enfrentar o mundo da rua, a terem dificuldade para
assumir medos e fragilidades e a exercer o poder sobre
os outros. Desde cedo, ambos, meninas e meninos entram
no processo de assimilao e adaptao dos
preconceitos, sem se perguntar por que assim e no
de outro jeito.
No Brasil dos anos dourados, as pginas
das revistas e jornais que tratavam de assuntos
femininos vm somente comprovar as idias
sedimentadas sobre a diferena sexual predominante
nessa sociedade. Jornal das Moas, Querida, Vida Domstica,
Voc eram algumas dessas revistas e jornais. O Jornal
das Moas apresentou os seguintes trechos em uma de
suas edies nos anos 50:
No que concerne mulher certo que [...]
nestas ltimas dcadas seu raio de ao e
atividade foi ampliado [...]
mas no menos verdade que o trabalho de
dona de casa continua o mesmo [...] como em todos os
tempos, nossa regra primordial consiste em nos
dedicarmos ao bem-estar da famlia, enquanto nossos
maridos empenham-se em mant-la. (Jornal das Moas,
02 abr. 1959). O
marido perfeito est ao nosso alcance, se cuidarmos
de seu bom humor e no considerarmos nunca como uma
obrigao ou como coisa natural sua eventual
colaborao nos trabalhos domsticos. O trabalho
caseiro nosso, o marido tem o seu. (Jornal das
Moas, 02 abr. 1959).
A partir desses trechos podemos
ver que o casamento - modelo designava funes
distintas para homem e mulher. Tarefas de casa como
cozinhar, lavar,
ar e cuidar dos filhos eram consideradas
exclusivamente femininas. O homens deveriam trabalhar
fora para sustentar o lar, e, em casa, deveriam fazer
apenas alguns reparos domsticos.
Em outras palavras, o ideal
feminino nos anos 50 (e incrivelmente ainda hoje) era
ser me, esposa e dona de casa.
Alm de todos esses fatores que
contriburam para a formao de uma mentalidade
preconceituosa no
se pode deixar de relatar aqui, a influncia de todas
as religies, cujos trabalhos o Velho Testamento,
o Novo Testamento, o Talmude, o Coro, o Livro dos Mrmons
colocam o homem acima da mulher e outorga ao macho
a autoridade para dominar.
Tudo isso veio a somar para que
surgisse e
se desenvolvesse, no decorrer da histria, uma
injusta diferenciao com base no gnero que acabou
por legitimar o direito do homem de bater,
violentar e torturar a mulher.
Alm da formao dessa
ideologia existe ainda todo um histrico na
humanidade relacionado prtica de tratamentos cruis,
desumanos e degradantes. Os perodos histricos do
Brasil em que houve a escravido e a
ditadura militar so fatores fortssimos
neste sentido, pois nestas duas pocas, grandes eram
as barbaridades perpetradas contra seres humanos, e
isso veio a somar para o desenvolvimento da
mentalidade de dominao e do direito de submeter
algum tortura.
2.
A aceitao da violncia e tortura com base
em alguns mitos
Antes de analisarmos as causas da
prtica da violncia contra a mulher, iremos, antes,
enfocar alguns mitos que de forma geral dificultam uma
conscientizao para o combate de tais atos.
Pelo fato de se tratar de um
fenmeno invisvel (Mulheres
espancadas, fenmeno invisvel., Langley ,Roger e Levy, Richard C.), o problema das mulheres vtimas de
violncia conjugal (casadas ou no) pensado, de
forma geral, como algo pouco relevante. A verdade
que ela est presente em todas as sociedades e
sofrida por muitas mulheres, constituindo um problema
social grave, com efeitos negativos na vida de muitas
pessoas. Trata-se, primordialmente de um problema de
direitos humanos.
Outro mito bastante difundido na
sociedade o que diz: Entre marido e mulher no
se mete colher. Na verdade toda a sociedade deve
estar empenhada em lutar conjuntamente buscando o
combate violncia e tortura contra a mulher. No
se deve remeter esse problema ao foro privado do
casal, considerando como sendo uma questo que diz
respeito apenas ao agressor e mulher vtima, antes
devem considerar como uma questo pblica que no
pode ser tolerada.
S
mulheres de meios sociais mais desfavorecidos tm
esse problema. Esse mais um pensamento errado.
A violncia conjugal est presente em todos
os meios sociais, manifestando-se de vrias maneiras.
A diferenciao existente que, na maioria dos
casos, a violncia fsica ocorre com mais freqncia
nos meios sociais mais desfavorecidos enquanto a
violncia psicolgica, nos meios sociais mais
favorecidos. Outra idia bastante difundida, e em
particular no Brasil, a de que uma bofetada no
magoa ningum ou, de uma forma mais popular,
pancada de amor no di. A violncia
perpetrada pelo companheiro no pontual, isolada,
nica. Trata-se de uma vitimao continuada no
tempo, revelando a existncia de um sistema que
consiste em muitas agresses, fsicas e psicolgicas,
sobre a mulher vtima. Consiste na prtica de vrios
crimes pelo agressor contra a mulher vtima,
repetidamente. Algo lastimvel o que a mdia
prega atravs de algumas msicas,
grupos e artistas. O contedo artstico
revelado em muitos trabalhos
s incentiva ainda mais a violncia e a
discriminao sexual.
