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Utopia: uma cartilha

Luiz Gonzaga Teixeira

Primeira idia

Parece que h muitos milhares de anos, desde aquele tempo em que o homem vivia em cavernas e ainda no sabia escrever, que ele tem o costume de imaginar uma vida diferente, um lugar melhor. O homem costuma inventar na sua cabea um pas que nunca existiu e ali dentro coloca tudo que for preciso e que ele achar certo. E isso a Utopia, esse costume de imaginar uma outra situao, diferente da situao em que estamos vivendo. Mas no s isso. Geralmente, quem inventa um outro pas porque est vendo alguma coisa errada num lugar em que est vivendo. Por isso, as utopias sempre so uma forma de fazer crtica. E, ainda, preciso lembrar que o homem nem sempre se contentou em sonhar. Muitas vezes ele tentou e em outras ele conseguiu realizar o seu sonho, no todo ou em parte. A Utopia, portanto, alm de sonhos e crtica, ou pode ser movimento e ao. E existem utopias de todos os tipos. Existem utopias religiosas, comunidades, muitos livros, etc. Muitos utpicos, at, nem sabem que so.

Por exemplo: um religioso cria um convento ou vai orar em um convento j pronto, um grupo de vizinhos resolve plantar um horta comunitria, a mulher casada suspira ao cair da tarde porque sabe que o dia seguinte vai ser igual a ela queria um dia diferente... pelo menos nesse ato preciso eles esto sendo utpicos. O que lhe falta conscincia e, porque falta conscincia, pode ser que tambm falte persistncia. Mas, muitos utpicos sabem muito bem o que Utopia. Esses pensam e vivem buscando esse pas to sonhado, essa vida nova. Alguns escrevem livros. Outros procuram mudar sua maneira de viver no dia-a-dia, na sua alimentao, na sua maneira de trabalhar, de consumir, de ter amigos, na famlia. Outros trabalham para organizar um partido poltico ou dar um golpe de Estado com o fim de transformar o pas na (ou pela) Utopia. Outros se retiram para um stio e, geralmente junto com um grupo de amigos, vo viver em comunidade, segundo o esquema de vida que consideram o mais certo. Essa cartilha fala de todos os utpicos, mas, principalmente, desses que sabem que so utpicos e buscam a Utopia com conscincia e persistncia. Como j dissemos, os utpicos so muitos diferentes entre si. Mas alguma coisas so comuns maioria, s um ou outro que no concorda: por exemplo, quase todas as utopias propem eliminar as diferenas sociais. Ou seja, so utopias socialistas. As idias que vamos expor aqui so comuns maioria, mas no necessariamente a todas as utopias.

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O que Utopia

lgico que no vamos dizer o que Utopia em umas poucas linhas. Ento, se voc quer entender realmente o que Utopia, essa cartilha apenas o comeo. O que vamos dizer aqui, nesse item muito pouco. Vamos supor que algum leia escrito Utopia em algum muro ou cartaz. A ele pergunta: o que isso? Ele no consegue imaginar nada. Essa uma palavra que ele nunca viu e que no se parece com nenhuma outra palavra que conhea. No tem idia se uma pea de teatro, um nome de mulher, marca de cerveja, partido poltico, pas, um adjetivo como maravilhoso, ou sem sentido ou uma sigla como CIA ou CUT. Primeiro: Utopia o nome de uma ideologia e de um movimento. O que uma ideologia? um conjunto de idias que formam um sentido. Uma ideologia como uma nica e grande idia, que tem a propriedade de poder ser desmembrada em muitas idias menores que respondem praticamente a todas as situaes da vida. Uma pessoa que tem uma ideologia pode, assim, se posicionar diante de todos os problemas que a vida apresenta de uma maneira coerente, compreensvel. Nem todas as ideologias tm nomes, ou s vezes se usa um nome que pode significar diversas ideologias. Fora essa possveis confuses, podemos nomear algumas grandes ideologias: comunismo ou marxismo, cristianismo, socialismo, capitalismo ou liberalismo, conservadorismo. Pois bem, Utopia uma dessa ideologia. E o que movimento? Quase toda ideologia tem um movimento. Por exemplo: muitas pessoas acreditam no comunismo. A sua ideologia o comunismo. Outras acreditam no cristianismo. E essas pessoas no ficam paradas, nem se comportam como as outras, nem ficam isoladas. Mas se juntam e juntas conversam, estudam e realizam ou pelo menos tentam realizar o que pensam. Pois isso o movimento de uma ideologia: as pessoas que a seguem, as reaes entre elas, as idias, as atividades. como se a ideologia descesse terra e se materializasse no e pelo movimento.

Vamos comparar as trs ideologias mais conhecidas: o cristianismo, o comunismo e o capitalismo. O cristianismo um movimento muito organizado, tem uma organizao centralizada e eficiente. Dispe de um sistema para a formao de quadros, de pesquisa, de difuso, de atuao poltica, de imprensa e de acomodao de diferenas e polticas interna. A sua reunio mais caracterstica, a missa, tem uma estrutura que vem se formando h mais de um milnio. J o comunismo no formalizado. No dispe de nada to estruturado como os seminrios catlicos para a formao de seus quadros. O capitalismo, ento, um sutil, e nada pode se comparar, no capitalismo - como uma assemblia executiva de uma grande empresa ou um jantar no restaurante mais caro - com uma missa. No se pode comparar a OTAN com a Internacional Comunista ou o Vaticano. Ou seja, no h um movimento capitalista internacional organizado, alm dos seus elementos - pessoas, relaes, idias, atividades - conscientes, tm uma rea muito maior de influncia.

E a Utopia? Vamos falar tanto do movimento organizado, como dessa reas onde a influncia da Utopia pode ser notada. Primeiros: no existe nada parecido com um movimento internacional organizado. Inclusive, embora os estudiosos no discordem muito do que utpico, os prprios utpicos nem sempre sabem que so e, at chegam a no itir esse rtulo. Fora essa incertezas, h muito de concreto.

Vamos lembrar alguns fatos da histria humana que so tambm fatos da histria do movimento utpico.

  • As religies orientais, como taosmo, Krishna e budismo, a Repblica de Plato e a religiosidade socialista de Cristo.

  • A moderna onda de utopias literrias, inaugurada e simbolizada pelas obras de Camla e Morus.

  • A onda das comunidades (no sentido moderno) desde 1663.

  • O movimento socialista-utpico poltico iniciado por Saint-Simon, Owen, Fourier e Proudhon.

  • O movimento cooperativista, iniciado pela cooperativa de Rochdale.

  • A Utopia pedaggica.

  • O anarquismo.

  • A esquerda catlica desde a Ao Catlica at a Teologia da Libertao.

  • A revoluo dos costumes atuando na estrutura da famlia, na alimentao.

  • O terceiro-mundismo.

  • Os movimentos pelos direitos humanos, no-violncia, ecologia, feminismo, hippie e estudantil.

  • E, principalmente, o moderno movimento de comunidades agrcolas e o moderno pensamento utpico de Ernst Bloch, Duveau, Mannheim, Furter, etc.
  • Bom, e o que tm em comum iniciativas to diferentes? Muito. Os autores mais antigos, como Plato, Camla, Owen, Fourier, ainda no tinham conseguido compreender exatamente o que era Utopia e acabavam adotando posies que hoje no consideramos utpicas. Por exemplo, Plato adota uma rgida separao da sociedade em classes, e tanto ele como Camla adotam a comunidade de mulheres. Ou seja, no eram nem socialistas nem feministas. Mas esses ltimos pensadores (Bloch, Mannheim, etc.) conseguiram apresentar a Utopia como um conjunto coerente e articulado de idias. Essa cartilha que voc est lendo apresenta a Utopia como ela vista por esses autores.

    Seria possvel resumir as idias utpicas em um pequeno pargrafo? Vamos tentar: A preocupao principal da Utopia organizar uma vida nova. Mas no uma vida nova qualquer. preciso que ela tenha algumas caractersticas, como: que no ita qualquer tipo de privilgio, que permita a execuo de ideologias e esquemas de vida diferentes, que apie a maior nmero dessa foras que vm revolucionando cada clula da sociedade, que seja tolerante, crtica, afetiva, natural.

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    Pequena histria da palavra Utopia

    A palavra Utopia tem uma histria curiosa. Desde a antigidade at 1516 havia produes literrias e iniciativas que hoje so conhecidas como utpicas, mas no existia a palavra. De 1516 at Marx e Engels, existia a palavra, mas no era utilizada no sentido de hoje. Depois de Marx e Engels at o fim do sculo XIX, essa palavra s era utilizada pelos inimigos e nenhum utpico dizia "eu sou utpico". Isso comea a acontecer timidamente e sem consistncia na primeira metade desse sculo. Somente depois da 2 Guerra Mundial que se consolida o interesse de diversos estudiosos pela utopia. E, aqui e ali, alguns autores j sugerindo a formao ou a existncia do movimento. E essa deve ser a nova fase: aquela em que o movimento utpico se organiza. So, ento, as seguintes fases:

    1. Antiga. Vai at a inveno da palavra Utopia por Thomas More, em 1516. Depois vem a fase
    2. Literria, em que produzido um grande nmero de obras de fico, geralmente pases com formas sociais, costumes e governos ideais. Depois, vem o que poderamos chamar de fase
    3. Socialista, dominada pelas figuras de Babeuf, Saint-Simon, Fourier, Considrant, Weiling, Owen, Proudhon, Cabet, William Kina, Landauer, Wells.
    4. A fase da maturidade terica, com Bloch, Duveau, Mannheim, Mucchielli, Ruyer, Szachi, Buber, Furter, Paulo Freire, e muitos outros. E, ainda, a fase

    5. De organizao do movimento.

    Na antigidade havia Utopia, mas no havia a palavra. Na fase das utopias literrias, havia a palavra, mas elas no se consideravam um movimento, nem mesmo pelos inimigos. J em 1880, quando Engels publicou o seu "Do socialismo utpico ao socialismo cientifico", os utpicos aram a ser um grupo definido: pelo menos para os marxistas. Mas, lentamente, alguns autores comearam a assumir o rtulo. S que, nessa fase, mais como resposta a uma provocao e de forma descontnua.

