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Relatrio IV Caravana Nacional de Direitos Humanos 646d72

Uma amostra da situao dos adolescentes privados de liberdade nas Febems e congneres

Esse relatrio dedicado a

Ebenezer Salgado Soares,

Sueli de Ftima Buzo Riviera e

Wilson Ricardo C. Tafner.

Promotores da Infncia e da Juventude

do Estado de So Paulo, exemplos de coragem e

determinao

Estatuto da Criana e do Adolescente

Seo VII - Da Internao

Art. 121 - A internao constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princpios da G brevidade, excepcionalidade e respeito condio peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Pargrafo primeiro - Ser permitida a realizao de atividades externas, a critrio da equipe tcnica da entidade, salvo expressa determinao judicial em contrrio.

Pargrafo segundo - A medida no comporta prazo determinado, devendo sua manuteno ser avaliada, mediante deciso fundamentada, o mximo a cada 6 meses.

Pargrafo terceiro - Em nenhuma hiptese o perodo mximo de internao exceder trs anos.

Pargrafo quarto - Atingido o limite do pargrafo anterior, o adolescente dever ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade assistida.

Pargrafo quinto - a liberao ser compulsria aos vinte e um anos de idade.

Pargrafo sexto - Em qualquer hiptese a desinternao ser precedida de autorizao judicial, ouvido o Ministrio Pblico.

Art. 122 - A medida de internao s poder ser aplicada quando:

I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaa ou violncia contra a pessoa;

II - por reiterao no cometimento de outras infraes graves;

III - por descumprimento reiterado e injustificvel da medida anteriormente imposta.

Pargrafo primeiro - O prazo de internao na hiptese do inciso III deste artigo no poder ser superior a trs meses.

Pargrafo segundo - Em nenhuma hiptese ser aplicada a internao, havendo outra medida adequada.

Art. 123 - A internao dever ser cumprida em entidade exclusiva para adolescente, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separao por critrios de idade, compleio fsica e gravidade da infrao.

Pargrafo nico - Durante o perodo de internao, inclusive provisria, sero obrigatrias atividades pedaggicas.

Art. 124 - So direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:

I - entrevistar-se pessoalmente com representante do Ministrio Pblico;

II - peticionar diretamente a qualquer autoridade;

III - avistar-se reservadamente com seu defensor;

IV - ser informado de sua situao processual, sempre que solicitada;

V - ser tratado com respeito e dignidade;

VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais prxima ao domiclio de seus pais ou responsveis;

VII - receber visitas, Gao menos, semanalmente;

VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos;

IX - ter o aos objetos necessrios higiene e asseio pessoal;

X - habitar alojamento em condies adequadas de higiene e salubridade;

XI - receber escolarizao e profissionalizao;

XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer;

XIII - ter o aos meios de comunicao social;

XIV - receber assistncia religiosa, segundo a sua crena, e desde que assim deseje;

XV - manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guard-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade.

XVI - receber, quando de sua desinternao, os documentos pessoais indispensveis vida em sociedade.

Pargrafo primeiro - Em nenhum caso haver incomunicabilidade.

Pargrafo segundo - A autoridade judiciria poder suspender temporariamente a visita, inclusive de pais ou responsvel, se existirem motivos srios e fundados de sua prejudicialidade aos interesses do adolescente.

Art. 125 - dever do Estado zelar pela integridade fsica e mental dos inGternos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de conteno e segurana.

Apresentao:

ANOTAES SOBRE UMA DISTNCIA

Marcos Rolim

"Sem justia, o que so os reinos

seno grandes assaltos; o que so os

roubos seno pequenos reinos?"

Santo Agostinho

O presente relatrio oferece uma idia mesmo que aproximada da situao vivida pelos adolescentes privados de liberdade em Unidades de internao das FEBEMs e entidades congneres no Brasil. Ao todo, foram 18 Instituies inspecionadas, em 5 estados visitados pela IV CARAVANA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS, entre os dias 1 e 9 de maro desse ano. A esse conjunto, anexamos um breve relatrio sobre inspeo que realizamos no dia 20 de maro em uma Unidade de internao de Macei, AL. No seu conjunto, as informaes aqui contidas permitem uma amostragem representativa da realidade brasileira de tratamento de adolescentes em conflito com a lei.

O ttulo que oferecemos ao relatrio "O Sistema Febem e a Produo do Mal" - expe uma sntese de natureza crtica pela qual recusamos, explicitamente, um modelo de "atendimento" aos adolescentes infratores centrado no encarceramento e na submisso dos jovens a um conjunto de sentenas exGtra-judiciais. Denominamos esse modelo como "Sistema Febem" porque, independentemente do nome dos departamentos ou fundaes encarregados de gerir o sistema de medidas scio-educativas nos estados, a herana do antigo Cdigo de Menores que se apresenta como largamente hegemnica. A FEBEM, como se sabe, filha dileta daquele ultraado documento legal. O que consideramos, ento, "Sistema Febem" o conjunto de mecanismos institucionais responsveis pela reproduo do paradigma do encarceramento em tudo contrrio ao que dispe o Estatuto da Criana e do Adolescente.

Esse sistema "produtor do mal" porque distribui sofrimentos, precipita vnculos criminais e promove uma identidade delinquente entre os internos.

Por bvio, a expresso "Sistema Febem" no pretende traduzir os compromissos de todos quanto, desde o interior das unidades de internao, trabalham na execuo de medidas scio-educativas e na tutela dos adolescentes em conflito com a lei. Muitos so os trabalhadores das FEBEMS e congneres que lutam, concretamente, contra as caractersticas institucionais perversas que os antecederam. Uma parte dos funcionrios daquele sistema tem demonstrado, inclusive, que possvel construir vnculos afetivos e relaes democrticas com os internos diante de situaes de carecimentos extremos quanto ao regime de trabalho ou,mesmo, frente a estruturas tipicamente prisionais.

Outra parte desses funcionrios, infelizmente, tem se mostrado partcipe de uma tGradio que encontrou na estupidez e na violncia o caminho mais curto para assegurar o que costumam chamar de "ordem e disciplina". Hannah Arendt assinalou que "a fria a impotncia tornada ativa". De fato, os procedimentos responsveis pelas agresses contra os internos nas unidades de internao ainda hoje to comuns expressam, para alm das patologias identificveis, uma incapacidade ou um no-saber. Seria, ademais, injusto atribuir aos maus funcionrios dessas instituies a responsabilidade exclusiva pelos maus tratos. Em larga medida, muitos dos governantes e dos prprios gestores do sistema foram e so coniventes com as referidas violaes. Pode-se afirmar o mesmo, pelo menos, de uma parte dos magistrados e promotores com atuao na rea. Essas condutas de conivncia ou omisso , quando no de participao direta , no deixam de refletir, de alguma forma, a demanda punitiva crescente na sociedade brasileira cujas fronteiras com a barbrie nem sempre so ntidas.

Seja como for, o que esse relatrio permite observar uma distncia impressionante entre aquilo que dispe a lei no caso, uma das mais avanadas em todo o mundo, o ECA e a realidade mesma do tratamento dispensado aos adolescentes privados de liberdade. Evidentemente, o Brasil possui tambm exemplos dignificantes e experincias de aplicao de medidas scio-educativas em Unidades que no reproduzem o perfil de encarceramento. Algumas delas foram visitadas pela IV CARAVANA e muitas outras de que temos boas referncias poderiam ter sido visitadas. Nossa preocupao, G entretanto, esteve centrada no conhecimento daquelas realidades que sabamos mais graves, cujo prprio histrico nos desafiava a conhec-las melhor. Nossas visitas foram realizadas, todas, sem prvio aviso e os depoimentos que tomamos dos internos foram registrados sem a presena de seguranas ou de qualquer outra pessoa com vnculos s Instituies visitadas. Como regra, mantivemos contato com as direes das unidades, antes e depois das visitas, para levantar dados sobre as Unidades e compreender melhor as polticas em andamento. Tambm como regra, no entrevistamos funcionrios do Sistema. Primeiro, porque o tempo que dispnhamos tornaria esse procedimento impossvel; segundo, porque a opinio dos funcionrios, os problemas que enfrentam e suas sugestes podem chegar at os canais competentes inclusive Comisso de Direitos Humanos- atravs de suas entidades de representao e lideranas sindicais. Nossa opo foi a de assegura o tempo de "escuta" queles que, de outra forma, no poderiam ser ouvido e queles a quem, via de regra, jamais se concede a palavra: os prprios adolescentes privados de liberdade.

H uma comovente e extraordinria personagem de um filme de Wim Wenders "O Hotel de Um Milho de Dlares" vivida pela atriz Milla Jovovich que, em determinado dilogo, confrontada com os riscos de seu hbito de fumante, oferece a seguinte resposta: - "No h problema em fumar, pois eu no existo." Como assim? Pergunta seu interlocutor. Ela, ento, insiste: - "Eu no existo, compreende? Quem no existe no pode morrer." Uma G funcionria de uma das Casas de Internao para adolescentes em conflito com a lei no Rio de Janeiro relata a seguinte experincia: "...numa dessas ltimas rebelies, um adolescente jogou um botijo de gs no fogo e no saiu de perto. Algum perguntou se ele no pensou que, se aquilo explodisse, ele iria junto. A resposta foi simplesmente essa: - "E que diferena faz?"

As duas cenas - uma sugerida pela sensibilidade do artista, outra recolhida como experincia dramtica - permitem que se vislumbre um fenmeno absolutamente radical que parece ser oferecido pelas modernas sociedades: o fato de que um nmero indeterminadado de seres humanos, excludos e marginalizados socialmente, percebem-se no apenas como carentes de sentido, mas mergulhados em uma dinmica de tamanha negatividade que a sua vida mesma lhes aparece como desprovida de realidade. Em primeiro lugar, para eles j no h histria. O ado que lhes foi possvel s vel como esquecimento. Suas cicatrizes - as que recobrem o corpo e as que tatuam suas almas - lhes acompanharo de qualquer forma como uma herana indesejada. Ao mesmo tempo, para eles no h perspectivas, nem desejos que se projetem em direo ao futuro. Aquilo que vir s possui significado como ameaa. Por isso, trata-se de esquecer tambm o futuro e mergulhar em uma nica dimenso temporal: um presente contnuo, espao de fruio imediata e de um gozo sem limites que contraste a privao e o nada em que foram confinados. Quando de nossa visita a U-30, no complexo prisional erguido pelo governo de So Paulo para encarcer adGolescentes a partir dos 12 anos, encontramos um jovem que trazia tatuada em seu antebrao a seguinte pergunta: "Por que o medo se o futuro a morte?" A frase, por si s, simboliza essa situao dramtica de uma vida confinada ao presente e, portanto, desprovida de sentido.

preciso analisar como tudo isso pode se afirmar entre segmentos da adolescncia iniciando-se por perguntar o que a adolescncia. Muitas dos trabalhos clssicos ( Erik Erikson, Donald Winnicott, Arminda Aberasturay, Eduardo Kalina, Maurcio Knobel, por exemplo) e outros contemporneos destacam o fato de que a adolescncia se caracteriza por um "no lugar"; uma espcie de "entre dois". Afinal, o adolescente no uma criana, mas tampouco um adulto. Tal situao faz da adolescncia um espao equivalente quele conhecido pelos migrantes, fora de seu meio original e ainda no alojados no novo lugar. (2) Estudos antropolgicos como o de Margaret Mead ou de historiadores como Philippe Aris fazem crer que a adolescncia no constitui um fenmeno universal; mas uma circunstncia moderna, resultado de determinadas caractersticas culturais. Em muitas das sociedades antigas ou tradicionais, a entrada no mundo adulto era assegurada, simbolicamente, por um ritual de agem, o que poderia acontecer em idades muito distintas a depender das tradies. A idia de uma "moratria social" , um aprazamento necessrio para que o adolescente se prepare para o mundo adulto e tenham algo como um segundo crescimento, uma idia nova na histria mundial. A adolescncia consiste em uma G busca por um "lugar" (3) No caso, , tambm, um trabalho de luto, no somente pela infncia perdida (4), mas um "luto por uma certa forma de eficcia simblica comunitria destruda" (5) A adolescncia, segundo Carmem Oliveira (6) , por isso mesmo, uma operao psquica sem durao determinada que, na ausncia de ritos de agem, remete o jovem a uma indagao recorrente: o que o outro quer de mim? (7)

Ora, esse momento to particular de adolescer a a sofrer em nossa poca uma srie de agenciamentos que precisam ser identificados. De incio, parece evidente o quanto a publicidade atravs dos grandes meios de comunicao social a a produzir de apelos comerciais voltados exclusivamente ao chamado "pblico jovem" e o quanto isto promove uma determinada "identidade" aos prprios jovens. Eles existem, na exata medida em que consomem, visto que s a propriedade de produtos e marcas "jovens" lhes assegura visibilidade. Viver ir entre o que vive, diria Joo Cabral. E isto pressupe ser observado, ser visto, ser notado. Nossa existncia, por bvio, d-se pelo olhar do outro. Se ser visvel no mundo contemporneo pressupe a posse de determinados bens, sejam eles quais forem, ento o ato de consumir a a ser uma condio incontornvel da vida mesma, enquanto vida reconhecida. Essa situao define, tambm, em sua situao inversa, o que se desdobrar como experincia dramtica para aqueles que estejam alijados do consumo: eles simplesmente no existiro. O processo de excluso no se delimita apenas espacialmente a pGartir das fronteiras que separam o centro ou as reas privilegiadas de nossas cidades de suas periferias esquecidas. Ele se afirma, antes, pelas possibilidades e impossibilidades de consumo. Dessa forma, no momento da vida onde se espera que os jovens decidam-se e formem suas identidades - o aprazamento j referido - o que se observa que as expectativas geradas pelas sociedades de consumo lhes oferecem um padro de beleza e sade, um padro de diverses e prazeres, um padro de inteligncia e atrao sexual, todos diretamente vinculados ao consumo de produtos que so como que signos de sucesso, griffes de felicidade. O que oferecido simbolicamente a todos, no obstante, o mesmo que subtrado de milhes de jovens pobres, negros e semi-alfabetizados que habitam nossas periferias. Esses jovens transitam desequipados de todos os smbolos da incluso. No podem frequentar os espaos dos que esto "dentro"da sociedade, nem ostentar suas marcas. Logo, so invisveis e, concretamente, no existem.

difcil imaginar os sentimentos vivenciados por esses jovens. Reportagem da Revista Veja em 22/06/94, traz um testemunho de uma jovem de 15 anos, moradora de uma favela carioca: "A gente nunca compra roupa. Ou compra roupa ou comida. Os dois, no d. A gente ganha roupa usada. Nunca ganhei um tnis novo da minha me ou do meu pai. Tenho um sapatinho que ganhei de um bandido daqui que assaltou um caminho da C & A . Eu no gosto de usar roupas usadas. Preferia ter dinheiro para comprar. Eu queria ter um tnis da Redley e uma camiseta da Anonimato." Carentes de tudo aquiloG que a modernidade construiu como emancipao e alijados das prprias promessas de emancipao, a convivncia desses jovens marginalizados socialmente com aqueles que esto includos torna-se atravessada por uma tenso primordial. Afinal, por que mesmo alguns podem tudo e tm o garantido a tudo enquanto outros devem conformar-se com o nada? Uma pergunta assim - que jamais ser respondida pelos defensores da ordem - oferece a esses meninos e meninas apenas uma certeza: a certeza da injustia que os produz. No por acaso, os jovens privilegiados, integrantes das elites, so vistos com um misto de desdm e dio por muitos dos jovens de periferia. "Otrio", "playboy" , "gado" , so alguns dos nomes com os quais se os designam; desqualificaes pelas quais se tenta compensar uma distncia que se sabe insupervel. Inteis, condenados ao fracasso, ignorantes e ameaadores, os jovens excludos no conhecem o processo argumentativo e, para eles, a democracia apenas uma palavra tola. No h espao pblico onde se reconheam e, por decorrncia, no podem ser ouvidos. Se um entre eles resolve empregar o seu salrio na compra de uma roupa de griffe ou na aquisio de qualquer dos cones produzidos pelo capitalismo, no sero raras as oportunidades em que a Polcia os abordar sob a suspeita de terem roubado aquilo que compraram e, muitas vezes, os expropriar. Alis, esta face repressiva a nica demonstrao do Estado que conhecem. Entre eles, a noo de "autoridade" e mesmo o sentido da palavra "Lei" expressam to somente o rosto do inimigo. Por isso mesmo, eles reagem Gem um apelo mudo para afirmar sua existncia. A cidade os excluiu? Trata-se, ento de ocupar a cidade. No lhes do a palavra? Trata-se, ento, de registr-la nos muros e nas fachadas com grafitte. Lhes sonegam o dinheiro para que tenham o aos smbolos da juventude? Ora, o dinheiro se pode tomar. Mas o pior que, diante deles, a sociedade dos includos responde com um largo silncio. A atitude predominante dos que esto do lado de c, no mundo paradisaco do mercado, traduz apenas a indiferena, aquela que "constitui o partido mais ativo e, certamente, o mais poderoso" (8)

precisamente a partir dessa constatao que Glria Digenes nos oferece uma pergunta perturbadora: " No seria a violncia uma resposta sangrenta e espetaculosa indiferena a que so relegados os jovens da periferia?" (9)