Mais
um pensamento dominante o seguinte: o marido tem
o direito ao corpo da mulher. Ela tem o dever de
receber o marido sempre que ele quiser.
Ningum tem o direito sobre o corpo de outrem.
O marido tem apenas direito ao seu prprio corpo,
como todas as outras pessoas. Ser do sexo masculino e
ter uma esposa no lhe confere direito algum sobre a
vontade desta. A mulher no tem o dever de se
relacionar sexualmente com o seu marido sempre que ele
o desejar, mas sim quando tambm ela o desejar.
Todas as pessoas so livres. Todas as pessoas,
homens ou mulheres, tm direito sua vontade prpria
e a tomar decises sobre si mesmas.
Por
ltimo existe a idia que existem mulheres que
provocam os maridos, sendo essa a razo do
descontrole do companheiro. A violncia conjugal no
pode ser atribuda a um descontrolo por parte do
homem, desculpabilizando-o dos seus atos criminosos
por causa de um suposto comportamento provocatrio da
mulher vtima. A violncia conjugal no deve ser
tolerada, pois consiste em aes criminosas.
3.
Violncia contra a mulher e tortura: conceitos
Neste ponto faremos uma explanao
sobre os conceitos de violncia contra a mulher e
tortura dentro das Convenes Internacionais e na
lei brasileira. Com relao violncia,
trataremos da Conveno Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a
Mulher. Sobre o conceito
de tortura, faremos uma anlise a partir da Conveno contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruis, Desumanas
e Degradantes e da Conveno Interamericana
para Prevenir e Punir a Tortura.
Segundo a Conveno
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher (Conveno de Belm do Par),
entende-se por violncia contra a mulher
qualquer
ao ou conduta, baseada no gnero, que cause
morte, dano ou sofrimento fsico, sexual ou psicolgico
mulher, tanto no mbito pbico como no mbito
privado.(art 1 )
Encontramos ainda, de forma mais
especificada, no art. 2 , que a violncia
contra a mulher
inclui a
violncia
fsica, sexual e psicolgica., ocorrendo
em trs situaes diferentes.
A primeira delas quando ocorre
dentro
da famlia, ou unidade domstica, ou em qualquer
outra relao interpessoal, em que o agressor
conviva ou haja convivido no mesmo domiclio que a
mulher e que compreende, entre outros, estupro,
violao, maus tratos e abuso sexual.
A segunda situao ocorre quando
a violncia se d
na
comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que
compreende, entre outros, violao, abuso sexual,
tortura, maus tratos de pessoas,
trfico de
mulheres, prostituio forada, seqestro e
assdio sexual no lugar de trabalho, bem como em
instituies educacionais, estabelecimentos de sade
ou qualquer outro lugar.
J a ltima ocasio quando a
violncia
perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes,
onde quer que ocorra.
Acerca do exposto, podemos dividir em trs mbitos a violncia
contra a mulher: no mbito domstico, na comunidade
(por qualquer pessoa) e a perpetrada pelo Estado atravs
dos seus agentes. Vale ressaltar a importncia dessa
Conveno, pois a mesma possui fora vinculante,
tem fora de lei, isto os Estados Partes so
obrigados (de acordo com os artigos 7 e 8
) a implement-la em seus pases, os quais podem ser
cobrados no sentido de proteger as vtimas, prevenir
a violncia e punir os agressores.
Em se tratando de tortura,
existem, conforme dito antes,
duas convenes, a Conveno Interamericana
para Prevenir e Punir a Tortura (da OEA) e a Conveno
contra a
Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruis,
Desumanas e Degradantes (da ONU).
De acordo com a Conveno
Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, temos
que, o conceito de tortura , consoante o artigo 2
:
todo
ato pelo qual so infligidos intencionalmente a uma
pessoa penas ou sofrimentos fsicos ou mentais, com
fins de investigao criminal, como meio de intimidao,
como castigo pessoal, como medida preventiva, como
pena ou com qualquer outro fim. Entender-se- tambm
como tortura a aplicao, sobre uma pessoa, de mtodos
tendentes a anular a personalidade da vtima, ou a
diminuir sua capacidade fsica ou mental, embora no
causem dor fsica ou angstia psquica.
Para a Conveno contra a
Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruis,
Desumanos ou Degradantes (conveno da ONU), o
conceito de tortura o seguinte:
qualquer
ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos fsicos ou
mentais, so infligidos intencionalmente a uma pessoa
a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informaes
ou confisses; de castig-la por ato que ela ou
terceira pessoa tenha cometido
ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar
ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por
qualquer motivo baseado em discriminao de qualquer
natureza; quando tais dores ou sofrimentos so
infligidos por um funcionrio pblico ou outra
pessoa no exerccio de funes pblicas, ou por
sua instigao, ou com o seu consentimento ou
aquiescncia.
