523r4r

Utopia:
uma cartilha
Luiz Gonzaga Teixeira
Primeira
idia
Parece
que h muitos milhares de anos, desde aquele
tempo em que o homem vivia em cavernas e ainda
no sabia escrever, que ele tem o costume de
imaginar uma vida diferente, um lugar melhor.
O homem costuma inventar na sua cabea um pas
que nunca existiu e ali dentro coloca tudo que
for preciso e que ele achar certo. E isso
a Utopia, esse costume de imaginar uma outra
situao, diferente da situao em que estamos
vivendo. Mas no s isso. Geralmente, quem
inventa um outro pas porque est vendo alguma
coisa errada num lugar em que est vivendo.
Por isso, as utopias sempre so uma forma de
fazer crtica. E, ainda, preciso lembrar que
o homem nem sempre se contentou em sonhar. Muitas
vezes ele tentou e em outras ele conseguiu realizar
o seu sonho, no todo ou em parte. A Utopia,
portanto, alm de sonhos e crtica, ou pode
ser movimento e ao. E existem utopias de todos
os tipos. Existem utopias religiosas, comunidades,
muitos livros, etc. Muitos utpicos, at, nem
sabem que so.
Por
exemplo: um religioso cria um convento ou vai
orar em um convento j pronto, um grupo de vizinhos
resolve plantar um horta comunitria, a mulher
casada suspira ao cair da tarde porque sabe
que o dia seguinte vai ser igual a ela queria
um dia diferente... pelo menos nesse ato preciso
eles esto sendo utpicos. O que lhe falta
conscincia e, porque falta conscincia, pode
ser que tambm falte persistncia. Mas, muitos
utpicos sabem muito bem o que Utopia. Esses
pensam e vivem buscando esse pas to sonhado,
essa vida nova. Alguns escrevem livros. Outros
procuram mudar sua maneira de viver no dia-a-dia,
na sua alimentao, na sua maneira de trabalhar,
de consumir, de ter amigos, na famlia. Outros
trabalham para organizar um partido poltico
ou dar um golpe de Estado com o fim de transformar
o pas na (ou pela) Utopia. Outros se retiram
para um stio e, geralmente junto com um grupo
de amigos, vo viver em comunidade, segundo
o esquema de vida que consideram o mais certo.
Essa cartilha fala de todos os utpicos, mas,
principalmente, desses que sabem que so utpicos
e buscam a Utopia com conscincia e persistncia.
Como j dissemos, os utpicos so muitos diferentes
entre si. Mas alguma coisas so comuns maioria,
s um ou outro que no concorda: por exemplo,
quase todas as utopias propem eliminar as diferenas
sociais. Ou seja, so utopias socialistas. As
idias que vamos expor aqui so comuns maioria,
mas no necessariamente a todas as utopias.
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O
que Utopia
lgico que no vamos dizer o que Utopia em
umas poucas linhas. Ento, se voc quer entender
realmente o que Utopia, essa cartilha apenas
o comeo. O que vamos dizer aqui, nesse item
muito pouco. Vamos supor que algum leia escrito
Utopia em algum muro ou cartaz. A ele pergunta:
o que isso? Ele no consegue imaginar nada.
Essa uma palavra que ele nunca viu e que no
se parece com nenhuma outra palavra que conhea.
No tem idia se uma pea de teatro, um nome
de mulher, marca de cerveja, partido poltico,
pas, um adjetivo como maravilhoso, ou sem sentido
ou uma sigla como CIA ou CUT. Primeiro: Utopia
o nome de uma ideologia e de um movimento.
O que uma ideologia? um conjunto de idias
que formam um sentido. Uma ideologia como
uma nica e grande idia, que tem a propriedade
de poder ser desmembrada em muitas idias menores
que respondem praticamente a todas as situaes
da vida. Uma pessoa que tem uma ideologia pode,
assim, se posicionar diante de todos os problemas
que a vida apresenta de uma maneira coerente,
compreensvel. Nem todas as ideologias tm nomes,
ou s vezes se usa um nome que pode significar
diversas ideologias. Fora essa possveis confuses,
podemos nomear algumas grandes ideologias: comunismo
ou marxismo, cristianismo, socialismo, capitalismo
ou liberalismo, conservadorismo. Pois bem, Utopia
uma dessa ideologia. E o que movimento?
Quase toda ideologia tem um movimento. Por exemplo:
muitas pessoas acreditam no comunismo. A sua
ideologia o comunismo. Outras acreditam no
cristianismo. E essas pessoas no ficam paradas,
nem se comportam como as outras, nem ficam isoladas.
Mas se juntam e juntas conversam, estudam e
realizam ou pelo menos tentam realizar o que
pensam. Pois isso o movimento de uma ideologia:
as pessoas que a seguem, as reaes entre elas,
as idias, as atividades. como se a ideologia
descesse terra e se materializasse no e pelo
movimento.
Vamos
comparar as trs ideologias mais conhecidas: o cristianismo,
o comunismo e o capitalismo. O cristianismo um movimento
muito organizado, tem uma organizao centralizada e eficiente.
Dispe de um sistema para a formao de quadros, de pesquisa,
de difuso, de atuao poltica, de imprensa e de acomodao
de diferenas e polticas interna. A sua reunio mais caracterstica,
a missa, tem uma estrutura que vem se formando h mais de
um milnio. J o comunismo no formalizado. No dispe de
nada to estruturado como os seminrios catlicos para a formao
de seus quadros. O capitalismo, ento, um sutil, e nada
pode se comparar, no capitalismo - como uma assemblia executiva
de uma grande empresa ou um jantar no restaurante mais caro
- com uma missa. No se pode comparar a OTAN com a Internacional
Comunista ou o Vaticano. Ou seja, no h um movimento capitalista
internacional organizado, alm dos seus elementos - pessoas,
relaes, idias, atividades - conscientes, tm uma rea muito
maior de influncia.
E
a Utopia? Vamos falar tanto do movimento organizado,
como dessa reas onde a influncia da Utopia
pode ser notada. Primeiros: no existe nada
parecido com um movimento internacional organizado.
Inclusive, embora os estudiosos no discordem
muito do que utpico, os prprios utpicos
nem sempre sabem que so e, at chegam a no
itir esse rtulo. Fora essa incertezas, h
muito de concreto.
Vamos
lembrar alguns fatos da histria humana que so tambm fatos
da histria do movimento utpico.
- As
religies orientais, como taosmo, Krishna e budismo, a
Repblica de Plato e a religiosidade socialista de Cristo.
- A
moderna onda de utopias literrias, inaugurada e simbolizada
pelas obras de Camla e Morus.
- A
onda das comunidades (no sentido moderno) desde 1663.
- O
movimento socialista-utpico poltico iniciado por Saint-Simon,
Owen, Fourier e Proudhon.
O
movimento cooperativista, iniciado pela cooperativa de Rochdale.
A
Utopia pedaggica.
O
anarquismo.
A esquerda catlica
desde a Ao Catlica at a Teologia da Libertao.
A revoluo
dos costumes atuando na estrutura da famlia, na alimentao.
O terceiro-mundismo.
Os
movimentos pelos direitos humanos, no-violncia, ecologia,
feminismo, hippie e estudantil.
E,
principalmente, o moderno movimento de comunidades
agrcolas e o moderno pensamento utpico de
Ernst Bloch, Duveau, Mannheim, Furter, etc.
Bom,
e o que tm em comum iniciativas to diferentes? Muito. Os
autores mais antigos, como Plato, Camla, Owen, Fourier,
ainda no tinham conseguido compreender exatamente o que era
Utopia e acabavam adotando posies que hoje no consideramos
utpicas. Por exemplo, Plato adota uma rgida separao da
sociedade em classes, e tanto ele como Camla adotam a
comunidade de mulheres. Ou seja, no eram nem socialistas
nem feministas. Mas esses ltimos pensadores (Bloch, Mannheim,
etc.) conseguiram apresentar a Utopia como um conjunto coerente
e articulado de idias. Essa cartilha que voc est lendo
apresenta a Utopia como ela vista por esses autores.
Seria
possvel resumir as idias utpicas em um pequeno
pargrafo? Vamos tentar: A preocupao principal
da Utopia organizar uma vida nova. Mas no
uma vida nova qualquer. preciso que ela tenha
algumas caractersticas, como: que no ita
qualquer tipo de privilgio, que permita a execuo
de ideologias e esquemas de vida diferentes,
que apie a maior nmero dessa foras que vm
revolucionando cada clula da sociedade, que
seja tolerante, crtica, afetiva, natural.
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Pequena
histria da palavra Utopia
A
palavra Utopia tem uma histria curiosa. Desde a antigidade
at 1516 havia produes literrias e iniciativas que hoje
so conhecidas como utpicas, mas no existia a palavra. De
1516 at Marx e Engels, existia a palavra, mas no era utilizada
no sentido de hoje. Depois de Marx e Engels at o fim do sculo
XIX, essa palavra s era utilizada pelos inimigos e nenhum
utpico dizia "eu sou utpico". Isso comea a acontecer
timidamente e sem consistncia na primeira metade desse sculo.
Somente depois da 2 Guerra Mundial que se consolida o interesse
de diversos estudiosos pela utopia. E, aqui e ali, alguns
autores j sugerindo a formao ou a existncia do movimento.
E essa deve ser a nova fase: aquela em que o movimento utpico
se organiza. So, ento, as seguintes fases:
- Antiga.
Vai at a inveno da palavra Utopia por Thomas More, em
1516. Depois vem a fase
- Literria,
em que produzido um grande nmero de obras de fico,
geralmente pases com formas sociais, costumes e governos
ideais. Depois, vem o que poderamos chamar de fase
- Socialista,
dominada pelas figuras de Babeuf, Saint-Simon, Fourier,
Considrant, Weiling, Owen, Proudhon, Cabet, William Kina,
Landauer, Wells.
- A
fase da maturidade terica, com Bloch, Duveau,
Mannheim, Mucchielli, Ruyer, Szachi, Buber, Furter, Paulo
Freire, e muitos outros. E, ainda, a fase
- De
organizao do movimento.
Na
antigidade havia Utopia, mas no havia a palavra. Na fase
das utopias literrias, havia a palavra, mas elas no se consideravam
um movimento, nem mesmo pelos inimigos. J em 1880, quando
Engels publicou o seu "Do socialismo utpico ao socialismo
cientifico", os utpicos aram a ser um grupo definido:
pelo menos para os marxistas. Mas, lentamente, alguns autores
comearam a assumir o rtulo. S que, nessa fase, mais como
resposta a uma provocao e de forma descontnua.