    Parece ter sido Wells quem, em 1905, com o livro "A modern utopia" inaugurada apalavra esse sentido moderno e positivo. Mas, tanto essa obra quanto "Geist der Utopie"("O esprito da utopia"), de Ernest Block, de 1923, ainda esto isoladas, no chegam a inaugurar uma nova fase. Isso s acontece com algumas obras praticamente simultneas: "A utopia e as utopias" de Ruyer, 1950; "Ideologia e utopia", de Mannheim, de 1960; "O mito da cidade ideal" de Mucchielli, de 1960; e "Sociologia da utopia" de Duveau, de 1961 (que um livro pstumo de conferncias, portanto, sua influncia anterior).

    A partir da o nmero e a conscincia aumentam muito, e nem possvel fazer uma listagem nesse artigo. S de agem, bom registrar a utilizao da palavra em um sentido novo, j consagrado: o dado por Buber e Carlos Aveline ("De baixo para cima, a utopia no Brasil"): Utopia um processo de organizao celular da sociedade, do cotidiano, de organizao popular. Veja no fim da Cartilha um conjunto de frases desses diversos autores. Mas, desde j, fica registrado o sentido mais simples, do dicionrio. U, em grego, significa no, e topia, tambm em grego, significa lugar. Ou seja: no lugar, um lugar que no esse aqui, em que estamos agora.

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    As idias utpicas

    evidente que a Utopia, como toda ideologia ou movimento, tem certas idias. Certas idias articuladas entre si, como se fossem uma idia s, e de tal modo que, se voc a compreender, voc vai ser capaz de tomar posse das duas outras. Ou seja, essa idias no esto juntas porque o grande pensador fulano pensava assim, mas porque voc compreendeu, compreendeu como qualquer outra pessoa pode compreender. Apesar disso, essa Cartilha no vai se preocupar em ensinar como as idias esto amarradas, como se a de uma para outra. Isso um pouco mais difcil. Por isso, vamos s apresentar as diversas idias, separadas umas das outras. Veja algumas das idias utpicas:

    Algumas pessoas vivem totalmente mergulhadas na sua vida, preocupadas com coisas comuns que preocupam todo mundo, envolvidas. Alegres ou angustiadas com exatamente aquelas coisas criadas pelo seu sistema para volv-las, alegr-las e angusti-las. Nos chamamos essas pessoas de tpicas, isto , presas no lugar, no nvel da situao. Digamos que essa pessoa se conforma com as possibilidades oferecidas, que vive aqum do horizonte oferecido por sua cultura e pelo seu sistema. Bom, mas nem todas as pessoas so assim. Algumas so mais inquietas, acham que algumas coisas esto escondidas, que deve ser possvel ir alm do horizonte oferecido, tentam colocar o pescoo da sua situao. Essas so as pessoas utpicas. Quer dizer, so u- no, elas negam a sua situao, o seu topos. As pessoas utpicas, ento ficam dentro da situao, vivem aqum do horizonte. E as pessoas utpicas negam a situao, procuram ir alm do horizonte. Algumas questes so praticamente obrigatrias para quem toma essa atitude. Por exemplo: "Como ou como funciona esse lugar que buscamos"? "Como chegar l, qual a tcnica necessria para se chegar l"? "Baseados em que valores, em que, vamos agir e vamos construir esse outro ligar"? "Quando comea a luta ou a construo, uma obra grandiosa ou uma poro de coisinhas que podem ser comeadas imediatamente"?.

    Para mudar a vida preciso levar em conta que a vida social tem 3 nveis: 1) individual, 2) das relaes entre as pessoas, e 3) o nvel poltico-econmico. A mudana ou revoluo deve acontecer nos trs nveis. Nisso a Utopia difere, por exemplo, das religies e do marxismo. As religies, em geral, atuam s sobre o nvel primeiro, o individual. As religies acreditam que os outros nveis dependem desse primeiro: que basta mudar o indivduo, o corao, para que as relaes e a sociedade tambm mudem. Alm disso, de nada adiantam mudanas de qualquer tipo se o corao das pessoas no mudar. A Utopia, embora insista na importncia dessas mudanas dentro das pessoas, no afeto, na mentalidade, educao, etc., no acredita que basta isso, nem que isso baste para atingir os outros nveis, nem que todo o problema seja s esse. J o marxismo, pelo contrario, acredita que os dois primeiros nveis dependem do ultimo, que as pessoas, por dentro, e as relaes entre as pessoas, dependem do todo social, da poltica e da economia. A Utopia discorda disso tambm, ainda mais profundamente. Nenhum dos trs nveis mais importante. A revoluo acontece de baixo para cima, ou seja, no acontece nem s em baixo nem s no meio ou s em cima. A Utopia no afirma, por exemplo, que preciso primeiro mudar as pessoas por dentro para s depois tentar mudar as relaes, tais como as relaes familiares, os hbitos. No possvel para o tempo e fazer com que as relaes entre as pessoas fiquem inalteradas enquanto ns fazemos um grande esforo educacional para mudar a pessoas por dentro. O que a Utopia defende o seguinte: o sentido das mudanas nas relaes familiares, ou na poltica, deve ser buscado dentro das pessoas.

    Tolerncia
    . As pessoas so diferentes. Ningum tem posse de toda a verdade. Mais fundamental do que a Utopia a federao: um movimento e uma sociedade mltiplos, onde convivem lado a lado ideologia e propostas de vida diferentes.

    Comunidade. A federao formada por comunidades, isto , por grupos de pessoas idneas e voluntrias que procuram viver da maneira que julgam melhor. Evidentemente, embora se busque a mxima independncia e liberdade para as comunidades, alguns limites so inevitveis. Uma comunidade no pode, por exemplo, impedir que seus membros conheam o mundo fora da comunidade. Entre inmeras outras propostas de comunidade possveis, essa deve ser examinada: utilizar todos os recursos sociais para conviver, para a amizade. No possvel ser amigo sem utilizar alguma ponte, como a linguagem, o trabalho, um esporte. Viver em comunidade, nesse sentido, colocar tudo que h no mundo (cultura, trabalho, terra, dificuldades) a servio, como recursos da amizade. O mais importante o afeto. No pode haver um divrcio to profundo entre o que acontece dentro de mim e o que acontece fora de mim, na sociedade. Precisamos colocar para os outros, socializar, a nossa vida interior, as nossas preocupaes.

    A Utopia uma luta contra a solido. E no basta barulho, conversas, movimentaes, preciso sentir-se acompanhado ( a diferena entre estar fisicamente e psicologicamente acompanhado). *Socialismo. Ecologia. Ns estamos juntos na vida e na terra, junto com as outras pessoas e tambm com objetos, plantas, animais e outras pessoas. No faz sentido pensar em soluo individuais ou isoladas. A soluo dos problemas de uns depende da soluo dos problemas de outros. E temos todos o mesmo valor, estamos construindo uma ao e uma sociedade sem privilgios.

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    Como participar do movimento

    O movimento utpico mltiplo. E mltiplo em dois sentidos, pelo menos: primeiro (multiplicidade ideolgica) porque, apesar de seu fundo comum, o movimento contem diferenas umas das outras, e segundo (multiplicidade ttica), porque na hora da ao tambm temos diferenas no menos srias. Alis, est a o primeiro desafio para o movimento. A temos que escolher se nos preocupamos com as diferena ou se nos preocupamos com aquilo que esse fundo comum permite de cooperao. J mencionamos os diversos grupos ideolgicos. Agora vamos descrever rapidamente os grupos que se formam porque concebem a ao de formas diferentes.

    Ortodoxos. So aqueles utpicos que se preocupam e pensam no movimento como um todo. O utpico ortodoxo no concorda com a Utopia em uma questo ou outra, como a no-violncia ou a liberdade, mas ele busca no movimento as linhas principais do seu pensamento. Ou seja, o utpico ortodoxo tem o pensamento em pleno acordo com o movimento (embora possa no concordar em tudo com todas as pessoas que como ele participam do movimento).

    Radicais. So aqueles utpicos que procuram levar a sua concepo de Utopia at as ltimas conseqncias, na teoria e na pratica.

    Utopia do cotidiano. Sua preocupao principal com o modo de vida. Em vez de (ou alm de) se preocupar com a macro-revoluo: o poder do Estado, a economia, preocupa-se com a alimentao, a famlia, o trabalho, roupas, sexo, educao dos filhos, exerccios fsicos, higiene, afetividade, etc. a Utopia no nunca um novo governo, e sim um novo cotidiano, um novo currculo, uma vida nova. Pois de nada adiantaria um novo governo se as pessoas continuassem se levantando da mesma maneira, da mesma cama, e tomassem o mesmo caf, etc.

    Cooperativismo. A procura de cooperao, embora seja uma caracterstica da Utopia, no exige que a Utopia esteja pronta para comear a ser aplicada: podemos cooperar desde hoje. Muitas vezes eu tenho uma carncia que voc pode suprir, ento ns cooperamos, quer dizer, ns participamos de uma atividade em que voc e eu, com nossas carncias e potencialidades, nos completamos. A cooperao pode acontecer em 5 nveis: produo, consumo, educao, poltica e moradia. Mas nem sempre a cooperativa um projeto que precisa ser criado: ela brota espontaneamente na sociedade. Nesse caso, basta que lhe demos fora e consistncia.

    Comunidade. to importante que, por muito tempo, se confundiu comunidade com Utopia. Viver junto. Ascomunidades mais caractersticas at hoje so: religiosas, anarquistas, socialistas, rurais e urbanas.

    Alternativos. Assim como o capitalismo tem uma fase caracterstica (plsticos, automveis, supermercados, linhas retas, etc.), a Utopia tambm conhecida por um certo visual. Discutvel, por sinal. So os rapazes barbudos, hortas. Alimentao vegetariana, verde, habitaes (pessoal sentado no cho, material improvisado), banho no rio, linguagem, espiritualismo oriental, etc.