Observa-se, a partir desses
conceitos, que, em relao s trs situaes em
que ocorre a violncia contra a mulher (domiclio
comunidade por agentes do Estado),
apenas este ltimo tipo de violncia contra a
mulher (aquela perpetrada pelos agentes do Estado),
pode se enquadrar como tortura, excluindo o que ocorre
com a mulher que violentada de forma desumana,
cruel e degradante pelo seu companheiro dentro do
ambiente familiar ou no.
A grande questo essa, existe legislao
para tortura, existe fora vinculante (no caso da
Conveno Interamericana), mas ambas as Convenes
caracterizam tortura somente quando praticada por
empregados ou funcionrios
pblicos, quando tambm deveria mencionar a
tortura praticada por indivduos privados.
O trabalho Tortura no Brasil: a
banalidade do mal (de Luciano Mariz Maia), relata o
seguinte: o
Governo Federal da Alemanha props, em uma discusso
acerca do conceito de agente pblico, que a expresso
se referisse no apenas para aqueles investidos de
autoridade pblica por um rgo do estado, mas tambm
abrangesse pessoas que, em certas regies, ou sob
condies particulares, efetivamente detivessem e
exercessem autoridade sobre outras pessoas, e cuja
autoridade fosse comparvel autoridade
governamental, ou que, ainda que temporariamente,
substitusse a autoridade governamental, ou cuja
autoridade derivasse daquelas autoridades estatais.
exatamente esse o diferencial, a autoridade
exercida pelo agente em relao vtima. J
vimos antes a relao de poder, o sexismo, enfim a
posio da mulher de inferioridade em relao ao
homem. Dessa forma, constatamos a real situao de
autoridade do homem e submisso da mulher e, conseqentemente
a caracterizao da violncia contra a mulher como
tortura, nos casos em que perpetrada pelo seu
companheiro, marido, namorado em qualquer relao
interpessoal em que o agressor tenha convivido ou
conviva no mesmo domiclio que a vtima, que se
observe intensa aplicao de maus-tratos, fsicos
ou mentais de forma continuada.
Ainda sobre o conceito de tortura,
necessrio observar que, no Brasil, desde 1997
existe uma lei que define o crime de tortura, a Lei
9455/97. Essa lei, diferentemente, das Convenes
supracitadas definiu de forma mais completa a tortura
e trouxe, com isso a punio da tortura domstica.
Segundo a Lei 9455/97 , em seu
art. 1 constitui crime de tortura:
I-
constranger algum com emprego de violncia
ou grave ameaa, causando-lhe sofrimento fsico e
mental:
a)
com o fim de obter informao, declarao
ou confisso da vtima ou de terceira pessoa;
b)
para provocar ao ou omisso de natureza
criminosa;
c)
em razo de discriminao racial ou
religiosa;
II-
submeter algum , sob sua guarda, poder ou
autoridade, com emprego de violncia ou grave ameaa,
a intenso sofrimento fsico ou mental, como forma de
aplicar castigo pessoal ou medida de carter
preventivo.
1 Na mesma pena incorre quem submete
pessoa presa ou sujeita a medida de segurana a
sofrimento fsico ou mental, por intermdio da prtica
de ato no previsto em lei ou no resultante de
medida legal.
2 Aquele que se omite em face dessas
condutas, quando tinha o dever de evit-las ou apur-las,
incorre na pena de deteno de um a quatro anos.
Atravs dessa lei, a primeira que
veio a definir o crime de tortura, o Brasil
diferenciou-se da ideologia seguida pela ONU e pela
OEA de considerar tortura apenas quando h relao
com agentes do Estado.
4.
Caracterizao da tortura contra a mulher
A violncia contra a mulher pode
ocorrer sob trs formas_ a violncia fsica, a
sexual e a emocional ou psicolgica. A seguir veremos
cada uma delas, buscando primordialmente enfocar as
situaes em que os sofrimentos so agudos,
ocorridos com intencionalidade, com o
objetivo nico de castigar a vtima, enfim,
tratamentos que so caracteristicamente chamados de
tortura.
4.1
A tortura sexual
A relao de poder, da qual
tratamos na primeira parte deste trabalho se faz
presente em todas as relaes sociais e
interpessoais entre homem e mulher, e, dessa forma,
tambm se manifesta na
relao sexual.
Os papis exercidos por ambos os
gneros, os padres de comportamento e de conduta,
os simbolismos determinados em sociedade, todos esses
valores normatizam as relaes entre o masculino e o
feminino, indicando, assim, atravs de uma idia
dominante, as
formas tidas como adequadas s condutas masculinas e
femininas. Esses simbolismos orientadores, em geral,
acabam sendo legalizados atravs de leis e normas jurdicas,
presentes nos preceitos constitucionais e nos Cdigos
Civil e Penal. Exemplo dessa legalizao dos
papis sexuais est no direito do marido anular o
casamento se souber que a sua esposa no era virgem
anteriormente, sem que o mesmo direito seja
estabelecido para as esposas.