Parece
ter sido Wells quem, em 1905, com o livro "A
modern utopia" inaugurada apalavra esse sentido moderno
e positivo. Mas, tanto essa obra quanto "Geist der
Utopie"("O esprito da utopia"),
de Ernest Block, de 1923, ainda esto isoladas, no
chegam a inaugurar uma nova fase. Isso s acontece com algumas
obras praticamente simultneas: "A utopia e as utopias"
de Ruyer, 1950; "Ideologia e utopia",
de Mannheim, de 1960; "O mito da cidade ideal"
de Mucchielli, de 1960; e "Sociologia da utopia"
de Duveau, de 1961 (que um livro pstumo de conferncias,
portanto, sua influncia anterior).
A
partir da o nmero e a conscincia aumentam muito, e nem
possvel fazer uma listagem nesse artigo. S de agem,
bom registrar a utilizao da palavra em um sentido novo,
j consagrado: o dado por Buber e Carlos Aveline
("De baixo para cima, a utopia no Brasil"):
Utopia um processo de organizao celular da sociedade,
do cotidiano, de organizao popular. Veja no fim da Cartilha
um conjunto de frases desses diversos autores. Mas, desde
j, fica registrado o sentido mais simples, do dicionrio.
U, em grego, significa no, e topia, tambm
em grego, significa lugar. Ou seja: no lugar, um lugar que
no esse aqui, em que estamos agora.
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As
idias utpicas
evidente que a Utopia, como toda ideologia ou
movimento, tem certas idias. Certas idias
articuladas entre si, como se fossem uma idia
s, e de tal modo que, se voc a compreender,
voc vai ser capaz de tomar posse das duas outras.
Ou seja, essa idias no esto juntas porque
o grande pensador fulano pensava assim, mas
porque voc compreendeu, compreendeu como qualquer
outra pessoa pode compreender. Apesar disso,
essa Cartilha no vai se preocupar em ensinar
como as idias esto amarradas, como se a
de uma para outra. Isso um pouco mais difcil.
Por isso, vamos s apresentar as diversas idias,
separadas umas das outras. Veja algumas das
idias utpicas:
Algumas pessoas
vivem totalmente mergulhadas na sua vida, preocupadas
com coisas comuns que preocupam todo mundo, envolvidas.
Alegres ou angustiadas com exatamente aquelas
coisas criadas pelo seu sistema para volv-las,
alegr-las e angusti-las. Nos chamamos essas
pessoas de tpicas, isto , presas no lugar,
no nvel da situao. Digamos que essa pessoa
se conforma com as possibilidades oferecidas,
que vive aqum do horizonte oferecido por sua
cultura e pelo seu sistema. Bom, mas nem todas
as pessoas so assim. Algumas so mais inquietas,
acham que algumas coisas esto escondidas, que
deve ser possvel ir alm do horizonte oferecido,
tentam colocar o pescoo da sua situao. Essas
so as pessoas utpicas. Quer dizer, so u-
no, elas negam a sua situao, o seu topos.
As pessoas utpicas, ento ficam dentro da situao,
vivem aqum do horizonte. E as pessoas utpicas
negam a situao, procuram ir alm do horizonte.
Algumas questes so praticamente obrigatrias
para quem toma essa atitude. Por exemplo: "Como
ou como funciona esse lugar que buscamos"?
"Como chegar l, qual a tcnica necessria
para se chegar l"? "Baseados em que
valores, em que, vamos agir e vamos construir
esse outro ligar"? "Quando comea a
luta ou a construo, uma obra grandiosa ou
uma poro de coisinhas que podem ser comeadas
imediatamente"?.
Para mudar
a vida preciso levar em conta que a vida social
tem 3 nveis: 1) individual, 2) das relaes
entre as pessoas, e 3) o nvel poltico-econmico.
A mudana ou revoluo deve acontecer nos trs
nveis. Nisso a Utopia difere, por exemplo, das
religies e do marxismo. As religies, em geral,
atuam s sobre o nvel primeiro, o individual.
As religies acreditam que os outros nveis dependem
desse primeiro: que basta mudar o indivduo, o
corao, para que as relaes e a sociedade tambm
mudem. Alm disso, de nada adiantam mudanas de
qualquer tipo se o corao das pessoas no mudar.
A Utopia, embora insista na importncia dessas
mudanas dentro das pessoas, no afeto, na mentalidade,
educao, etc., no acredita que basta isso, nem
que isso baste para atingir os outros nveis,
nem que todo o problema seja s esse. J o marxismo,
pelo contrario, acredita que os dois primeiros
nveis dependem do ultimo, que as pessoas, por
dentro, e as relaes entre as pessoas, dependem
do todo social, da poltica e da economia. A Utopia
discorda disso tambm, ainda mais profundamente.
Nenhum dos trs nveis mais importante. A revoluo
acontece de baixo para cima, ou seja, no acontece
nem s em baixo nem s no meio ou s em cima.
A Utopia no afirma, por exemplo, que preciso
primeiro mudar as pessoas por dentro para s depois
tentar mudar as relaes, tais como as relaes
familiares, os hbitos. No possvel para o
tempo e fazer com que as relaes entre as pessoas
fiquem inalteradas enquanto ns fazemos um grande
esforo educacional para mudar a pessoas por dentro.
O que a Utopia defende o seguinte: o sentido
das mudanas nas relaes familiares, ou na poltica,
deve ser buscado dentro das pessoas.
Tolerncia.
As pessoas so diferentes. Ningum tem posse de toda a verdade.
Mais fundamental do que a Utopia a federao: um movimento
e uma sociedade mltiplos, onde convivem lado a lado ideologia
e propostas de vida diferentes.
Comunidade.
A federao formada por comunidades, isto ,
por grupos de pessoas idneas e voluntrias que
procuram viver da maneira que julgam melhor. Evidentemente,
embora se busque a mxima independncia e liberdade
para as comunidades, alguns limites so inevitveis.
Uma comunidade no pode, por exemplo, impedir
que seus membros conheam o mundo fora da comunidade.
Entre inmeras outras propostas de comunidade
possveis, essa deve ser examinada: utilizar todos
os recursos sociais para conviver, para a amizade.
No possvel ser amigo sem utilizar alguma ponte,
como a linguagem, o trabalho, um esporte. Viver
em comunidade, nesse sentido, colocar tudo que
h no mundo (cultura, trabalho, terra, dificuldades)
a servio, como recursos da amizade. O mais importante
o afeto. No pode haver um divrcio to profundo
entre o que acontece dentro de mim e o que acontece
fora de mim, na sociedade. Precisamos colocar
para os outros, socializar, a nossa vida interior,
as nossas preocupaes.
A
Utopia uma luta contra a solido. E no basta barulho, conversas,
movimentaes, preciso sentir-se acompanhado ( a diferena
entre estar fisicamente e psicologicamente acompanhado). *Socialismo.
Ecologia. Ns estamos juntos na vida e na terra, junto com
as outras pessoas e tambm com objetos, plantas, animais e
outras pessoas. No faz sentido pensar em soluo individuais
ou isoladas. A soluo dos problemas de uns depende da soluo
dos problemas de outros. E temos todos o mesmo valor, estamos
construindo uma ao e uma sociedade sem privilgios.
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Como
participar do movimento
O
movimento utpico mltiplo. E mltiplo em dois sentidos,
pelo menos: primeiro (multiplicidade ideolgica) porque, apesar
de seu fundo comum, o movimento contem diferenas umas das
outras, e segundo (multiplicidade ttica), porque na hora
da ao tambm temos diferenas no menos srias. Alis, est
a o primeiro desafio para o movimento. A temos que escolher
se nos preocupamos com as diferena ou se nos preocupamos
com aquilo que esse fundo comum permite de cooperao. J
mencionamos os diversos grupos ideolgicos. Agora vamos descrever
rapidamente os grupos que se formam porque concebem a ao
de formas diferentes.
Ortodoxos. So aqueles
utpicos que se preocupam e pensam no movimento como um todo.
O utpico ortodoxo no concorda com a Utopia em uma questo
ou outra, como a no-violncia ou a liberdade, mas ele busca
no movimento as linhas principais do seu pensamento. Ou seja,
o utpico ortodoxo tem o pensamento em pleno acordo com o movimento
(embora possa no concordar em tudo com todas as pessoas que
como ele participam do movimento).
Radicais.
So aqueles utpicos que procuram levar a sua
concepo de Utopia at as ltimas conseqncias,
na teoria e na pratica.
Utopia do cotidiano. Sua preocupao principal com o modo
de vida. Em vez de (ou alm de) se preocupar com a macro-revoluo:
o poder do Estado, a economia, preocupa-se com a alimentao,
a famlia, o trabalho, roupas, sexo, educao dos filhos,
exerccios fsicos, higiene, afetividade, etc. a Utopia no
nunca um novo governo, e sim um novo cotidiano, um novo
currculo, uma vida nova. Pois de nada adiantaria um novo
governo se as pessoas continuassem se levantando da mesma
maneira, da mesma cama, e tomassem o mesmo caf, etc.
Cooperativismo. A procura de cooperao, embora seja uma
caracterstica da Utopia, no exige que a Utopia esteja pronta
para comear a ser aplicada: podemos cooperar desde hoje.
Muitas vezes eu tenho uma carncia que voc pode suprir, ento
ns cooperamos, quer dizer, ns participamos de uma atividade
em que voc e eu, com nossas carncias e potencialidades,
nos completamos. A cooperao pode acontecer em 5 nveis:
produo, consumo, educao, poltica e moradia. Mas nem sempre
a cooperativa um projeto que precisa ser criado: ela brota
espontaneamente na sociedade. Nesse caso, basta que lhe demos
fora e consistncia.
Comunidade. to importante que, por muito tempo, se confundiu
comunidade com Utopia. Viver junto. Ascomunidades
mais caractersticas at hoje so: religiosas,
anarquistas, socialistas, rurais e urbanas.
Alternativos. Assim como o capitalismo tem uma fase caracterstica
(plsticos, automveis, supermercados, linhas retas, etc.),
a Utopia tambm conhecida por um certo visual. Discutvel,
por sinal. So os rapazes barbudos, hortas. Alimentao vegetariana,
verde, habitaes (pessoal sentado no cho, material improvisado),
banho no rio, linguagem, espiritualismo oriental, etc.