    Heterodoxos. Existem muitos utpicos que, ao contrrio dos ortodoxos, procuram manter uma forma de pensamento mais independente com relao ao movimento. Geralmente utilizam como base um outro movimento e sua ideologia. Um anarquista, por exemplo, ou um marxista, pode ter alguns pontos de vista que o aproximam da Utopia. O marxista, por exemplo, pode ter um grande interesse na revoluo do cotidiano ou dar uma importncia educao pouco comum entre marxistas.

    Herticos. So herticos os utpicos que discordam de idias importantes. Geralmente discordam das seguintes idias: pluralismo, tolerncia, federao; socialismo; revoluo do cotidiano, coerncia, radicalismo; revoluo de baixo para cima, cooperativismo (ou seja, a revoluo poltica deve ser a expresso das mudanas individuais e sociolgicas, e no o contrrio); a necessidade do movimento utpico e de uma teoria estruturada da Utopia. Mlilitantes. So aqueles que limitam pelo movimento. O ortodoxo-no-militante concorda com o pensamento utpico, mas no trabalha pelo movimento. O militante-no-ortodoxo trabalha, mas no por todo o movimento: ele pode se interessar s por um setor, como terapia ou comunidades. Somente o ortodoxo militante concorda com as idias e trabalha pelo movimento como um todo. Ele pode ajudar, por exemplo, na organizao de uma comunidade ou reunio de Hare-Krishnas s porque eles esto no movimento sem ter o menor interesse por suas idias.

    Polticos. A poltica um dos nveis da cooperao. Cooperar politicamente significa que, num sentido combinado entre ns, tomaremos as nossas decises unidos, e no cada um por si. Separados, ns somos muito fracos. Unidos, as minhas deficincias deixam de ser deficincias (e tambm as suas).

    Federacionismo. A Federao apenas uma das idias da Utopia. O Federacionismo como um movimento e uma ideologia parte. O Federacionismo o fundamento da Utopia. S vai acontecer uma Utopia de verdade dentro de uma sociedade organizada como Federao.

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    Comunidade

    Chamamos de comunidade o seguinte. Um grupo de pessoas faz um plano do tipo: "Vamos viver assim?". So, portanto, duas coisas: uma proposta de vida e um grupo de pessoas que procura executar essa proposta, conscientemente. Numa comunidade, esto todos juntos, vivendo de uma certa maneira porque querem. Por isso se v porque o capitalismo no uma comunidade. Primeiro, porque quem vive no capitalismo no escolheu essa maneira de viver, vive a porque nem a educao nem a organizao da sociedade facilitaram outra opo. Segundo, porque o capitalismo no um viver junto, e sim um viver cada um para si. O capitalismo um grupo de pessoas e um modo de vida, mas no se pode dizer que o modo de vida que esse grupo escolheu conscientemente para si. Na pratica, quem vive junto no capitalismo no vive junto, mas separados, trocando coisas, medindo, ameaando, disputando situaes e objetos, se defendendo uns dos outros.

    Muitos acham errado viver em comunidade. Geralmente dizem que no certo sair de dentro da sociedade e viver bem em outro lugar enquanto outros, que no tem como, continuam na ignorncia, ando fome, etc. dizem que viver em comunidade no resolver o problema, fugir do problema. Mesmo dentro do movimento, esse questionamento sempre levantado. A atitude dos que pensam assim costuma ser a de criticar e mudar a sua vida dentro do prprio capitalismo, no trabalho, na famlia, na escola, etc., ou ento, porque querem participar mais ativamente da poltica. Mas, sem dvida, as comunidades so a realizao mais importante e tpica do movimento, at hoje, e, tudo bem que algumas pessoa no queiram viver em comunidade, mesmo sendo utpicas, mas outra coisa seria essas pessoas quererem impedir que outras morem em comunidade.

    As comunidades so uma das maneiras de ser utpico, isso no pode ser negado. Como funciona uma comunidade? Na verdade, existem comunidades de todos os tipos. Existem comunidades anarquistas, religiosas, comunistas, umas pobres e outras ricas, na cidade e no campo, comunidades que se isolam e comunidades que participam da vida da sociedade, comunidades que detestam livros e comunidades onde se estuda uma boa parte do tempo, comunidades onde se vive dentro de uma mesma casa e comunidades onde se vive em diversas casas. Mas, na grande maioria delas, nenhum elemento mais do que outro, h uma grande preocupao com a alimentao (o que leva a grande maioria a ser vegetariana), h preocupao tambm em produzir a maioria do que se consome, embora na pratica isso quase nunca acontece, h preocupao em preservar a natureza e garantir a liberdade...

    Alguns comunitrios, com outras palavras, julgam que o essencial a amizade, conviver, viver junto, e que tudo que h no mundo, como idias, terra, tratores, problemas, tcnicas, sexo, poltica, so meios de estabelecer ponte entre voc e eu, de comunicar, de ter amizade. Outros, por outro lado, tambm usando suas prprias palavras, acham que o essencial a sua ideologia, geralmente uma religio ou ideologia poltica. a aplicao dessa ideologia, a sua concretizao, que estabelece a vida comunitria, a convivncia.

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    O possvel e o impossvel

    O possvel persegue a Utopia. De um lado, os utpicos no s querem todo o possvel, mas se sentem desafiados por tudo aquilo que se esconde pr trs do horizonte. E, por outro lado, os adversrios da Utopia costumam chamar a Utopia de sonho irrealizvel, impossvel. Que sentido tem essa palavra: "impossvel"? certo que a palavra possvel tem sentido, mesmo fora da matemtica. Muitas coisas so possveis: eu posso me levantar daqui e preparar meu almoo. Isto pode at no acontecer, por motivos diversos, inclusive porque eu no me resolvi a fazer isto. Mas, mesmo que no acontea, continua sendo possvel. E se eu resolvo fazer isso, bem improvvel que algo me impea, como ser fulminado por um ataque cardaco ou que este momento venha a ser conhecido no futuro como a repetio de Hiroxima. E muitas outras coisas so possveis, embora a imensa maioria delas nunca acontea. A certeza de que o possvel tem lgica to grande que nunca aconteceram, embora tenham sido tentados por diversas pessoas. Mas, e o impossvel? certo que algumas coisas so impossveis. Mas no vamos fazer esta anlise agora. A concluso que nos interessa que, embora seja relativamente fcil dizer que muitas coisas so possveis ou, com outras palavras, embora seja relativamente fcil acertar quando dizemos que uma coisa possvel, muito difcil dizer que uma coisa em especial, mesmo que a aparentemente mais absurda, impossvel. Quem pode dizer o que impossvel? Baseado em que cincia ou autoridade?

    A utopia, neste sentido, um mtodo de vida e de pensamento, que consiste em explorar sistematicamente as possibilidades, e tambm as impossibilidades. A vida para um utpico, uma aposta, uma busca. No a busca irritada, que pretende arrefecer logo que encontrar o objeto procurado, ou mesmo um objeto parecido. Mas a busca como princpio, a busca eterna, a paixo da possibilidade. Kierkegaard captou muito bem essa idia na frase: "Se eu desejar algo para mim, no seriam riquezas nem poder, mas apenas a paixo da possibilidade. Eu desejaria ter um olho eternamente jovem, ardendo eternamente com a exigncia de ver da possibilidade". Ma o utpico no tem o gosto do impossvel extico, s pelo gosto de romper as barreiras. O que interessa manifestar as razes, realizar aquilo que est reprimido e que faz sentido. A possibilidade no est escrita no ar, nem deve ser um castelo de areia, a possibilidade est aqui, na matria, embora s vezes muito bem escondida. Cabe a ns revel-la, e revelar uma realidade voltada para a possibilidade.

    A felicidade existe? Primeiro, antes de responder a essa questo, preciso distinguir entre a possibilidade cristalizada, pronta, que ns s vezes sonhamos encontrar na Utopia, para o nosso consumo, e a felicidade como processo. Aqui, nesse ltimo sentido, ser feliz estar caminhando, realizando, participando. Ora, a primeira pode ser que acontea, e pode ser que nunca acontea, embora seja seguramente possvel., Mas, a segunda, essa uma opo, disponvel para cada pessoa. Difcil, mas que no depende nem de fatos esternos nem dos outros. Uma pessoa pode se dizer: "a felicidade impossvel". Ora, ela se refere seguramente a fatores que dependem dos outros, e no a obstculos psicolgicos, que se encontram dentro dela mesma. Ela, na verdade, est colocando a felicidade como algo que se ganha de presente, sem esforo e que se possui ou se consome. Pelo menos uma coisa certa, essa no a nica forma de encarar a felicidade. E, apesar de que isso menos certo, essa no uma forma muito eficiente de atingir a felicidade.

    Enfim, isso. Temos que optar. Uma opo se contentar com ficar aqum dos horizontes que nos so oferecidos. E a outra opo no se conformar. Qual a melhor? No interessa responder com preciso, mas anotar que a Utopia uma ideologia erguida sobre a segunda opo. No vamos afirmar que todas as pessoas que adotam uma filosofia de vida aqum, superficial, sejam neurticos, medrosos, ou qualquer coisa desse tipo. Mas vamos afirmar que ns, que resolvemos apostar na possibilidade, na plenitude, fizemos uma escolha pelo menos to respeitvel. No existe isso: impossvel. O que existem so razes diversas para se acreditar que no s isso, que o verdadeiro tesouro deve estar escondido em algum lugar.

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    Federao

    As Utopias antigas eram geralmente um projeto de organizao poltica e ou econmica que surgia na cabea de uma pessoa e que ela julgava ser a melhor para a humanidade. Hoje um pouco diferente. Hoje, julga-se que so possveis muitos projetos, que a Utopia, na verdade, so utopias, no plural. Tudo bem que uma pessoa proponha um determinado esquema de vida, mas essa proposta deve ser apenas uma opo a mais, entre muitas outras, e no a verdade universal que deva ser necessariamente aplicada a todos, muitas vezes at contra a sua vontade.