Antes de qualquer coisa, a mulher,
sob o aspecto sexual, considerada o objeto de
prazer do homem. Ela deve se preparar desde cedo para
agradar o homem, servindo-o da melhor maneira possvel,
estando sempre sua disposio, e, sabendo que sua
funo proporcionar prazer a ele, e no
desfrutar conjuntamente. Dentro desse contexto e
paralelamente a isso, existe a relao de domnio,
na qual o homem possui um sentimento de posse em relao
mulher. Ela, por sua vez, a a uma posio de
objeto de violncia / tortura.
Com relao a isso, no podemos
deixar de relatar a influncia do sadismo, masoquismo
e sadomasoquismo para criao de um imaginrio que
aponta para a violnica em relaes sexuais.
Sadismo, do francs, sadisme,
derivado de sade, significa um conjunto de perverses
nas quais a satisfao sexual depende do sofrimento
ou da humilhao infligida a um outro. J o
masoquismo, do francs mosochisme,
significa o mesmo: perverso sexual na qual o prazer
s alcanado atravs do sofrimento efetivo e/ou
humilhao imposta a outra pessoa. Esses tipos de
relaes sexuais partem, teoricamente, do
pressuposto de que ambos os parceiros concordem acerca
do uso da violncia, mas, como dito antes, tudo isso
colabora para a produo da violncia sexual. Alm
do mais, o que est por trs dessas prticas , na
verdade, a condio da mulher de escrava sexual , fazendo com que ela, muitas vezes , se
submeta a tal papel com o nico objetivo de agradar
ao outro.
Em geral, a violncia/tortura
sexual envolta por relaes amorosas
possuindo caractersticas distintas dos demais tipos
de violncia. Neste
caso, os laos afetivos e/ou de dependncia
econmica contribuem para que a vtima no
denuncie a agresso que, muitas vezes, se repete por
longos anos e, no raramente, desaparece, encoberta
pelas prprias vtimas que, por medo, vergonha ou
paixo, no denunciam ou no levam ao fim a denncia
contra o homem agressor. A mulher, vtima de
espancamento, ite
para si mesma que viveu e/ou vive essa experincia,
como se fizesse parte de sua histria.
Dentro de quatro paredes, a relao
de domnio e violncia, se manifesta das mais
diversas formas. A princpio, o que mais ocorre o
estupro. Entenda-se aqui, o estupro dentro do
casamento ou em qualquer relao em que o agressor
conviva com a vtima ou tenha convivido.
Mas no s isso. No decorrer da relao
o agressor, pelo simples sentimento de castigar,
humilhar, provocar dores, ele usa diversos artifcios.
Em uma edio da revista Veja de 1998, em uma
reportagem sobre violncia contra a mulher, uma vtima
declarou que teve suas partes genitais rasgadas com as
unhas pelo seu marido. J uma outra vtima teve uma
garrafa de lcool introduzida em seu nus e, em
seguida, o
marido estourou a garrafa com o lquido inflamvel.
O fator mais agravante nesses dois casos que as vtimas
conviviam com seus companheiros h muito tempo e
vinham sofrendo agresses constantemente. Isso revela
um comportamento generalizado: s depois da situao
limite que as vtimas chegam a denunciar, e isso
quando no ocorre o pior, a morte.
4.2
A
tortura fsica
A
cada 4 (quatro) minutos uma mulher espancada no
Brasil. Estatsticas como essa revelam uma situao
generalizada e no s no Brasil, mas tambm no
mundo.
Em
um relatrio divulgado pela Anistia Internacional,
Corpos Quebrados, Mentes Destroadas, foi
divulgado que a tortura das mulheres ocorre de forma
generalizada e que, na maioria dos casos, as vtimas
conhecem os agressores, sendo eles parceiros ntimos.
A percepo comum que se tem que a tortura ocorre
somente nas
delegacias de polcia.
Mas
isso no verdade, trata-se de um fenmeno global.
Em todos os pases mulheres so espancadas e
violentadas por maridos ou namorados.
De
acordo com estatsticas do Banco Mundial, pelo menos
20% das mulheres j foram vtimas de violncia fsica..
Um informe oficial norte-americano fez uma estimativa
de que a cada 15 segundos uma mulher espancada, e
700 mil so violentadas por ano.
Na
ndia, mais de 40% das mulheres casadas afirmam ter
sofrido algum tipo de agresso sexual. No Egito, 30%
confessam ter sido espancadas por seus maridos.
Tambm h denncias de
"crimes contra a honra", que podem ir da
tortura ao homicdio em pases como Iraque, Jordnia,
Paquisto e Turquia.
A violncia fsica contra a
mulher, diferentemente da sofrida pelo homem, mais
visvel nas estatsticas de maus tratos
do que nas de mortalidade. Isto significa que no
se trata de uma violncia que visa o homicdio, mas
sim o sofrimento acentuado, caracterizando mais uma
vez, a tortura, de acordo com os conceitos vistos
anteriormente: dores ou sofrimentos infligidos a algum
com o objetivo de castigar, com base em discriminao.