Heterodoxos. Existem muitos utpicos que, ao contrrio dos
ortodoxos, procuram manter uma forma de pensamento mais independente
com relao ao movimento. Geralmente utilizam como base um
outro movimento e sua ideologia. Um anarquista, por exemplo,
ou um marxista, pode ter alguns pontos de vista que o aproximam
da Utopia. O marxista, por exemplo, pode ter um grande interesse
na revoluo do cotidiano ou dar uma importncia educao
pouco comum entre marxistas.
Herticos. So herticos os utpicos que discordam de idias
importantes. Geralmente discordam das seguintes
idias: pluralismo, tolerncia, federao; socialismo;
revoluo do cotidiano, coerncia, radicalismo;
revoluo de baixo para cima, cooperativismo
(ou seja, a revoluo poltica deve ser a expresso
das mudanas individuais e sociolgicas, e no
o contrrio); a necessidade do movimento utpico
e de uma teoria estruturada da Utopia. Mlilitantes.
So aqueles que limitam pelo movimento. O ortodoxo-no-militante
concorda com o pensamento utpico, mas no trabalha
pelo movimento. O militante-no-ortodoxo trabalha,
mas no por todo o movimento: ele pode se interessar
s por um setor, como terapia ou comunidades.
Somente o ortodoxo militante concorda com as
idias e trabalha pelo movimento como um todo.
Ele pode ajudar, por exemplo, na organizao
de uma comunidade ou reunio de Hare-Krishnas
s porque eles esto no movimento sem ter o
menor interesse por suas idias.
Polticos. A poltica um dos nveis da cooperao. Cooperar
politicamente significa que, num sentido combinado entre ns,
tomaremos as nossas decises unidos, e no cada um por si.
Separados, ns somos muito fracos. Unidos, as minhas deficincias
deixam de ser deficincias (e tambm as suas).
Federacionismo. A Federao apenas uma das idias da Utopia.
O Federacionismo como um movimento e uma ideologia parte.
O Federacionismo o fundamento da Utopia. S vai acontecer
uma Utopia de verdade dentro de uma sociedade organizada como
Federao.
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Comunidade
Chamamos
de comunidade o seguinte. Um grupo de pessoas
faz um plano do tipo: "Vamos viver assim?".
So, portanto, duas coisas: uma proposta de
vida e um grupo de pessoas que procura executar
essa proposta, conscientemente. Numa comunidade,
esto todos juntos, vivendo de uma certa maneira
porque querem. Por isso se v porque o capitalismo
no uma comunidade. Primeiro, porque quem
vive no capitalismo no escolheu essa maneira
de viver, vive a porque nem a educao nem
a organizao da sociedade facilitaram outra
opo. Segundo, porque o capitalismo no um
viver junto, e sim um viver cada um para si.
O capitalismo um grupo de pessoas e um modo
de vida, mas no se pode dizer que o modo
de vida que esse grupo escolheu conscientemente
para si. Na pratica, quem vive junto no capitalismo
no vive junto, mas separados, trocando coisas,
medindo, ameaando, disputando situaes e objetos,
se defendendo uns dos outros. Muitos
acham errado viver em comunidade. Geralmente
dizem que no certo sair de dentro da sociedade
e viver bem em outro lugar enquanto outros,
que no tem como, continuam na ignorncia, ando
fome, etc. dizem que viver em comunidade no
resolver o problema, fugir do problema.
Mesmo dentro do movimento, esse questionamento
sempre levantado. A atitude dos que pensam
assim costuma ser a de criticar e mudar a sua
vida dentro do prprio capitalismo, no trabalho,
na famlia, na escola, etc., ou ento, porque
querem participar mais ativamente da poltica.
Mas, sem dvida, as comunidades so a realizao
mais importante e tpica do movimento, at hoje,
e, tudo bem que algumas pessoa no queiram viver
em comunidade, mesmo sendo utpicas, mas outra
coisa seria essas pessoas quererem impedir que
outras morem em comunidade.
As
comunidades so uma das maneiras de ser utpico, isso no
pode ser negado. Como funciona uma comunidade? Na verdade,
existem comunidades de todos os tipos. Existem comunidades
anarquistas, religiosas, comunistas, umas pobres e outras
ricas, na cidade e no campo, comunidades que se isolam e comunidades
que participam da vida da sociedade, comunidades que detestam
livros e comunidades onde se estuda uma boa parte do tempo,
comunidades onde se vive dentro de uma mesma casa e comunidades
onde se vive em diversas casas. Mas, na grande maioria delas,
nenhum elemento mais do que outro, h uma grande preocupao
com a alimentao (o que leva a grande maioria a ser vegetariana),
h preocupao tambm em produzir a maioria do que se consome,
embora na pratica isso quase nunca acontece, h preocupao
em preservar a natureza e garantir a liberdade...
Alguns
comunitrios, com outras palavras, julgam que
o essencial a amizade, conviver, viver junto,
e que tudo que h no mundo, como idias, terra,
tratores, problemas, tcnicas, sexo, poltica,
so meios de estabelecer ponte entre voc e
eu, de comunicar, de ter amizade. Outros, por
outro lado, tambm usando suas prprias palavras,
acham que o essencial a sua ideologia, geralmente
uma religio ou ideologia poltica. a aplicao
dessa ideologia, a sua concretizao, que estabelece
a vida comunitria, a convivncia.
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O
possvel e o impossvel
O
possvel persegue a Utopia. De um lado, os utpicos
no s querem todo o possvel, mas se sentem
desafiados por tudo aquilo que se esconde pr
trs do horizonte. E, por outro lado, os adversrios
da Utopia costumam chamar a Utopia de sonho
irrealizvel, impossvel. Que sentido tem essa
palavra: "impossvel"? certo que
a palavra possvel tem sentido, mesmo fora da
matemtica. Muitas coisas so possveis: eu
posso me levantar daqui e preparar meu almoo.
Isto pode at no acontecer, por motivos diversos,
inclusive porque eu no me resolvi a fazer isto.
Mas, mesmo que no acontea, continua sendo
possvel. E se eu resolvo fazer isso, bem
improvvel que algo me impea, como ser fulminado
por um ataque cardaco ou que este momento venha
a ser conhecido no futuro como a repetio de
Hiroxima. E muitas outras coisas so possveis,
embora a imensa maioria delas nunca acontea.
A certeza de que o possvel tem lgica to
grande que nunca aconteceram, embora tenham
sido tentados por diversas pessoas. Mas, e o
impossvel? certo que algumas coisas so impossveis.
Mas no vamos fazer esta anlise agora. A concluso
que nos interessa que, embora seja relativamente
fcil dizer que muitas coisas so possveis
ou, com outras palavras, embora seja relativamente
fcil acertar quando dizemos que uma coisa
possvel, muito difcil dizer que uma coisa
em especial, mesmo que a aparentemente mais
absurda, impossvel. Quem pode dizer o que
impossvel? Baseado em que cincia ou autoridade?
A
utopia, neste sentido, um mtodo de vida e
de pensamento, que consiste em explorar sistematicamente
as possibilidades, e tambm as impossibilidades.
A vida para um utpico, uma aposta, uma busca.
No a busca irritada, que pretende arrefecer
logo que encontrar o objeto procurado, ou mesmo
um objeto parecido. Mas a busca como princpio,
a busca eterna, a paixo da possibilidade. Kierkegaard
captou muito bem essa idia na frase: "Se
eu desejar algo para mim, no seriam riquezas
nem poder, mas apenas a paixo da possibilidade.
Eu desejaria ter um olho eternamente jovem,
ardendo eternamente com a exigncia de ver da
possibilidade". Ma o utpico no tem o
gosto do impossvel extico, s pelo gosto de
romper as barreiras. O que interessa manifestar
as razes, realizar aquilo que est reprimido
e que faz sentido. A possibilidade no est
escrita no ar, nem deve ser um castelo de areia,
a possibilidade est aqui, na matria, embora
s vezes muito bem escondida. Cabe a ns revel-la,
e revelar uma realidade voltada para a possibilidade.
A
felicidade existe? Primeiro, antes de responder
a essa questo, preciso distinguir entre a
possibilidade cristalizada, pronta, que ns
s vezes sonhamos encontrar na Utopia, para
o nosso consumo, e a felicidade como processo.
Aqui, nesse ltimo sentido, ser feliz estar
caminhando, realizando, participando. Ora, a
primeira pode ser que acontea, e pode ser que
nunca acontea, embora seja seguramente possvel.,
Mas, a segunda, essa uma opo, disponvel
para cada pessoa. Difcil, mas que no depende
nem de fatos esternos nem dos outros. Uma pessoa
pode se dizer: "a felicidade impossvel".
Ora, ela se refere seguramente a fatores que
dependem dos outros, e no a obstculos psicolgicos,
que se encontram dentro dela mesma. Ela, na
verdade, est colocando a felicidade como algo
que se ganha de presente, sem esforo e que
se possui ou se consome. Pelo menos uma coisa
certa, essa no a nica forma de encarar
a felicidade. E, apesar de que isso menos
certo, essa no uma forma muito eficiente
de atingir a felicidade.
Enfim,
isso. Temos que optar. Uma opo se contentar com ficar
aqum dos horizontes que nos so oferecidos. E a outra opo
no se conformar. Qual a melhor? No interessa responder
com preciso, mas anotar que a Utopia uma ideologia erguida
sobre a segunda opo. No vamos afirmar que todas as pessoas
que adotam uma filosofia de vida aqum, superficial, sejam
neurticos, medrosos, ou qualquer coisa desse tipo. Mas vamos
afirmar que ns, que resolvemos apostar na possibilidade,
na plenitude, fizemos uma escolha pelo menos to respeitvel.
No existe isso: impossvel. O que existem so razes diversas
para se acreditar que no s isso, que o verdadeiro tesouro
deve estar escondido em algum lugar.
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Federao
As
Utopias antigas eram geralmente um projeto de
organizao poltica e ou econmica que surgia
na cabea de uma pessoa e que ela julgava ser
a melhor para a humanidade. Hoje um pouco
diferente. Hoje, julga-se que so possveis
muitos projetos, que a Utopia, na verdade, so
utopias, no plural. Tudo bem que uma pessoa
proponha um determinado esquema de vida, mas
essa proposta deve ser apenas uma opo a mais,
entre muitas outras, e no a verdade universal
que deva ser necessariamente aplicada a todos,
muitas vezes at contra a sua vontade.