Antes mesmo de esboar uma resposta, caberia chamar a ateno para um outro agenciamento sublinhado por Carmem Oliveira. Vivemos, atualmente, no Brasil, uma "onda jovem". O fenmeno denota o crescimento da populao juvenil a partir da metade da dcada de 90 e resulta do "baby boom" do incio dos anos 80. Assim, o maior segmento populacional dos anos 80 estava na faixa etria compreendida entre 0 - 4 anos. Em 1995, situou-se na faixa entre 10 - 14 anos e, consequentemente, em 1999 estava entre 15 - 19 anos. A taxa de fecundidade no Brasil comeou a cair a partir de 1983, notadamente devido s experincias de esterilizao em massa que atingiram as mulheres de comunidades pobres. Assim, h G 12 anos, o nmero de jovens era relativamente pequeno enquanto que, em 1995, o nmero de jovens entre 20 e 24 anos atingiu um contingente de 13 milhes de indivduos e o nmero de adolescentes entre 15 e 19 anos alcanava 15,7 milhes de pessoas. Somados, jovens e adolescentes eram j quase 19% da populao brasileira. Como resultado, entramos o novo milnio em um pico demogrfico no nmero de adolescentes e com a maior populao juvenil de nossa histria.

Se tivermos em mente as dimenses avassaladoras da crise econmica e social vivida nesse ltimo perodo no Brasil, os indicadores expressivos de desemprego aberto e a ausncia de alternativas que se oferece ao jovens da periferia, teremos uma mistura explosiva que s poderia implicar em mais violncia.

De qualquer forma, seria preciso denunciar o fato de que, ao se tratar do fenmeno da violncia juvenil, muitos dos analistas e, frequentemente, a maioria dos formadores de opinio ignorem as dimenses reais do problema e desconsiderem o fenmeno muito mais grave e dramtico da violncia praticada no Brasil por adultos contra as crianas e adolescentes. De fato, se desejssemos elencar prioridades para polticas pblicas que relacionassem a violncia e a juventude no Brasil, haveramos de partir do jovem e da criana enquanto vtimas e no como perpetradores.

As proposies que pretendem a reduo da idade penal nos oferecem a viso de uma viagem no tempo. em direo ao ado que elas nos orientam. Afinal, o sistema de criminalizaGo de adolescentes caracterizou a doutrina penal do sculo XIX com o Cdigo Criminal do Imprio que, promulgado em 1830, somente impedia a responsabilizao criminal dos menores de 14 anos. Pior do que isso, o primeiro Cdigo Penal da Repblica, editado em 1890, s no considerava criminosos "os menores de 9 anos completos" (!) ou aqueles que sendo maiores de 9 e menores de 14 houvessem agido sem discernimento. Nenhuma dessas experincias, aqui no Brasil ou em qualquer outro pas, foi capaz de afirmar um caminho para a reduo da violncia juvenil ou para a reinsero social dos infratores. Pelo contrrio. So muitos os estudos que associam o rigor penal industrializao da prpria violncia pelo efeito criminognico das chamadas instituies totais. No casualmente, a grande maioria das naes fixou a idade de imputabilidade aos 18 anos hoje so 55% . ( 0,5% delas mantm a idade de 14 anos; 8,0% a de 15 anos; 13% a de 16 anos; 19% a de 17 anos; 0,5% a de 19 anos e 4,0% a de 21 anos)

Os atos infracionais praticados por adolescentes no Brasil, alis, no alcanam 10% das crimes. Quanto violncia contra a pessoa, estatsticas do SOS Criana e da Secretaria Estadual da Famlia, da Criana e Bem Estar Social de So Paulo demonstram que, para mais de 5.000 homicdios ocorridos no municpio de So Paulo, no ano de 1996, no mais do que 275 foram praticados por adolescentes o que corresponde a, aproximadamente, 5,5% do total. Observando o perfil dos adolescentes em cumprimento de medidas scio-educativas em nosso pas, descobre-se que, em sua grande maioria, a infrao G cometida se traduz em crimes contra o patrimnio - cerca de 74%, sendo que, desse total, 50% so casos de furto. Os crimes praticados contra a vida representam 8,46% deste universo. (10) Segundo dados da prpria FEBEM de So Paulo, 91% dos internos no possuem o primeiro grau completo e, em todo o pas, apenas 3,9% dos adolescentes sob medida scio-educativa concluram o ensino fundamental.

Ora, pretender que o encaminhamento desses jovens em conflito com a lei aos presdios brasileiros possa construir alguma soluo para o problema da violncia juvenil , na melhor das hipteses, uma ingenuidade sem precedentes. Muitas vezes, no obstante, no h que se falar em ingenuidade, mas em demagogia mesmo, em seu estado puro. O discurso em favor do endurecimento penal procura estabelecer uma sintonia com as angstias disseminadas socialmente por conta da sensao de insegurana. Aqueles que sustentam, ento, um discurso reconhecido como "duro" contra o crime obtero, mais facilmente, os dividendos eleitorais que procuram. Concretamente, a eventual aprovao da reduo da idade penal s lograr aviltar ainda mais as condies de execuo penal no Brasil e nos oferecer o gosto amargo de uma nova impossibilidade: a de recuperar jovens infratores em convvio com presos adultos, em presdios ou em delegacias de polcia.

Notas:

(1) BRAGANA SOARES, Jud Jess. &Gquot;O Sistema socioeducativo no mbito do Estado do Rio de Janeiro: panorama atual e perspectivas". In: BRITO, Leila Maria Torraca (coord.) Resposabilidade. Rio de Janeiro; EDUERJ, 2000.

(2) RASSIAL, Jean-Jacques. "Da Delinquncia". In: O adolescente e o Psicanalista. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1999.

(3) RUFFINO, Rodolfo. "Sobre o lugar da adolescncia na teoria do sujeito". In: RAPPAPORT, Clara Regina. Adolescncia: abordagem psicanaltica. So Paulo: EPU, 1993.

(4) ABERASTURY, Arminda. "Adolescencia". In: ABERASTURY, Arminda (org). Adolescencia. Buenos Aires: Ediciones Kargieman, 1973.

(5) RUFFINO, Rodolfo. Ob.Cit

(6) OLIVEIRA, Carmem. "A adolescncia em Conflito com a Lei: cartografias da juventude brasileira" . Porto Alegre, 2001

(7) CALIGARIS, Contardo. Adolescncia. So Paulo: Publifolha, 2000.

(8) FORRESTER, Viviane. "O horror econmico". So Paulo: UNESP. 1G997.

(9) DIGENES, Glria. "Cartografias da Cultura e da Violncia: gangues, galeras e movimento hip hop" , So Paulo, Annablume, 1998.

(10) SPOSATO, Karyna. "S se educando" In: Textos Reunidos, Revista do ILANUD, n 12, So Paulo, 1998.

I - PAR :

Comeamos a IV Caranava Nacional de Direitos Humanos em Belm, capital do Par. Nessa cidade esto localizadas todas as unidades (em nmero de quatro) de internao existentes no estado. Essa circunstncia - a concentrao de unidades de internao na capital , j evidencia um problema estrutural bastante grave uma vez que adolescentes do interior do Par que recebam medidas de privao de liberdade devem ser encaminhados a Belm. Na maioria dos casos, isso implicar na ausncia de visitaes por parte de seus familiares, invariavelmente pobres e impossibilitados de arcar com os custos do deslocamento. Assim, muitos dos adolescentes internados no estaro apenas privados de sua liberdade, estaro, tambm, ss.

A Comitiva local que reuniu-se Caravana, formada pelos Deputados Federais Marcos Rolim (PT) e Cabo Jlio (PL) foi composta pelas Deputadas Estaduais Araceli Lemos (PT), Sandra Bastista (PCdoB) e Tet (PSDB), mais o Deputado Estadual Mrio Cardoso (PT); as vereadoras Suely Oliveira (PT) e Regina Barata (PCdoB), o vereador Paulo Fontelles (PCdoB); a assessora da Secretaria de Segurana Pblica do Par, Helosa; o Promotor Roberto Souza e o representante da OAB, Jos Carlos Castro, mais os jornalistas Beatriz Magno e Jos Varella (Correio Braziliense); Nicolau Farah e Carlos Eduardo (Jornal do Brasil). O presidente da FUNCAP, Haroldo Teixeira, nos acompanhou nas visitas s unidades.

1) CIAM - Ociosidade e modelo prisional

Ficha tcnica:

Centro de Internao para Adolescentes Masculino (CIAM)

Clientela - Adolescentes com internao provisria

Diretor - Domingos Campelo

Fone - 091 - 255G3800

Capacidade - 40 vagas

Lotao - 35 internos

Analfabetos - 11

Atividades - poucas

Educao - inexistente

Assistncia Jurdica - inexistente

Assistncia mdica - precria

Assistncia social - precria

Assistncia Psicolgica - precria

Sexualidade - interditada

Alojamentos - celas

Celas de isolamento - sim

Denncias de maus tratos - sim

Denncias de tortura - no

A primeira unidade visitada foi o Centro de Internao de Adolescentes Masculino (CIAM). Trata-se de uma casa com capacidade para 40 internos, dividida em 3 galerias com celas - onde esto os internos, mais uma rea istrativa e um ptio interno no formato de quadra para futebol de salo. Cada uma das galerias possui 8 celas onde ficam, em mdia, 2 internos. A instituio procura garantir a separao, nessas galerias, de adolescentes por idade e perfil infracional o que uma medida correta, em conformidade com o que dispe o Estatuto. Entre a rea istrativa e as galerias, h um espao intermedirio como um salo onde os internos podem ter o a alguns jogos (domin, pimbolim) e onde estavam, em sua maioria, quando chegamos.

A unidade caracteriza, nitidamente, uma priso para adolescentes em contraste flagrante com o preconizado pela Lei 8069/90, o Estaduto da Criana e do Adolescente. (ECA) As celas so minsculas e ftidas e os adolescentes permanecem grande parte do dia trancados. As celas no possuem banheiro, nem pia ou gua. Para que tenham o ao banheiro ou para que possam beber gua, preciso que chamem os monitores, que gritem ou que batam insistentemente nas grades. Os internos no possuem escovas de dente ou pasta.

Entre as queixas G que ouvimos dos meninos - em contatos reservados que mantivemos - podemos destacar:

1. Maus tratos - vrios internos relataram que alguns dos monitores os humilham frequentemente e so agressivos distribuindo ameaas. Um dos internos relatou ter apanhado aps ter tentado uma fuga; acrescentou, tambm, que permaneceu dois dias algemado em sua cela. Vrios internos relataram que, frequentemente e por motivos fteis, so encaminhados s celas de conteno e l permanecem por muitos dias. As punies so efetivadas segundo a discricionariedade e o "humor" dos monitores; so arbitrrias no obedecendo o disposto pela Lei.

2. Ociosidade - Os internos, rigorosamente, no tm o que fazer. Nos poucos perodos em que esto fora das celas, permanecem em total ociosidade. A quadra de esportes sub utilizada e o o dos jovens a ela d-se por um perodo muito curto. No h qualquer atividade scio-educativa.

3. Precariedade na ateno sade - Vrios dos meninos apresentam problemas de sade que so, simplesmente, ignorados. Pode-se afirmar que a maioria deles sofre com as doenas de pele - promovidas pelas prprias condies de encarceramento e pela rara exposio ao sol. Um dos jovens - R.S., 16 anos - relatou a necessidade de interveno cirrgica no estmago, j indicada h muito tempo. H 28 dias, ele aguardava por algum encaminhamento no CIAM sem jamais ter sido examinado por um mdico.

Foi possvel perceber que a unidade havia sido limpa antes de nossa visita. A notcia de nossa inspeo vazou e era do domnio das autoridades locais. No CIAM, os prprios internos foram convocados a limpar toda a instituio; providncia que, alm de pretender uma "maquiagem" do local, contraria frontalmente o disposto pelo ECA e, tambm, o contedo da portaria do Ministrio do Trabalho de nmero 06 de 18/02/2000 que dispe sobre as atividades perigosas ou insalubres vedadas aos adolescentes.

Ao que tudo indica, a alimentao oferecida aos internos de baixa qualidade. Muitos dos meninos reclamaram que a comida "muita farinha e pouca carne." Por motivos "de segurana" os familiares dos internos no podem enviar gneros alimentcios. A restrio desnecessria e pouco inteligente e s assegura maiores dificuldades para afirmao e desenvolvimento de uma relao afetiva dos internos com seus familiares.

Nessa mesma orientao restritiva, os familiares dos internos so submetidos ao procedimento vexatrio, humilhante e ilegal das revistas com desnudamento realizadas, no caso do Par, por policiais militares. No caso, como costuma ocorrer no sistema prisional, as unidades no dispem de detectores de metais. Na ausncia desse instrumento elementar de segurana - pela omisso e incompetncia do Estado - adota-se o procedimento padro do desnudamento, seguido por flexes e "arregao"da vagina e nus. Como no se trata deG procedimento universal - funcionrios, autoridades, advogados, fornecedores, etc. no so submetidos revista - no h como se esperar dele qualquer segurana efetiva. A nica certeza nesse tipo de revista a de que centenas de pessoas pobres e humildes sero, sistematicamente, humilhadas. Como se no bastasse, as visitas possuem uma durao de, no mximo, duas horas por semana. Por que to pouco tempo? No seria desejvel e estimulante que familiares pudessem ar mais tempo junto aos internos?

Dois dos internos so pais. A grande maioria dos adolescentes do CIAM possua vida sexual ativa antes da internao. Alguns, seguramente, construram relaes estveis com suas companheiras. Nenhum deles possui, no entanto, o direito a "visitas ntimas". Os motivos alegados para essa interdio sem base legal so os mais variados e, comumente, expressam hipocrisia. Primeiro, parte-se do pressuposto de que a menoridade seja incompatvel com a liberdade sexual; posio que parece denotar, sim, incompatibilidade com os hbitos e prticas sexuais amplamente aceitos pelas sociedades ocidentais contemporneas, notadamente o Brasil. Segundo, sustenta-se a impossibilidade de realizao das visitas ntimas por conta das deficincias de infra-estrutura das prprias unidades. Ora, nas unidades prisionais - reservadas aos adultos - tambm no h, em regra, qualquer infra-estrutura que viabilize as visitas ntimas. No entanto, elas ocorrem normalmente. De outro lado, se h deficincias, porque elas nunca so enfrentadas para que se viabilize o relacionamento sexual? Inmeras G reformas so realizadas em unidades de internao de adolescentes em conflito com a lei. Normalmente, elas so feitas para restringir ainda mais os direitos dos internos. Por que no reformas a favor dos internos?