A mulher sofre violncia insidiosa que, apesar de no
levar morte, deixa marcas profundas em si e na
sociedade.
A
violncia/tortura fsica praticada na conjugalidade
(entre pessoas que vivem em situao conjugal,
casadas ou no) se d em um sistema circular, ou
seja: comea, processa-se e termina, iniciando-se
novamente, na fase em que, primeiro, comeou.
Esse
ciclo reflete as dinmicas da relao do casal,
relao essa que ocorre em fases. Em primeiro lugar,
inicia-se com a fase de aumento da tenso.
Nesta fase inicial, as tenses cotidianas acumuladas
pelo agressor contribuem para criar uma situao de
perigo eminente para a vtima, que, geralmente
culpada pelas tenses. Neste ponto qualquer coisa
pretexto para que o agressor lance suas tenses sobre
a mulher vtima. Esses pretextos podem ser uma roupa
mal ada, a comida mal cozida, enfim, problemas do
cotidiano de um lar. Em seguida vem a fase do
ataque violento , na qual o agressor
maltrata, fsica e psicologicamente, a mulher
vtima, que procura defender-se apenas pela
ividade, esperando que ele pare e no avance com
mais violncia. Este ataque pode ser de grande
intensidade, ficando, por vezes, a mulher vtima em
estado bastante grave, necessitando de tratamento mdico,
ao qual ele nem sempre lhe d o imediato. Por
fim, chega a fase do apaziguamento, em
que o agressor, depois de ter direcionado toda a violncia
e tortura sobre a mulher, manifesta arrependimento e
promete no voltar a ser violento. Afirma como motivo
do ato o dia corrido, problemas no trabalho, enfim,
fazendo a mulher
acreditar que foi essa a ltima vez que ele se
descontrolou. Como se v, o homem agressor envolve
muito a mulher vtima, e, nesta fase usa bons tratos
e a seduz.
Neste
contexto, a mulher vive uma constante de medo, esperana
e paixo. Medo, porque ela sabe do risco que corre;
esperana , porque sonha em ser bem sucedida em
seu projeto de vida com aquela pessoa; e
paixo, ou amor, que continua a sentir pela
pessoa. Ela
vive numa dependncia emocional, e, quando no, essa
dependncia financeira. Dessa forma, a mulher vai
ando essa situao at um momento em que
atingido um limite quando, por exemplo, os filhos so
vtimas de espancamento e estupros.
Os mtodos usados para violentar
e torturar a mulher nos lembram os mtodos utilizados
no perodo da ditadura militar. O mais comum so os
socos, tapas e pontaps. Alguns mtodos de tortura so
as pancadas e golpes fortes, por exemplo, na cabea e
at mesmo na barriga, quando ela est grvida (ele
no respeita nem o perodo de gravidez), queimaduras
provocadas por substncias inflamveis ou
por cigarro, golpes com faca e outros
instrumentos cortantes.
4.3
A
tortura psicolgica
A mulher, como todo ser humano,
tem direito de ter sua integridade psquica e moral
respeitada. Infelizmente a violncia e a tortura
psicolgica contra a mulher a a fazer parte da prpria
cultura em decorrncia da
relao de poder estabelecida na sociedade,
que coloca a mulher em posio inferior em relao
ao homem. Todo o conjunto de prticas sociais e
culturais baseadas em conceitos de inferioridade e
subordinao da mulher determina a violncia psicolgica
sofrida pela mesma.
Este tipo de violncia e tortura
est presente tanto quando ocorrem agresses fsicas,
como as sexuais.
Isso, porque, no
momento em que ocorrem essas agresses,
a mulher se encontra em um ambiente de medo, de
presses psicolgicas, enfim, ela est em situaes
de risco, sem defesa e dentro do prprio lar, o lugar
que deveria ser, em tese, o mais seguro.
No contexto domiciliar ou na relao
interpessoal com o agressor, este vai destruindo a
auto - estima da mulher, aniquilando ou desprezando
suas emoes, desvalorizando seus planos e sonhos e
ridicularizando-a em casa ou na rua. Essa violncia
evidencia aes que objetivam ofender, controlar e
bloquear a autonomia da mulher, seu comportamento,
suas crenas e decises.
O
companheiro age atravs de agresses verbais,
humilhao, intimidao, desvalorizao,
ridicularizao, indiferena, ameaa, isolamento,
controle econmico ou qualquer outra conduta que
interfira nesse direito bsico de autodeterminao
e desenvolvimento pessoal.
Devido violncia e tortura, vrios
problemas de sade surgem na mulher, como, por
exemplo, problemas de sade mental (ansiedade,
depresso), disfunes sexuais, comportamentos
compulsivos, enfim, problemas mltiplos de
personalidade.
No
h no Cdigo Penal Brasileiro nenhum artigo especfico
criminalizando a violncia psicolgica. Mas, o crime
de leso corporal (art. 129) inclui tambm a ofensa
sade de algum, portanto sade mental.