Como
se pode notar, essa Federao de que estamos falando tem pouco
a ver com a Federao dos Estados Unidos da Amrica ou com
Governo Federal dos Estados Unidos da Amrica ou com Governo
federal dos Estados capitalistas. A verdade que muito
difcil viver junto se no houver uma base mnima de acordo
entre as pessoas. Um quer ligar a televiso e o outro quer
silencio, um quer dar o que sobra para os pobres, mas o outro
quer chamar os pobres para se sentarem mesa e um terceiro
acha que os pobres so todos vagabundos; um quer que todos
tenham o mesmo salrio, mas o outro j acha que quem trabalha
mais deve ganhar mais. Essas pessoas, assim diferentes, deveriam
pensar seriamente na questo: "temos razo suficientes
para habitarmos o mesmo espao? Ou ser melhor habitarmos
espaos separados e combinarmos separadamente cada atividade
que quisermos fazer juntos"?
De
fato, mesmo separados, habitando espaos diferentes,
comunidades diferentes, nada nos impede de fazer
muitas coisas juntos, a partir da adeso livre
de caca um. Podemos jogar futebol, rezar, estudar,
at ter relaes sexuais ou trabalhar. Alm
disso, no h outro caminho. A no ser que algum
de ns fosse forte o suficiente para impor sobre
os outros a sua vontade, fora fsica ou um
tal controle da situao que lhe permitisse
impedir que todos os outros enxergassem qualquer
opo.
Vamos
imaginar uma Federao funcionando. Essa parece ser um bom
mtodo para explicar e entender, alis, o mtodo caracterstico
da Utopia. Todo mundo teria direito de fazer a sua proposta.
Na proposta estaria descrita uma maneira de viver junto, estaria
explicado como seria a educao, diviso dos salrios, eleies,
poltica, alimentao, etc. Alm dos partidos polticos, religies,
at famlias, sociedades secretas ou pessoas isoladas poderiam
fazer sua proposta. E o governo da Federao estaria ajudando
sempre a fazer surgirem propostas novas.
Um
partido comunista, por exemplo, faria a proposta
de uma comunidade comunista, onde ningum possusse
nada, a no ser objetos de uso pessoal. J outro
partido comunista proporia uma comunidade onde
os salrios seriam sempre iguais, mas onde haveria
propriedades de todo tipo. Um grupo de cristos
conservadores faria a proposta d uma comunidade
extremamente moralista, onde o sexo antes do
casamento e o adultrio seriam crimes. Mas um
outro grupo exatamente o contrrio, a nudez
e o sexo livre.
Depois
de feita cada proposta, haveria um tempo para
que fosse redigida e estudada. Nessa fase, o
governo ajudaria fornecendo assessoramento,
pois o Estatuto de uma comunidade deve ser claro
e completo. No pode se esquecer de algumas
questes, como, por exemplo o que fazer em caso
de crime, no caso de um certo grupo querer mudar
o sistema ou a religio oficiais. Na fase seguinte,
desta vez com um apoio maior ainda, a proposta
seria difundida para que todos a conheam e
bem. Como seriam diversas propostas, as pessoas
poderiam aderir que quisessem. Algumas propostas
teriam a adeso de milhes de pessoas. Outras
ficariam por um tempo indeterminado em hibernao,
ate conseguir um numero mnimo de participantes.
Outras tero a adeso de uma nica pessoa, e
funcionaro assim mesmo. Para facilitar a formao
dessas comunidades, e o seu funcionamento, existiram
"plos", isto , reas com infra-estrutura.
Haveria o mximo de liberdade para as comunidades,
mas certamente no toda a liberdade. Algumas
limitaes existiriam (isso seria estabelecido
na constituio). Por exemplo: todos teriam
o direito de sair. Sem isso no h federao.
Todos teriam direito informao. A constituio
determinaria como seriam essa garantias na pratica.
E as comunidades no poderiam pr fogo nas flores,
por exemplo, poluir os rios. A constituio
deveria, ainda, determinar se e como as comunidades
deveriam respeitar os direitos humanos (ou se
bastaria garantir o direito de sair a qualquer
momento). E onde ficaria uma pessoa que no
optasse por comunidade alguma? E os comunitrios
em trnsito, turistas? Pode-se pensar que o
prprio capitalismo pudesse funcionar como ponto
de partida: as pessoas sairiam do capitalismo
para formarem comunidades. Isso melhor do
que as coisas ficarem como esto hoje, mas parece
que nenhum sistema, muito menos o capitalismo,
deveria funcionar como ponto de partida ou como
Espao Neutro.
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Como
seria morar na Utopia?
Vamos
fazer, nesse capitulo, uma Utopia de verdade.
Isto , vamos imaginar como poderia funcionar
uma sociedade, a melhor que pudermos imaginar.
O projeto de uma sociedade futura sempre ilumina
o pensamento utpico. Embora a Utopia seja,
muito mais, uma conseqncia de se pensar na
sociedade futura do que uma obra literria.
Evidentemente, muita coisa vai ser dita aqui
inveno gratuita, que serve apenas para dar
consistncia ao projeto. Esses detalhes no
podem ser levados a srio. Ningum pode pensar
que todos os utpicos devam concordar com a
idia de uma Comunidade Hotel, por exemplo.
Vamos
supor que voc esteve visitando uma Utopia, ou melhor, uma
Federao. Uma Utopia que uma Federao. Voc chega a uma
estao ferroviria qualquer de Federao. Ali, voc vai encontrar
dois mapas. Um mapa geogrfico, como esses que a gente v
nas estaes do metro. E um mapa da organizao social. nele
voc vai encontrar os nomes das diversas comunidades que fazem
parte da Federao. E vai poder saber, tambm, quais formam
o Espao Neutro e quais aceitam turistas sem os contratos
que geralmente antecedem uma visita.
Sem
dvida, voc poder pedir informao mais detalhadas atravs
de um servio de orientao e informaes. Vamos supor que
voc resolva ficar uns tempos pelas comunidades do Espao
Neutro. E que escolheu uma Comunidade Hotel. Voc poderia
ter escolhido tambm uma comunidade hospedeira, isto , uma
comunidade que ite hspedes (hspedes seriam membros que
no necessitam cumprir todas as obrigaes de um membro permanente).
H
diferenas entre uma comunidade hotel e outra.
A que voc escolheu pode ser considerada de
um tipo bastante comum. O seu primeiro contato
com o servio de orientao. Depois de um
bate-papo informal, voc recebeu um folheto
com as regras principais. Como consumidor voc
deve escolher entre algumas opes. Voc preferiu
uma jornada de 15 horas semanais de trabalho,
direito de refeies nos restaurantes populares,
viagens curtas por toda a Federao, assistncia
mdica, e algumas cotas: de livro, de discos,
de refeies em restaurantes especiais (6 refeies
por ms), para roupas, para viagens longas.
Alm disso, voc poderia obter outros servios
aps pedido direto a um funcionrio do Banco.
Tudo isso pode ser obtido atravs de cheque
ou de carto de crdito (para os servios bsicos)
e de moedas para mercadorias de pouco valor.
O seu trabalho acertado com um orientador
especifico. Ele procura ser o mais flexvel,
dentro de algumas normas preestabelecidas.
Dentro
da Universidade, onde se d a vida pedaggica,
provvel que voc necessite de um outro Orientador.
Mas, ao contrrio das demais comunidades, as
Comunidades Hotel no tem vida poltica. Elas
so istradas por profissionais de fora,
contratados de outras comunidades. O mximo
que se pode fazer, politicamente, encaminhar
reclamaes e sugestes. Mas h muita boa vontade
para que elas sejam aceitas. Na Comunidade Hotel
alguns membros so permanentes. Mas a maior
parte de seus membros esta esperando acomodaes
em alguma comunidade, ou foram expulsos de outra,
ou esto estudando a melhor opo. s vezes
grupos inteiros estudam intensamente para resolverem
se aderem a alguma comunidade j pronta, se
formam uma nova ou se vo se dividir. H, tambm,
alguns turistas observadores em estado de indeciso
absoluta. Alguns jovens tambm consideram as
Comunidades Hotel como o melhor local para preparar
uma opo, porque ali no h a opresso de uma
ideologia organizada nem o envolvimento com
a vida de uma comunidade. Na Universidade,
noite, se pode ver de tudo, como em qualquer
comunidade, s que com mais tranqilidade, como
se ali fosse proibido ter pressa. Por causa
disso to importante o setor da Universidade
onde se d a exposio das comunidades, filmes,
livros, folhetos, palestras de ex-moradores,
debates, estudos, etc.
Vamos
supor, agora, que voc, depois de ficar alguns meses em uma
Comunidade Hotel, resolve fazer uma peregrinao por diversas
comunidades. Vamos fazer uma exposio rpida de como funcionam
algumas dessas comunidades.
Capitalismo
(231). Esse nmero, duzentos e trinta e um,
para distinguir das outras, umas trezentas, todas
capitalistas, cada uma com a sua proposta. Na
231 no h proteo aos pobres, a no ser uma:
para evitar que muitos morram de fome, em casos
extremos se pode exigir sopa de graa e acomodao
em grandes reas cobertas. O que vale a lei
de mercado. ite-se at contrato de trabalho
em troca de comida. No se ite sindicato, greve,
salrio mnimo, ma tambm no se ite qualquer
organizao dos empresrios entre si, para controlas
preos, por exemplo. Todas as empresas so sociedades
annimas e todos os membros da comunidade tem
o participao poltica atravs de aes.
O pais controlado por fundos e montepios. Os
acionistas se unem livremente em fundos, e os
fundos se unem uns aos outros, formando grandes
conglomerados acionrios. A participao do Estado
mnima: a sade, educao, estradas, comercio,
tudo privado. Os montes pios so a nica forma
de se proteger na doena e na velhice.
Comunidade Fourierista (5).
So quase cinqenta comunidades fourieristas.
Para quem no sabe, ali se segue a proposta
de Charles Fourier. O povo vive em Falanstrios,
que no so muito diferentes de hotis. O centro
da vida o sexo, a paixo, as manias sexuais,
a criatividade. Procura-se explorar todas as
possibilidades da convivncia humana: artes,
esportes, trabalho, alimentao, cincia. E
o sexo, principalmente. Toda represso proibida.
Existe uma ordem religiosa de pessoas que procuram
fazer caridade sexual: saem em busca de solitrios,
feios, antipticos, etc. a comunidade Fourier
(5) se orgulha da profuso de conjuntos de pera,
de cultivar milhares de variedades de meles
e peras, da variedade de sua arquitetura e de
sua culinria. As cozinhas dos Falanstrios
so uma perfeita combinao de organizao e
profuso de idias, iniciativas, criatividade.
Mas, ao contrario do que se pode pensar, ali
tambm se cultiva a fidelidade, pois, embora
tendo muitas amantes, as pessoas so fieis a
algumas amantes especiais. o amor Platnico,
apesar da falta de represso, muito praticado.