  1. EREC - Recomeo do Cdigo de Menores

Ficha Tcnica:

Centro de Internao Espao Recomeo - (EREC)

Clientela - Adolescentes com medida de privao de liberdade

Diretor - Raimundo Monteiro Gonalves

Fone - 091- 2554235

Capacidade - 40 vagas

Lotao - 49 internos

Analfabetos - 09

Atividades - poucas

GEducao - precria

Assistncia Jurdica - inexistente

Assistncia Mdica - precria

Assistncia social - precria

Assistncia psicolgica - razovel

Sexualidade - interditada

Alojamentos - celas

Celas de isolamento - Sim

Denncias de maus tratos - Sim

Denncias de tortura - No

"Espao Recomeo" poderia indicar, pelo nome, uma possibilidade nova oferecida aos internos. Pelo ttulo da unidade de internao, poder-se-a imaginar um projeto capaz de oferecer aos adolescentes em privao de liberdade uma "vida nova", G cheia de promessas generosas. O que se descobre, no obstante, a existncia de uma priso comum com um prdio em forma de "L" onde esto 13 celas, cada uma delas com dois beliches de concreto. Em um outro ponto, longe de todos e de tudo h uma espcie de "cofre" onde se construiu um isolamento escuro, mido e nojento. Alm dessa estrutura medieval, h duas outras celas chamadas "de conteno" que ficam juntas rea istrativa, visveis logo entrada. Quem visita essa instituio estaria autorizado a imaginar que ela deveria ser, possivelmente, mais uma parte da herana do antigo Cdigo de Menores, tempo em que aprisionar adolescentes era prtica com sustentao legal no Brasil Ocorre que o EREC foi inaugurado em novembro de 1998, oito anos aps, portanto, a vigncia do Estatuto da Criana e do Adolescente. As autoridades governamentais responsveis pela obra deveriam ser responsabilizadas por terem tido o desplante de erguer um prdio que constitui, ele prprio, uma afronta Lei e aos Direitos Humanos.

No EREC, por conta do projeto arquitetnico, sequer a providncia assegurada no CIAM de separao dos internos em alas por idade, compleio fsica e perfil infracional possvel, pelo que se viola o disposto no artigo 123 do Eca.

O perfil infracional presente na Unidade envolve, aproximadamente, 50% de casos de crimes contra o patrimnio, 20% de homicdios, 20% por descumprimento de medida anterior, 5% de atentado violento ao pudor e 5% de outras ocorrncias.

Havia, pelo menos, dois internos com problemas de sade mental que no poderiam estar ali, mas em local adequado para tratamento como dispe o ECA.

Pelo menos 6 dos jovens internos so pais. Tambm aqui, a sexualidade de todos os adolescentes interditada na sucesso de "sentenas" extra-judiciais que caracterizam as chamadas "instituies totais" e com as quais parecem ter se habituado os operadores do sistema.

H denncias dos internos de maus tratos e prticas de agresses fsicas por parte de alguns monitores e Policiais Militares. Levantamento realizado pelo Centro de Defesa da Criana e do Adolescente (CEDECA-EMAS) de Belm - ONG que realiza um respeitvel trabalho de monitoramento da execuo de medidas scio educativas no Par - em dezembro de 2000, assinalou que 27,7% dos internos no EREC relataram casos de agresso fsica na unidade. A prtica parece ser estimulada objetivamente por fatos como aqueles que sucederam o motim de setembro de 2000 quando internos foram encaminhados ao Ministrio Pblico para que respondessem por danos ao patrimnio, mas nenhum deles - em que pese as denncias que faziam de espancamentos - foi encaminhado a exame de leses. (denncia constante do relatrio do CEDECA). Recebemos denncia de que, em certas circunstncias, os monitores retiram o colcho de internos como forma de puni-los.

Os jovens reclamam da qualidadGe da comida e, fundamentalmente, da pouca quantidade que lhes oferecida. Muitos afirmaram que sentem fome. A situao da sade dos internos preocupante. Muitos possuem doenas de pele; outros tantos sofrem com problemas dentrios. Pelo menos 15 internos recebem medicao psicotrpica; todos, segundo nos asseguraram os dirigentes da unidade, mediante prescrio de mdico psiquiatra.

Aqui, como no CIAM, o que mais evidencia uma sistemtica de violao aos direitos dos jovens o encarceramento. A prtica de encaminhar internos para a "conteno" ou para o "cofre" est absolutamente institucionalizada e pode se prolongar por muitos dias. E. A . R. , por exemplo, afirmava estar em cela de conteno j h 36 dias. C. C. S. contava 30 dias no isolamento e, assim, sucessivamente. No "cofre" encontramos dois meninos que afirmaram estar ali h cinco dias, sem uma sada sequer para banho de sol.

Os monitores - que o sistema paraense chama de "Educadores" - so servidores temporrios, mal recrutados, mal formados e mal pagos. Recebem uma "capacitao" com uma espcie de curso com a durao de um dia (sic) e recebem pouco mais de 300 reais por ms. O problema dos "temporrios" no s das unidades de atendimento aos adolescentes, mas do servio pblico do Par. Ao total, o Estado dispe de cerca de 40 mil servidores pblicos regulares aos quais a pilantragem poltica local fez acrescer 60 mil servidores "temporrios". Pode-se imaginar o queG significa essa prtica - pela qual se contorna o mandamento constitucional de concurso pblico como forma de o ao servio pblico - para o desenvolvimento do clientelismo. Muitos dos tcnicos do EREC tambm so servidores "temporrios". Quanto aos monitores - 31 ao todo - chama a ateno o fato de que 30 deles sejam homens. Possivelmente, entre os critrios de seleo h a supervalorizao da fora fsica ou capacidade de "enfrentamento" com os internos.

Tambm aqui os familiares so humilhados quando da revista realizada por policiais militares. Tambm aqui a durao das visitas muito pequena, sendo reduzida para 15 minutos para os adolescentes em cela de "conteno".

O Espao Recomeo, por todas essas limitaes e a despeito dos esforos que muitos dos tcnicos e es tm realizado s "recomea" o perfil de atendimento consagrado pelo antigo Cdigo de Menores.

  1. CESEM - outro modelo, outra realidade

Ficha Tcnica:

Centro Scio Educativo Masculino (CESEM)

Clientela - Adolescentes com medida de privao de liberdade

Diretora - ngela Pompeu

Fone - 91 - 248 1385

Capacidade - 24 vagas

Lotao - 17 internos

Analfabetos - 6

Atividades - poucas

Educao - razovel

Assistncia Jurdica - inexistente

Assistncia Mdica - precria

Assistncia Social - razovel

Assistncia Psicolgica - razovel

Sexualidade - interditada

Alojamentos - quartos

Celas de isolamento - No

Denncia de maus tratos - No

Denncias de tortura - No

Em 05 de fevereiro de 1996 houve uma grande rebelio no CIAM. Na poca, ele era a nica instituio do estado para internao de adolescentes com medidas de privao de liberdade. Por conta da rebelio, 23 meninos foram transferidos para uma rea que estava ociosa na periferia de Belm. O local lembra uma pequena chcara, com uma casa e muitas rvores. Ali, um grupo de tcnicos ou a implementar aes de carter scio-educativo e algumas adaptaes foram realizadas. Assim, o que deveria ser uma soluo provisria tornava-se permanente; estava surgindo o CESEM.

No CESEM, encontramos o melhor trabalho oferecido pelo estado do Par a adolescentes privados de liberdade. A realidade aqui, especialmente quando contrastada com as duas instituies que havamos visitado no dia anterior (CIAM e EREC), muito diversa.

Em primeiro lugar, no h celas no local. Os internos dispe de quartos como alojamentos. Em cada um dos quartos h camas de vGerdade, roupa de cama, etc. H, tambm, uma pequena cmoda onde os jovens guardam seus pertences e roupas. O local cercado por um muro no muito alto e dispe de uma boa rea para a prtica de atividades desportivas. Os internos acompanham, na condio de ouvintes, aulas regulares em trs escolas da comunidade. Saem em companhia de um monitor para essa atividade e retornam. H cada 15 dias, recebem autorizao para ar o domingo em casa, com a famlia. Os familiares, quando em visita, no so revistados.

O CESEM dispe de um quadro de 22 monitores e 4 tcnicos (2 assistentes sociais, 1 pedagogo e 1 psiclogo). Atividades na rea de computao e artesanato so oferecidas. Nas conversas que mantivemos com vrios dos internos no foram registradas queixas com relao violncia ou maus tratos por parte de funcionrios.

O trabalho que vem sendo desenvolvido nessa unidade merece, sem dvida, um registro positivo. O que no significa que problemas importantes no meream a ateno das autoridades locais. Primeiramente, nos chamou a ateno o fato de que a instituio convive com margens muito significativas de ociosidade dos internos. Sobre os cursos, pode-se afirmar que ou no so oferecidos a todos, ou no despertam o interesse de todos. A situao verificada do emprego sistemtico dos adolescentes em tarefas obrigatrias de limpeza - alm daquelas esperadas para os prprios quartos - caracterizam ao de efeito pedaggico G nulo e podem revelar um tratamento instrumental dos jovens. Tambm aqui, a sexualidade dos internos est interditada. Outro tema que nos parece central para um exame do sistema montado no Par quanto ao cumprimento de medidas scio-educativas aquele que d conta dos critrios pelos quais um adolescente encaminhado ao CESEM. Como regra, chegam nessa instituio meninos vindos do complexo CIAM-EREC. Pelo que foi possvel perceber, a transferncia para o CESEM vista como uma espcie de "prmio" ao qual s concorrem os internos "bem comportados" das unidades j mencionadas. Ora, o critrio de "bom comportamento" diante de unidades como o CIAM ou o CEREC , no mnimo, discutvel tendo em vista as caractersticas prisionais l vigentes. Pretender que um adolescente encarcerado naquelas unidades demonstre "adaptao" ou "conformidade" com a prpria instituio parece ser, exatamente, o oposto de uma conduta saudvel. Seria preciso, pelo menos, investigar at que ponto os critrios de "bom comportamento"no esto a valorizar, precisamente, a sujeio e a docilidade que as instituies totais no se cansam de procurar produzir.

Seja como for, a experincia do CESEM constitui uma referncia importante que demonstra o quanto se pode avanar quanto mais nos aproximamos do esprito do ECA.

4. Centro de Internao Feminino - CIAF

Ficha Tcnica:

Clientela - meninas com medida de privao de liberdade

Diretora - Vera Lcia Nascimento

Fone - 273.2594

Capacidade - 20

Lotao - 3

Analfabetos - 1

Atividades - poucas

Educao - precria

Assistncia Jurdica - precria

Assistncia Mdica - precria

Assistncia Social - S/A *

Assistncia Psicolgica - precria

Sexualidade - interditada

Alojamento - celas

Celas de isolamentoG - sim

Denncias de maus tratos - no

Denncias de tortura - no

* Sem Avaliao

O CIAF uma pequena unidade para meninas com medida de privao de liberdade, provisria ou no. Quando de nossa visita, havia apenas 3 jovens internas. Uma delas, cumpria internao provisria j h mais de 40 dias por conta de um furto. O caso dessa jovem interessante e simboliza a aplicao de uma medida abusiva. A menina moradora de rua em Belm e, desde muito cedo, sobrevive graas a pequenos furtos. Foi flagrada quando furtava um cordo de mixelim de uma senhora. No momento mesmo de sua deteno pela polcia, devolveu vtima o cordo objeto do furto. O caso, por bvio, deveria ser tratado a partir de outra medida que no a privao da liberdade, nos termos do ECA.

A Unidade relativamente tranquila e limpa. Em conversa com a direo e funcionrios, percebeu-se, entretanto, um grande receio de que a unidade pudesse ser visada por uma ao externa de resgate ou execuo de uma das meninas. Em 1998, o CIAF viveu a experincia do resgate de duas internas. Nos dias que antecederam a nossa visita, a instituio havia recebido telefonemas ameaadores o que preocupava a todos. As condies de segurana da unidade so praticamente nulas.

H uma grande ociosidade das G internas e a educao que lhes oferecida bastante precria. Chama a ateno que se aplique, tambm aqui, a medida de isolamento em cela de conteno - pelo prazo limite de 15 dias - quando da entrada na casa. Trata-se de uma nova sentena, desta vez extra-judicial, que agrava aquela j proferida pela autoridade judiciria. Segundo o diretor da unidade, a medida de conteno tem por objetivo "avaliar" o perfil da novata. A medida, no obstante, nos parece absolutamente contraproducente e desnecessria, alm de ilegal. Um bom profissional de psicologia pode em uma entrevista rigorosa desvendar completamente o "perfil" da interna oferecendo aos tcnicos e direo todas as recomendaes e cuidados necessrios para a aplicao individualizada de medida de natureza scio-educativa. O isolamento forado e arbitrrio pode estimular reaes de contrariedade e agressividade ou, por outro lado, induzir a quadros depressivos.

Chamou nossa ateno, tambm, na escuta das internas, a descrio detalhada de experincias dramticas vividas por duas delas durante o perodo de deteno em delegacias de polcia. Os dois casos do conta de ocorrncias de assdio sexual pelas quais policiais inescrupulosos prometeram a liberao das meninas caso elas concordassem em prestar-lhes favores sexuais. Esses dois casos em um universo de trs meninas pode indicar a presena bastante frequente de comportamentos similares por parte de policiais quando da tutela de adolescentes em conflito com a lei no Par, o que mereceria uma ateno especial das autoridades coGnstitudas.

Ao que tudo indica, as algemas tm sido usadas normalmente quando do transporte e deslocamento de adolescentes infratores no Par, inclusive no caso das meninas.

II - SERGIPE:

Em Sergipe, a caravana foi constituda pelos Deputados Federais Marcos Rolim (PT/RS), Alberto Fraga (PMDB/DF) e Tnia Soares (PCdoB/SE); por Marilda Campolino, asessora da CDH; pelo Dr.Valdir Nascimento, Procurador Regional da Repblica; pela Dra. Euza Maria Missano, Promotora da Infncia e da Juventude; pelo Ouvidor Geral do Municpio de Aracaj, Dr. Wellington Mangueira; pela Secretria Municipal de Assistncia Social, Dra. Maria da Conceio; pelo representante da Pastoral Carcerria, Vereador Magal; pelo representante do Conselho Tutelar, Robson Ancelmo e pelos jornalistas Beatriz Magno e Jos Varella (Correio Braziliense), Nicolau Farah e Carlos Eduardo (Jornal do Brasil).

Em Sergipe, quem coordena o setor de execuo de medidas scio educativas a Fundao Renascer. As unidades de internao para medidas de privao de liberdade so apenas duas em todo o estado, ambas localizadas em Aracaj: o Centro de Reeducao Feminina e o Centro de Atendimento ao Menor- Masculino (CENAM). No h, portanto, como j se havia anotado quanto ao Par, o atendimento regionalizado previsto pelo Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA).

