A
Organizao Judiciria na
Regio
istrativa Especial de Macau:
o
Estatuto do Ministrio Pblico*
1c574q
Antnio
Ganho**
1.
A Organizao Judiciria na RAEM
1.1.
A organizao judiciria do territrio de Macau do
perodo posterior ao Estatuto Orgnico de 1976 desenvolveu-se -
e ir-se- desenvolver at, pelo menos, ao ano de 2049 (vd. ponto
(12) do n 2 da
Declarao Conjunta do Governo da Repblica Portuguesa e do
Governo da Repblica Popular da China sobre a Questo de Macau)
- por 3 fases que poderiamos designar de fase da
dependncia, fase da semi-autonomia ou da
semi-dependncia e fase da autonomia ou da
independncia.
1.2.
A primeira fase - a da dependncia - estende-se por
um longo perodo que vai desde 1976 at aos incios de 1993 e
caracteriza-se, essencialmente, pelos seguintes traos:
O
territrio de Macau dispe apenas do poder de julgamento em 1
instncia, sendo que os recursos eventualmente interpostos de
decises assim tomadas so dirigidos aos tribunais de 2
instncia da Repblica Portuguesa (o Tribunal da Relao de
Lisboa, a cujo distrito judicial se considera pertencer a
comarcade Macau) e/ou aos respectivos tribunais supremos (o
Supremo Tribunal de Justia, quando fosse caso de funcionar como
3 grau de jurisdio, o Supremo Tribunal istrativo,
competente para apreciar recursos das decises em matria de
contencioso istrativo, fiscal e aduaneiro tomadas pelo
Tribunal istrativo de Macau, ou o Tribunal de Contas,
competente para apreciar recursos das decises em matria de
fiscalizao prvia tomadas pelo Tribunal istrativo de
Macau - vd., neste ltimo caso, o anterior art 66 do EOM).
Ainda assim, nem todas as causas so julgadas em Macau, mesmo em
1 instncia. Destacam-se:
O
julgamento directo pelo Supremo Tribunal istrativo dos
recursos contenciosos dos actos istrativos praticados pelo
Governador e Secretrios-Adjuntos (primitivo art 18 e
posterior art 19, n 5, do EOM).
O
julgamento pelos tribunais da comarca de Lisboa das aces
cveis e criminais em que sejam rus o Governador ou os
Secretrios-Adjuntos (primitivo art 19 e posterior art
20, n 3, do EOM).
As
fiscalizaes preventiva (alnea e) do n 1 do art 11 e
n 3 do art 40 do EOM, na redaco da Lei n 13/90, de 10
de Maio), abstracta (alnea e) do n 1 do art 11, n 2 do
art15 e alnea a) do n 1 do art 30 do EOM, todos na
redaco daquela Lei) e concreta (dedutvel do disposto no n
1 do art 41 do EOM, ainda na redaco daquela Lei) da
constitucionalidade e da legalidade de qualquer lei, que competem
ao Tribunal Constitucional.
Os
tribunais de 1 instncia com sede na comarca de Macau ( o
Tribunal Judicial, o Tribunal de Instruo Criminal e o Tribunal
istrativo) fazem parte integrante das respectivas ordens
judicirias portuguesas, como claramente o denotam a redaco
originria do art 2 do EOM - omitindo qualquer referncia
autonomia judiciria do territrio de Macau -, o n 1 do art
3 do mesmo Estatuto - pressupondo, poca, que no Territrio
existiam tribunais com a qualidade de rgos de soberania da
Repblica - e, principalmente, a parte final do inicial art
51 do EOM (A istrao da justia...continua a
regular-se pela legislao emanada dos rgos de soberania da
Repblica). De facto, tal legislao integra na
regulamentao da organizao judiciria da Repblica todos
os tribunais com sede em Macau.
Consequentemente,
os magistrados judiciais dos tribunais de Macau so nomeados
pelos rgos competentes da Repblica Portuguesa (redaco
originria do n 2 do art 51 do EOM) e regem-se pelo mesmo
Estatuto aplicvel aos juzes dos tribunais portugueses (no qual
surgem bastas vezes referncias a Macau).