Comunidade utpica ortodoxa
(28). So centenas de comunidades utpicas,
com variaes considerveis entre elas. A 28
difere pouco de uma grande escola. As atividades
produtivas funcionam como apndices dessa escola.
Mas, no caso da 28, a vida economicamente
pobre: a comunidade deixa claro para os que
ali ingressam, que devem optar por riqueza pedaggica
e pobreza econmica. Boas bibliotecas, pianos
de cauda, quadras, e sobretudo muito tempo para
a educao das crianas, cursos, amizade...
Mas uma vida espartana: vegetarianismo, roupas
muito simples e poucas, acomodaes individuais
pequenas e muito simples, e muita coisa de uso
comunitrio, como banheiros e salas de descanso.
bom lembrar que outras comunidades, inclusive
utpicas ortodoxas, vivem em verdadeiros castelos.
Na 28 os costumes so variados, mas no sempre
de um tipo padro quando em reas comuns: os
comportamentos exticos so reservados para
os chamados condomnios. Mas, mesmo a, algumas
coisas so proibidas, tais como violncia, consumo
de carne, praticas religiosas irracionais, drogas
e abusos de pessoas inidneas. Nenhuma comunidade
impede seus membros de visitarem outras comunidades
e cada uma prope ao Governo Federal uma forma
de informao sobre a realidade fora da comunidade.
Mas no conhecidos alguns casos de atrito, sobretudo
com comunidade anarquistas e com algumas comunidades
capitalistas. Nem todas as comunidades podem
ser chamadas de pluralistas, pois em muitas
delas fala-se mal das outras ou o grupo se considera
eleito e os demais perdidos.
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Sexo
e emancipao feminina
A
principal idia utpica sobre sexo que cada
pessoa e cada grupo deve ter liberdade para
pensar e viver a sexualidade como achar melhor.
Evidentemente, envolvendo (porque o sexo, a
no ser na masturbao, acaba envolvendo pessoas)
somente quem estiver voluntariamente dentro
do mesmo projeto. Essa disposio nos faz vigilantes
com (a) relao a uma moral preocupada (em condenar,
geralmente) com o comportamento dos outros,
e com (b) relao a prticas sexuais que forcem
algum a participar, ainda que sutilmente.
Poderamos,
ainda, incluir uma predileo pelo que natural. Mas, quem
decidir o que natural?. A criatividade um o alm
do natural?. Em vista dessas dificuldades, fica apenas o registro,
e um voto de confiana nas pessoa, de que elas sejam capazes
de pensar e agir sempre da melhor maneira, desde que a partir
de condies razoveis de sade, alimentao, cultura, etc.
Bom, como sempre, existem dois nveis de Utopia.
Primeiro,
preciso garantir uma sociedade pluralista, a Federao,
onde cada pessoa e cada grupo pode pensar e viver da maneira
que achar melhor. E depois, num segundo nvel, comunidades
onde se vive radicalmente, no dia-a-dia, a Utopia. O mais
importante j dissemos acima, e a exigncia de uma moral sexual
pluralista, que combata toda hegemonia e que dificulte a interferncia
na vida dos outros.
E
num segundo nvel, menos importante, a ou as
propostas mais radicalmente utpicas. A, nesse
segundo nvel, a principal idia talvez seja
a seguinte: "Eu no quero impor nem sou
mais que nada desse mundo. E no aceito que
nada seja mais ou que se imponha sobre mim.
Apesar disso, desse cuidado, eu me interesso
pelas coisas e pelas pessoas. E pretendo estar
sempre em relao, conviver. O medo de relao
desiguais no me faz buscar o isolamento. Pretendo,
inclusive, me relacionar com pessoas ter amizades.
E quando fao uma amizade nunca s eu e o
meu amigo um diante do outro. Nos precisamos
de instrumentos e atividades. Amizade fazer
as coisas junto. E existem muitas coisas, no
mundo, onde pode se dar a amizade: o trabalho,
a cultura, poltica, musica, esportes, etc.
e sexo. Esse o sentido do sexo nessa perspectiva
utpica: uma das coisas desse mundo que dois
amigos tem para fazerem juntos." O sexo
no tem uma relao necessria com paixo e
casamento. um erro tentar convencer as pessoa
de que a nica moral possvel a moral romntica,
que afirma que devemos ter relaes somente
com uma pessoa por quem estamos apaixonados
e com quem estamos casados. Essa pode at ser
uma boa idia, mas jamais a nica.
A
Utopia exige ainda que todas as pessoas, sem distino, tenham
a posse de sua vida. Tudo bem que uma mulher, idnea, adulta,
queira viver toda a sua vida como esposa, na cozinha, sem
cultura e sem participar da vida social. O errado tentar
convencer todas as mulheres de que essa a nica proposta
possvel e insistir em uma forma de organizao social em
que dificilmente as mulheres se tornam capazes de optar.
Em
uma nova sociedade, as mulheres devem ser absolutamente
iguais aos homens (Em principio, pois nada pode
impedir que, a partir dessa igualdade, elas
resolvam ser inferiores.) A diviso capitalista
das funes sociais em masculinas e femininas
deve acabar. As funes femininas - lavar roupa,
cozinhar e cuidar dos filhos pequenos - devem
ar para a responsabilidade de toda a sociedade.
Embora no se possa tirar das idias utpicas
uma proposta precisa sobre moral sexual ou vida
familiar, pode-se afirmar com certeza a preocupao
utpica com a vida afetiva.
A
Utopia do ser humano , antes de tudo, a Utopia do corao,
o lugar onde h plenitude afetiva, onde eu tenho uma atividade
interior complexa, onde a minha interioridade se desenvolve,
onde pelo menos algumas pessoas habitam o mesmo espao afetivo
que eu habito, onde algumas pessoas me do importncia. A
sexualidade no pode ser um assunto secundrio para a Utopia,
embora alguns utpicos tomem o caminho do conservadorismo
e outros o da libertao total, alm de inmeras propostas
intermedirias.
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Poltica
A
principal idia utpica sobre poltica Federao, que acabamos
de ver. Isso o mais importante: organizar um movimento pluralista,
inclusive um partido (embora, nesse ponto, haja muitos utpicos
que discordam) e, da, dessa semente, uma sociedade pluralista,
a Federao.
A
Utopia no se contenta com sonhar, fazer planos. Ento,
bem provvel que os utpicos acabem sempre se posicionando
no sentido (no rumo) de transformar a sociedade, de questionar
valores, de se levantar contra os abusos e atrasos, etc. Evidentemente,
talvez por ter se desenvolvido dentro do capitalismo, a Utopia
combate a misria, violncia e ignorncia, que so as caractersticas
mais negativas do sistema capitalista.
Em
outras palavras, a Utopia de esquerda e socialista.
De esquerda, por causa de se posicionar a favor
da sociedade como um todo, contra todo tipo
de discriminao econmica, racial, sexual,
de idade... Talvez isso j fosse suficiente
para dar uma idia do que o socialismo utpico,
a utopia poltica. No entanto, desde Marx, toda
vez que um utpico se diz de esquerda e socialista
preciso acrescentar algumas explicaes, se
quiser evitar confuso. H diferenas importantes.
Algumas delas seriam: o posicionamento da Utopia
contra a violncia muito mais firme do que
a dos marx ?istas; a Utopia se preocupa muito
mais do que os marxistas com a revoluo do
cotidiano (feminismo, moral, amizade, arquitetura,
alimentao, ecologia, etc.); a Utopia d muito
mais importncia educao; a Utopia apia
a organizao da sociedade em instituies e
cooperativas; a Utopia no se prope como ideologia
ou partido de uma classe, apesar de socialista
e de estar sempre vinculada aos mais pobres
e aos mais cultos.
A
sociedade, para a Utopia, se organiza em trs nveis: individual,
relacional e econmico-poltico. A utopia no afirma que qualquer
um desses nveis seja mais importante. Mas afirma o seguinte:
o sentido (significado) da revoluo vem de baixo para cima,
de dentro dos indivduos para as relaes e finalmente para
o nvel econmico-poltico. A revoluo utpica sempre,
embora no s, celular. Apesar disso, no seria utpico propor
uma revoluo s dentro dos indivduos, que mantm como esto
as relaes entre as pessoas e a organizao global da sociedade
- econmico-poltica. Ou mesmo uma revoluo que atingisse
as relaes entre as pessoas, mas no o nvel econmico-poltico.
Ou, ainda, seria muito menos utpica a proposta de uma revoluo
que ficasse nos nveis de cima, sem atingir as relaes e
os indivduos.
Bom,
o marxismo v essa questo da revoluo mais
ou menos ao contrrio da Utopia. Para o marxismo,
a revoluo praticamente revoluo poltica
e o fundamental a mudana econmica: abolir
a propriedade particular dos meios de produo.
Mudanas nas relaes entre as pessoas e dentro
das pessoas seriam conseqncias. Essa mesma
concepo que a Utopia tem da revoluo, que
nos afasta do marxismo, tambm nos afasta dos
anarquistas, pelo menos de um tipo de anarquista.
A
tese fundamental do anarquismo a negao do autoritarismo
(entendido como o direito ou poder de decidir pelos outros,
de interferir dentro das esfera de vida de uma outra pessoa).
Isso est de acordo com as idias utpicas. Utopia e anarquismo
esto tambm de acordo a respeito da necessidade de uma revoluo
de baixo para cima, popular, o povo se organizando por conta
prpria. Mas alguns anarquistas esposam outras propostas:
a negao da religio e de todos os partidos polticos (inclusive
a pregao do voto nulo). E, ainda, propem meios violentos
de combater o sistema, o sexo livre, a abolio da famlia,
e negam todas as instituies.
Para
a Utopia, preciso que cada pessoa resolva
cada uma dessas questes. Se eu quiser votar
nulo, negar a famlia, religio, etc., tudo
bem. Eu posso, inclusive, levar a minha proposta
para outras pessoas, formar um grupo, etc.,
desde que no utilize o poder,meios violentos...
A Utopia no v com bons olhos qualquer tentativa
de impor as minhas solues, como se elas fossem
necessariamente as melhores. Ento, muito
diferente eu no querer ser religioso de querer
acabar com a religio que h no mundo ou querer
impedir que outras pessoas sejam religiosas.
Resumindo,
as principais idias polticas da Utopia so as seguintes:
- Federao, um
movimento e uma sociedade onde as pessoas tenham mais facilidade
para pensar como julgarem mais certo ou conveniente.