5. Centro de Reeducao Feminina - quando a direo expressa a bondade

Ficha Tcnica:

Clientela - Meninas em privao de liberdade

Diretora - Iracema Fontes

Fone - 259.1131 (79)

Capacidade - 20 vagas

Lotao - 07

Analfabetos - 1

Atividades - Poucas

Educao - inexistente

Ass. Jurdica - precria

Ass. Mdica - S/A

Ass. Social - S/A

Ass. Psicolgica - S/A

Sexualidade - interditada

Alojamentos - quartos

Celas de isolamento - sim

Dencias de maus tratos - No

Denncias de tortura - No

A Casa de Reeducao Feminina de Aracaj oferece um atendimento bastante razovel. No h superlotao e as internas dispe de alojamentos que se aproximam bastante de quartos coletivos. No se identificou, ali, o mesmo modelo prisional da maioria das unidades visitadas. As internas , em nmero de 7, conversaram conosco em uma sala separada, sem a presena de qualquer pessoa ligada instituio. Nos relataram seu cotidiano, suas apreeenses e expectativas. No houve o registro de qualquer queixa envolvendo casos de violncia na Unidade. Algumas, que j estavam internadas h mais tempo, relataram que, no ado, era frequente o emprego de punies fsicas na instituio, notadamente o "bolo", palavra com a qual denotam o emprego de palmatria. Ao lado da instituio, funciona a Academia da Polcia Militar de Sergipe. Enquanto conversvamos com as internas, havia uma intensa atividade de treinamento dos policiais em aula de tiro o que, por vezes, impedia que a conversa prosseguisse normalmente. Segundo nos ralataram, os exerccios so dirios pelo que as internas so obrigadas a conviver com os estampidos. Por bvio, a justaposio de uma unidade de internao de adolescentes com uma Academia de Polcia gera razes para constrangimentos e deveria ser repensada.

O maior problema vivido pelas internas a ociosidade. Quando de nossa visita, as atividades que lhes eram oferecidas consistiam, basicamente, no trabalho com bordados e em eios eventuais propiciados pela diretora da unidade. H cinco meses as adolescentes estavam sem aulas. Essa informao, logo confirmada pela prpria direo, causou perplexidade Caravana mesmo porque, quando de nossa entrada, a Juza da Infncia e da Adolescncia, Dra. Mary Nadja Freire de Almeida Seabra, havia nos afirmado que todos os adolescentes ali internados recebiam aulas regulares com professores da rede estadual.

Outro ponto que nos chamou a ateno a longa permanncia das adolescentes na instituio. Uma das meninas j se encontrava privada da sua liberdade h 3 anos e dois meses o que viola flagrantemente o disposto pelo ECA. As demais internas estavam, todas, h mais de um ano. Chamou a ateno da Caravana o fato de a Defensora Pblica, Dra. Maria do Carmo, que acompanhava a visita, ter se colocado, to logo a questo foi suscitada pelo Deputado Marcos Rolim, a defender a legalidade da internao superior a 3 anos. Pelo que pudemos ouvir depois, quando da visita unidade masculina, a referida "defensora" constituiu para os adolescentes a identidade simblica de uma defensora da instituio e no dos internos.

O trabalho de bordado que as meninas realizam vendido para o pblico externo, levado a exposies, etc. O apurado com as vendas reverte para a instituio. Segundo foi possvel saber ouvindo as internas, a G diretora da unidade cuida de atender, com esses recursos, os pedidos das meninas para aquisio de roupas ntimas, produtos de higiene ou itens necessrios ao embelezamento. Seria, de qualquer forma, muito mais conveniente que as internas recebessem diretamente os recursos obtidos com a venda de produtos que, afinal, so o resultado do seu trabalho. O recebimento pelo trabalho realizado e a possibilidade de dispor dos recursos , de acordo com a escala de prioridades e necessidades de cada interna - o que envolve, por exemplo, a chance de auxiliar os familiares - constitui estmulo para a ampliao das atividades e desenvolve a autonomia e o senso de responsabilidade. Esse princpio no contraditrio com uma normativa que destacasse um pequeno percentual do arrecadado para que houvesse a manuteno e a ampliao das prprias atividades por parte da instituio.

Independente das limitaes estruturais da unidade, percebe-se que elas vo se tornando veis pelo tipo de relao direta e de confiana construda pela diretora com as meninas. Quando a direo de uma instituio do tipo constri uma relao individualizada com os que esto sob a sua guarda e quando essa relao fundamenta-se em um determinado investimento afetivo, temos uma expresso de bondade que termina por condicionar positivamente todas as demais relaes internas. o que nos pareceu existir no Centro de Reeducao Feminina.

6. CENAM - quando a direo expressa a maldade

Ficha Tcnica:

Clientela - Adolescentes privados de liberdade

Diretora - Enidete Cunha

Fone - 259.2320 (79)

Capacidade - 60 vagas

Lotao - 48

Analfabetos - S/A

Atividades - nenhuma

Educao - inexistente

Ass. Jurdica - precria

Ass. Mdica - precria

Ass. Social - precria

Ass. Psicolgica - precria

Sexualidade - interditada

Alojamentos - celas

Celas de isolamento - sim

Denncias de maus tratos - sim

Denncias de tortura - sim

O CENAN de Aracaj uma das piores instituies para adolescentes infratores do pas. Quando de nossa visita, havia 60 jovens na unidade formada por duas galerias que fazem lembrar as condies tipicamente prisionais. Quando entramos na galeria e comeamos a falar com os internos - sem a presena de qualquer pessoa vinculada instituio - foi praticamente impossvel anotar tudo o que aqueles jovens pretendiam expressar. As denncias e as queixas se sucediam de uma maneira impressionante. Alguns afirmavam que tinha sido Deus que nos enviara ali; que, finalmente, algum estava disposto a saber a situao real que enfrentavam, etc. Todos os internos am todo o tempo presos em celas imundas, escuras e fedorentas. O o ao ptio interno franqueado, em mdia, duas vezes por semana. Em cada cela esto, em mdia, 5 jovens. As celas no possuem abertura suficiente para a aerao e a iluminao; no possuem lmpadas, tambm. Ao fundo, h uma privada "turca" onde os meninos so obrigados a realizar as suas necessidades a vista de todos uma vez que, na ltima reforma da unidade, algum imbecil tomou a deciso de derrubar a proteo de alvenaria que garantia um mnimo de privacidade aos que utilizassem o sanitrio. Tambm por fora de uma reforma, abriu-se na grade de o s celas um pequeno retngulo rente ao cho por onde as refeies dos meninos so Gservidas. A comida, a propsito, de pssima qualidade.

Muitos dos jovens ali presos esto doentes. Alguns, comprovadamente, com doenas venreas. No recebem, entretanto, qualquer tratamento mdico digno desse nome. Vrios dos meninos reclamaram que os cales que recebem como "uniforme", de volta da lavanderia, so distribudos ao acaso o que faz com que muitos temam por se contaminar com doenas. Os jovens no possuem cuecas ou outro vesturio porque uma das tantas normas arbitrrias da casa impede que os familiares enviem qualquer pea de roupa.

Muitos dos internos relataram terem apanhado dos monitores e ofereceram uma lista com os nomes daqueles que espancam. Disseram que uma das formas de punio que recebem por qualquer motivo consiste em permanecer algemado de p, em uma grade externa, nos fundos do prdio, por at 24h. Um dos meninos relatou ter ficado nesse lugar, algemado, das 6 horas da manh de um dia at s 6 horas da manh do outro dia. Durante esses perodos de algema, os punidos no recebem comida ou gua e, pela posio em que esto imobilizados, so obrigados a defecar e urinar sobre o prprio corpo. Outro dos internos, relatou que em sua experincia de "algema" um dos monitores derrubou gua com aucar sobre o seu corpo dizendo que, dessa forma, noite, os insetos teriam mais prazer em visit-lo. Os internos indicaram o lugar onde seriam frequentemente algemados. Nos dirigimos at o local e percebemos que a tinta da grade onde seriam algemados estava desgastada. Os internos nos indicaram a sala e o armrioG onde a direo guardava as algemas. Fomos at o local, solicitamos que o armrio fosse aberto e encontramos cerca de 15 pares de algemas. Segundo o relato unnime dos jovens, a diretora da unidade comanda pessoalmente as sesses de espancamento selecionando aqueles que "merecem apanhar". Quando os internos reclamam de algum procedimento, a diretora e os monitores afirmam que tudo aquilo que eles esto fazendo por conta do que manda o Estatuto da Criana e do Adolescente.

Os "monitores" em Sergipe so, na verdade, funcionrios terceirizados. O detalhe que a empresa contratada pelo governo do estado uma empresa de detetizao. fantstico! O governo de Sergipe busca em uma empresa de limpeza a "mo de obra" para a tutela de adolescentes privados de liberdade. Natural que obtenha como resultado um conjunto de prticas que identificam os prprios jovens com o lixo. Estamos, por bvio, diante de uma caracterstica nica no pas que no seria imaginada sequer pelo gnio criativo de um Gabriel Garcia Marquez.

Vrios dos internos so pais. No possuem o direito, entretanto, de receber a visita dos seus filhos pequenos. Em algumas oportunidades, podem faz-lo no juizado, condio restritiva desnecessria e produtora de sofrimento psquico. Os familiares dos adolescentes presos so humilhados frequentemente. No apenas quando das revistas com desnudamento a que so submetidos de forma ilegal e arbitrria, mas no contato com a direo da unidade e com alguns dos tcnicos que ali trabalham. Chamou nossa atenGo, tambm, a prtica corriqueira de encaminhar internos s celas "de conteno" - eufemismo usado para isolamento. Pelo que pudemos verificar, a grande maioria dos internos j havia sido "contido". Durante a nossa visita, encontramos jovens que estavam no isolamento h mais de dois meses (!) Ora, o conjunto dessas caractersticas configura um quadro de maldade absolutamente inaceitvel que deveria envergonhar a todos. Muitas dessas caractersticas no so encontradas mais sequer no sistema prisional brasileiro - sabidamente um dos piores do mundo.

Ao final de nossa visita Unidade, nos dirigimos sala da Juza da Infncia e da Adolescncia, Dra. Mary Nadja Freire de Almeida Seabra. Participaram dessa conversa os Deputados Marcos Rolim, Alberto Fraga e Tnia Soares mais a Promotora de Justia, Dra. Euza Maria Missano. Os Deputados relataram, ento, o que haviam ouvido dos internos expondo detalhadamente cada uma das denncias. Encaminharam tambm dignssima magistrada uma relao de nomes de funcionrios que teriam por hbito espancar os internos. Diante do relato que fizemos, a Dra. Mary Nadja Freire de Almeida Seabra manifestou seu espanto e indignao. Nos disse, aparentando estar horrorizada, que estava perplexa com a situao que se apresentava; que jamais poderia imaginar que a situao pudesse ser aquela e que estava tendo uma enorme decepo com a direo da Unidade em quem havia confiado. De pronto, assumiu com os presentes o compromisso de investigar cada uma das denncias e tomar providncias rigorosas para que os adolescentes fossem respeGitados. Embora nos parecesse no mnimo estranho que a magistrada - cujo gabinete de trabalho situa-se entre as duas unidades visitadas - no soubesse sequer que tanto as meninas quanto os meninos estavam sem aula h 5 meses; todos ns nos retiramos de sua sala confiantes em sua determinao e boa vontade. Os internos da ala masculina nos haviam afirmado que a dignssima magistrada jamais havia entrado no interior da galeria onde esto as celas em que foram depositados. Quando relatamos a ela essa queixa, sua reao pronta e firme foi a de desmentir os internos. Segundo nos afirmou, ela j havia estado "muitas vezes" no interior das galerias. Estranhamos, ento, mais uma vez, quando a dignssima magistrada manifestou surpresa diante da informao de que os vasos sanitrios usados pelos internos no interior de suas celas no possuam qualquer proteo o que obrigava os adolescentes a defecar em frente aos demais. Ora, se a dignssima magistrada tinha por hbito visitar a galeria onde os adolescentes esto depositados como foi possvel que no tivesse observado a derrubada do muro que, anteriormente, oferecia aos sanitrios um espao mnimo de privacidade? Se a dignssima magistrada conhece pormenorizadamente a situao dos internos e os visita nos locais onde foram depositados, como no sabia da existncia de celas escuras e sem ventilao cuja existncia contraria no apenas a legislao brasileira mas as Regras Mnimas da ONU?

III - MINAS GERAIS

A Caravana em Minas Gerais contou com a presena dos Deputados Federais Marcos Rolim (PT/RS) ,G Cabo Jlio (PL/MG) e Alberto Fraga (PMDB/DF), de Marilda Campolino da CDH e dos jornalistas Beatriz Magno e Jos Varella (Correio Braziliense), Nicolau Farah e Carlos Eduardo (Jornal do Brasil). Visitamos duas unidades de internao e a carceragem da Delegacia especializada, todos em Belo Horizonte.

7. Centro de Internao Provisria - CEIP, outro presdio

Ficha Tcnica:

Clientela - adolescentes em internao provisria

Diretor - Mrio de Lima Correia Jnior

Fone - 34815145 / 34811607

Capacidade - 64

Lotao - 45

Analfabetos - S/A

Atividades - poucas

Educao - inexistente

Ass. Jurdica - precria

Ass. Mdica - precria

Ass. Social - boa

Ass. Psicolgica - precria

Sexualidade - interditada

Alojamentos - celas

Celas de isolamento - sim

Denncias de mais tratos - no

Denncias de tortura - no

O CEIP funciona em um prdio novo, inaugurado h cerca de um ano. Suas caractersticas, no obstante, so tipicamente prisionais. lamentvel que o Poder Pblico em Minas Gerais tenha produzido uma obra desse porte e reproduzido, em plena vigncia do ECA, as condies de carceragem que encontramos, frequentemente, nos presdios de adultos. H uma nica galeria com as celas onde ficam, em mdia, 3 adolescentes. Ao fundo da galeria, h 4 celas de isolamento. Quando de nossa visita, apenas uma delas estava ocupada. A planta da unidade situou os registros sanitrios na parte externa das celas, junto ao corredor de forma que apenas os funcionrios podem ligar a gua ou pressionar a descarga do vaso. impressionante que se tenha planejado dessa maneira subtraindo-se dos adolescentes, inclusive, a oportunidade de eliminar imediatamente das celas os seus prprios dejetos. At G para isso, ser preciso convocar um monitor e solicitar que ele efetue a descarga.

Tambm aqui os familiares so revistados com desnudamento. As visitas podem trazer aos internos determinados itens e produtos alimentcios. Os adolescentes internos recebem um "uniforme" - calo e camiseta, peas que so trocadas apenas uma vez por semana.

Os internos no recebem aulas. Duas pedagogas oferecem algumas atividades especficas em uma sala especial. Como regra, os internos desfrutam apenas de jogos, TV e atividades no ptio interno.

Como registros positivos, deve-se assinalar, primeiramente, que os internos no fizeram qualquer queixa envolvendo violncia de monitores. Em segundo lugar, que o tempo que lhes oferecido de convivncia no ptio da unidade bastante razovel (3 horas pela manh e 3 horas pela tarde) e, por fim, que a Instituio desenvolve um interessante trabalho de assistncia social junto aos familiares com um programa de cestas bsicas quinzenais.

Os adolescentes no podem receber visitas de suas companheiras, nem de seus filhos. Reclamaram bastante de que a comida poderia ser melhor e, especialmente, de que as quantidades oferecidas no so suficientes. Muitos queixaram-se de doenas de pele e alguns reclamaram de que sofrem com dor de dente.

Vrios dos internos, ao serem perguntados sobre as condies de suas prises e sobre como foram tratados pela polcia aps estarem sobG a sua guarda, relataram casos impressionantes de espancamentos e tortura. Segundo o que vrios dos internos relataram, policiais teriam por hbito conduzir adolescentes suspeitos da prtica de atos infracionais para uma regio erma conhecida como "Mata do Inferno". L, eles seriam espancados e torturados. Pela frequncia com que essa denncia apareceu nos relatos e pela profuso de detalhes dos vrios depoimentos, valeria a pena que as autoridades locais investigassem com cuidado sua veracidade. Um dos meninos relatou o processo de tortura que teria sofrido em uma cidade do interior. Algemado com as mos para trs, os policiais teriam ado uma corda na algema e o lanado sucessivas vezes em uma lagoa. Antes que se produzisse o afogamento, ele era iado. Os policiais renovavam as perguntas e, na ausncia de resposta, o jogavam de novo, etc..