Inclusive, existem decises judiciais reconhecendo
que tanto leso a desordem das funes fisiolgicas
como a das funes psquicas. Assim, algumas vezes,
possvel enquadrar a violncia psicolgica no
crime de leso corporal, na parte que trata da leso
sade.
A
violncia psicolgica poder, ainda, se constituir
no crime de ameaa. Atravs da ameaa se intimida,
causa-se medo a algum
Por
fim, a integridade psquica e moral poder ser
atingida por condutas que configurem os crime contra a
honra: a injria, a difamao e a calnia.
Ao tratarmos da tortura psicolgica,
sempre existe uma idia de que algo menos
importante e menos agravante que a tortura fsica ou
sexual. No entanto, violncia psicolgica no pode ser ignorada haja vista os
grandes males que advm dela. Pelo exposto e,
relacionando com os conceitos de tortura apresentados
antes, podemos facilmente identificar essa prtica,
de fato, como tortura, pois um conjunto de
tratamentos cruis, desumanos e degradantes, no qual
a vtima est completamente sem defesa e na condio
de submissa autoridade do agressor (marido,
namorado, companheiro).
5.
Motivos da violncia e tortura contra a mulher
Vrios so os motivos que
convergem para a agresso e tortura da mulher, sendo
que deve-se ter em mente que nenhum deles justificvel.
Identificar o tipo de homem que
agride a esposa ou a companheira tem sido objeto de
estudo de vrios socilogos e psiclogos.
Muitos estudos tm mostrado os
pobres como protagonizantes na maioria dos casos. Essa
linha de pensamento procura estabelecer uma relao
inversa entre a renda e a violncia na famlia, isto
, nas famlias de baixa renda a quantidade de casos
maior, enquanto que nas famlias de alta renda o nmero
de casos menor. Apesar desses estudos apontarem a
classe baixa sob este aspecto, muitos
cientistas sociais vislumbram a classe mdia como
foco de maior incidncia de espancamentos contra a
mulher, sugerindo que
muitos casos noticiados pertencem s famlias
de renda baixa, enquanto a classe mdia, possuindo
mais privacidade em seu estilo de vida, no
divulga a instabilidade em que se envolve a famlia.
As mulheres de classes mdia e alta no denunciam
para preservarem seu status e por terem receio com
ralao a escndalos.
O que certo afirmar, atravs
da experincia histrica, que a violncia e
tortura contra a mulher no conhece barreiras geogrficas,
sociais, econmicas, tnicas ou raciais. Fazem parte
desse conflito pessoas de todas as idades, faixas de
renda, raas, religies, situaes empregatcias,
sendo um tanto quanto difcil definir o perfil
caracterizador dos agressores.
J os motivos da agresso, isso
bem mais claro. O esprito violento de alguns
homens contra as mulheres possui como causa diversos
fatores, entre os quais esto o cime, o uso do lcool
e drogas, a recusa da mulher em manter relaes
sexuais, frustraes, violncia como recurso para
resolver problemas e mudanas que ocorrem na vida
conjugal (casados ou no) .
O cime doentio figura como um
dos motivos mais freqentes para a prtica da
tortura da mulher. Homens com uma auto imagem
vulnervel, acometidos por profundos sentimentos de
inaptido, por se sentirem longe do ideal de
masculinidade estabelecido pela sociedade, tm
recorrido utilizao da violncia como forma de
provar sua masculinidade, demonstrando um cime
extremado. A insinuao de adultrio ou traio
agrava-se na mente do homem, principalmente, se a
mulher trabalha fora de casa, estuda, visita
regularmente o dentista ou o mdico. Qualquer ao
que leve ela a sair de casa motivo para insinuar a
existncia de um outro relacionamento afetivo fora do
lar, com outro homem.
Com relao ao consumo de
bebidas alcolicas, na
maioria dos casos de violncia e tortura que
chegam ao conhecimento das autoridades,
h o consumo do lcool. A verdade a respeito
disso que os agressores no agiram porque estavam
embriagados, mas antes beberam com o objetivo de
violentar.
A recusa da mulher de manter relaes
sexuais com seu parceiro mais um fator motivador do
ato de violentar e torturar a mulher. A esse respeito,
um ponto importante a viso que existe na
sociedade de que a mulher deve servir ao homem, ela
deve ser uma pessoa despojada de vontade prpria, sem
direito de deciso sobre seu corpo, sobre seu prazer,
constituindo um objeto de seu companheiro, conforme
dito anteriormente.
As condies de frustrao,
como os limites impostos socialmente, o problema do
desemprego, alm de outras tenses econmicas,
aliado ideologia masculina vigorante na sociedade,
pode levar o homem atos de brutalidade.
Tambm as mudanas que surgem na
relao conjugal (casados ou no), como gravidez, ,
obesidade, mudanas na personalidade da mulher, um
emprego conseguido, ou quando a mulher a a
estudar, enfim, tudo aquilo que represente, aos olhos
do homem, uma mudana no seu estilo de vida, ou que
coloque o homem no risco de perder seu posto de mais
capacitado, pode acionar nele reaes violentar que
o levem a violentar e torturar a companheira.