- Combater, desde hoje, todas as formas de represses: a
misria, coao fsica e organizacional, ignorncia, maiores
facilidades para a divulgao de certas ideologias, como
o capitalismo e o romantismo.
- Socialismo, opo por mudanas a favor dos desfavorecidos
do atual sistema.
- Revoluo celular, de baixo para cima, no cotidiano, nas
mentalidades, costumes, nas relaes; cooperativismo;
educao popular; apoio a todas as formas
de organizao e cultura populares.
- A Educao deve ser rica, livre (no sentido de
permitir a cada um a composio do seu prprio currculo
e, no sentido negativo, de no dispor de prticas repressivas),
universal e permanente (que dure toda a vida do indivduo).
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Explorao
Para
os capitalistas, as pessoas so proprietrias dos frutos do
seu trabalho, daquilo que herdam de seus pais ou parentes,
daquilo que ganham de presente ou mesmo daquilo que tomam
porque chegaram na frente de outras pessoas. Se eu produzo
arroz, eu sou dono desse arroz. Eu posso troc-lo por qualquer
coisa, ou mesmo jog-lo fora.
Para
a Utopia, isso mentira. Todos somos colaboradores
uns dos outros. Imagine uma fbrica de automveis.
Um grupo de empregados produz um pneu, outro
empregado s aperta parafusos, outro varre o
cho e outro sai pelo pas para vender o produto
final. Se o princpio fundamental da distribuio
capitalista fosse aplicado nessa fbrica, cada
empregado seria proprietrio daquilo em que
ps a mo: quem fez o pneu ficaria com o pneu,
quem varreu o cho cobraria uma taxa de cada
um, e todos contribuiriam com uma cota para
montar uma agncia de vendas.
Embora
no seja impossvel, bem mais prtico o princpio utpico:
s h um produto, que o automvel, os empregados so todos
colaboradores uns dos outros, embora possam ter funes diferentes.
O fato de terem funes diferentes no significa que tenham
mais ou menos mrito ou participao no produto final: essa
questo depende de cada grupo, de sua proposta. O mesmo acontece
na sociedade. Eu produzo arroz e voc produz feijo, um outro
mdico e outro varre as ruas. Eu s posso me dedicar a produzir
trezentos sacos de arroz se eu souber que outras pessoas esto
produzindo outras coisas de que eu necessito.
Quer
dizer, eu e todas as outras pessoas que trabalham
somos colaboradores, estamos trabalhando lado
a lado, mesmo que eu nem veja ou nem saiba quem
faz cada coisa. No uma frase potica ou um
desejo dizer que todos somos colaboradores uns
dos outros, a realidade. Ningum dono do
produto do seu trabalho, j que os outros tambm
ajudaram. A troca no faz sentido, uma mentira.
J que produzimos juntos, todo produto de
todos. O arroz que eu produzi, que saiu das
minhas mos, no s meu. E o feijo que saiu
das suas mos tambm no s seu. Como poderamos
trocar uma coisa que no minha por uma coisa
que no sua?
Cada
comunidade, no aspecto econmico, se prope um esquema de
organizao do trabalho e, depois e separado, um esquema de
distribuio do produto. A escolha de um esquema depende de
muita coisa, inclusive de preferncias pessoais. A troca (do
capitalismo) apenas um dos esquemas possveis.
Hoje
funciona mal, mas pode vir a funcionar bem. O que no faz
sentido tentar propor uma lgica da troca, para a qual
evidente que as pessoas possuem o que usam e o que produzem.
Acreditar nisso faz tanto sentido quanto acreditar que as
plantas crescem por obra de Deus e que, portanto, o produto
do trabalho deve ser entregue a Deus, quer dizer, ao sacerdote,
para que ele distribua populao.
O
capitalismo, visto como um sistema necessrio,
um erro de raciocnio um trabalhador querer
receber a remunerao justa pelo seu trabalho,
no sentido de receber um salrio que corresponda
ao valor do seu trabalho. Essa uma maneira
egosta, inclusive, de ver o problema poltico.
O problema da distribuio nunca pode ser visto
individualmente. A sociedade precisa ser reformulada
como um todo, cada grupo precisa poder escolher
sua ideologia e seu esquema de vida, que inclui
um esquema de organizao do trabalho e um esquema
de organizao da distribuio do trabalho,
do produto.
Hoje,
quando no h nenhum sistema de distribuio definido e escolhido
conscientemente pelas pessoas, parece que o mais justo acreditar
que todos ns temos direitos iguais. Assim, se o mdico ganha
mais do que o lixeiro, ou se ambos, por terem emprego, ganham
acima do mnimo, porque o que ganha mais est roubando,
isto , est ficando com uma parte do outro.
E
que todo socialista utpico deveria pensar seriamente
naquilo que consome acima do mnimo, se consome,
ou naquilo que consome abaixo do mnimo, se
for o caso. Mas, o que o mnimo? o salrio
mnimo decretado pelo governo? Apenas para dar
uma idia, que parece utpica, o mnimo, para
um socialista que vive no sistema capitalista,
o suficiente para sobreviver. Sem consumismo.
As pessoas precisam, para sobreviver, de uma
boa alimentao, que certamente no inclui novidades,
latarias e o indispensvel em roupas e moradia.
Apenas no podemos aceitar o padro de consumo
destinado para os pobres para sade e educao.
Se aceitssemos, estaramos aceitando a prpria
continuidade do sistema. Ou seja, o mnimo para
a sobrevivncia deve ser muito menos do que
se pensa em termos de alimento e moradia, e
uma reavaliao, talvez um reforo no que se
refere a sade e educao. O que gastarmos acima
disso explorao.
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Educao
Vamos
comparar duas maneiras de encarar a educao, a maneira capitalista
e a utpica. A educao capitalista s acontece quando algum
pretende mudar o modo de pensar de uma outra pessoa. Para
eles, de um lado est a escola, a sociedade, o professor,
os conhecimentos cientficos, e esses esto sempre com a razo.
Esses so os que (pensam que) sabem das coisas. E eles ensinam
suas verdades para os alunos, as crianas, os jovens, o povo,
que eles julgam ignorantes. O objetivo da educao capitalista
colocar alguma coisa que estava fora para dentro da cabea
do aluno. E tambm o esforo para transformar o aluno em uma
pessoa idealizada por outros.
As
atividades pedaggicas so diferentes porque
elas no pretendem construir nada como uma casa
ou um hospital, nem montar um rdio, nem costurar
uma cala. s vezes, em uma atividade pedaggica,
podemos at construir alguma coisa, ou levar
um objeto de um lugar para o outro, mas sem
que isso seja exatamente o nosso objetivo. Tanto
que podemos construir uma casa e depois desmanch-la
para fazer tudo de novo. Uma atividade pedaggica
se parece com a dana. O danarino vai e volta
diversas vezes pela sala. Quando ele vai, o
que pretendia no era exatamente ir at o outro
lado da sala, tanto que logo ele voltou sem
ter feito nada do lado de l. Mas, alguma coisa
deve ter mudado no mundo, ou talvez fora do
mundo. Se nada mudasse, os danarinos no perderiam
o seu tempo andando de l para c. Talvez ele
tenha ficado mais inteligente, ou suas pernas
tenham ficado mais fortes, ou se tenha se tornado
uma pessoa mais feliz ou tenha mais chances
de ir para o cu, mesmo que nada disso tenha
valor econmico, no sentido de servir para comer,
morar, sentar em cima, etc.
Quando
reunimos uma poro de atividades pedaggicas em um mesmo
lugar, chamamos esse lugar de escola. A sociedade est cheia
de atividades pedaggicas. So pessoas tocando piano, jogando
futebol, crianas brincando de pique, pessoas explicando o
que sabem para outras. O importante para a Utopia que existam
muitas atividades pedaggicas, muito mais do que hoje, e que
essas atividades sejam boas, de boa qualidade, e que as pessoas
tenham o a elas e nunca participem de nenhuma delas
fora.
Se
o partido utpico - ou federacionista - chegar ao poder ou
se puder interferir no poder, o seu projeto fundamental
um grande esforo pedaggico, que consiga que as pessoas tenham
o ao maior nmero de atividades pedaggicas, livremente,
e que essas atividades sejam de boa qualidade: veis,
de bom nvel, constantes, etc., fazer tudo para que as atividades
pedaggicas tenham uma boa organizao, que aconteam sempre,
que incorporem a pedagogia, etc. A educao utpica livre,
plural, universal e permanente. No basta levar a educao
a todas as pessoas e que a educao dure toda a vida das pessoas:
preciso revolucionar a estrutura da educao, alm de que
essas duas questes esto amarradas uma outra.
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Modelo
educacional.
S
para ter uma viso mais concreta (e no com
intenes filosficas), vamos imaginar como
poderia ser a educao utpica. Esse modelo
no proposto para a Federao em geral, evidentemente,
o mximo que se pode esperar que as comunidades
especificamente utpicas tenham modelos semelhantes.
Vamos imaginar, de novo, voc chegando a uma
cidade onde nunca morou antes, uma cidade utpica
de uma Federao. Por outro lado existiro atividades:
grupos estudando, praticando esportes, bibliotecas,
etc.
Voc
no obrigado, mas uma boa opo procurar um Orientador.
Voc vai dizer para ele o que voc gosta de fazer, o que gostaria
de fazer, o que fazia antes, etc. Ele vai mostrar horrios,
relatrios, vai te falar das propostas de diversos grupos,
etc. Enfim, vai procurar te dar uma idia das atividades que
estariam sua disposio. Depois de alguns contatos, voc,
com a ajuda do Orientador, comear a montar o seu horrio,
tanto o horrio de trabalho como o horrio pedaggico. Ningum
vai te obrigar a fazer nenhuma atividade.
Vamos
supor que, no seu horrio de trabalho, voc
queira fazer parte de uma equipe que constri
pontes. provvel que, dependendo da sua funo,
haja necessidade de saber se voc est preparado.
Ningum vai se arriscar a permitir que qualquer
um construa pontes ou que faa operaes cirrgicas
sem antes fazer uma avaliao pessoal. Ento,
em alguns casos, voc vai ter que fazer testes,
provas, etc. Mas esse ser um problema das empresas,
um problema econmico, e no da educao. A
educao no ter essa funo, a avaliao pessoal.