8. Delegacia de Orientao do Menor - DEOM

A Caravana tomou a deciso de conhecer as dependncias da delegacia especializada em Belo Horizonte verificando de perto as condies de carceragem l existentes. Como a delegacia no um espao onde seja possvel executar qualquer medida de privao de liberdade, nosso interesse restringiu-se apenas verificao das condies de triagem realizada pelos policiais que, para a guarda dos adolescentes envolvidos em ocorrncias, se valem de um antiga carceragem situada no subsolo da Delegacia.

Por tudo aquilo que pudemos constatar, restaria apenas sublinhar a absoluta impropriedade daqueGlas celas; verdadeiras pocilgas que fazem lembrar os relatos sobre as masmorras medievais. Quando de nossa visita havia 5 adolescentes encarcerados (dois em uma cela e trs em outra). Havia, em uma cela separada, um maior de idade. Abrimos as celas e conversamos com os jovens detidos. Foi difcil permanecer l devido ao cheiro putrefato comum a todas. Foi difcil tambm examinar um dos jovens que alegava ter apanhado muito quando de sua priso pois as celas so absolutamente escuras, mesmo durante o dia.

Foi possvel constatar, tambm, uma outra limitao de natureza institucional que deveria ser imediatamente sanada. Casualmente, acompanhamos o momento de chegada Delegacia de um jovem detido sob suspeita de receptao. Policiais Militares encontraram com ele um casaco objeto de furto. Pois bem, esse jovem alegava ter sido agredido pelo policial que o conduziu Delegacia. No podemos saber se a denncia que ele fazia era verdadeira ou no. O ponto que durante o tempo em que ele permaneceu em uma pequena sala no sub-solo da Delegacia estava em frente ao PM que o conduziu e diante da vtima do furto (que, als, nada sabia sobre a autoria) sem que houvesse um defensor pblico de planto para lhe dar assistncia Circunstncias do tipo costumam ser muito funcionais para que injustias e abusos sejam praticados.

9. Centro de Integrao do Adolescente - uma boa gesto

Ficha Tcnica:

Clientela - Adolescentes em prGivao de liberdade

Diretor - Rmulo Magalhes do Nascimento

Fone - 34815362 / 34813383

Capacidade - 60 vagas

Lotao - 63 internos

Analfabetos - 03

Atividades - poucas

Educao - razovel

Ass. Jurdica - razovel

Ass. Mdica - boa

Ass. Social - boa

Ass. Psicolgica - boa

Sexualidade - interditada

Alojamentos - celas

Celas de isolamento - sim

Denncias de maus tratoGs - no

Denncias de tortura - no

O Centro de Internao de Adolescentes (CIA) de Belo Horizonte uma instituio onde se realiza um bom trabalho. Em que pese as condies precrias do prdio onde funciona - um conjunto um tanto catico de pavilhes reformados que j foram utilizados como penitenciria feminina, pode-se afirmar que aqui se executam medidas de natureza scio-educativa.

O CIA conta com uma boa retaguarda tcnica, com jornada de 6 horas de trabalho por dia, composta por um advogado, 3 psiclogos, 1 psiquiatra, 3 assistentes sociais, 2 mdicos, 2 pedagogos, 1 terapeuta ocupacional, 1 professor de Educao Fsica e 1 instrutor de atividades manuais. O CIA dispe de 80 monitores que se revezam em 4 plantes de 12 horas por 36 de folga. O salrio de um monitor de, aproximadamente, 650 reais. Quanto ao pessoal, as deficincias maiores esto entre os monitores que trabalham, quase todos, em contrato emergencial e que no possuem, em regra, formao adequada. A instituio tem um histrico de fugas, 28 no ltimo ano. No mesmo perodo, enfrentou uma rebelio e registrou dois bitos de internos.

Pelo menos um dos internos, quando de nossa visita, apresentava problemas de sade mental. As visitas tambm aqui so revistadas com o procedimento de desnudamento. Os internos possuem o direito de receberem visitas de seus filhos o que muito significativo em uma unidade onde G 40% dos jovens so pais. Seus familiares podem, tambm, trazer alimentos e peas de vesturio. Os internos usam suas prprias roupas, mas a direo informou que h um projeto para que todos em a usar "uniforme". Essa providncia, assinale-se, naquilo que ela propicia de homonegeizao e supresso de identidade, nos parece equivocada, alm de absolutamente desnecessria.

Os adolescentes frequentam escola pela parte da manh, mas carecem de mais atividades durante o dia.

Observamos na unidade, vrias reformas que foram feitas "a favor" dos internos. Em um dos pavilhes, por exemplo, todo o teto ou por melhorias que permitiram uma maior aerao e iluminao. A direo estabelece determinadas restries quando ao fumo, mas criou um espao prprio denominado "fumdromo" para os internos o que demonstra uma compreenso no comum em instituies do tipo. H um interessante projeto de informtica para os jovens em andamento e uma boa idia apresentada por um professor de nome Antnio Lago Filho que redundou no projeto "Amizade Selada" pela qual alunos da PUC mantm correspondncia sistemtica com os internos.

No recebemos qualquer denncia de maus tratos ou tortura. O nico interno que relatou uma sesso de espancamento da qual foi vtima, referiu-se a um episdio ocorrido h 6 meses que, alis, mereceu a devida investigao e o afastamento do agente agressor.

A instituio desenvolve um G interessante trabalho de assistncia social fornecendo sextas bsicas quinzenalmente para as famlias dos internos.

IV - So Paulo

A Caravana foi formada, em So Paulo, alm do Deputado Marcos Rolim (PT/RS), pelos promotores da Infncia e Juventude de So Paulo, Dr. Ebenezer Salgado Soares, Dra. Sueli de Ftima Buzo Riviera e Dr. Wilson Ricardo C. Tafner; pelo Dr. Ariel de Castro Alves, coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos e assessor do Deputado Estadual Wagner Lino, pela Senhora Conceio Paganele, presidente da Associao das Mes e Amigos da Criana e Adolescente em Risco (AMAR), por Marilda Campolino, assessora da Comisso de Direitos Humanos e pelos jornalistas Beatriz Magno e Jos Varella (Correio Braziliense), Nicolau Farah e Carlos Eduardo (Jornal do Brasil ), Luciana Garbin (Estado de So Paulo) e Gabriela Athias (Folha de So Paulo).

10 - Unidade de Atendimento Inicial - UAI

- aqui se apanha quieto

Ficha Tcnica:

Clientela - adolescentes em internao provisria

Diretora - Renata Maria Ramos Soares

Fone 279.6076

Capacidade - 62 vagas

G

Lotao - 248

Analfabetos S/A

Atividades - poucas

Educao - inexistente

Ass. Jurdica - S/A

Ass. Mdica - S/A

Ass. Social - S/A

Ass. Psicolgica - precria

Sexualidade- interditada

Alojamentos - quartos

Celas de isolamento - no

Denncias de maus tratos - sim

Denncias de tortura - sim

A UAI, loalizada no Brs, na Rua Domingos Paiva, 618, a porta de entrada da FEBEM de So Paulo. Por essa unidade am todos os adolescentes que entram no sistema FEBEM. A Unidade oferece 62 Gvagas. No dia de nossa visita l estavam 248 meninos. Segundo levantamento da Promotoria da Infncia e da Juventude, cerca de 15 dias antes, a Unidade chegou a abrigar 360 internos . Conforme confirmamos depois, 15 dias aps a nossa visita, a lotao ultraou 340 internos (!). Entre todas as Unidades visitadas pela Caravana, a UAI aquela que oferece o quadro mais revoltante. Ironicamente, o prdio onde a Unidade est instalada j abrigou dependncias do Doi-Codi de So Paulo.

Por conta da superlotao, os internos am a maior parte do dia sentados no cho, sem nada o que fazer. Quando muito, lhes permitido assistir filmes na televiso. Se h uma imagem capaz de retratar o que , efetivamente, a UAI, essa imagem seria a dos meninos sentados no cho, pequenas esttuas sofridas e atemorizadas. Mas o governo de So Paulo, atravs da Secretaria Estadual de Assistncia e Desenvolvimento Social, foi capaz de produzir um folder promocional da FEBEM onde, na pgina dedicada a UAI, aparecem quatro fotos: a primeira, com um menino sentado em frente a um funcionrio que datilografa; uma segunda foto que mostra uma roda de msica no ptio com cinco meninos; uma terceira foto que mostra dois internos jogando dama e uma quarta foto que mostra uma cena de um jogo de futebol na quadra. Sabe-se, ento, que o objetivo explcito dessa publicao falsear a realidade o que, diante da situao da UAI, simplesmente uma postura criminosa. Na UAI, todos os meninos, entre 12 e 18 anos, tem as cabeas raspadas e usam a mesma roupa - calo azul, camisetas brancas e chinelos. Quando se desGlocam pelo interior da unidade, o fazem em fila indiana, com as mos para trs e a cabea para baixo. Nenhum deles possui autorizao para falar. Qualquer palavra, qualquer manifestao daqueles seres humanos - alguns, pouco mais que crianas - todos miserveis e humildes , o equivalente a uma infrao disciplinar. As punies aos "infratores" - bem entendido: aqueles que usarem as cordas vocais para produzir qualquer som no autorizado - punida sumria e prontamente pelos atentos monitores; alguns dos quais no vacilaro em usar seus punhos, suas botas ou os cabos de vassoura para bater nos que romperem a norma do silncio. Na UAI se apanha quieto, a "lei".

A Unidade no oferece condies para que se cumpra o que determina o Estatuto quanto separao dos internos por idade, compleio fsica e perfil de ato infracional. Vrios dos internos permanecem ali alm do prazo mximo de 45 dias. Suas visitas so revistadas com desnudamento e possuem a durao mdia de 15 minutos.

Quando entramos na Unidade e nos dirigimos ao primeiro alojamento, solicitamos que todos os monitores se retirassem da sala onde dezenas de meninos se espremiam sentados no cho, um ao lado do outro. Foi possvel, ento, ouvi-los. Desde o primeiro momento, a preocupao de todos eles era de que apanhariam to logo nos retirssemos do local. Argumentamos que no seria possvel lhes oferecer qualquer garantia contra essa possibilidade, mas firmamos o compromisso de retornar no dia seguinte para nos certificar se alguma violncia havia sido Gproduzida. Com base nesse compromisso, eles comearam a falar. Enquanto am nos contando o que sofriam, nos mostravam seus ferimentos, as marcas pelos corpos franzinos, os inchaos pela cabea. Nenhum dos internos tem o a cursos, atividades profissionalizantes ou aulas. Saem, em grupos pequenos, para o ptio da unidade onde podem se exercitar por cerca de 40 minutos, uma vez ao dia. Por qualquer motivo e mesmo sem motivo algum apanham, diariamente. Em meio ao silncio que lhes imposto, h uma expresso que todos devem dizer em seus deslocamentos internos sempre que se aproximam de algum funcionrio ou visitante. A expresso que emoldura o silncio totalitrio : "licena, senhor". Assim, enquanto estvamos na entrada de um corredor aguardando a agem de uma fila de cerca de 40 meninos, ouvimos 40 vezes a frase "licena, senhor", proferida mecanicamente, como em um reflexo condicionado. Em outro espao na mesma Unidade, flagramos o momento em que um "lanche" ( um copo com algum lquido colorido no identificado e um pedao de po) era servido aos internos. Havia um grupo deles sentados em torno de algumas mesas em um refeitrio, enquanto dezenas de outros aguardavam sentados no cho em uma sala contgua.Todos em absoluto silncio. Os que estavam aguadando para iniciar a refeio recebem ento um "comando" de um dos monitores que diz: "Reza!" Todos, ento, sincronizadamente, baixam a cabea e permanecem assim cerca de um minuto. No nos foi possvel saber se aqueles meninos rezavam porque tudo o que vimos se ou, claro, em silncio. Na UAI, o governo deG So Paulo, ao invs de medidas scio educativas, prefere o adestramento. Por dever de justia, deve-se assinalar que a "pedagogia" desenvolvida e aplicada na UAI superou as caractersticas liberticidas do "Big Brother" Orwelliano. Com respeito metodologia empregada, nem Pavlov obteria melhor resultado. O detalhe que G. Orwell escreveu peas de fico e Pavlov realizou experincias com ces. Na UAI, tratamos da realidade e de seres humanos.

11. Unidade de Internao Provisria- UIP 6 - o regime do "couro"

Ficha Tcnica

Clientela - adolescentes privados de liberdade

Diretora Rosana Cristina Squitino Aun

Fone 270.3733

Capacidade - 200 vagas

Lotao - 270

Analfabetos S/A

Atividades - poucas

Educao - precria

Ass. Jurdica - precria

G

Ass. Mdica - precria

Ass. Social - precria

Ass.Psicolgica- precria

Sexualidade - interditada

Alojamentos - quartos

Celas de isolamento - no

Denncias de maus tratos - sim

Denncias de tortura - sim

O perfil do atendimento prestado aqui , a rigor, o mesmo da UAI. A mesma superlotao, a mesma exigncia de permanecerem todos sentados no cho,etc. Todos os internos tm a cabea raspada, usam o mesmo uniforme e esto submetidos s mesmas regras do campo de concentrao da UAI. Vrios dos internos reclamaram de maus tratos e relataram cenas de tortura. Um grupo, por exemplo, foi obrigado a permanecer no ptio interno, todos sentados no cho, durante vrias horas sob o sol, como castigo. Os adolescentes no podem receber visitas dos filhos, nem das companheiras; no podem, tambm, ligar para famlia. Em muitos, a frase que sintetiza o regime disciplinar : "Aqui couro todo o dia".

Conversando com um grupo de meninos muito jovens, entre 12 e 14 anos em mdia, o Deputado Rolim perguntou o que era, na opinio deles, o pior daquela Unidade. Um dos meninos, de pronto respondeu: -" a saudade, doutor." O atendimento de sade que recebem muito precrio. Um dos internos relatou ter arrancado um dente, ele mesmo, aps solicitar durante semanas um encaminhamento ao dentista por conta de fortes dores que vinha sentindo; outro, R.C.A , h mais de um ms na unidade, mostrou sob a pele uma bala que precisava ser extrada.

A maioria dos meninos entrevistados relatou que o planto da noite o pior e que os funcionrios am o tempo todo fazendo ameaas. Segundo o relato de vrios dos adolescentes, alguns desses funcionrios so usurios de cocana.

Foi impressionante registrar os relatos desses meninos quanto aos procedimentos com que foram, em regra, tratados pela polcia quando de suas prises. A impresso que ficamos que as prticas de espancamento e tortura de adolescentes por policiais em So Paulo , rigorosamente, uma norma. Vrios dos internos descreveram sesses de choque e o suplcio de asfixia com saco plstico em delegacias.

No retorno que fizemos a essa Unidade, um dia aps a primeira visita - conforme havamos nos comprometido com os internos - o Deputado Marcos Rolim registrou em suas anotaes uma cena curiosa e bastante significativa. J durante a noite, a Caravana entrou no prdio do Brs e quando seus integrantes estavam emG um dos alojamentos, com dezenas de adolescentes, um monitor subiu as escadas e, sem se dar conta da presena do Deputado no corredor, perguntou a um outro funcionrio: "E da, os ladro (sic) j tomaram conta da Casa? Esse funcionrio estava inconformado com o fato dos integrantes da Caravana estarem conversando com os meninos e recolhendo suas queixas. Na sua opinio, esse procedimento - por quebrar a regra do silncio imposto aos internos - tornaria a situao incontrolvel e eles - os monitores - perderiam o controle. Para ele, os internos so recohecidos e definidos como "ladres". O povo de So Paulo paga a esse monitor um salrio para que ele auxilie aqueles meninos a construrem uma identidade diversa daquela que a vida criminosa lhes oferece. O que ele faz, entretanto, reforar essa identidade.