    Como se pode notar, essa Federao de que estamos falando tem pouco a ver com a Federao dos Estados Unidos da Amrica ou com Governo Federal dos Estados Unidos da Amrica ou com Governo federal dos Estados capitalistas. A verdade que muito difcil viver junto se no houver uma base mnima de acordo entre as pessoas. Um quer ligar a televiso e o outro quer silencio, um quer dar o que sobra para os pobres, mas o outro quer chamar os pobres para se sentarem mesa e um terceiro acha que os pobres so todos vagabundos; um quer que todos tenham o mesmo salrio, mas o outro j acha que quem trabalha mais deve ganhar mais. Essas pessoas, assim diferentes, deveriam pensar seriamente na questo: "temos razo suficientes para habitarmos o mesmo espao? Ou ser melhor habitarmos espaos separados e combinarmos separadamente cada atividade que quisermos fazer juntos"?

    De fato, mesmo separados, habitando espaos diferentes, comunidades diferentes, nada nos impede de fazer muitas coisas juntos, a partir da adeso livre de caca um. Podemos jogar futebol, rezar, estudar, at ter relaes sexuais ou trabalhar. Alm disso, no h outro caminho. A no ser que algum de ns fosse forte o suficiente para impor sobre os outros a sua vontade, fora fsica ou um tal controle da situao que lhe permitisse impedir que todos os outros enxergassem qualquer opo.

    Vamos imaginar uma Federao funcionando. Essa parece ser um bom mtodo para explicar e entender, alis, o mtodo caracterstico da Utopia. Todo mundo teria direito de fazer a sua proposta. Na proposta estaria descrita uma maneira de viver junto, estaria explicado como seria a educao, diviso dos salrios, eleies, poltica, alimentao, etc. Alm dos partidos polticos, religies, at famlias, sociedades secretas ou pessoas isoladas poderiam fazer sua proposta. E o governo da Federao estaria ajudando sempre a fazer surgirem propostas novas.

    Um partido comunista, por exemplo, faria a proposta de uma comunidade comunista, onde ningum possusse nada, a no ser objetos de uso pessoal. J outro partido comunista proporia uma comunidade onde os salrios seriam sempre iguais, mas onde haveria propriedades de todo tipo. Um grupo de cristos conservadores faria a proposta d uma comunidade extremamente moralista, onde o sexo antes do casamento e o adultrio seriam crimes. Mas um outro grupo exatamente o contrrio, a nudez e o sexo livre.

    Depois de feita cada proposta, haveria um tempo para que fosse redigida e estudada. Nessa fase, o governo ajudaria fornecendo assessoramento, pois o Estatuto de uma comunidade deve ser claro e completo. No pode se esquecer de algumas questes, como, por exemplo o que fazer em caso de crime, no caso de um certo grupo querer mudar o sistema ou a religio oficiais. Na fase seguinte, desta vez com um apoio maior ainda, a proposta seria difundida para que todos a conheam e bem. Como seriam diversas propostas, as pessoas poderiam aderir que quisessem. Algumas propostas teriam a adeso de milhes de pessoas. Outras ficariam por um tempo indeterminado em hibernao, ate conseguir um numero mnimo de participantes. Outras tero a adeso de uma nica pessoa, e funcionaro assim mesmo. Para facilitar a formao dessas comunidades, e o seu funcionamento, existiram "plos", isto , reas com infra-estrutura. Haveria o mximo de liberdade para as comunidades, mas certamente no toda a liberdade. Algumas limitaes existiriam (isso seria estabelecido na constituio). Por exemplo: todos teriam o direito de sair. Sem isso no h federao. Todos teriam direito informao. A constituio determinaria como seriam essa garantias na pratica. E as comunidades no poderiam pr fogo nas flores, por exemplo, poluir os rios. A constituio deveria, ainda, determinar se e como as comunidades deveriam respeitar os direitos humanos (ou se bastaria garantir o direito de sair a qualquer momento). E onde ficaria uma pessoa que no optasse por comunidade alguma? E os comunitrios em trnsito, turistas? Pode-se pensar que o prprio capitalismo pudesse funcionar como ponto de partida: as pessoas sairiam do capitalismo para formarem comunidades. Isso melhor do que as coisas ficarem como esto hoje, mas parece que nenhum sistema, muito menos o capitalismo, deveria funcionar como ponto de partida ou como Espao Neutro.

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    Como seria morar na Utopia?

    Vamos fazer, nesse capitulo, uma Utopia de verdade. Isto , vamos imaginar como poderia funcionar uma sociedade, a melhor que pudermos imaginar. O projeto de uma sociedade futura sempre ilumina o pensamento utpico. Embora a Utopia seja, muito mais, uma conseqncia de se pensar na sociedade futura do que uma obra literria. Evidentemente, muita coisa vai ser dita aqui inveno gratuita, que serve apenas para dar consistncia ao projeto. Esses detalhes no podem ser levados a srio. Ningum pode pensar que todos os utpicos devam concordar com a idia de uma Comunidade Hotel, por exemplo.

    Vamos supor que voc esteve visitando uma Utopia, ou melhor, uma Federao. Uma Utopia que uma Federao. Voc chega a uma estao ferroviria qualquer de Federao. Ali, voc vai encontrar dois mapas. Um mapa geogrfico, como esses que a gente v nas estaes do metro. E um mapa da organizao social. nele voc vai encontrar os nomes das diversas comunidades que fazem parte da Federao. E vai poder saber, tambm, quais formam o Espao Neutro e quais aceitam turistas sem os contratos que geralmente antecedem uma visita.

    Sem dvida, voc poder pedir informao mais detalhadas atravs de um servio de orientao e informaes. Vamos supor que voc resolva ficar uns tempos pelas comunidades do Espao Neutro. E que escolheu uma Comunidade Hotel. Voc poderia ter escolhido tambm uma comunidade hospedeira, isto , uma comunidade que ite hspedes (hspedes seriam membros que no necessitam cumprir todas as obrigaes de um membro permanente).

    H diferenas entre uma comunidade hotel e outra. A que voc escolheu pode ser considerada de um tipo bastante comum. O seu primeiro contato com o servio de orientao. Depois de um bate-papo informal, voc recebeu um folheto com as regras principais. Como consumidor voc deve escolher entre algumas opes. Voc preferiu uma jornada de 15 horas semanais de trabalho, direito de refeies nos restaurantes populares, viagens curtas por toda a Federao, assistncia mdica, e algumas cotas: de livro, de discos, de refeies em restaurantes especiais (6 refeies por ms), para roupas, para viagens longas. Alm disso, voc poderia obter outros servios aps pedido direto a um funcionrio do Banco. Tudo isso pode ser obtido atravs de cheque ou de carto de crdito (para os servios bsicos) e de moedas para mercadorias de pouco valor. O seu trabalho acertado com um orientador especifico. Ele procura ser o mais flexvel, dentro de algumas normas preestabelecidas.

    Dentro da Universidade, onde se d a vida pedaggica, provvel que voc necessite de um outro Orientador. Mas, ao contrrio das demais comunidades, as Comunidades Hotel no tem vida poltica. Elas so istradas por profissionais de fora, contratados de outras comunidades. O mximo que se pode fazer, politicamente, encaminhar reclamaes e sugestes. Mas h muita boa vontade para que elas sejam aceitas. Na Comunidade Hotel alguns membros so permanentes. Mas a maior parte de seus membros esta esperando acomodaes em alguma comunidade, ou foram expulsos de outra, ou esto estudando a melhor opo. s vezes grupos inteiros estudam intensamente para resolverem se aderem a alguma comunidade j pronta, se formam uma nova ou se vo se dividir. H, tambm, alguns turistas observadores em estado de indeciso absoluta. Alguns jovens tambm consideram as Comunidades Hotel como o melhor local para preparar uma opo, porque ali no h a opresso de uma ideologia organizada nem o envolvimento com a vida de uma comunidade. Na Universidade, noite, se pode ver de tudo, como em qualquer comunidade, s que com mais tranqilidade, como se ali fosse proibido ter pressa. Por causa disso to importante o setor da Universidade onde se d a exposio das comunidades, filmes, livros, folhetos, palestras de ex-moradores, debates, estudos, etc.

    Vamos supor, agora, que voc, depois de ficar alguns meses em uma Comunidade Hotel, resolve fazer uma peregrinao por diversas comunidades. Vamos fazer uma exposio rpida de como funcionam algumas dessas comunidades.

    Capitalismo (231). Esse nmero, duzentos e trinta e um, para distinguir das outras, umas trezentas, todas capitalistas, cada uma com a sua proposta. Na 231 no h proteo aos pobres, a no ser uma: para evitar que muitos morram de fome, em casos extremos se pode exigir sopa de graa e acomodao em grandes reas cobertas. O que vale a lei de mercado. ite-se at contrato de trabalho em troca de comida. No se ite sindicato, greve, salrio mnimo, ma tambm no se ite qualquer organizao dos empresrios entre si, para controlas preos, por exemplo. Todas as empresas so sociedades annimas e todos os membros da comunidade tem o participao poltica atravs de aes. O pais controlado por fundos e montepios. Os acionistas se unem livremente em fundos, e os fundos se unem uns aos outros, formando grandes conglomerados acionrios. A participao do Estado mnima: a sade, educao, estradas, comercio, tudo privado. Os montes pios so a nica forma de se proteger na doena e na velhice.

    Comunidade Fourierista (5). So quase cinqenta comunidades fourieristas. Para quem no sabe, ali se segue a proposta de Charles Fourier. O povo vive em Falanstrios, que no so muito diferentes de hotis. O centro da vida o sexo, a paixo, as manias sexuais, a criatividade. Procura-se explorar todas as possibilidades da convivncia humana: artes, esportes, trabalho, alimentao, cincia. E o sexo, principalmente. Toda represso proibida. Existe uma ordem religiosa de pessoas que procuram fazer caridade sexual: saem em busca de solitrios, feios, antipticos, etc. a comunidade Fourier (5) se orgulha da profuso de conjuntos de pera, de cultivar milhares de variedades de meles e peras, da variedade de sua arquitetura e de sua culinria. As cozinhas dos Falanstrios so uma perfeita combinao de organizao e profuso de idias, iniciativas, criatividade. Mas, ao contrario do que se pode pensar, ali tambm se cultiva a fidelidade, pois, embora tendo muitas amantes, as pessoas so fieis a algumas amantes especiais. o amor Platnico, apesar da falta de represso, muito praticado.