A violncia do companheiro pode,
em muitos casos, ser um reflexo da construo da
violncia em seu comportamento, atravs do tempo, ou
seja, quando a criana aprendeu que a punio fsica
instaurada pelos seus pais um meio para se
conseguir uma reforma social ou de comportamento.
Aprenderam que a violncia em certos casos
justificada para resolver problemas.
Inmeros estudos mostram que as
crianas testemunhas de violncia domstica, tendem
a imitar este tipo de comportamento, reproduzindo
essas cenas mais tarde, quando constiturem suas famlias.
Elas am a possuir todo um conjunto ideolgico
aprendido com os pais.
So estes os mais importantes
motivos da violncia e tortura aplicada mulher por
seu companheiro, namorado ou marido. So fatores que
explicam, mas no justificam pois a mulher, como todo
ser humano possui direitos inerentes que apontam para
um vida digna e livre de maus tratos.
6.
Formas de combate
A
forma de combater a violncia contra a mulher
atravs da denncia em delegacias especializadas da
mulher. Alm disso, claro,
deve existir todo um aparato para acolher a
mulher vtima, a
fim de trat-la tanto fisicamente como
psicologicamente, e buscando, de forma precpua,
proteg-la de possveis revides por parte do
agressor.
Libertar a mulher espancada e
agredida sexual e psicologicamente algo de suma
importncia para tambm lanar por terra a prtica
da tortura. Comumente as mulheres tem se mostrado em
inrcia quando so agredidas . Em mdia, apenas um
sexto da violncia contra a mulher denunciada.
Existem muitas barreiras para a efetiva atuao de
programas de combate e uma delas diz respeito s prprias
mulheres que buscam ajuda.
As formas de efetivar esse combate
se d atravs de legislaes tanto internas como a
nvel internacional. Um ponto bastante relevante e
inovador da Coveno Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violncia contra a mulher (Conveno
de Belm de Par), o mecanismo das peties
individuais, que proporciona um sistema mais completo
de proteo nos casos de violncia, possuindo, no
entanto, o incoveniente de no caracterizar a tortura
da mulher. Alm disso, esse sistema de peties
individuais s poder ser aplicado quando se
esgotarem todos os recursos internos do Pais.
A Incorporao dos direitos
humanos nas legislaes dos pases tambm
constitui um grande avano para a proteo da
mulher e combate da violncia e tortura.
Com relao ao Brasil, as formas
de combate incluem uma legislao que define
claramente o crime de tortura e alm disso estipula
penas para o agressor. O sistema de combate tortura
constitui-se de Delegacias da Mulher e Delegacias
Distritais; rgos Governamentais _ Ministrio Pblico,
Defensoria Pblica e Juizados; rgos no-governamentais
de defesa dos direitos da mulher. Alm desses rgos,
toda uma ao conjunta da mdia e
instituies de educao deve ocorrer
objetivando a luta contra a violncia e tortura.
A mulher tambm deve fazer sua
parte, denunciando e no retirando sua queixa,
levando-se em considerao as dificuldades para se
punir efetivamente os agressores. Por um lado, a deciso
de buscar, num momento de crise, a ajuda de um centro
de apoio mulher ou mesmo de fazer a denncia,
significa um certo grau de percepo e compreenso
dos problemas que as afligem. Por outro lado, elas no
sabem muito bem porque procuram ajuda e o que podem
esperar dessa ajuda. Na verdade, as mulheres chegam at
esses centros buscando algum tipo de apoio,
esclarecimentos e solidariedade, justamente quando seu
problema atinge os limites do vel, mas no se
mostram dispostas a questionarem as razes dessa
situao.
Os rgos que trabalham com o
apoio de mulheres vtimas, na pessoa de seus
profissionais devem ser bem treinados no sentido de
acolher a vtima com ateno e dar-lhe um
atendimento conveniente.
7.
Casos concretos de tortura contra a mulher
Os
casos concretos foram fundamentados em visitas a
alguns rgos estaduais, a uma ONG e ao Hospital
Maternidade Frei Damio, todos
localizados em Joo Pessoa. O trabalho constou
de entrevistas com profissionais atuantes na rea e
algumas vtimas que, por questes de tica e
segurana, no tiveram seus nomes identificados
neste trabalho. Os
rgos estaduais visitados foram a Delegacia da
Mulher, localizada na Central de Polcia e a
Secretaria de Cidadania e Justia, localizada no
Centro istrativo Estadual. A Organizao no
governamental referida anteriormente foi o Centro
da Mulher 8 de Maro.