12 - Complexo Tatuap- Unidade 15

- o touro de Perilo

Ficha Tcnica:

Clientela - adolescentes privados de liberdade

Diretor Ubirajara Moreira Melo

Fone 669.27851

Capacidade - 60 vagas

Lotao - 100 internos

Analfabetos - 1

Atividades - poucas

Educao - inexistente

Ass. Jurdica S/A

Ass. Mdica - precria

Ass. Social S/A

Ass. Psicolgica S/A

Sexualidade - interditada

Alojamentos - celas

Celas de isolamento - Sim

Denncias de maus tratos - no

Denncias de tortura - no

O Tatuap um complexo com 23 unidades, algumas em obras. Escolhemos visitar a Unidade 15, apontada pelos Promotores da Infncia e da Juventude como uma das piores. O prdio encontra-se, visivelmente, destrudo. H vazamentos por todo o lado e o mau cheiro parece uma constante. Toda a estrutura hidrulica, sanitria e eltrica est G comprometida. Aqui, entretanto, no recolhemos denncias de maus tratos ou qualquer relato de tortura por parte dos monitores. Como regra, nos pareceu que h, inclusive, um bom relacionamento entre os internos e os monitores. As queixas quanto violncia dirigem-se, todas, aos "pirrio", gria com a qual os internos denotam a guarda externa que - em momentos de tensionamento interno como motins ou protestos invadem a Unidade e batem pr valer. Vrios dos meninos relataram que a ltima sesso de espancamentos teve vez antes do carnaval.

Os internos reclamaram muito da alimentao. Vrios deles relataram ter encontrado pedaos de fio, pregos e mesmo insetos na refeio que recebem. Ao mesmo tempo, h restries possibilidade de os familiares trazerem gneros alimentcios quando das visitas. De positivo, registre-se o fato dos internos poderem receber visitas dos seus filhos. Os internos am o dia inteiro ociosos, boa parte do tempo no ptio sem nada para fazer. Alguns deles possuem problemas graves de sade. Quase todos convivem com doenas de pele.

Chamou a ateno da Caravana o estado de vrios dos alojamentos onde esto os internos. Trata-se, na verdade, de celas coletivas, vrias das quais com as janelas lacradas por chapas compactas de metal. Por conta da destruio das grades externas das janelas, algum teve a brilhante idia de lacr-las, por dentro, com as referidas chapas. O resultado que, alm de subtrair dos meninos a luz e a ventilao, transformou-se vrias dessas celas em verdadeiros fornos. Algo assim Gcomo o touro de bronze inventado por Perilo que, segundo a mitologia, era oco. Ali dentro, Perilo colocava suas vtimas. Ato contnuo, fazia uma fogueira sob o touro o que obrigava suas vtimas a urrar desgraadamente. Os que assistiam a cena, imaginavam que era o touro que urrava. Aqui, se os meninos urrarem, no haver algum para ouvi-los.

Mais uma vez, os relatos dos adolescentes sobre os sofrimentos que lhe foram impostos pela polcia quando de suas prises foi uma constante. J.P. , 14 anos, alm de ter apanhado muito, conta ter sido submetido roleta russa na 4 DP. Ele teria permanecido 1 ms nessa Delegacia at que as marcas pelo seu corpo desaparecessem. D.B., 17 anos, apanhou na 51 D.P. J.A , 18 anos, levou coronhadas de espingarda calibre 12 na 68 D.P. de Pirituba e mostra vrias cicatrizes pelo corpo. L.N., 18 anos, apanhou muito na 38 D.P. mesmo possuindo uma abertura horrenda no ventre resultado de uma cirurgia na bexiga e assim sucessivamente.

13. Franco da Rocha, Unidade 30

- a pedagogia da dor

Ficha Tcnica:

Clientela - adolescentes privados de liberdade com perfil agravado

Diretor Lucimar da Silva Souza

Fone 444.32777

G

Capacidade - 320 vagas

Lotao - 305

Analfabetos - 3

Atividades - poucas

Educao - inexistente

Ass. Jurdica S/A

Ass. Mdica S/A

Ass. Social S/A

Ass. Psicolgica S/A

Sexualidade - interditada

Alojamentos - celas

Celas de isolamento - no

Denncias de maus tratos - sim

Denncias de tortura - sim

"Franco da Rocha" um conjunto de presdios para adolescentes. Todo o complexo foi construdo,G em tempo record, h cerca de um ano, pelo governo do estado de So Paulo com o objetivo especfico de encarcerar adolescentes com um "perfil agravado". A obra um monumento ilegalidade e deveria ser encarada como um escndalo. Pelo contrrio, o que se percebe que, em So Paulo, trata-se com extraordinria naturalidade o hbito de encarcerar meninos desde os 12 anos o que, na prtica, expressa uma poltica de reduo da idade penal. Percebe-se essa "naturalizao" do encarceramento - que contrasta frontalmente com as disposies do ECA - pelo prprio discurso das autoridades governamentais de So Paulo que falam com desenvoltura em "Unidades de conteno mxima" ou "periculosidade" como conceitos centrais de seu projeto. A realidade vivida em Franco da Rocha, como em qualquer presdio, estrutura-se na obscuridade. Aqui vive-se um cotidiano normalmente invisvel de violncia cuja fundamentao "terica" est simbolizada por uma das mximas inscritas em um cartaz na sala dos monitores da ala H. Ali pode-se ler: "O homem um aprendiz e a dor seu mestre"

Visitamos a U-30, a maior de todo o complexo, cujo nome , sugestivamente, "Pau Brasil". O prdio dispe de 8 galerias, cada uma delas com 9 celas e ptio interno prprio. Nas galerias, em mdia, 5 celas so usadas como "alojamentos" e a capacidade de cada uma de 12 vagas (!) As demais celas so depsitos de colches e materiais de limpeza. H 6 camas em duas colunas em cada uma das paredes laterais das celas e, ao fundo, um banheiro coletivo. No h G janelas, apenas respiradouros ao alto, por sobre o banheiro. Nesses espaos deprimentes, os adolescentes am 23 horas dos seus dias. Pela manh, bem cedo, os monitores acordam a todos e recolhem os colches e mantas. A providncia, cuja "racionalidade" um desafio mente humana, faz com que os internos tenham de ar todo o dia deitados sobre a pedra. Suas refeies, desde o caf, as recebem nas celas ou, como dizem os meninos, no "barraco". Vrios dos monitores batem nos internos com canos ou tacos envoltos por panos. Aps uma surra, o interno deve ficar debaixo da gua fria por at uma hora. A tcnica permite que os hematomas desapaream ou diminuam. Os meninos no recebem aulas ou qualquer tipo de atividade. No folder promocional da Secretaria Estadual de Assistncia e Desenvolvimento Social intitulado "FEBEM, Unidades de Internao", datado de maro de 2001, pode-se ler na pgina dedicada U-30 de Franco da Rocha que ali se oferece: "educao formal (curso supletivo), artesanato com jornal, tcnicas de redao, curso de espanhol, teatro, percusso, street dance (sic), futebol de salo, avaliao fsica, vlei, domin, xadrez e gincanas" As quatro fotos que ilustram esse lugar "paradisaco" retratam: uma vista panormica da unidade, um menino colando o que parece ser uma carta, outro limpando o cho de uma sala com um rodo e outros cinco em uma animada roda de msica. fantstico! Pela propaganda do governo de So Paulo fica-se quase com vontade de ar umas frias na U-30. Alis, talvez fosse interessante que os responsveis por esse folder mentiroso G - a comear pelo Secretrio de Assistncia e Desenvolvimento Social - assem uns dias naqueles "dormitrios" - esse o nome com o qual o material publicitrio designa as celas.

Durante as horas em que amos conversando com os internos de 3 alas da U-30, recolhemos dezenas de relatos de espancamentos sofridos ali mesmo. Foi difcil encontrar um interno sem marcas espalhadas pelo corpo, algumas bem recentes. Segundo os internos, o diretor da Unidade afirma em alto e bom som para que eles ouam que ele "segura qualquer B.O . -Boletim de Ocorrncia - contra os monitores" e que, portanto, o "couro"est liberado. No dia 3 de maio de 2000, quando o Brasil inteiro se vestia de branco no dia nacional contra a violncia, acontecia em Franco da Rocha uma "recepo" . "Recepo" o nome que se d ao espancamento inicial - aquele que se oferece aos novatos para que eles, ao entrarem na Unidade, j saibam qual o "regime disciplinar" que opera efetivamente. Nessa recepo do dia pela paz, um menino perdeu 6 dentes por conta de uma paulada. Em 7 de julho, houve outro espancamento geral e o ptio teve de ser lavado com mangueira tamanha a quantidade de sangue na quadra.

Os adolescente so, frequentemente, humilhados. Um dos procedimentos mais comuns consiste em obrig-los a "imitar galinha" - pelo que so obrigados a ficar de ccoras, na ponta dos ps e bater as "asas" - ou, ento, devem "instalar a moto" - pelo que devem ficar tambm de ccoGras, na ponta dos ps, com as mos em posio como se estivessem segurando a direo de uma moto - devem, ento, acelerar, trocar de marcha, etc. se carem, apanham. Na ala "G" vrios dos internos relataram que, ultimamente, as cacetadas tem sido dadas com um acompanhamento de fundo "musical": alguns monitores cantam o sucesso "Um tapinha no di" enquanto batem. Os "ferros" ou tacos possuem incries: "Diploma pr ladro" , "Direitos Humanos" , "Sossega Leo", "Vem c, nenm" "Julinho" (referncia ao Padre Jlio) , "ECA" e "Ebenezer" (referncia a um dos Promotores da Infncia e da Juventude de SP) , so algumas das expresses gravadas.

As visitas ocorrem em uma sala onde todos devem ficar de p, ou sentados no cho. Os monitores "acompanham" as visitas de tal forma que os internos no dispe de qualquer momento de privacidade com seus familiares. Por conta disso, os adolescentes no podem sequer relatar aos familiares o que sofrem. Suas cartas - as que escrevem e as que recebem - so violadas pelo que descumpre-se frontalmente uma das garantias constitucionais asseguradas a todos os cidados. Os internos podem receber visita de suas companheiras, mas no podem receber visitas de seus filhos. A sexualidade dos adolescentes aqui aprisionados - incluindo-se aqueles que so pais ou que mantm relacionamentos estveis - encontra-se interditada, o que assinala sentena extra-judicial.

Em circunstncias assim, todo e quGalquer trabalho que se pretenda oferecer internamente aos adolescentes atravs de um corpo tcnico constitui, simplesmente, uma fraude. Um dos internos, perguntado sobre suas entrevistas com a assistente social, relatou que a referida tcnica costumava perguntar a ele: "Voc est feliz?" Ora, dizia ele, ser que ela que estudou um monto pode imaginar que algum pode ser "feliz"aqui dentro?

A histria de vida desses meninos - tidos por muitos como "os mais perigosos" da Febem de So Paulo - so, todas, muito semelhantes. J.O . L. , 17 anos, por exemplo, j teve 7 agens pela Febem. As quatro primeiras por furto, as duas ltimas por assalto mo armada. J. morou com sua me at os 7 anos em uma regio muito pobre da periferia de So Paulo. Seu pai verdadeiro est preso e seu pai "de criao" sumiu aps ter se separado de sua me. Analfabeto, J. foi expulso da escola pela primeira vez aos 7 anos. A resolveu ir pr rua e s aparecia em casa de vez em quando. Relata que sua me chorava muito quando ele chegava e pedia para que ele no fosse embora de novo. No "mundo" , entretanto, a vida era muito mais interessante que no "barraco" de sua me, que mal conseguia comprar pro "rango"e que, alm de tudo, comeara a beber . Comeou a cheirar cocana aos 11 anos e ou a furtar para comprar a droga. Sua v, entretanto, recebeu-o em casa e levou-o para a Igreja. Foi uma poca "mais legal", ele conta. Por insistncia da av at voltou a estudar. Um dia, entretanto, foi flagrado cheirando cola no colgio e foi expulGso de novo. A, diz ele, "no teve mais jeito". impressionante a presena uniforme de algumas caractersticas nos relatos desses meninos. De uma forma ou de outra, todos eles so filhos do abandono, da violncia, da ignorncia, da misria e das drogas. Chama ateno, quanto aos histricos de drogadio pesada, que o Estado no tenha uma retaguarda capaz de enfrentar pelo menos os casos mais graves de dependncia qumica.

Nos armrios utilizados pelos monitores, encontramos alguns dos filmes que so exibidos aos internos : "Assalto sobre Trilhos" "Instinto Selvagem" , "Fuga de Absalon", "Jogos, Trapaas e 2 Canos Fumegantes" e "Cocana, agem Para a Morte" so alguns dos ttulos. Encontramos, tambm, um filme pornogrfico.

V - Rio Grande do Sul

A Caravana no Rio Grande do Sul foi formada pelo Deputado Federal Marcos Rolim, (PT/RS), pelo Deputado Estadual Padre Roque Graziotin (PT/RS), pela advogada Soraia Mendes da Comisso de Cidadania e Direitos Humanos da Assemblia Legislativa , por Aline Borges , Ivone Duarte e Marilda Campolino, assessoras da Comisso de Direitos Humanos da Cmara Federal, pelo "rapper" Luis Daniel Machado Oliveira e pelos jornalistas Beatriz Magno e Jos Varella (Correio Braziliense), Nicolau Farah e Carlos Eduardo (Jornal do Brasil), Jos Luis e Valdir Friolin (Zero Hora).

14 - Instituto Carlos Santos - ICS

-o primeiro presdio a gente nunca esquece

Ficha Tcnica:

Clientela - jovens com internao provisria

Diretor - Jorge Luis Pires

Fone - 233.7099

Capacidade - 30 vagas

Lotao - 143 internos

Analfabetos

Atividades - poucas

Educao - razovel

Ass. Jurdica - razovel

Ass. Mdica - precria

Ass. Psicolgica S/A

Sexualidade - interditada

Alojamentos - celas

Cela de isolamento - Sim

G

Denncias de maus tratos - sim

Denncias de tortura - sim

O ICS a triagem da FEBEM em Porto Alegre. Por ali am os adolescentes que receberam medida de internao provisria e os que sero, posteriormente, distribudos para outras casas de internao a depender da sentena judicial.

No dia de nossa visita, a Instituio - que oferece 30 vagas - mantinha 143 jovens internados. Os nmeros dessa superlotao so ainda mais impressionantes quando descobre-se que 55 dos jovens internos j estavam na Instituio h mais de 45 dias, prazo legal que limita as internaes provisrias. Apenas esse dado j suficiente para que se questione a responsabilidade do Poder Judicirio local. O ICS dispe de 75 monitores; trs assistentes sociais, duas psiclogas, dois mdicos, dois advogados, quatro auxiliares de enfermagem, dois tcnicos em educao, dois instrutores de atividades profissionais e um tcnico em recreao, alm de pessoal de apoio. Cerca de 50% dos adolescentes internos so oriundos de cidades da regio metropolitana e do interior do estado.

O ICS um presdio tpico onde se encarcera adolescentes. Por conta da superpopulao, no h condies de se garantir uma separao efetiva dos internos observando-se idade, compleio fsica ou perfil infracional. Ao que tudo indica, ocorrncias de espancGamento no so raras. Na conversa com os internos foi possvel, inclusive, receber uma lista com os nomes de alguns monitores que teriam por hbito bater nos adolescentes. (Nesse caso, como em todos os demais, encaminharemos, reservadamente - tendo em conta o princpio constitucional da presuno da inocncia - a listagem direo da FEBEM para as devidas providncias ) As celas de isolamento e duas outras celas usadas como triagem - logo na entrada do prdio - no respeitam os padres mnimos da ONU para a vida prisional e descumprem as exigncias da LEP. Ou seja: nesses locais , no se itiria sequer a permanncia de adulto condenado quanto mais adolescente cumprindo medida scio-educativa. Em uma dessas celas de triagem, encontramos o jovem O .R.G. C. , 17 anos, que relatou ter sido violentamente espancado, na rua, quando de sua priso em flagrante, por um grupo de pessoas, entre elas o dono do supermercado onde tentava furtar. As leses sobre o corpo desse menino eram de tal gravidade que foi difcil para ele manter conosco uma conversao normal. O lado direito de seu rosto, da testa at o maxilar, era um nico hematoma sobre o qual formara-se uma protuberncia azulada que lhe encobria totalmente o olho. Seria necessrio investigar o que, de fato, ocorreu com esse jovem. Seja como for, parece bastante possvel que um grupo de cidados "de bem" tomem a si a tarefa de punir um menino negro e miservel que tentava furtar em um supermercado e que o tenham feito na forma de uma sesso coletiva de espancamento. H pouco mais de 100 anos, afinal, os senhores estavam acostumados a tratar com negros indisciGplinados no tronco, no mesmo?