    Comunidade utpica ortodoxa (28). So centenas de comunidades utpicas, com variaes considerveis entre elas. A 28 difere pouco de uma grande escola. As atividades produtivas funcionam como apndices dessa escola. Mas, no caso da 28, a vida economicamente pobre: a comunidade deixa claro para os que ali ingressam, que devem optar por riqueza pedaggica e pobreza econmica. Boas bibliotecas, pianos de cauda, quadras, e sobretudo muito tempo para a educao das crianas, cursos, amizade... Mas uma vida espartana: vegetarianismo, roupas muito simples e poucas, acomodaes individuais pequenas e muito simples, e muita coisa de uso comunitrio, como banheiros e salas de descanso. bom lembrar que outras comunidades, inclusive utpicas ortodoxas, vivem em verdadeiros castelos. Na 28 os costumes so variados, mas no sempre de um tipo padro quando em reas comuns: os comportamentos exticos so reservados para os chamados condomnios. Mas, mesmo a, algumas coisas so proibidas, tais como violncia, consumo de carne, praticas religiosas irracionais, drogas e abusos de pessoas inidneas. Nenhuma comunidade impede seus membros de visitarem outras comunidades e cada uma prope ao Governo Federal uma forma de informao sobre a realidade fora da comunidade. Mas no conhecidos alguns casos de atrito, sobretudo com comunidade anarquistas e com algumas comunidades capitalistas. Nem todas as comunidades podem ser chamadas de pluralistas, pois em muitas delas fala-se mal das outras ou o grupo se considera eleito e os demais perdidos.

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    Sexo e emancipao feminina

    A principal idia utpica sobre sexo que cada pessoa e cada grupo deve ter liberdade para pensar e viver a sexualidade como achar melhor. Evidentemente, envolvendo (porque o sexo, a no ser na masturbao, acaba envolvendo pessoas) somente quem estiver voluntariamente dentro do mesmo projeto. Essa disposio nos faz vigilantes com (a) relao a uma moral preocupada (em condenar, geralmente) com o comportamento dos outros, e com (b) relao a prticas sexuais que forcem algum a participar, ainda que sutilmente.

    Poderamos, ainda, incluir uma predileo pelo que natural. Mas, quem decidir o que natural?. A criatividade um o alm do natural?. Em vista dessas dificuldades, fica apenas o registro, e um voto de confiana nas pessoa, de que elas sejam capazes de pensar e agir sempre da melhor maneira, desde que a partir de condies razoveis de sade, alimentao, cultura, etc. Bom, como sempre, existem dois nveis de Utopia.

    Primeiro, preciso garantir uma sociedade pluralista, a Federao, onde cada pessoa e cada grupo pode pensar e viver da maneira que achar melhor. E depois, num segundo nvel, comunidades onde se vive radicalmente, no dia-a-dia, a Utopia. O mais importante j dissemos acima, e a exigncia de uma moral sexual pluralista, que combata toda hegemonia e que dificulte a interferncia na vida dos outros.

    E num segundo nvel, menos importante, a ou as propostas mais radicalmente utpicas. A, nesse segundo nvel, a principal idia talvez seja a seguinte: "Eu no quero impor nem sou mais que nada desse mundo. E no aceito que nada seja mais ou que se imponha sobre mim. Apesar disso, desse cuidado, eu me interesso pelas coisas e pelas pessoas. E pretendo estar sempre em relao, conviver. O medo de relao desiguais no me faz buscar o isolamento. Pretendo, inclusive, me relacionar com pessoas ter amizades. E quando fao uma amizade nunca s eu e o meu amigo um diante do outro. Nos precisamos de instrumentos e atividades. Amizade fazer as coisas junto. E existem muitas coisas, no mundo, onde pode se dar a amizade: o trabalho, a cultura, poltica, musica, esportes, etc. e sexo. Esse o sentido do sexo nessa perspectiva utpica: uma das coisas desse mundo que dois amigos tem para fazerem juntos." O sexo no tem uma relao necessria com paixo e casamento. um erro tentar convencer as pessoa de que a nica moral possvel a moral romntica, que afirma que devemos ter relaes somente com uma pessoa por quem estamos apaixonados e com quem estamos casados. Essa pode at ser uma boa idia, mas jamais a nica.

    A Utopia exige ainda que todas as pessoas, sem distino, tenham a posse de sua vida. Tudo bem que uma mulher, idnea, adulta, queira viver toda a sua vida como esposa, na cozinha, sem cultura e sem participar da vida social. O errado tentar convencer todas as mulheres de que essa a nica proposta possvel e insistir em uma forma de organizao social em que dificilmente as mulheres se tornam capazes de optar.

    Em uma nova sociedade, as mulheres devem ser absolutamente iguais aos homens (Em principio, pois nada pode impedir que, a partir dessa igualdade, elas resolvam ser inferiores.) A diviso capitalista das funes sociais em masculinas e femininas deve acabar. As funes femininas - lavar roupa, cozinhar e cuidar dos filhos pequenos - devem ar para a responsabilidade de toda a sociedade. Embora no se possa tirar das idias utpicas uma proposta precisa sobre moral sexual ou vida familiar, pode-se afirmar com certeza a preocupao utpica com a vida afetiva.

    A Utopia do ser humano , antes de tudo, a Utopia do corao, o lugar onde h plenitude afetiva, onde eu tenho uma atividade interior complexa, onde a minha interioridade se desenvolve, onde pelo menos algumas pessoas habitam o mesmo espao afetivo que eu habito, onde algumas pessoas me do importncia. A sexualidade no pode ser um assunto secundrio para a Utopia, embora alguns utpicos tomem o caminho do conservadorismo e outros o da libertao total, alm de inmeras propostas intermedirias.

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    Poltica

    A principal idia utpica sobre poltica Federao, que acabamos de ver. Isso o mais importante: organizar um movimento pluralista, inclusive um partido (embora, nesse ponto, haja muitos utpicos que discordam) e, da, dessa semente, uma sociedade pluralista, a Federao.

    A Utopia no se contenta com sonhar, fazer planos. Ento, bem provvel que os utpicos acabem sempre se posicionando no sentido (no rumo) de transformar a sociedade, de questionar valores, de se levantar contra os abusos e atrasos, etc. Evidentemente, talvez por ter se desenvolvido dentro do capitalismo, a Utopia combate a misria, violncia e ignorncia, que so as caractersticas mais negativas do sistema capitalista.

    Em outras palavras, a Utopia de esquerda e socialista. De esquerda, por causa de se posicionar a favor da sociedade como um todo, contra todo tipo de discriminao econmica, racial, sexual, de idade... Talvez isso j fosse suficiente para dar uma idia do que o socialismo utpico, a utopia poltica. No entanto, desde Marx, toda vez que um utpico se diz de esquerda e socialista preciso acrescentar algumas explicaes, se quiser evitar confuso. H diferenas importantes. Algumas delas seriam: o posicionamento da Utopia contra a violncia muito mais firme do que a dos marx ?istas; a Utopia se preocupa muito mais do que os marxistas com a revoluo do cotidiano (feminismo, moral, amizade, arquitetura, alimentao, ecologia, etc.); a Utopia d muito mais importncia educao; a Utopia apia a organizao da sociedade em instituies e cooperativas; a Utopia no se prope como ideologia ou partido de uma classe, apesar de socialista e de estar sempre vinculada aos mais pobres e aos mais cultos.

    A sociedade, para a Utopia, se organiza em trs nveis: individual, relacional e econmico-poltico. A utopia no afirma que qualquer um desses nveis seja mais importante. Mas afirma o seguinte: o sentido (significado) da revoluo vem de baixo para cima, de dentro dos indivduos para as relaes e finalmente para o nvel econmico-poltico. A revoluo utpica sempre, embora no s, celular. Apesar disso, no seria utpico propor uma revoluo s dentro dos indivduos, que mantm como esto as relaes entre as pessoas e a organizao global da sociedade - econmico-poltica. Ou mesmo uma revoluo que atingisse as relaes entre as pessoas, mas no o nvel econmico-poltico. Ou, ainda, seria muito menos utpica a proposta de uma revoluo que ficasse nos nveis de cima, sem atingir as relaes e os indivduos.

    Bom, o marxismo v essa questo da revoluo mais ou menos ao contrrio da Utopia. Para o marxismo, a revoluo praticamente revoluo poltica e o fundamental a mudana econmica: abolir a propriedade particular dos meios de produo. Mudanas nas relaes entre as pessoas e dentro das pessoas seriam conseqncias. Essa mesma concepo que a Utopia tem da revoluo, que nos afasta do marxismo, tambm nos afasta dos anarquistas, pelo menos de um tipo de anarquista.

    A tese fundamental do anarquismo a negao do autoritarismo (entendido como o direito ou poder de decidir pelos outros, de interferir dentro das esfera de vida de uma outra pessoa). Isso est de acordo com as idias utpicas. Utopia e anarquismo esto tambm de acordo a respeito da necessidade de uma revoluo de baixo para cima, popular, o povo se organizando por conta prpria. Mas alguns anarquistas esposam outras propostas: a negao da religio e de todos os partidos polticos (inclusive a pregao do voto nulo). E, ainda, propem meios violentos de combater o sistema, o sexo livre, a abolio da famlia, e negam todas as instituies.

    Para a Utopia, preciso que cada pessoa resolva cada uma dessas questes. Se eu quiser votar nulo, negar a famlia, religio, etc., tudo bem. Eu posso, inclusive, levar a minha proposta para outras pessoas, formar um grupo, etc., desde que no utilize o poder,meios violentos... A Utopia no v com bons olhos qualquer tentativa de impor as minhas solues, como se elas fossem necessariamente as melhores. Ento, muito diferente eu no querer ser religioso de querer acabar com a religio que h no mundo ou querer impedir que outras pessoas sejam religiosas.

    Resumindo, as principais idias polticas da Utopia so as seguintes:

    1. Federao, um movimento e uma sociedade onde as pessoas tenham mais facilidade para pensar como julgarem mais certo ou conveniente.
    2. Combater, desde hoje, todas as formas de represses: a misria, coao fsica e organizacional, ignorncia, maiores facilidades para a divulgao de certas ideologias, como o capitalismo e o romantismo.
    3. Socialismo, opo por mudanas a favor dos desfavorecidos do atual sistema.
    4. Revoluo celular, de baixo para cima, no cotidiano, nas mentalidades, costumes, nas relaes; cooperativismo; educao popular; apoio a todas as formas de organizao e cultura populares.
    5. A Educao deve ser rica, livre (no sentido de permitir a cada um a composio do seu prprio currculo e, no sentido negativo, de no dispor de prticas repressivas), universal e permanente (que dure toda a vida do indivduo).