Apesar disso, as atividades econmicas e as
atividades pedaggicas sero muito prximas,
como se o trabalho fosse contguo (quase junto)
da escola. Como se a sociedade fosse uma grande
escola. Cada atividade pedaggica pode ter (e
ser bom que tenha) uma ideologia. Mas o conjunto
das atividades a que uma pessoa tem o no
pode ser articulado por nenhuma ideologia. Ou
seja, nenhuma ideologia poder ser a condutora
de todo o projeto pedaggico a que uma pessoa
submetida, a no ser dentro das comunidades
que forem se formando.
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Personalidades
- Dario
- Plato
- Jesus
de Nazar
- Gandhi
- Charles
de Foucault
- Thomas
Morus
- Pedro
Abelardo
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Guia
de leitura
A
maior dificuldade na confeco de um guia de leitura est
no nvel de escolaridade. Vamos optar, aqui, pelo nvel mdio,
isto , uma pessoa capaz de ler, ainda que com alguma dificuldade,
a maioria dos livros no especializados que se encontram
venda nas livrarias. Corresponde, mais ou menos, ao que se
espera de um aluno de um curso colegial. Essa pessoa no seria
especialista em filosofia, sociologia, histria, etc., mas
capaz de ler e compreender livros de iniciao sobre esses
assuntos.
A
literatura utpica de muito boa qualidade
e muito vasta. Quem se interessar em ler os
poucos livros que vamos indicar aqui entrar
em contato com orientaes bibliogrficas mais
pretensiosas contidas em alguns desses livros.
Infelizmente, hoje, nesse ano de 1990, ainda
h falhas muito srias nos livros disponveis
em portugus. Alguns dos maiores clssicos ainda
no foram traduzidos.
No
temos quase nada sobre comunidades e s temos o Petitfils
sobre histria da Utopia. Alm desses livros, uma boa leitura,
inclusive muito fcil, a Revista Utopia. Para entrar em contato
com a literatura utpica, uma forma simples utilizar a Internet
e levantar bibliografias em grandes bibliotecas, como a Biblioteca
Nacional, a Biblioteca do Congresso Norte-Americano, a Biblioteca
da USP. Basta digitar o assunto utopia e se tem de
imediato uma bibliografia, embora com alguns livros que entram
por engano.
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1.
Livros
1.1.
Primeiro grupo.
O
conjunto destes quatro livros tem servido de referncia, como
definio da ideologia utpica, que exposta aqui, nessa
cartilha. Alm disso, servem como leitura inicial.
Utopia,
Manual do Militante.
De Luiz Gonzaga Teixeira, Ibrasa, So Paulo, 1983.
o nico livro que se prope a dar uma viso de conjunto da Utopia,
como uma ideologia capaz de funcionar como filosofia de vida
e de organizar um movimento. A leitura fica mais fcil se iniciada
pelo terceiro e quarto captulos, sobre amizade e emancipao
feminina.
As
utopias, ou a felicidade imaginada.
De Jerzy Szachi, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1972.
D uma viso geral. de leitura fcil e tem trechos essenciais.
socialismo
utpico.
De Martin Buber, Perspectiva, So Paulo, 1971. Faz
uma exposio crtica do pensamento dos pensadores utpicos
clssicos. Apresenta a Utopia como uma viso sociolgica da
revoluo, isto , como um processo de mudana a partir das
clulas da sociedade.
Dialtica
da Esperana.
De Pierre Furter, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1974.
Apresenta de uma maneira didtica o pensamento - difcil -
de Ernst Bloch, o maior filsofo da Utopia. a referncia
filosfica.
1.2.
Segundo grupo
Educao e Reflexo.
De Pierre Furter, Vozes, Petrpolis, 1973. Contm um
captulo precioso, o terceiro, sobre a palavra Utopia.
Os socialismos
utpicos. De Jean Petifils. Crculo do
Livro, So Paulo, 1981. Histria da Utopia,
principalmente das utopias literrias.
Tempo e Utopia. Nmero especial da Revista
de Cultura Vozes, Vozes, Petrpolis, 1973, n? l. Contm diversos
artigos de leitura fcil, sobre religio, histria e bibliografia.
Do socialismo utpico ao socialismo cientfico. De Engels,
Global, So Paulo, 1980. a obra principal da literatura
contra Utopia. Mas deve ser lido tambm por quem a favor.
cristalino. Contm os argumentos clssicos do marxismo contra
a utopia.
Crtica ao Programa de Gotha. De Marx, Progresso,
Moscou, 1979. De poucas pginas, confuso e de difcil compreenso.
Mas contm trechos importantes. o mais utpico dos livros
de Marx.
O que Utopia. De Teixeira Coelho, Brasiliense, So
Paulo, 1980. simples e didtico.
Os grandes escritos anarquistas. De Woodcock, L&PM,
Porto Alegre, 1977. O anarquismo uma ideologia que no pode
ser separada da Utopia.
Summerhill, liberdade sem medo. De Neill, Ibrasa,
So Paulo, 1963. de todos o de leitura mais fcil. D uma
viso inicial das idias utpicas sobre Educao. Mas quem
se interessar por Utopia da Educao deve ler as obras de
Furter, Carl Rogers e Paulo Freire.
Utopia. Organizado por Neususs, Barral, Barcelona,
1970. Mais difcil que os outros, e em espanhol,
mas no pode ser esquecido, porque contm alguns
artigos indispensveis.
Ideologia e Utopia. De Karl Mannheim, Zahar, Rio de
Janeiro. outro livro que combina alta qualidade com uma
certa dificuldade. Esse no parece estar no nvel de alunos
de colegial.
De baixo para cima, a Utopia no Brasil. De Carlos Aveline,
Vozes, Petroplis, 1984. Pode ser considerado com referncia
para uma viso da Utopia como um processo de organizao popular,
o povo resolvendo os seus prprios problemas, organizando
cooperativas, etc.
Utopia e Paixo. De Roberto Freire e Fausto Brito,
Rocco, Rio de Janeiro, 1986. Anarquista. Tem o mrito principal
de se deter na Utopia como revoluo do cotidiano, como revoluo
do afeto e das relaes afetivas. 1.3.
Terceiro grupo
Essa
listagem, mesmo contendo s os livros mais importantes, no
poderia ser encerrada sem mencionar os clssicos:
Le Mythe
de la Cit Ideale, de Mucchielli, Paris, PUF, 1960.
L'Utopie
et les utopies, de Ruyer, Paris,PUF, 1960.
Historia de la Utopia, de Servier,
Caracas, Monte Avila, 1969.
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2.
Trechos
"Na
linguagem cotidiana a palavra utopia
significa, no mais das vezes fantasia, quimera,
criao que no leva os fatos em considerao,
projeto cuja realizao impossvel. Esta compreenso
da palavra no parece ser til para a anlise
cientfica da Utopia como um fenmeno social
- ela faz um julgamento de valor, j de sada,
antes mesmo que se comece a estudar a questo.
Alm do mais, uma tal definio dificultaria
o isolamento do nosso objeto de pesquisa. Teramos
de indagar primeiro quem, com que bases, decidiria
sobre a possibilidade de realizao do projeto
em considerao. Possibilidades (ou impossibilidades)
permanentes no existem" (Szachi,
pgina 3).
"Nem
fcil nem impossvel, uma tarefa" (Furter,
Educao e Vida, Vozes, Petrpolis, 1972).
"Mas,
lembremo-nos: para que uma idia mais ou menos geral possa
surgir das massas no dia da decretao da revoluo, no deixemos
de expor sempre o nosso ideal da sociedade que deve surgir
depois da revoluo. Se ns queremos ser prticos, exponhamos
o que os reacionrios de toda nuana sempre chamaram Utopias,
Teorias. Teoria e prtica devem ser uma coisa s, se ns pretendemos
vencer" (Kropotkine, Paroles d'un Revolt,
Paris, Flammarion, 1978, pgina 324).
"Assim,
nas nossas esperanas desembocam as esperanas
de toda a humanidade. Nesse sentido o ado
nos apia. Mas, tambm, para que esse ado
no seja mais uma vez iludido, devemos mostrar-nos
altura dele. Ns estamos apoiando esse ado.
Talvez que a singularidade do sculo XX seja
justamente de ter uma conscincia mais aguda
das esperanas do ado, de saber que no
devemos mais errar e que devemos vencer"
(Furter, Dialtica da Esperana,
pgina 47).
"Se
eu desejar algo para mim, no seriam riquezas nem poder, mas
apenas a paixo da possibilidade. Eu desejaria ter um olho
eternamente jovem, ardendo eternamente com a exigncia de
ver a possibilidade" (Kierkegaard, citado por
Ernst Bloch, no El princpio Esperanza, Aguilar,
Madrid, 1980, volume III, pgina 152).
"Experimento
intelectual" (Ruyer, no livro Utopia, organizado
por Neususs, pgina 151).
"A
utopia pode ser, primeiramente, uma tcnica intelectual. Isto
, uma maneira de pensar, no imaginrio, as modificaes possveis
numa sociedade, de modo a abrir novas perspectivas. Neste
caso, o autor tende a imaginar um modelo que vai permitir,
depois, refletir duma maneira crtica cobre certas caractersticas
da sociedade, numa viso global e dinmica da realidade"
(Furter, Educao e Reflexo, pgina 38).
"Proletrios
do mundo olhem bem para os abismos de seu prprio
ser, procurem a verdade e a compreendam vocs
mesmos: voc no a encontraro em nenhum outro
lugar" (Peter Aschinov, no livro
de Woodcock, Os grandes escritores anarquistas,
pgina de abertura).
"O
desenvolvimento mximo da individualidade dever combinar-se
com o desenvolvimento mximo da associao espontnea, em
todos os aspectos, em todos os graus possveis, e para os
fins mais variados" (Kropotkine, no livro de Buber,
pgina 24).
"A
cincia constitucional pode ser resumida, segundo Proudhon,
em trs postulados:
- Formar
grupos reduzidos, relativamente soberanos e unidos em corporaes.
- Organizar
o governo em cada Estado federado.
- Cuidar
apenas da iniciativa geral e da garantia e
vigilncia mutuas, ao invs de usar o poder
contra os estados federados, ou autoridades
provinciais ou municipais" (Adaptada
de Proudhon, no livro de Buber,
pgina 47).
"O
movimento marxista no procurou formas precursoras j existentes
da nova sociedade, na se empenhou seriamente em fornecer,
influir, dirigir, coordenar, federar as experincias j realizadas
ou que estavam em vias de informao e nem efetuou o trabalho
conseqente de dar vida a clulas e mais clulas e a federao
e mais federaes de comunidades vivas" (Buber,
pgina 124).