Na
situao jurdico-funcional do Ministrio Pblico de Macau
tm reflexo os pressupostos acima mencionados, ainda que, neste
particular mbito, sempre se tenham observado algumas
especificidades. Assim:
O
Ministrio Pblico constituido, de incio, por um procurador
da Repblica e por um delegado (redaco originria do n 1
do art 52 do EOM) nomeados pelos rgos competentes da
Repblica Portuguesa (redaco originria do n 2 do art
51 do EOM).
Os
representantes do Ministrio Pblico dependem directamente do
procurador-geral da Repblica Portuguesa (redaco originria
do n 2 do art 52 do EOM).
Leis
avulsas emanadas dos rgos de soberania da Repblica foram
alterando o quadro do Ministrio Pblico de Macau (criaram,
inclusivamente, 1 lugar de procurador-geral-adjunto, categoria
superior de procurador da Repblica) sem que, contudo,
tivessem posto em causa os princpios da competncia para a
nomeao e da dependncia.
O
estatuto do Ministrio Pblico basicamente idntico ao da
Repblica (redaco originria do n 2 do art 53 do EOM).
Contudo,
com, pelo menos, uma excepo: os representantes do Ministrio
Pblico devem obedecer s orientaes que, em concreto ou em
abstracto, lhes sejam transmitidas por escrito pelo Governador
para defesa da poltica criminal ou dos direitos e interesses de
Macau que aquele venha a definir.
1.3.
Fora, entretanto, negociada, assinada, aprovada para
ratificao, ratificada e publicada no Dirio da Repblica de
14 de Dezembro de 1987 e no Boletim Oficial de Macau de 7 de Junho
de 1988 a acima referida Declarao Conjunta que, para o que ora
nos interessa, consagra irreversivelmente o seguinte:
A
partir de 20 de Dezembro de 1999, o territrio de Macau ar
a constituir a Regio istrativa Especial de Macau da
Repblica Popular da China.
A
RAEM ter um poder judicial independente, pleno e exclusivo.
Os
juzes dos tribunais da RAEM sero nomeados pelo Chefe do
Executivo sob proposta de uma comisso independente.
Os
juzes dos tribunais da RAEM s podero ser demitidos, e apenas
em dois casos previstos na lei, pelo Chefe do Executivo sob
proposta de uma comisso constituda, conforme os casos, por
juzes locais ou por deputados Assembleia Legislativa.
A
Procuradoria da RAEM desempenhar com independncia as
funes jurisdicionais que lhe forem atribudas pela lei e
ser livre de qualquer interferncia.
O
procurador da RAEM ser indigitado pelo Chefe do Executivo para
ser nomeado pelo Governo Popular Central.
Assumido
que foi o compromisso internacional constante da Declarao
Conjunta, preocupa-se a Repblica Portuguesa em criar condies
jurdico-polticas para que a transio do exerccio da
soberania sobre Macau se processe de forma a que nenhuma
convulso prejudicial estabilidade scio-econmica do
Territrio se opere.
Para
o efeito, comea por tornar claramente constitucional o
compromisso ali assumido; atravs da Lei Constitucional n 1/89,
de 8 de Julho, a Constituio da Repblica Portuguesa a a
inserir um preceito do seguinte teor ( n 5 do art 292):
O territrio de Macau dispe de organizao judiciria
prpria, dotada de autonomia e adaptada s suas especificidades,
nos termos da lei, que dever salvaguardar o princpio da
independncia dos juzes. Estava, desta forma, aberto o
caminho para que o legislador ordinrio interviesse no Estatuto
Orgnico de Macau e, nessa sede, retirasse as consequncias de
tal preceito constitucional. E na verdade, a Lei n 13/90, de 10
de Maio, adopta, entre outras, as seguintes medidas:
Retira
do EOM todas as referncias a um concreto sistema de
organizao dos tribunais de Macau, remetendo tal definio
para lei ordinria.