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    Explorao

    Para os capitalistas, as pessoas so proprietrias dos frutos do seu trabalho, daquilo que herdam de seus pais ou parentes, daquilo que ganham de presente ou mesmo daquilo que tomam porque chegaram na frente de outras pessoas. Se eu produzo arroz, eu sou dono desse arroz. Eu posso troc-lo por qualquer coisa, ou mesmo jog-lo fora.

    Para a Utopia, isso mentira. Todos somos colaboradores uns dos outros. Imagine uma fbrica de automveis. Um grupo de empregados produz um pneu, outro empregado s aperta parafusos, outro varre o cho e outro sai pelo pas para vender o produto final. Se o princpio fundamental da distribuio capitalista fosse aplicado nessa fbrica, cada empregado seria proprietrio daquilo em que ps a mo: quem fez o pneu ficaria com o pneu, quem varreu o cho cobraria uma taxa de cada um, e todos contribuiriam com uma cota para montar uma agncia de vendas.

    Embora no seja impossvel, bem mais prtico o princpio utpico: s h um produto, que o automvel, os empregados so todos colaboradores uns dos outros, embora possam ter funes diferentes. O fato de terem funes diferentes no significa que tenham mais ou menos mrito ou participao no produto final: essa questo depende de cada grupo, de sua proposta. O mesmo acontece na sociedade. Eu produzo arroz e voc produz feijo, um outro mdico e outro varre as ruas. Eu s posso me dedicar a produzir trezentos sacos de arroz se eu souber que outras pessoas esto produzindo outras coisas de que eu necessito.

    Quer dizer, eu e todas as outras pessoas que trabalham somos colaboradores, estamos trabalhando lado a lado, mesmo que eu nem veja ou nem saiba quem faz cada coisa. No uma frase potica ou um desejo dizer que todos somos colaboradores uns dos outros, a realidade. Ningum dono do produto do seu trabalho, j que os outros tambm ajudaram. A troca no faz sentido, uma mentira. J que produzimos juntos, todo produto de todos. O arroz que eu produzi, que saiu das minhas mos, no s meu. E o feijo que saiu das suas mos tambm no s seu. Como poderamos trocar uma coisa que no minha por uma coisa que no sua?

    Cada comunidade, no aspecto econmico, se prope um esquema de organizao do trabalho e, depois e separado, um esquema de distribuio do produto. A escolha de um esquema depende de muita coisa, inclusive de preferncias pessoais. A troca (do capitalismo) apenas um dos esquemas possveis.

    Hoje funciona mal, mas pode vir a funcionar bem. O que no faz sentido tentar propor uma lgica da troca, para a qual evidente que as pessoas possuem o que usam e o que produzem. Acreditar nisso faz tanto sentido quanto acreditar que as plantas crescem por obra de Deus e que, portanto, o produto do trabalho deve ser entregue a Deus, quer dizer, ao sacerdote, para que ele distribua populao.

    O capitalismo, visto como um sistema necessrio, um erro de raciocnio um trabalhador querer receber a remunerao justa pelo seu trabalho, no sentido de receber um salrio que corresponda ao valor do seu trabalho. Essa uma maneira egosta, inclusive, de ver o problema poltico. O problema da distribuio nunca pode ser visto individualmente. A sociedade precisa ser reformulada como um todo, cada grupo precisa poder escolher sua ideologia e seu esquema de vida, que inclui um esquema de organizao do trabalho e um esquema de organizao da distribuio do trabalho, do produto.

    Hoje, quando no h nenhum sistema de distribuio definido e escolhido conscientemente pelas pessoas, parece que o mais justo acreditar que todos ns temos direitos iguais. Assim, se o mdico ganha mais do que o lixeiro, ou se ambos, por terem emprego, ganham acima do mnimo, porque o que ganha mais est roubando, isto , est ficando com uma parte do outro.

    E que todo socialista utpico deveria pensar seriamente naquilo que consome acima do mnimo, se consome, ou naquilo que consome abaixo do mnimo, se for o caso. Mas, o que o mnimo? o salrio mnimo decretado pelo governo? Apenas para dar uma idia, que parece utpica, o mnimo, para um socialista que vive no sistema capitalista, o suficiente para sobreviver. Sem consumismo. As pessoas precisam, para sobreviver, de uma boa alimentao, que certamente no inclui novidades, latarias e o indispensvel em roupas e moradia. Apenas no podemos aceitar o padro de consumo destinado para os pobres para sade e educao. Se aceitssemos, estaramos aceitando a prpria continuidade do sistema. Ou seja, o mnimo para a sobrevivncia deve ser muito menos do que se pensa em termos de alimento e moradia, e uma reavaliao, talvez um reforo no que se refere a sade e educao. O que gastarmos acima disso explorao.

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    Educao

    Vamos comparar duas maneiras de encarar a educao, a maneira capitalista e a utpica. A educao capitalista s acontece quando algum pretende mudar o modo de pensar de uma outra pessoa. Para eles, de um lado est a escola, a sociedade, o professor, os conhecimentos cientficos, e esses esto sempre com a razo. Esses so os que (pensam que) sabem das coisas. E eles ensinam suas verdades para os alunos, as crianas, os jovens, o povo, que eles julgam ignorantes. O objetivo da educao capitalista colocar alguma coisa que estava fora para dentro da cabea do aluno. E tambm o esforo para transformar o aluno em uma pessoa idealizada por outros.

    As atividades pedaggicas so diferentes porque elas no pretendem construir nada como uma casa ou um hospital, nem montar um rdio, nem costurar uma cala. s vezes, em uma atividade pedaggica, podemos at construir alguma coisa, ou levar um objeto de um lugar para o outro, mas sem que isso seja exatamente o nosso objetivo. Tanto que podemos construir uma casa e depois desmanch-la para fazer tudo de novo. Uma atividade pedaggica se parece com a dana. O danarino vai e volta diversas vezes pela sala. Quando ele vai, o que pretendia no era exatamente ir at o outro lado da sala, tanto que logo ele voltou sem ter feito nada do lado de l. Mas, alguma coisa deve ter mudado no mundo, ou talvez fora do mundo. Se nada mudasse, os danarinos no perderiam o seu tempo andando de l para c. Talvez ele tenha ficado mais inteligente, ou suas pernas tenham ficado mais fortes, ou se tenha se tornado uma pessoa mais feliz ou tenha mais chances de ir para o cu, mesmo que nada disso tenha valor econmico, no sentido de servir para comer, morar, sentar em cima, etc.

    Quando reunimos uma poro de atividades pedaggicas em um mesmo lugar, chamamos esse lugar de escola. A sociedade est cheia de atividades pedaggicas. So pessoas tocando piano, jogando futebol, crianas brincando de pique, pessoas explicando o que sabem para outras. O importante para a Utopia que existam muitas atividades pedaggicas, muito mais do que hoje, e que essas atividades sejam boas, de boa qualidade, e que as pessoas tenham o a elas e nunca participem de nenhuma delas fora.

    Se o partido utpico - ou federacionista - chegar ao poder ou se puder interferir no poder, o seu projeto fundamental um grande esforo pedaggico, que consiga que as pessoas tenham o ao maior nmero de atividades pedaggicas, livremente, e que essas atividades sejam de boa qualidade: veis, de bom nvel, constantes, etc., fazer tudo para que as atividades pedaggicas tenham uma boa organizao, que aconteam sempre, que incorporem a pedagogia, etc. A educao utpica livre, plural, universal e permanente. No basta levar a educao a todas as pessoas e que a educao dure toda a vida das pessoas: preciso revolucionar a estrutura da educao, alm de que essas duas questes esto amarradas uma outra.

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    Modelo educacional.

    S para ter uma viso mais concreta (e no com intenes filosficas), vamos imaginar como poderia ser a educao utpica. Esse modelo no proposto para a Federao em geral, evidentemente, o mximo que se pode esperar que as comunidades especificamente utpicas tenham modelos semelhantes. Vamos imaginar, de novo, voc chegando a uma cidade onde nunca morou antes, uma cidade utpica de uma Federao. Por outro lado existiro atividades: grupos estudando, praticando esportes, bibliotecas, etc.

    Voc no obrigado, mas uma boa opo procurar um Orientador. Voc vai dizer para ele o que voc gosta de fazer, o que gostaria de fazer, o que fazia antes, etc. Ele vai mostrar horrios, relatrios, vai te falar das propostas de diversos grupos, etc. Enfim, vai procurar te dar uma idia das atividades que estariam sua disposio. Depois de alguns contatos, voc, com a ajuda do Orientador, comear a montar o seu horrio, tanto o horrio de trabalho como o horrio pedaggico. Ningum vai te obrigar a fazer nenhuma atividade.

    Vamos supor que, no seu horrio de trabalho, voc queira fazer parte de uma equipe que constri pontes. provvel que, dependendo da sua funo, haja necessidade de saber se voc est preparado. Ningum vai se arriscar a permitir que qualquer um construa pontes ou que faa operaes cirrgicas sem antes fazer uma avaliao pessoal. Ento, em alguns casos, voc vai ter que fazer testes, provas, etc. Mas esse ser um problema das empresas, um problema econmico, e no da educao. A educao no ter essa funo, a avaliao pessoal. Apesar disso, as atividades econmicas e as atividades pedaggicas sero muito prximas, como se o trabalho fosse contguo (quase junto) da escola. Como se a sociedade fosse uma grande escola. Cada atividade pedaggica pode ter (e ser bom que tenha) uma ideologia. Mas o conjunto das atividades a que uma pessoa tem o no pode ser articulado por nenhuma ideologia. Ou seja, nenhuma ideologia poder ser a condutora de todo o projeto pedaggico a que uma pessoa submetida, a no ser dentro das comunidades que forem se formando.