No ICS, como na maioria das unidades da FEBEM do RS, as visitas so desnudadas em um procedimento conhecido como "Revista ntima". Da mesma forma, o sigilo de correspondncia dos internos violado sistematicamente. Digno de nota o fato do Estado do RS ter j avanado em polticas especficas de superao desses mesmos procedimentos humilhantes e atentatrios ordem jurdica no sistema prisional. Com efeito, h mais de um ano, no se tolera a violao do sigilo da correspondncia dos apenados e a revista ntima sobre os visitantes foi abolida em todo o sistema prisional, exceo feita s duas Unidades ainda sob a istrao da Fora Tarefa da Brigada Militar.

As caractersticas tipicamente prisionais do ICS so to evidentes que encontram-se plenamente incorporadas inclusive na linguagem dos adolescentes em primeiro ingresso na FEBEM. Um desses meninos relatou que desejava ir embora dali, o mais rpido possvel e que jamais esqueceria o que estar "na tranca". Poderia ter acrescentado: o primeiro presdio a gente nunca esquece.

Vrios dos adolescentes relataram terem sido espancados quando de suas prises pela polcia. Chamaram particularmente nossa ateno os relatos sobre espancamentos na Delegacia Especializada da Criana e do Adolescente (DECA). Um dos meninos relatou ter apanhado em outra delegacia com a seguinte tcnica "anti-marcas": deitado no cho, os policiais colocavam sobre o seu estmago uma lista telefnica soGbre a qual distribuam cassetadas.

O ICS mantm atividades pedaggicas durante o perodo da manh, todos os dias e tarde, trs vezes por semana, o que parece razovel embora no se tenha condies de avaliar a qualidade das aulas ou os seus resultados. Como registro positivo, deve-se assinalar que os internos recebem ptio at trs vezes ao dia, incluindo uma sada noite.

As celas no possuem banheiro, nem gua. Nos corredores, em frente a cada cela, h uma garrafa de 5 litros de gua. Quando os internos desejam gua ou quando precisam se deslocar at o banheiro, precisam contar com o apoio dos monitores. Algum poderia perguntar porque no se permite que os internos recebam as garrafas e istrem eles prprios o abastecimento nas celas. Fizemos essa pergunta ao diretor que respondeu afirmando que essa providncia causaria problemas nas relaes entre os internos.

O jovem D.J. relatou necessitar de uma interveno para retirar uma bala alojada superficialmente na parede abdominal. O mesmo adolescente necessitava de cuidados especializados para tratar de problema grave que comprometia seu olho direito. R.S.S. , da mesma forma, necessitava de tratamento especfico por conta de sequelas de um tiro na mo.

15. Instituto Padre Cacique - IPC

- um modelo intermedirio

Ficha Tcnica:

lientela G - adolescentes privados de liberdade

Diretora - Maximira Rocha

Fone - 231.3848

Capacidade - 40 vagas

Lotao - 59 internos

Analfabetos -

Atividades - poucas

Educao - razovel

Ass. Jurdica - precria

Ass. Mdica - precria

Ass. Social S/A

Ass. Psicolgica S/A

Sexualidade - interditada

Alojamentos - quartos

Celas de isolamento - sim

Denncias de maus tratosG - no

Denncias de tortura - no

O Instituto Padre Cacique uma unidade onde verifica-se, mais claramente, um modelo de transio. Por um lado, no observamos as mesmas caractersticas prisionais do ICS; de outro, no h como se falar em um modelo alternativo que supere aquelas caractersticas. No h celas, mas quartos coletivos, razoavelmente limpos e ordenados. Os internos no permanecem encarcerados, mas devem solicitar permisso para entrar ou sair dos alojamentos. O IPC conta com o trabalho de um neurologista e um psiquiatra, dois psiclogos, um pedagogo, um clnico geral, dois assistentes sociais, uma enfermeira e quatro auxiliares de enfermagem. O advogado estava de licena e os internos reclamaram que h 6 meses no possuam dentista.

H restries entrada de alimentos que os familiares poderiam trazer. A Casa destaca um funcionrio para, semanalmente, fazer compras requisitadas pelos internos em um supermercado. Os adolescentes observam que esse procedimento reduz o seu o a determinados bens uma vez que seus familiares poderiam adquirir os mesmos produtos ou equivalentes por preos menores.

Um dos adolescentes, V.P.C., 17 anos, possui evidentes transtornos mentais e deveria estar sendo tratado em um local adequado. Outro dos internos, de conduta homossexual reconhecida, importunado e constrangido pelos demais a tal ponto de temer por sua integridade fsica.

A estrutura do prdio expe um conjunto de limitaes de difcil contorno. Particularmente os banheiros encontravam-se, quando de nossa visita, em um estado lamentvel. Estava em andamento, contudo, um processo de reforma da estrutura fsica em estgio bastante avanado que dever sanar esse problema e melhorar as condies de alojamento, conforme foi possvel constatar visitando a rea em obras.

16. Centro de Jovens Adultos - CJA- a prtica da conteno qumica

Ficha Tcnica:

Clientela - Jovens entre 18 e 21 anos com perfil agravado

Diretor - Major Irani Bernardes de Souza

Fone - 233.9446

Capacidade - 135 vagas

Lotao - 54

Analfabetos -

Atividades - Poucas

Educao - precria

Ass. Jurdica -

Ass. Mdica -

Ass. Social -

Ass. Psicolgica -

Sexualidade - interditada

Alojamentos - celas

Celas de isolamento - sim

Denncia de maus tratos - sim

Denncia de tortura - no

O Centro de Jovens Adultos (CJA) uma Instituio concebida para a custdia de jovens entre 18 e 21 anos privados de liberdade por terem praticado atos infracionais quando adolescentes. No mesmo prdio, funcionou o Instituto Central de Menores -ICM - palco de inmeras rebelies, fugas e mortes em ado recente. O CJA foi criado no final do governo ado por inspirao do ex presidente da FEBEM, Dr. Armando Konzen. A idia bsica era a de reunir, em uma nica instituio, jovens adultos que tivessem um perfil agravado e adolescentes com histrico de participao em rebelies. Na verdade, o projeto do CJA foi, desde sempre, a expresso de uma Casa de "Conteno Mxima" , ainda que no haja qualquer previso legal para tanto. Ao invs de resolver vrios G problemas com uma s tacada, a criao do CJA trouxe um problema novo e colocou o prprio sistema FEBEM diante de imes que no foram, at hoje, superados. Por conta do perfil da nova Instituio, do tratamento inadequado oferecido aos internos e das sucessivas rebelies, o CJA ou ao controle da Brigada Militar em setembro de 1999. Desde ento, o atual governo vem ensejando esforos para esvaziar paulatinamente a Unidade com o fito de extingui-la.

O CJA um presdio como qualquer outro. Sua cela de triagem lembra uma masmorra e as celas comuns so deprimentes. H 10 celas de isolamento disciplinar que costumam ser usadas com bastante frequncia. No h estrutura prevista para as funes de iluminao artificial das celas de tal modo que as instalaes eltricas so improvisadas. Os adolescentes am a maior parte do tempo na mais completa ociosidade. Para agravar o quadro, o Juiz da Vara da Infncia e da Juventude de Porto Alegre, Dr. Leoberto Brancher, recusa-se a receber os internos do CJA em audincia. O mesmo Juiz, assinale-se, transformou o prazo de 6 meses para a reviso peridica das medidas aplicadas aos internos em prazo mnimo; ou seja: as medidas so reavaliadas aps 6 meses e nunca antes desse prazo.

Logo entrada do prdio do CJA, direita, a Brigada Militar construiu um corredor gradeado para ces adestrados da raa Rotweiller. Os animais so utilizados como apoio ao sistema de segurana montado pela Instituio providncia que, por bvio, no guarda com a scio-educao qualquer relao de perGtinncia Os policiais militares que trabalham no CJA (76 ao todo) realizam suas tarefas - mesmo as de rotina, dentro da unidade - fortemente armados. No dia de nossa visita, no estavam armados. Os internos, entretanto, relataram que o emprego de armamentos na rea interna do prdio corriqueiro. Trata-se de procedimento que contraria um dos poucos consensos mundiais produzidos em torno da segurana de Instituies de privao de liberdade. Efetivamente, o emprego de armas na rea interna da Instituio oferece mais riscos do que garantias.

Entre todos os relatos que colhemos, foi possvel registrar duas queixas de maus-tratos. Como regra, os internos manifestam uma relao no hostil diante dos PMs que ali trabalham. Muitos dos PMs que estavam trabalhando no dia de nossa visita no possuam identificao em suas fardas; os internos, no obstante, os reconheciam pelo nome.

Um dos problemas mais graves verificados no CJA parece ser o abuso medicamentoso. Ao que tudo indica, a medicao psicotrpica ministrada na instituio - mesmo com prescrio mdica - feita de forma indiscriminada. Segundo a Dra. Ana Lcia del Pino, no dia de nossa visita havia 12 internos recebendo medicao psicotrpica. Conversando com os internos, no obstante, foi possvel constatar que a esmagadora maioria deles j tomou, em algum momento, no CJA, a mesma medicao. Desde h muito a FEBEM do RS vem convivendo com tcnicas de "conteno qumica". O chamado "prego" - gria dos internos que denota a injeo ministrada forGa - parece ser, ainda, uma prtica habitual nessa e em outras unidades. Chama a ateno, tambm, a ausncia de uma retaguarda para tratamento especializado dos casos de drogadio.

Os internos, quando da necessidade de deslocamento para fora da unidade, so conduzidos algemados pelas mos e, atravs de uma corrente que pera um cinto especial, pelos ps. Essa a nica instituio, entre todas as que visitamos no pas, que adota esse procedimento de "algemas duplas". Percebe-se, nitidamente, que a preocupao com a "segurana" , a "conteno" e a "disciplina" esto maximizadas no CJA. Quanto s medidas scio-educativas, pode-se afirmar que elas expressam mais uma vontade da direo do que uma realidade para os internos.

17 - Comunidade Scio Educativa -CSE

- 5 presdios em um s

Ficha Tcnica:

Clientela - adolescentes privados de liberdade

Diretor - Jos Renato Dutra Argiles

Fone - 266.5280

Capacidade - 110 vagas (5 unidades com 22 vagas cada)

Lotao - 101

Analfabetos-

Atividades - poucas

Educao - razovel

Ass. Jurdica - S/A

Ass. Mdica - S/A

Ass. Social - S/A

Ass. Psicolgica - S/A

Sexualidade - interditada

Alojamentos - celas

Celas de isolamento - sim

Denncia de maus tratos - sim

Denncia de tortura - sim

A Comunidade Scio Educativa ainda no merece esse nome. A estrutura disposio dos tcnicos e monitores a de 5 pequenos presdios em um mesmo complexo fruto de uma reforma estrutural ampla e recente. Os alojamentos so celas individuais melhor denominados pelos adolescentes como "bretes". A Instituio conta com um grande nmero dGe funcionrios. Ao todo, so 162 monitores mais o grupo de tcnicos formado por 2 advogados, 3 assistentes sociais, 3 psiclogos, 2 pedagogos, 3 psiquiatras, um mdico clnico, um dentista, uma enfermeira, 5 auxiliares de enfermagem e um professor de educao fsica, alm do pessoal de apoio. A unidade "A" rene adolescentes com um "perfil agravado". A Casa, desde a poca em que se chamava Instituto Juvenil Masculino (IJM) possui um histrico traumtico com rebelies graves. A ltima ocorrncia com refns ocorreu em agosto de 2000. Um ano antes, outro motim produziu o assassinato de um monitor.

Do total de internos, havia 21 com atividades externas. A ociosidade dos internos, todavia, continua sendo uma marca importante. Grande parte das queixas dos internos referem-se, de uma ou outra forma, a casos de maus tratos atribudos a alguns monitores. Na unidade "A" foi possvel recolher relatos contundentes a respeito de ocorrncia recente de violncia praticada contra os internos. Alguns dias antes de nossa visita, o almoo foi servido estragado. Os adolescentes recusaram a alimentao e foram encaminhados de volta as suas celas. noite, a janta foi servida estragada. Aps a segunda recusa, os internos daquela unidade aram a protestar "pedalando" as portas de suas celas. Em represlia a esse protesto, monitores do planto da noite teriam, durante a madrugada, agredido vrios adolescentes que, algemados nas mos e nos ps, teriam sido submetidos medicao psicotrpica. As algemas s foram retiradas pela parte da manh.G O diretor da instituio atesta que a comida estava, mesmo, estragada e responsabiliza a empresa fornecedora por esse resultado. Reconhece, ento, que os adolescentes "tinham razo quanto ao mrito", segundo suas palavras. Entende, entretanto, que o protesto subsequente no poderia ter sido itido e que os adolescentes revelaram "agitao psicomotora" o que, segundo sua opinio, justificaria a aplicao forada da medicao. No caso de "agitao psicomotora", haveria prescrio mdica, inclusive. curioso o raciocnio. Resta saber se duas ofertas consecutivas - no almoo e na janta - de comida estragada no conformariam motivo suficiente para "agitao psicomotora" de adolescentes encarcerados. Ou, ainda, qual teria sido a forma "recomendvel" para que jovens famintos fizessem valer o direito bsico a uma refeio que no fosse podre. Ainda segundo os internos, aps as agresses sofridas e o "grampeamento"(uso de algemas) alguns monitores teriam despejado garrafas de urina sobre os acometidos de "agitao psicomotora." O Deputado Marcos Rolim recolheu esses relatos, primeiramente, conversando com mais de uma dezena de jovens da ala "A", em uma sala contgua ao ptio interno da unidade. As celas ficam no andar superior. Logo aps, o parlamentar entrou na galeria e conversou, separadamente, com trs adolescentes que estavam isolados em suas celas desde os episdios uma semana antes. A providncia permitiu que a histria colhida inicialmente fosse checada trs vezes nos seus detalhes. Tudo o que havia sido dito foi repetido em cada um dGesses momentos o que fornece uma evidncia bastante forte sobre a veracidade dos relatos.

Em outra ala , a ala "D" onde esto, segundo a direo, meninos de primeiro ingresso e, portanto, com um perfil bastante diverso daqueles da ala "A" , foi possvel colher novas evidncias quanto ao abuso medicamentoso. Vrios dos internos relataram que se desejarem "tomar um prego" , basta pedir. Ou seja: esses jovens confirmam que eles mesmos podem solicitar medicao psicotrpica e que so imediatamente atendidos nesse tipo de solicitao. Estaremos diante de outro caso de "agitao psicomotora" para a qual h, providencialmente, prescrio ?