Enuncia
os grandes princpios gerais relativos aos tribunais
(atribuies de defesa dos direitos e interesses legalmente
protegidos, de represso da violao da legalidade e de
resoluo dos conflitos de interesses pblicos e privados -
novo art 52 do EOM;
salvaguarda
da sua independncia - novo n 1 do art 53 do EOM), aos
magistrados judiciais (inamovibilidade, no sujeio a
quaisquer ordens e instrues e irresponsabilidade - novos ns
2, 3 e 4 do art 53 do EOM) e ao Ministrio Pblico (estatuto
prprio e autonomia - novo n 5 do art 53 do EOM).
No
quer, contudo, o legislador da Lei n 13/90 conferir, desde logo,
plena aplicao ao princpio da Declarao Conjunta e da
Constituio Portuguesa segundo o qual Macau disporia de
organizao judiciria prpria e autnoma.
Provam-no
trs particulares aspectos (a que o legislador ordinrio
posterior viria aditar um quarto):
Sendo
certo que j ento se ia tornando claro que a interpretao
que a Parte Chinesa fazia da expresso ... as leis vigentes
manter-se-o basicamente inalteradas... (ponto (4) do n 2 da
Declarao Conjunta) ia no sentido de que a vigncia das leis
se deveria aferir pelo facto de terem sido produzidas pelos
rgos de governo prprio do Territrio, o n 2 do art 51
do EOM ou a dispor que as bases da organizao judiciria
do Territrio seriam definidas pela Assembleia da Repblica
Portuguesa, circunstncia que, de imediato, conferia um carcter
acentuadamente precrio correspondente lei.
Em
segundo lugar, manteve-se no EOM a previso de foro prprio para
as aces cveis e criminais intentadas contra o Governador e
os Secretrios-Adjuntos bem como a competncia do Tribunal
Constitucional para os processos de fiscalizao preventiva e
abstracta da constitucionalidade e da legalidade, o que
significava uma opo pela no atribuio de plena autonomia
e exclusividade da jurisdio dos tribunais de Macau.
Finalmente,
foi introduzido um preceito no EOM segundo o qual Compete ao
Presidente da Repblica, ouvidos o Conselho de Estado e o Governo
da Repblica, determinar o momento a partir do qual os tribunais
de Macau sero investidos na plenitude e exclusividade de
jurisdio o que confirma a ideia j anteriormente explanada
de que se pretendia postergar para perodo posterior a
aplicao plena do princpio da autonomia dos tribunais de
Macau.
Dando
execuo aos novos preceitos estatutrios, publicada em 29
de Agosto de 1991 a Lei de Bases da Organizao Judiciria de
Macau, aprovada pela Lei n 112/91, a que se seguem, agora em
execuo do art 38 de tal Lei - mas sempre subordinados aos
princpios orientadores por ela definidos - os Decretos-Leis ns
17/92/M e 18/92/M, de 2 de Maro, e 55/92/M, de 8 de Agosto.
Tal
conjunto de diplomas, ainda que no tenham operado o corte do
cordo umbilical com a organizao judiciria da Repblica
Portuguesa - condicionados que esto, como vimos, aos aspectos
que mencionmos consignados no EOM e quele que eles prprios
vm a introduzir ou a manter -, permitem um salto significativo
no caminho da autonomia ou da independncia do sistema
judicirio do Territrio. Por tal razo designmos esta fase -
que vai desde o incio do funcionamento do novo sistema ( nos
princpios de 1993) at, previsivelmente, 1998 - da
semi-autonomia ou da semi-dependncia.
So
basicamente os seguintes os respectivos traos caracterizadores:
A
organizao judiciria do territrio de Macau deixa de ser
parte integrante do sistema judicirio da Repblica Portuguesa,
ando a reger-se por leis prprias (art 1 da LBOJM;
eliminao da anterior redaco do art 51 do EOM).
Os
tribunais de Macau organizam-se, basicamente, em duas instncias
a que correspondem dois graus de jurisdio:
Na
1 instncia funcionam os tribunais de jurisdio comum - o
Tribunal de Competncia Genrica e o Tribunal de Instruo
Criminal - e o tribunal de jurisdio istrativa, fiscal e
aduaneira - o Tribunal istrativo (art 18 do DL n
17/92/M).