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    Personalidades

    • Dario
    • Plato
    • Jesus de Nazar
    • Gandhi
    • Charles de Foucault
    • Thomas Morus
    • Pedro Abelardo

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    Guia de leitura

    A maior dificuldade na confeco de um guia de leitura est no nvel de escolaridade. Vamos optar, aqui, pelo nvel mdio, isto , uma pessoa capaz de ler, ainda que com alguma dificuldade, a maioria dos livros no especializados que se encontram venda nas livrarias. Corresponde, mais ou menos, ao que se espera de um aluno de um curso colegial. Essa pessoa no seria especialista em filosofia, sociologia, histria, etc., mas capaz de ler e compreender livros de iniciao sobre esses assuntos.

    A literatura utpica de muito boa qualidade e muito vasta. Quem se interessar em ler os poucos livros que vamos indicar aqui entrar em contato com orientaes bibliogrficas mais pretensiosas contidas em alguns desses livros. Infelizmente, hoje, nesse ano de 1990, ainda h falhas muito srias nos livros disponveis em portugus. Alguns dos maiores clssicos ainda no foram traduzidos.

    No temos quase nada sobre comunidades e s temos o Petitfils sobre histria da Utopia. Alm desses livros, uma boa leitura, inclusive muito fcil, a Revista Utopia. Para entrar em contato com a literatura utpica, uma forma simples utilizar a Internet e levantar bibliografias em grandes bibliotecas, como a Biblioteca Nacional, a Biblioteca do Congresso Norte-Americano, a Biblioteca da USP. Basta digitar o assunto utopia e se tem de imediato uma bibliografia, embora com alguns livros que entram por engano.

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    1. Livros

    1.1. Primeiro grupo.

    O conjunto destes quatro livros tem servido de referncia, como definio da ideologia utpica, que exposta aqui, nessa cartilha. Alm disso, servem como leitura inicial.

    Utopia, Manual do Militante. De Luiz Gonzaga Teixeira, Ibrasa, So Paulo, 1983. o nico livro que se prope a dar uma viso de conjunto da Utopia, como uma ideologia capaz de funcionar como filosofia de vida e de organizar um movimento. A leitura fica mais fcil se iniciada pelo terceiro e quarto captulos, sobre amizade e emancipao feminina.

    As utopias, ou a felicidade imaginada. De Jerzy Szachi, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1972. D uma viso geral. de leitura fcil e tem trechos essenciais.

    socialismo utpico. De Martin Buber, Perspectiva, So Paulo, 1971. Faz uma exposio crtica do pensamento dos pensadores utpicos clssicos. Apresenta a Utopia como uma viso sociolgica da revoluo, isto , como um processo de mudana a partir das clulas da sociedade.

    Dialtica da Esperana. De Pierre Furter, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1974. Apresenta de uma maneira didtica o pensamento - difcil - de Ernst Bloch, o maior filsofo da Utopia. a referncia filosfica.

    1.2. Segundo grupo

    Educao e Reflexo. De Pierre Furter, Vozes, Petrpolis, 1973. Contm um captulo precioso, o terceiro, sobre a palavra Utopia.

    Os socialismos utpicos. De Jean Petifils. Crculo do Livro, So Paulo, 1981. Histria da Utopia, principalmente das utopias literrias.

    Tempo e Utopia. Nmero especial da Revista de Cultura Vozes, Vozes, Petrpolis, 1973, n? l. Contm diversos artigos de leitura fcil, sobre religio, histria e bibliografia.

    Do socialismo utpico ao socialismo cientfico. De Engels, Global, So Paulo, 1980. a obra principal da literatura contra Utopia. Mas deve ser lido tambm por quem a favor. cristalino. Contm os argumentos clssicos do marxismo contra a utopia.

    Crtica ao Programa de Gotha. De Marx, Progresso, Moscou, 1979. De poucas pginas, confuso e de difcil compreenso. Mas contm trechos importantes. o mais utpico dos livros de Marx.

    O que Utopia. De Teixeira Coelho, Brasiliense, So Paulo, 1980. simples e didtico.

    Os grandes escritos anarquistas. De Woodcock, L&PM, Porto Alegre, 1977. O anarquismo uma ideologia que no pode ser separada da Utopia.

    Summerhill, liberdade sem medo. De Neill, Ibrasa, So Paulo, 1963. de todos o de leitura mais fcil. D uma viso inicial das idias utpicas sobre Educao. Mas quem se interessar por Utopia da Educao deve ler as obras de Furter, Carl Rogers e Paulo Freire.

    Utopia. Organizado por Neususs, Barral, Barcelona, 1970. Mais difcil que os outros, e em espanhol, mas no pode ser esquecido, porque contm alguns artigos indispensveis.

    Ideologia e Utopia. De Karl Mannheim, Zahar, Rio de Janeiro. outro livro que combina alta qualidade com uma certa dificuldade. Esse no parece estar no nvel de alunos de colegial.

    De baixo para cima, a Utopia no Brasil. De Carlos Aveline, Vozes, Petroplis, 1984. Pode ser considerado com referncia para uma viso da Utopia como um processo de organizao popular, o povo resolvendo os seus prprios problemas, organizando cooperativas, etc.

    Utopia e Paixo. De Roberto Freire e Fausto Brito, Rocco, Rio de Janeiro, 1986. Anarquista. Tem o mrito principal de se deter na Utopia como revoluo do cotidiano, como revoluo do afeto e das relaes afetivas.

    1.3. Terceiro grupo

    Essa listagem, mesmo contendo s os livros mais importantes, no poderia ser encerrada sem mencionar os clssicos:

    Le Mythe de la Cit Ideale, de Mucchielli, Paris, PUF, 1960.

    L'Utopie et les utopies, de Ruyer, Paris,PUF, 1960.

    Historia de la Utopia, de Servier, Caracas, Monte Avila, 1969.

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    2. Trechos

    "Na linguagem cotidiana a palavra utopia significa, no mais das vezes fantasia, quimera, criao que no leva os fatos em considerao, projeto cuja realizao impossvel. Esta compreenso da palavra no parece ser til para a anlise cientfica da Utopia como um fenmeno social - ela faz um julgamento de valor, j de sada, antes mesmo que se comece a estudar a questo. Alm do mais, uma tal definio dificultaria o isolamento do nosso objeto de pesquisa. Teramos de indagar primeiro quem, com que bases, decidiria sobre a possibilidade de realizao do projeto em considerao. Possibilidades (ou impossibilidades) permanentes no existem" (Szachi, pgina 3).

    "Nem fcil nem impossvel, uma tarefa" (Furter, Educao e Vida, Vozes, Petrpolis, 1972).

    "Mas, lembremo-nos: para que uma idia mais ou menos geral possa surgir das massas no dia da decretao da revoluo, no deixemos de expor sempre o nosso ideal da sociedade que deve surgir depois da revoluo. Se ns queremos ser prticos, exponhamos o que os reacionrios de toda nuana sempre chamaram Utopias, Teorias. Teoria e prtica devem ser uma coisa s, se ns pretendemos vencer" (Kropotkine, Paroles d'un Revolt, Paris, Flammarion, 1978, pgina 324).

    "Assim, nas nossas esperanas desembocam as esperanas de toda a humanidade. Nesse sentido o ado nos apia. Mas, tambm, para que esse ado no seja mais uma vez iludido, devemos mostrar-nos altura dele. Ns estamos apoiando esse ado. Talvez que a singularidade do sculo XX seja justamente de ter uma conscincia mais aguda das esperanas do ado, de saber que no devemos mais errar e que devemos vencer" (Furter, Dialtica da Esperana, pgina 47).

    "Se eu desejar algo para mim, no seriam riquezas nem poder, mas apenas a paixo da possibilidade. Eu desejaria ter um olho eternamente jovem, ardendo eternamente com a exigncia de ver a possibilidade" (Kierkegaard, citado por Ernst Bloch, no El princpio Esperanza, Aguilar, Madrid, 1980, volume III, pgina 152).

    "Experimento intelectual" (Ruyer, no livro Utopia, organizado por Neususs, pgina 151).

    "A utopia pode ser, primeiramente, uma tcnica intelectual. Isto , uma maneira de pensar, no imaginrio, as modificaes possveis numa sociedade, de modo a abrir novas perspectivas. Neste caso, o autor tende a imaginar um modelo que vai permitir, depois, refletir duma maneira crtica cobre certas caractersticas da sociedade, numa viso global e dinmica da realidade" (Furter, Educao e Reflexo, pgina 38).

    "Proletrios do mundo olhem bem para os abismos de seu prprio ser, procurem a verdade e a compreendam vocs mesmos: voc no a encontraro em nenhum outro lugar" (Peter Aschinov, no livro de Woodcock, Os grandes escritores anarquistas, pgina de abertura).

    "O desenvolvimento mximo da individualidade dever combinar-se com o desenvolvimento mximo da associao espontnea, em todos os aspectos, em todos os graus possveis, e para os fins mais variados" (Kropotkine, no livro de Buber, pgina 24).

    "A cincia constitucional pode ser resumida, segundo Proudhon, em trs postulados:

    1. Formar grupos reduzidos, relativamente soberanos e unidos em corporaes.

    2. Organizar o governo em cada Estado federado.

    3. Cuidar apenas da iniciativa geral e da garantia e vigilncia mutuas, ao invs de usar o poder contra os estados federados, ou autoridades provinciais ou municipais" (Adaptada de Proudhon, no livro de Buber, pgina 47).

    "O movimento marxista no procurou formas precursoras j existentes da nova sociedade, na se empenhou seriamente em fornecer, influir, dirigir, coordenar, federar as experincias j realizadas ou que estavam em vias de informao e nem efetuou o trabalho conseqente de dar vida a clulas e mais clulas e a federao e mais federaes de comunidades vivas" (Buber, pgina 124).

    "A revoluo no possui fora criadora, e sim uma fora de dissoluo, de libertao e de inverso de valores, ou seja, ela s pode libertar, consumar ou fortalecer o que j se achava previamente configurado no seio da sociedade pr-revolucionria. A hora da revoluo no uma hora de concepo, mas de nascimento, desde que tenha havido concepo anterior" (Buber, pgina 61).