18 - Instituto Educacional Feminino - a melhor unidade visitada pela Caravana

Ficha Tcnica:

Clientela - adolescentes privadas de liberdade

Diretora - Rosana Alicinda da Silva Azambuja Dias

Fone - 266.5294

Capacidade - 33 vagas

Lotao - 25

Analfabetas -

Atividades - vrias

Educao - razovel

Ass. Jurdica -

Ass. Mdica -

Ass. Social -

Ass. Psicolgica - boa

Sexualidade - interditada

Alojamentos - quartos

Celas de isolamento - no

Denncias de maus tratos - no

Denncias de tortura - no

O Instituto Educacional Feminino Paulo Juarez Zlio - a casa de internao feminina da FEBEM gacha, foi a melhor instituio visitada pela IV Caravana Nacional de Direitos Humanos. Trata-se de uma Instituio pequena e eficiente onde formou-se, efetivamente, um clima de recuperao e confiabilidade. Os investimentos afetivos da direo, dos funcionrios e do corpo tcnico so evidentes e aparecem naturalmente na fala das internas. Uma delas, ao referir-se diretora, afirmou: - &quotG;Sabe, ela parece uma me pr gente." A unidade conta com 41 funcionrios entre tcnicos, monitores e pessoal de apoio. Do total de vagas, 5 so reservadas para semi-liberdade.

O Instituto possui dois tipos de alojamentos: as meninas privadas de liberdade possuem um quarto individual. So peas simples e pequenas, porm decentes, limpas e decoradas. Nada que lembre o confinamento e a segregao. Os outros alojamentos so quartos maiores - usados pelas meninas em semi-liberdade - que mais parecem sutes. Esses quartos possuem, inclusive, um pequeno vestbulo.

Dentro da Unidade, tem-se a impresso de se estar no interior de uma grande casa de famlia. Os ambientes internos, a existncia de reas comuns de lazer, etc. Contribuem para que a prpria Instituio adquira esse ar "domstico". Por bvio, uma estrutura do tipo a qual se agrega uma poltica adequada s podem produzir resultados muito superiores queles condicionados pelo padro de encarceramento.

Ao fundo da Unidade, em uma rea gramada utilizada para recreao, instalou-se duas piscinas, to rudimentares quanto funcionais. Nesse espao aberto, a direo organiza festas e, mesmo, reunies danantes com adolescentes da FEBEM que possuem autorizao para atividades externas. Segundo uma das meninas, nessas oportunidades, "d at pr namorar".

Anexo:

Alagoas:

O estado de AlagoGas viveu, recentemente, um evento dramtico em sua nica unidade de internao para adolescentes em conflito com a lei, o CRM. No dia 13 de maro desse ano, uma rebelio naquela unidade teve como resultado a morte de 4 meninos, queimados. Os deputados Marcos Rolim (PT/RS) e Rgis Cavalcanti (PPS/AL) estiveram em Macei, para avaliar a situao, no dia 20 de maro. Em sua visita ao CRM foram acompanhados pelo Secretrio da Justia e Cidadania do Estado de Alagoas, Tutmes Airam e pela imprensa local. As observaes a seguir so anexadas, ento, a esse relatrio.

Centro de Ressocializao do Menor - CRM

Ficha Tcnica:

Clientela - adolescentes privados de liberdade

Diretor - Jos dos Santos

Fone - 354.2313 (082)

Capacidade - 56 vagas

Lotao - 33

Analfabetos -

Educao - precria

Ass. Jurdica - razovel

Ass. Mdica - inexistente

Ass. Social - S/A

Ass. Psicolgica - S/A

Sexualidade - interditada

Alojamentos - quartos

Celas de isolamento - no

Denncias de maus tratos - no

Denncias de tortura - no

O CRM de Macei a unica unidade de internao para adolescentes em conflito com a Lei em todo o estado. Assim, cerca de 70% dos internos na Instituio so oriundos de municpios do interior ou da regio metropolitana. Tal caracterstica, que contraria frontalmente o disposto no ECA, termina por agregar dificuldades extraordinrias por conta das dificuldades impostas aos internos de receberem visita. Na Unidade, h 3 assistentes sociais, 4 psiclogos, um professor de educao fsica, um professor de capoeira e uma enfermeira. No h mdico ou dentista. Os monitores trabalham, todos, mediante contrato emergencial e seus salrios so da ordem de 270 reais. Os familiares so revistados mediante a prtica ilegal e humilhante do desnudamentoG, embora a casa disponha de detector de metal. Na Unidade, a nica cela de isolamento - um cubculo imundo e escuro - foi interditada por deciso judicial. Nesse espao, ironicamente chamado de "quarto de reflexo", um interno foi assassinado h cerca de 8 meses.

O CRM possui um bom projeto arquitetnico formado por pequenas cabanas, onde esto os alojamentos dos internos, em volta de uma rea central coberta. A rebelio recente expressou um "acerto de contas" entre um grupo de internos tendo os autores das mortes sido identificados e tranferidos da Unidade. Na conversa que mantivemos com os adolescentes foi possvel perceber a existncia de uma relao tranquila e respeitosa dos internos com os monitores e com o diretor. No recolhemos uma queixa sequer de maus tratos. Nesse ponto, como em tantas outras unidades pelo pas, a fala dos meninos permite sim reconstruir cenas bastante violentas quando de suas prises. Tambm aqui, os espancamentos dos adolescentes por parte de policiais, inclusive no interior da Delegacia especializada, parecem integrar o cotidiano. De qualquer forma, o fato de haver um bom relacionamento interno - pelo menos um relacionamento no tensionado por agresses, um ponto positivo que merece ser destacado.

As visitas dos familiares acontecem duas vezes por semana e duram, em mdia, 3 horas. Os adolescentes que so pais, todavia, no podem receber visitas de seus filhos. Por determinao judicial, podem apenas permanecer cerca de 10 minutos com seus filhos na parte istrativa da unidade.

G

O que nos chamou sobretudo a ateno o fato de que, a rigor, todos os procedimentos internos na relao da instituio com os adolescentes esto regrados por portarias judiciais. Por conta dessa dinmica, se est produzindo no CRM um conjunto de restries na execuo das medidas scio educativas que refletem mais os valores morais dos Juizes da I Vara da Infncia e da Juventude da capital, Fernando Tourinho de Omena Souza e Roldo Oliveira Neto, do que as prprias normas do ECA. Assim, por exemplo, pela portaria 010/01 os internos esto proibidos de fumar com base, fundamentalmente, em dois argumentos a) de que o cigarro produz inmeros malefcios a sade e b) que seu uso na Instituio coloca a unidade em risco. Sim, por certo o cigarro produz riscos sade. Seria de se imaginar, ento, que competiria ao Estado desenvolver campanhas educativas para prevenir o tabagismo. Mas, proibi-lo? No estaramos aqui diante de uma hipocrisia? Tm idia os ilustrssimos magistrados do que agrega de sofrimento ao adolescente - dependente qumico da nicotina , j privado de sua liberdade - essa nova privao? Ser que j tiveram notcia sobre o uso de terapias de substituio usadas no tratamento de dependncia qumica de drogas pesadas? Pensamos que no. Quanto ao risco segurana da Unidade que seria oportunizado pelo fumo, pode-se , to somente, agregar que qualquer dos direitos dos internos podem acrescentar riscos segurana da Instituio. Assim, por exemplo, o direito visita traz riscos; as atividades externas dos adolescentes, tambm, etc. Em outra portaria, 09/01, suas excelncias G determinaram que o CRM devolvesse aos familiares todos os aparelhos de televiso, os rdios e os aparelhos de som at ento de posse dos internos. O argumento, agora, que as notcias de rebelies poderiam influenciar os meninos, que a programao televisiva brasileira ruim, "cheias de cenas de sexo e violncia" e que os internos, ao invs de descansar, avam horas a frente dos aparelhos. Os Juizes, ento, consideram que os adolescentes s podem ter o rdio e televiso para terem contato com programaes "selecionadas" pelos tcnicos. Tal limitao contraria um dos direitos mencionados pelo artigo 124 do ECA (inciso XIII - "ter o aos meios de comunicao social") O resultado da deciso que, agora, os internos esto, simplesmente, privados de TV, notcias ou msica. am a ser "influenciados", ento, apenas, pelo cio absoluto. Outra portaria, 011/01, proibe que os internos usem pulseiras, brincos, anis ou similares. A idia a de que a posse desses adereos traria o risco da existncia de trocas e, por decorrncia, a possibilidade de conflitos, pequenos furtos, etc. Ora, pelo argumento, os internos estariam impossibilitados de manterem sob sua guarda qualquer bem pessoal. O interessante que o ECA estabelece (art.124, inciso XV) o direito dos internos a "Manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guard-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade." Pela redao, fica evidente que o depsito de bens sob a istrao da entidade constitui medida excepcional sendo a regra aquela que Gassegura aos internos a posse de seus bens pessoais. Mas para os juizes alagoanos isso no pode valer sequer para uma pulseira ou um brinco. Ao invs de determinarem ao Estado que providenciasse as condies necessrias para que os internos pudessem "dispor de um local seguro para guardar seus pertences" viu-se por bem suprimir mais um direito dos adolescentes. Fantstico!

Recomendaes:

Ao Governo Federal

1) Que o Ministrio da Justia, ouvido o Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente (CONANDA), defina critrios objetivos para a liberao de recursos oramentrios da Unio que premiem os estados com projetos efetivos de cumprimento do Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA) e que penalizem os estados que, sistematicamente, violem esse diploma legal;

2) Que o Ministrio da Justia constitua, ouvido o CONANDA, uma Comisso Nacional de Acompanhamento e Fiscalizao da Execuo das Medidas Scio Educativas (CONAFIMS), integrada por tcnicos e ativistas da sociedade civil comprometidos com o ECA, para a inspeo regular e peridica das unidades de internao de adolescentes em conflito com a lei;

3) Que o Governo Federal estabelea, como exigncia imediata aos estados da federao, a imediata suspenso da violao da correspondncia dos adolescentes internados em cumprimento de medidas scio educativas de privao de liberdade.

4) Que o Governo Federal estabelea, como exigncia imediata aos estados da federao, a imediata interdio de todas as celas, quartos ou alojamentos de dimenses inferiores a 6 metros quadrados, ou sem aerao suficiente, ou sem iluminao suficiente, ou sem condies adequadas higiene e/ou sade.

5) Que o Ministrio da Justia, ouvido o Conanda, elabore um ante-projeto de Lei regulando a Execuo de Medidas Scio Educativas de privao de liberdade com um sentido garantista.

6) Que o Ministrio da Justia defina que os estados s recebero recursos da Unio para a reforma, ampliao ou construo de novas unidades destinadas internao de adolescentes em conflito com a Lei caso os projetos arquitetnico e pedaggico dessas unidades alcancem pareceres favorveis do CONANDA.

7) Que o Ministrio da Justia solicite aos governos estaduais cpia de todos os documentos com as regras disciplinares exigidas dos adolescentes internos com medida scio educativa de privao de liberdade, unidade por unidade.

Aos governos dos estados

1) Que os governos estaduais estabeleam, imediatamente, uma poltica pblica destinada a superar a obscuridade que caracteriza grande parte das unidades de internao para adolescentes em conflito com a Lei, credenciando entidades da sociedade civil, familiares e ativistas em Direitos Humanos para que tenham livre o e possam inspecionar, constantGemente, a qualquer horrio e sem prvio aviso, tais instituies

2) Que os governos estaduais desenvolvam aes istrativas urgentes destinadas a regionalizar o atendimento aos adolescentes em conflito com a lei nos termos do ECA;

3) Que os governos estaduais desenvolvam aes istrativas urgentes destinadas a desativar todas as unidades de internao de adolescentes em conflito com a lei que mantenham padro arquitetnico tipicamente prisional e que definam projetos alternativos para a construo de novas unidades segundo o princpio de "Conteno Externa Mxima e Distenso Interna Mxima".

4) Que os governos estaduais assegurem a cada adolescente interno com medida scio educativa de privao de liberdade, inclusive queles com internao provisria, a posse de um exemplar do Estatuto da Criana e do Adolescente.

5) Que os governos estaduais desenvolvam projetos efetivos de capacitao e formao dos funcionrios das FEBEMS e congneres extinguindo as jornadas de trabalho exaustivas e limitando ao mximo as possibilidades de horas extras;

6) Que os governos estaduais apurem rigorosamente todas as denncias de violncia, maus tratos e tortura contra adolescentes internados afastando, de imediato, os funcionrios implicados at concluso dos procedimentos investigatrios;

7) Que os governos estaduais desenvGolvam aes concretas de assistncia social junto aos familiares dos adolescentes privados de liberdade;

Pedidos de Informao:

O relator, Deputado Marcos Rolim, encaminhou pedidos de informao s autoridades do estado de So Paulo solicitando:

Ao M.P. Vara da Infncia e Juventude de So Paulo:

1. Nmero de inquritos policiais requisitados para apurao de denncias de maus tratos e/ou tortura na FEBEM de So Paulo nos ltimos 12 meses;

2. Nmero de procedimentos investigatrios do Ministrio Pblico em andamento que envolvam denncias de maus tratos e/ou tortura na FEBEM ainda sem requisio de inqurito;

3. Quais as aes - desde agosto de 1999 - existentes no Ministrio Pblico contra a FEBEM em funo de descumprimento do ECA, qual a situao atual desses procedimentos e quais as decises j tomadas?

A FEBEM de So Paulo:

4. De agosto de 1999 at agora, relao de todas as demisses e punies disciplinares de funcionrios envolvidos em agresses, maus tratos, abuso de autoridade e/ou tortura.

5. Nmero de sindicncias em andamento.

6. Nesse mesmo perodo, desde agosto de 1999, quantas sindicncias abertas na FEBEM foram arquivadas? Solicitamos cpias de todas as justificativas de G arquivamento.

Ao Procurador Geral de Justia de So Paulo

7. Solicitamos, desde a vigncia da Lei que tipificou o crime de tortura no Brasil, cpia de todas as denncias oferecidas pelo Ministrio Pblico no estado de So Paulo.

8. Quantos inquritos por crime de tortura foram arquivados?

9. Se existe Promotoria ou grupo especializado no Ministrio Pblico de So Paulo no combate tortura?

Ao Presidente do Tribunal de Justia de So Paulo

10. Cpia das liminares concedidas pela Presidncia ou Cmara Especial do Tribunal de Justia de So Paulo em favor da FEBEM em aes civis pblicas ou representaes ou portarias judiciais com base no artigo 191 do ECA. Cpia das liminares suspendendo decises provisrias ou definitivas de juizes da primeira instncia nas aes antes referidas contra a FEBEM;

A Secretaria de Segurana Pblica de So Paulo

11) Nmero de inquritos policiais em andamento ou j remetidos ao Poder Judicirio com relatrio conclusivo da autoridade policial cuja apurao versava sobre as prticas de: tortura, maus tratos, abuso de autoridade e denncias com base no artigo 232 do ECA.

Agradecimentos:

Deputado Acio Neves, Presidente dGa Cmara dos Deputados;

Deputado Martinho Carmona (PSDB/PA) , presidente da Assemblia Legislativa do Par;

Deputado Srgio Zambiazi (PTB/RS), presidente da Assemblia Legislativa do RS;

Dr. Carlos Cardoso, Assessor para Direitos Humanos do Ministrio Pblico de So Paulo;

Vereador Magal, da Pastoral Carcerria de Aracaj;

Ariel de Castro Alves, coordenador do MNDH;

Yvone Duarte, Marilda Campolino, Janete Lemos , Adriana Maria Godoy, Terezinha Lisiex Franco Miranda, Clotildes de Jesus Vasco e Aldenir urea, assessoras da Comisso de Direitos Humanos da Cmara Federal;

Miriam Beatriz Barbosa Corra e Laura Vicua Corra Lima, assessoras parlamantares do Gabinete do Deputado Marcos Rolim;

Paulo Jos de Gouva, Genaro Jnior de Souza Mendes e Marcos Tlio dos Santos, assessores parlamentares do Gabinete do Deputado Cabo Jlio;

Ana Lcia de Miranda Ramos e Donizeti Mariano os, do Ncleo de Produo CEFOR;

Wallace Souza Oliveira, seo de informtica Biblioteca da Cmara dos Deputados;

Ao Correio Braziliense e ao Jornal do Brasil que designaram profissionais que acompanharam toda a Caravana.

Fotgrafos:

Marilda Campolino

Assessora CDH

Jos Varella

Correio Braziliense

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