Na 2 instncia funciona o Tribunal Superior de Justia
(art 6 - n 2 da LBOJM) que, assim, substitui as anteriores
funes - enquanto tribunais de 2 instncia - da Relao de
Lisboa e do Supremo Tribunal istrativo.
Deixa
de existir a apreciao das causas em 3 grau de jurisdio,
ento a cargo do Supremo Tribunal de Justia.
Lateralmente
a esta organizao criado o Tribunal de Contas, responsvel
pela jurisdio financeira, que funciona como tribunal de 1
instncia - singularmente - e de 2 instncia - colectivamente
(art 10 da LBOJM).
Os
magistrados judiciais am a ser nomeados e demitidos pelo
Governador sob proposta do Conselho Judicirio (quando se trate
de tribunais de 1 instncia) ou do Conselho Superior de
Justia (quando se trate do Tribunal Superior de Justia ou do
Tribunal de Contas) (arts 28 e 31 da LBOJM).
No
que se refere ao estatuto do Ministrio Pblico:
So
expressamente referidas as caractersticas da autonomia, da
independncia e da sua actuao livre de qualquer
interferncia (arts 23 da LBOJM e 8 do DL n 55/92/M).
So
mantidas as trs categorias pr-existentes embora e a
estabelecer-se que, em princpio, o procurador-geral-adjunto
representa o Ministrio Pblico no Tribunal Superior de Justia
e no Tribunal de Contas, enquanto os procuradores e os delegados
do procurador o representam nos tribunais de 1 instncia,
devendo aqueles assumir as funes de coordenao destes e a
representao nas causas mais complexas (arts 40 do DL n
17/92/M e 13, 16 e 17 do DL n 55/92/M).
Os
magistrados do Ministrio Pblico am a ser nomeados e
demitidos pelo Governador sob proposta do Conselho Superior de
Justia (para o procurador-geral-adjunto) ou do Conselho
Judicirio (para os restantes) (arts 28 e 31 da LBOJM).
Mantm-se
a caracterstica de uma magistratura hierarquizada ainda que o
pendor injuntivo da hierarquia se tenha atenuado (art 9 do DL
n 55/92/M); no obstante a designao do representante
mximo do Ministrio Pblico - procurador-geral-adjunto
- a sua dependncia relativamente ao procurador-geral da
Repblica Portuguesa cessou (art 15 do DL n 55/92/M).
O
conjunto de direitos e deveres da magistratura do Ministrio
Pblico ou a constar de legislao prpria no se
identificando necessariamente com a correspondente em vigor na
Repblica.
A
regra da obedincia a intrues provenientes da hierarquia e do
Governador sofreu uma considervel atenuao em termos que
frente teremos oportunidade de melhor desenvolver (arts 10 e
11 do DL n 55/92/M).
Apesar
de todo este significativo avano na via da autonomia, o sistema
judicirio de Macau no ainda independente do da Repblica
nem goza da plenitude e exclusividade da jurisdio.
Vimos
j anteriormente em que que o prprio EOM contribui para tal
situao. As leis de execuo, porm, introduzem - sem que a
tal estivessem obrigadas - um quarto aspecto indiciador da
semi-dependncia e desenvolvem um dos previstos no EOM.
,
desde logo, a manuteno da competncia do Supremo Tribunal
istrativo para apreciao dos recursos contenciosos dos
actos do Governador e dos Secretrios-Adjuntos (art 16 da
LBOJM) e da do Tribunal Constitucional para processos de
fiscalizao concreta da constitucionalidade e da legalidade (
art 11 da LBOJM); ainda a manuteno da competncia do
Tribunal de Contas da Repblica para - agora com a veste do que
ser o nico caso de 3 grau de jurisdio na ordem
judiciria vigente em Macau (art 46 do DL n 18/92/M) -
apreciar recursos de acrdos do colectivo do Tribunal de Contas
de Macau (art 10, n 6, da LBOJM). A isto entende o
legislador ordinrio acrescentar algumas hipteses acadmicas
de manuteno de competncias no Supremo Tribunal de Justia (
art 14, n 2, da LBOJM) e no Supremo Tribunal istrativo
(art 15, ns 2 e 4, da LBOJM) e um outro caso, j no
acadmico, de competncia do Supremo Tribunal de Justia para
conhecer dos recursos das deliberaes do Conselho Superior de
Justia (art 30, n 2, da LBOJM).