    "Escolhe: ou ests com aqueles que tomaram e ainda tomam o cu de assalto, ou com aqueles que o escondem dos homens por meio de faixas e cartazes de elogio ordem existente. Como pessoa, ests entre os vivos, portanto, escolhe" (Szachi, pgina 37 do prefcio).

    "No necessrio ir em busca do choque, porque ele decorre, muito facilmente mesmo, da aplicao normal do direito" (Lwenthal, no livro O Fim da Utopia, de Marcuse, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1969, pgina 126).

    "Quando Che Guevara assinalava como a tarefa para a sociedade socialista 'torna-se uma gigantesca escola' (no qualquer escola, verdade), ele reencontrou um eixo essencial da inspirao utpica" (Chirpaz, na Revista Esprit, 1964 (4), pgina 580.

    "Uma mente saudvel aquela que, liberta dos grilhes, pode desenvolve-se em harmonia com as impresses independentes e individuais que a verdade imprimir nela. Como poderia ser grande o desenvolvimento intelectual dos homens se eles no fossem prejudicados pelos preconceitos da educao e no se deixassem seduzir pela influencia de uma sociedade corrupta, mas se acostumassem a seguir sem medo as indicaes da verdade, por mais inexploradas que fossem as regies e inesperadas as concluses a que ela levasse" (Godwin, no livro de Woodcock, pgina 276).

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    3. Internet

    A Internet uma forma til para conhecer tambm o cotidiano de algumas comunidades. Os stios mais conhecidos so, hoje, em 2001:

    Revistas

    http://www.m31.fm/utopia/

    Comunidades

    http://www.thefarmcommunity.com/

    http://www.findhornbay.net/

    http://www.hutterites.org/

    http://www.webserve.co.uk/lothlorien/portugues/index.html

    Stios de divulgao:

    http://sites.uol.com.br/utopiafederacao

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    Resumo do manifesto utpico

    Esta cartilha serve muito mais para distinguir a ideologia utpica de outras ideologias do que era aprofundar a sua compreenso em si mesma. O seu objetivo seria que o leitor, quando terminasse a sua leitura, pudesse optar: a ideologia utpica me interessa, preciso conhecer mais, ou a ideologia utpica no me interessa. Esse interesse no significa adeso. A ideologia utpica pode me interessar at para o caso em que eu me considere na obrigao de combat-la ardorosamente. Nem significa o fim das dvidas: uma pessoa em dvida pode estar muito interessada. Ou pouco.

    Um primeiro o para quem quiser compreender melhor a organizao interna das idias utpicas seria ler o Manifesto Utpico. Que s poderia ser ortodoxo, isto , um Manifesto do movimento utpico em geral, do fundo comum ou majoritrio das diversas tendncias utpicas. Esse capitulo, um resumo, serve como uma provocao para que o leitor procure depois uma verso mais externa e mais satisfatria.

    Submisso ao objeto. Cada objeto deste mundo tem condio de resolver seus prprios problemas, de viver sua prpria vida. Ns s devemos, na vida de um objeto, assumir aquele papel que ele reservar para ns, nem mais nem menos. Exemplos de objetos: as pessoas, eu, voc, pedras, idias, povos, grupos, fatos, animais, plantas...

    Radicalidade. Esses objetos do mundo no esto prontos e mostra para ns, o que ns vemos portanto est escondido. Os objetos so como as plantas: existe o tronco e as folhas de fora, mas dentro da terra esto as razes. Tambm ns temos razes. Nem tudo que desejamos e projetamos profundamente fcil. Mas podemos lutar com pacincia e pressionar a vida para que, aos poucos, aquilo que vem do fundo se torne realidade.

    Fidelidade. Alm disso, um objeto no uma coisa parada, como um vaso ou uma pedra, uma vida, uma coisa no tempo. Ento, a submisso ao objeto no pode acontecer de repente, preciso ter pacincia, persistncia. como um jardineiro que cuida de uma flor. Um pequeno descuido pode ser muito perigoso. Ou seja, a submisso ao objeto deve ser desde o comeo, no deve saltar nada no meio, e deve ir at o fim.

    Tcnica. A submisso ao objeto no pode ser feita de qualquer maneira. Precisamos nos preocupar com "como" chegar ao objeto, com a ponte que vai nos ligar ao objeto. Antes de fazer um canteiro, precisamos arrumar uma enxada bem encavada e afiada, sementes, terra, que so os instrumentos. Essa preocupao com os instrumentos, com o como, com o caminho, a ponte, isso a tcnica.

    Tolerncia. preciso muito cuidado para no roubar a vida dos objetos. Podemos chegar at a porta da vida do objeto, mas ali dentro ele quem deve mandar, e mais ningum.

    Projeto. Cada objeto como uma casa metade pronta e metade sem fazer. Um projeto no s algo que j est pronto. Ser srio enxergar sempre os dois lados, o pronto e acabado e o outro lado: o possvel, ainda sem fazer. Os objetos tm falhas, buracos, e so contraditrios, isto , uma parte no combina com a outra; isso bom, pois por isso que os objetos nunca terminam, nunca ficam acabados. Principalmente o homem.

    Ascese. A tcnica manda que nos preocupemos com os instrumentos, mas o instrumento fundamental para nossa vida o nosso corpo. Isso ascese: organizar o nosso corpo. Ou: ascese a Utopia do corpo, de mim.

    Poltica. Precisamos fazer uma pequena parada, porque aqui o Manifesto Utpico se divide ao meio, e aqui est a chave da sua compreenso. Na primeira parte, nos preocupamos com o fundamento da revoluo, que, na verdade, revolucionar ns mesmos, nossas idias, nosso corpo, nossa maneira de abordar pessoas e objetos, a partir de dentro, das minhas razes. Mas, fazendo isso, que a submisso ao objeto aplicada a esse objeto que sou eu mesmo, eu vou descobrir, dentro de mim, uma grande carncia, entre outras carncias: a carncia do outro. Se eu no descobrir isso, tudo bem, s que eu me desviei do caminho caracterstico, ou ortodoxo, da Utopia, ou melhor, eu me desviei do caminho que normalmente leva Utopia. Chamaremos essa primeira parte do Manifesto, at o item "Poltica", de parte asctica, e a segunda, de parte poltica, porque, junto com a descoberta da minha carncia do outro, h a descoberta de que eu vivo no mundo, junto com outras pessoas e coisas. Existe um mundo feito de vidas, uma histria, e eu estou a dentro. Existe fome, explorao, ignorncia, solido, e tambm esperana, amizade, alegria: ns estamos juntos no mesmo barco, o meu problema no pode ser resolvido isoladamente.

    Currculo. O currculo tudo que acontece a uma pessoa. O currculo de um dia, por exemplo, pode ser: se levantar, escovar os dentes, tomar caf, etc. Desejar um currculo novo. Seria absurdo pensar que eu possa mudar por dentro enquanto minha vida, por fora, continua a mesma, e continuam acontecendo comigo as mesmas coisas. Alm disso, esse currculo novo que ns desejamos tem que ser de boa qualidade, ou seja, livre e rico. Um currculo onde eu possa encontrar os elementos alimentos de que eu preciso, como: msica, esportes, trabalho, participao, pessoas, comida, natureza, etc.

    Natureza. A sociedade no feita s de pessoas, mas de pessoas, coisas, rvores, idias, bichos, costumes, etc. Quando diversas dessas coisas convivem num mesmo espao, podem escolher entre dois sistemas opostos: a lei das selvas, onde cada um vive para si e busca vantagens, mesmo quando suas vantagens prejudicam os outros... ou a convivncia, onde para resolver o problema de um preciso resolver os problemas dos outros... Essas duas maneiras so naturais, mas no so naturais para o homem, que traz, na sua constituio, a exigncia da convivncia.

    Movimento. Cada um de ns isolado pode fazer muito pouco. Mas podemos nos unir e formar um movimento. Tudo depende do movimento, atravs dele que os nossos ideais podem se tornar realidade ou no. Pode-se at dizer que o movimento so os ideais se tornando realidade.

    Emancipao Feminina. Na convivncia ningum tem mais valor do que o outro, nem o homem vale mais do que uma rvore ou do que uma idia. E, lgico, um homem no vale mais do que o outro, nem um homem (uma pessoa do sexo masculino) vale mais do que uma mulher. A sociedade capitalista faz as mulheres arem quase sozinhas as tarefas domsticas, principalmente cuidar das crianas pequenas, preparar comida e lavar roupas. A Utopia contra essa situao e sugere que toda a sociedade cuide desses servios. Assim como existem hoje fbricas, governo, comrcio, etc., devem existir tambm creches, lavanderias e restaurantes, sob a responsabilidade da sociedade, de homens e mulheres. A Utopia deve ajudar, tambm na crtica de idias e costumes que levam a mulher e os homens a relaes desiguais. Esse tipo de relaes, machistas, ficariam reservadas para comunidades que adotassem conscientemente essa proposta.

    o. No adianta dizer para um objeto "eu confio em voc, que voc capaz de resolver seus prprios problemas". O objeto, para realizar isso, precisa de instrumentos, alimentos. A verdadeira submisso ao objeto no feita s de idias e palavras, e sim de aes. Ou seja, a submisso ao objeto nos leva a buscar para o objeto um lugar onde ele tenha o a tudo de que necessita. Uma planta, por exemplo, precisa ficar num lugar onde ela tenha o aos sais minerais, gua, sol, etc., de que ela necessita. No podemos organizar o currculo dos outros, isso seria tirania (o contrrio de tolerncia), mas podemos organizar a sociedade, quer dizer, conseguir um lugar em que os objetos tenham o a tudo de que necessitam.

    Utopias. Federao. Como os objetos so diferentes, bem provvel que tenham necessidade de lugares diferentes. Logo, a verdadeira Utopia uma poro de utopias. Quer dizer, a Utopia seria formada por diversas utopias menores. As pessoas podero sair de cada uma delas quando acharem conveniente. Essas utopias, ou comunidades, sero diferentes, mas se respeitaro uma s outras e ficaro prximas para permitir que as pessoas possam optar (e desoptar) por uma ou outra, e para que a cooperao seja possvel.

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