"A
revoluo no possui fora criadora, e sim uma fora de dissoluo,
de libertao e de inverso de valores, ou seja, ela s pode
libertar, consumar ou fortalecer o que j se achava previamente
configurado no seio da sociedade pr-revolucionria. A hora
da revoluo no uma hora de concepo, mas de nascimento,
desde que tenha havido concepo anterior" (Buber,
pgina 61).
"Escolhe:
ou ests com aqueles que tomaram e ainda tomam
o cu de assalto, ou com aqueles que o escondem
dos homens por meio de faixas e cartazes de
elogio ordem existente. Como pessoa, ests
entre os vivos, portanto, escolhe" (Szachi,
pgina 37 do prefcio).
"No
necessrio ir em busca do choque, porque ele decorre, muito
facilmente mesmo, da aplicao normal do direito" (Lwenthal,
no livro O Fim da Utopia, de Marcuse, Paz e
Terra, Rio de Janeiro, 1969, pgina 126).
"Quando
Che Guevara assinalava como a tarefa para a sociedade
socialista 'torna-se uma gigantesca escola' (no qualquer
escola, verdade), ele reencontrou um eixo essencial da inspirao
utpica" (Chirpaz, na Revista Esprit, 1964
(4), pgina 580.
"Uma
mente saudvel aquela que, liberta dos grilhes,
pode desenvolve-se em harmonia com as impresses
independentes e individuais que a verdade imprimir
nela. Como poderia ser grande o desenvolvimento
intelectual dos homens se eles no fossem prejudicados
pelos preconceitos da educao e no se deixassem
seduzir pela influencia de uma sociedade corrupta,
mas se acostumassem a seguir sem medo as indicaes
da verdade, por mais inexploradas que fossem
as regies e inesperadas as concluses a que
ela levasse" (Godwin, no livro de
Woodcock, pgina 276).
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3.
Internet
A
Internet uma forma til para conhecer tambm o cotidiano
de algumas comunidades. Os stios mais conhecidos so, hoje,
em 2001:
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Resumo
do manifesto utpico
Esta
cartilha serve muito mais para distinguir a
ideologia utpica de outras ideologias do que
era aprofundar a sua compreenso em si mesma.
O seu objetivo seria que o leitor, quando terminasse
a sua leitura, pudesse optar: a ideologia utpica
me interessa, preciso conhecer mais, ou a
ideologia utpica no me interessa. Esse interesse
no significa adeso. A ideologia utpica pode
me interessar at para o caso em que eu me considere
na obrigao de combat-la ardorosamente. Nem
significa o fim das dvidas: uma pessoa em dvida
pode estar muito interessada. Ou pouco.
Um
primeiro o para quem quiser compreender melhor a organizao
interna das idias utpicas seria ler o Manifesto Utpico.
Que s poderia ser ortodoxo, isto , um Manifesto do movimento
utpico em geral, do fundo comum ou majoritrio das diversas
tendncias utpicas. Esse capitulo, um resumo, serve como
uma provocao para que o leitor procure depois uma verso
mais externa e mais satisfatria.
Submisso
ao objeto.
Cada objeto deste mundo tem condio de resolver seus prprios
problemas, de viver sua prpria vida. Ns s devemos, na vida
de um objeto, assumir aquele papel que ele reservar para ns,
nem mais nem menos. Exemplos de objetos: as pessoas, eu, voc,
pedras, idias, povos, grupos, fatos, animais, plantas...
Radicalidade.
Esses objetos do mundo no esto prontos e mostra para ns,
o que ns vemos portanto est escondido. Os objetos so como
as plantas: existe o tronco e as folhas de fora, mas dentro
da terra esto as razes. Tambm ns temos razes. Nem tudo
que desejamos e projetamos profundamente fcil. Mas podemos
lutar com pacincia e pressionar a vida para que, aos poucos,
aquilo que vem do fundo se torne realidade.
Fidelidade.
Alm disso, um objeto no uma coisa parada, como um vaso
ou uma pedra, uma vida, uma coisa no tempo. Ento, a submisso
ao objeto no pode acontecer de repente, preciso ter pacincia,
persistncia. como um jardineiro que cuida de uma flor.
Um pequeno descuido pode ser muito perigoso. Ou seja, a submisso
ao objeto deve ser desde o comeo, no deve saltar nada no
meio, e deve ir at o fim.
Tcnica.
A submisso ao objeto no pode ser feita de
qualquer maneira. Precisamos nos preocupar com
"como" chegar ao objeto, com a ponte
que vai nos ligar ao objeto. Antes de fazer
um canteiro, precisamos arrumar uma enxada bem
encavada e afiada, sementes, terra, que so
os instrumentos. Essa preocupao com os instrumentos,
com o como, com o caminho, a ponte, isso a
tcnica.
Tolerncia.
preciso muito cuidado para no roubar a vida dos objetos.
Podemos chegar at a porta da vida do objeto, mas ali dentro
ele quem deve mandar, e mais ningum.
Projeto.
Cada objeto como uma casa metade pronta e metade sem fazer.
Um projeto no s algo que j est pronto. Ser srio enxergar
sempre os dois lados, o pronto e acabado e o outro lado: o
possvel, ainda sem fazer. Os objetos tm falhas, buracos,
e so contraditrios, isto , uma parte no combina com a
outra; isso bom, pois por isso que os objetos nunca terminam,
nunca ficam acabados. Principalmente o homem.
Ascese.
A tcnica manda que nos preocupemos com os instrumentos,
mas o instrumento fundamental para nossa vida
o nosso corpo. Isso ascese: organizar o
nosso corpo. Ou: ascese a Utopia do corpo,
de mim.
Poltica.
Precisamos fazer uma pequena parada, porque
aqui o Manifesto Utpico se divide ao meio,
e aqui est a chave da sua compreenso. Na primeira
parte, nos preocupamos com o fundamento da revoluo,
que, na verdade, revolucionar ns mesmos,
nossas idias, nosso corpo, nossa maneira de
abordar pessoas e objetos, a partir de dentro,
das minhas razes. Mas, fazendo isso, que
a submisso ao objeto aplicada a esse objeto
que sou eu mesmo, eu vou descobrir, dentro de
mim, uma grande carncia, entre outras carncias:
a carncia do outro. Se eu no descobrir isso,
tudo bem, s que eu me desviei do caminho caracterstico,
ou ortodoxo, da Utopia, ou melhor, eu me desviei
do caminho que normalmente leva Utopia. Chamaremos
essa primeira parte do Manifesto, at o item
"Poltica", de parte asctica,
e a segunda, de parte poltica, porque, junto
com a descoberta da minha carncia do outro,
h a descoberta de que eu vivo no mundo, junto
com outras pessoas e coisas. Existe um mundo
feito de vidas, uma histria, e eu estou a
dentro. Existe fome, explorao, ignorncia,
solido, e tambm esperana, amizade, alegria:
ns estamos juntos no mesmo barco, o meu problema
no pode ser resolvido isoladamente.
Currculo.
O currculo tudo que acontece a uma pessoa. O currculo
de um dia, por exemplo, pode ser: se levantar, escovar os
dentes, tomar caf, etc. Desejar um currculo novo. Seria
absurdo pensar que eu possa mudar por dentro enquanto minha
vida, por fora, continua a mesma, e continuam acontecendo
comigo as mesmas coisas. Alm disso, esse currculo novo que
ns desejamos tem que ser de boa qualidade, ou seja, livre
e rico. Um currculo onde eu possa encontrar os elementos
alimentos de que eu preciso, como: msica, esportes, trabalho,
participao, pessoas, comida, natureza, etc.
Natureza.
A sociedade no feita s de pessoas, mas de
pessoas, coisas, rvores, idias, bichos, costumes,
etc. Quando diversas dessas coisas convivem
num mesmo espao, podem escolher entre dois
sistemas opostos: a lei das selvas, onde cada
um vive para si e busca vantagens, mesmo quando
suas vantagens prejudicam os outros... ou a
convivncia, onde para resolver o problema de
um preciso resolver os problemas dos outros...
Essas duas maneiras so naturais, mas no so
naturais para o homem, que traz, na sua constituio,
a exigncia da convivncia.
Movimento.
Cada um de ns isolado pode fazer muito pouco. Mas podemos
nos unir e formar um movimento. Tudo depende do movimento,
atravs dele que os nossos ideais podem se tornar realidade
ou no. Pode-se at dizer que o movimento so os ideais se
tornando realidade.
Emancipao
Feminina.
Na convivncia ningum tem mais valor do que
o outro, nem o homem vale mais do que uma rvore
ou do que uma idia. E, lgico, um homem no
vale mais do que o outro, nem um homem (uma
pessoa do sexo masculino) vale mais do que uma
mulher. A sociedade capitalista faz as mulheres
arem quase sozinhas as tarefas domsticas,
principalmente cuidar das crianas pequenas,
preparar comida e lavar roupas. A Utopia contra
essa situao e sugere que toda a sociedade
cuide desses servios. Assim como existem hoje
fbricas, governo, comrcio, etc., devem existir
tambm creches, lavanderias e restaurantes,
sob a responsabilidade da sociedade, de homens
e mulheres. A Utopia deve ajudar, tambm na
crtica de idias e costumes que levam a mulher
e os homens a relaes desiguais. Esse tipo
de relaes, machistas, ficariam reservadas
para comunidades que adotassem conscientemente
essa proposta.
o.
No adianta dizer para um objeto "eu confio em voc,
que voc capaz de resolver seus prprios problemas".
O objeto, para realizar isso, precisa de instrumentos, alimentos.
A verdadeira submisso ao objeto no feita s de idias
e palavras, e sim de aes. Ou seja, a submisso ao objeto
nos leva a buscar para o objeto um lugar onde ele tenha o
a tudo de que necessita. Uma planta, por exemplo, precisa
ficar num lugar onde ela tenha o aos sais minerais, gua,
sol, etc., de que ela necessita. No podemos organizar o currculo
dos outros, isso seria tirania (o contrrio de tolerncia),
mas podemos organizar a sociedade, quer dizer, conseguir um
lugar em que os objetos tenham o a tudo de que necessitam.
Utopias. Federao. Como os
objetos so diferentes, bem provvel que tenham
necessidade de lugares diferentes. Logo, a verdadeira
Utopia uma poro de utopias. Quer dizer,
a Utopia seria formada por diversas utopias
menores. As pessoas podero sair de cada uma
delas quando acharem conveniente. Essas utopias,
ou comunidades, sero diferentes, mas se respeitaro
uma s outras e ficaro prximas para permitir
que as pessoas possam optar (e desoptar) por
uma ou outra, e para que a cooperao seja possvel.
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