Reconhecendo
que o objectivo a atingir deveria ser o da fase da autonomia ou
da independncia no deixa o legislador de prever, porm,
que as competncias mantidas pelas leis de execuo - que no
aquelas previstas no EOM, as quais, em virtude da fora jurdica
do instrumento que as contm, no so susceptveis de virem a
integrar, por fora de lei ordinria, a jurisdio dos
tribunais de Macau - no Tribunal Constitucional, no Supremo
Tribunal de Justia, no Supremo Tribunal istrativo e no
Tribunal de Contas da Repblica ariam a caber ao Tribunal
Superior de Justia a partir do momento da declarao da
plenitude e exclusividade da jurisdio dos tribunais de Macau
(art. 34 da LBOJM); da mesma forma, alis, que o Conselho
Superior de Justia, a partir do mesmo momento, se extinguiria
pela absoro das suas competncias pelo Conselho Judicirio
(art. 35 da LBOJM).
1.4.Ironicamente,
sensivelmente pela altura do incio de funcionamento do sistema
judicirio de Macau da fase da semi-autonomia ou da
semi-dependncia era aprovada pela Assembleia Popular Nacional
da Repblica Popular da China e promulgada pelo Presidente da
Repblica Popular da China - em 31/03/93 - a Lei Bsica da
Regio istrativa Especial de Macau da Repblica Popular da
China para entrar em vigor em 20 de Dezembro de 1999.
No
desenvolvimento dos princpios relativos organizao
judiciria constantes da Declarao Conjunta, a Lei Bsica,
para alm de repetir as ali mencionadas, adita as seguintes
regras:
A
RAEM dispor de trs instncias (mas no necessariamente de
trs graus de jurisdio): os tribunais de primeira instncia,
oTribunal de Segunda Instncia e o Tribunal de ltima Instncia
(art. 84).
Os
tribunais de primeira instncia compreendem o Tribunal de
Instruo Criminal, o Tribunal istrativo e um tribunal de
competncia genrica ou tribunais de competncia especializada
(arts. 85 e 86).
No
existir um Tribunal de Contas.
Os
presidentes dos tribunais das diferentes instncias so nomeados
e demitidos pelo Chefe do Executivo de entre os respectivos
juzes (arts. 88 e 50, n9).
Apenas
se encontram previstas duas categorias de magistrados do
Ministrio Pblico: o procurador e delegados do procurador
(art. 90).
O
procurador ser demitido pelo Governo Popular Central sob
proposta do Chefe do Executivo (arts. 15 e 50, n10).
Os
restantes magistrados do Ministrio Pblico sero nomeados e
demitidos pelo Chefe do Executivo mediante indigitao ou
proposta do procurador (arts. 90 e 50 - n 9).
Pela
mesma altura, torna-se iniludvel a interpretao da Parte
Chinesa segundo a qual a RAEM s poder reconhecer como
previamente vigentes em Macau os diplomas que tenham sido
produzidos pelos seus rgos de governo prprio.
Por
outras palavras: no exacto momento em que o territrio de Macau
se prepara para edificar um novo sistema judicirio torna-se
claro que tal sistema - quer em virtude da provenincia das bases
que o orientam quer por fora de algumas das suas solues
substantivas - no dispe de condies objectivas para
perdurar para alm de 19/12/99.
No
obstante - e sem se perder de vista a necessidade da sua ulterior
reformulao - entende-se ser de prosseguir a sua consolidao
na medida em que constitu um avano - no sentido correcto -
para o objectivo da plena autonomia.