O
primeiro caso concreto a ser relatado trata de tortura
psicolgica. Segundo a vtima, ela e seu companheiro
eram noivos e, aps os seis primeiros meses de namoro
ele mudou completamente seu comportamento para com
ela, ando a demonstrar um cime doentio revelado
em diversas situaes em que ela se sentia sempre
vigiada por ele. Ele a deixava todos os dias na
Faculdade e ficava esperando o trmino da aula. Era
agressivo com as amigas dela e no a permitia
conversar com homens. Na verdade, ele se sentia
inseguro porque ela era um pessoa bem independente,
pois trabalhava, estudava e tinha um bom crculo de
amizades. Com o tempo o cime foi se tornando cada
vez mais patolgico de forma que ele chegou a ameaar
familiares dela se ela viesse a
findar o relacionamento. A vtima, ento,
temendo escndalos, ou muito tempo escondendo dos
familiares e amigos o que de fato ocorria _ ela estava
se sentindo pressionada
psicologicamente.
Em um episdio ocorrido num bar, esta mulher,
ao ser olhada por outros homens, foi surpreendida por
uma promessa feita pelo seu noivo. Ele afirmou
que preferia ver seu rosto queimado a ver outros
homens olhando para ela. Nesse momento ela
despertou para o perigo vivido e ou a
procurar meios de finalizar o noivado. A partir da
ela o fez entender que no estava mais interessada
nele. Em um certo dia, ento, ele chegou com uma arma
na casa dela e, como, a princpio,
no conseguiu v-la , ameaou atirar na me
dela. No houve nenhum acidente, mas ela j estava
certa do que deveria fazer. Finalmente, por influncia
de familiares, ele
decidiu se
mudar para outro Estado. A histria se ou h
cinco anos, mas ainda hoje a vtima tem receio de
reencontr-lo.
O
segundo caso que trataremos aqui de tortura sexual.
Em visita ao Hospital Maternidade Frei Damio,
obtiveram-se informaes a respeito de alguns casos
de violncia e tortura. importante enfatizarmos
que o referido hospital trabalha juntamente com
curadorias, delegacias e ONGs ( Cunh, Centro 8 de
maro e Amazona) e pertence Secretaria Estadual de
Sade, sendo
o nico hospital em Joo Pessoa que trata das
mulheres vtimas de violncia sexual atravs de um
programa estadual, o Programa de Assistncia s
Mulheres Vtimas de Violncia Sexual.
Devido
debilidade fsica e psicolgica das vtimas
torna-se difcil o o a elas com o fim de colher
informaes especficas. Dessa forma, o o s
informaes se deu atravs da colaborao da
Assistente Social daquela instituio.
Segundo a profissional, a vtima j vivia com
o seu companheiro h alguns anos. J estando
separados, ele, certo dia, arrombou a grade de sua
casa e, tomado por um sentimento de cime e machismo,
materializou a expresso: se voc no minha,
no ser mais de ningum. O agressor, nesse
momento, estuprou-a . Seus filhos estavam dormindo e,
no momento da violncia sexual, ela teve a preocupao
de se calar para evitar que eles ouvissem e se
assustassem, agravando ainda mais seu sofrimento. Aps
o estupro, o agressor introduziu a mo
e, ao finalizar, aspergiu desodorante com o
objetivo de intensificar a dor .
Finalmente
o terceiro caso que iremos relatar trata de tortura fsica.
Esta a que se apresenta em maior nmero. A vtima,
uma mulher de 25 anos, morava com seu companheiro h
cinco anos. Durante esse perodo de convivncia ele
sempre espancava-a e ameaavaa de morte nos
momentos em que estava embriagado. Conforme afirmou a
vtima, ele sempre se justificava depois alegando o
fato de ter ingerido bebida alcolica. No princpio,
por estar apaixonada, ela no pensava em deix-lo.
Num segundo momento, ela tambm se sentiu presa a ele
por no ser financeiramente independente para criar
seu filho. Depois de muito sofrimento, ela decidiu se
separar dele e ou a morar com sua me, levando
consigo o filho. Certo dia ele decidiu ver seu filho
e, quando chegou na casa da sogra, sua ex - mulher
estava ando roupas. Ele comeou a discutir com
ela quando tomou o ferro de ar e
queimou-a. Nessa histria, os espancamentos
podem ser considerados uma tortura fsica.
8.
Concluses
Com
base no que foi exposto neste trabalho, verifica-se
que a tortura contra a mulher uma prtica
disseminada na sociedade devido a vrios fatores que
estabeleceram uma diferenciao com base no gnero.
Existem
legislaes que buscam prevenir e punir os crimes de
violncia a nvel internacional, mas no h nada,
de forma especfica, a respeito da tortura aplicada
mulher quando perpetrada por companheiro dentro
de domiclio ou no. Sobre isso, importante
observar a necessidade de um alargamento do conceito
de tortura, abrangendo no somente os agentes pblicos,
mas tambm agentes
privados, fundamentando
dessa forma a defesa deste trabalho em caracterizar as
graves violncias
j referidas como tortura contra a mulher.
vlido ressaltar que crimes de violncia no podem
ser colocados no mesmo patamar que os crimes de
tortura, visto que estes so dotados de maior
severidade e crueldade, alm de ocorrerem de forma
continuada. Alm disso, as punies previstas para
os crimes de tortura devem ser mais acentuadas do que
as punies para os crimes de violncia, e isso
objetivando um completo monitoramento no que diz
respeito aos direitos humanos .
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