A
fase da autonomia ou da independncia - que se julga poder
iniciar nos princpios de 1999 e prosseguir at, pelo menos, ao
ano de 2049 - comea a ser preparada no decurso do ano de 1996
quando a Assembleia da Repblica, atravs da Lei n 23-A/96, de
29 de Julho, aprova alteraes significativas ao EOM, segundo as
quais:
O
territrio de Macau a a gozar de autonomia judiciria (nova
redaco do art. 2 que, por tal via, permite interpretao
diferente do dispositivo do n 1 do art. 3, que permanece
intocvel; na verdade, esta norma dever agora ser interpretada
no sentido de que os tribunais, enquanto rgos de soberania da
Repblica, no se encontram representados no territrio de
Macau, o que, atento o princpio da autonomia judiciria, bem se
compreende).
A
regulamentao da organizao judiciria de Macau deixa de
ser da competncia da Assembleia da Repblica Portuguesa ( o
anterior n 2 do art. 51 eliminado) e a a caber na
competncia concorrencial da Assembleia Legislativa e do
Governador (art. 31 - n 3 - j).
Pode,
assim, ser emitido diploma legislativo pelos rgos de governo
prprio do Territrio consagrando a plena independncia e
autonomia do sistema judicirio de Macau.
A
amplitude de regulamentao do legislador na matria no ,
porm, ilimitada. De facto, trs ordens de factores o
condicionam:
Antes
de mais, a constatao de que se mantiveram no EOM a
competncia dos tribunais da comarca de Lisboa para o
conhecimento de aces cveis e criminais instauradas contra o
Governador e os Secretrios-Adjuntos e a do Tribunal
Constitucional para a apreciao preventiva e abstracta da
constitucionalidade e da legalidade; tais competncias no
podero, por isso, ser integradas na jurisdio dos tribunais
de Macau antes de 20 de Dezembro de 1999, data em que o EOM
caducar; e mesmo a partir de tal data, se bem que - na falta de
previso expressa noutro sentido - ao tribunal de 1 instncia
de Macau com competncia residual e a caber o julgamento
daquelas aces contra o Chefe do Executivo e respectivos
Secretrios, a fiscalizao preventiva deixar de ter lugar
(por falta de previso na Lei Bsica) e a abstracta ser
efectuada, nos termos do 3 pargrafo do art 17 da Lei
Bsica, pelo Comit Permanente da Assembleia Popular Nacional
(s a concreta competir, nos termos restritivamente previstos
no art 143 da Lei Bsica, aos tribunais de Macau).
Por
outro lado, haver que dar contedo til ao preceito do EOM,
mantido embora com diferente numerao, segundo o qual
competir ao Presidente da Repblica Portuguesa declarar a
plenitude e exclusividade de jurisdio dos tribunais de Macau;
o que, em rigor, implica que - mesmo que o legislador venha a
prever na lei um sistema judicirio dotado de plena autonomia e
independncia - tenha que estatuir normas transitrias -
necessariamente coartadoras daquela autonomia - para vigorarem
at ao momento da acima referida declarao de plenitude e
exclusividade (que, note-se, no limite, pode coincidir com a data
de transio da soberania).
Finalmente,
se o legislador quiser - e, de facto, quer - que o sistema
judicirio que venha a ser desenhado disponha de condies para
se perpetuar para alm de 19 de Dezembro de 1999 deve
conform-lo aos princpios que deixmos enunciados constantes
da Declarao Conjunta e da Lei Bsica; a no ser assim, no
pode a RAEM deixar de o alterar na estrita medida do necessrio
para evitar contradies entre a lei que o defina e as normas
hierarquicamente superiores previstas naqueles documentos. Por
aplicao desta condicionante, haver que regular, entre
outros, os seguintes aspectos do sistema judicirio de Macau da
fase da semi-autonomia ou da semi-dependncia:
Transformao
de um sistema de duas instncias em um outro que contenha trs
instncias (adoptando dois ou trs graus de jurisdio, como
regra).
Atribuio
ao sistema judicirio de Macau das competncias hoje ainda a
cargo do Supremo Tribunal de Justia, Supremo Tribunal
istrativo e Tribunal Constitucional, este no domnio da
fiscalizao concreta da constitucionalidade e da legalidade.
Extino
do Tribunal de Contas e subsequente eliminao da competncia
do Tribunal de Contas da Repblica.
Redefinio
dos mtodos de seleco dos juzes e da composio da
comisso que ir propor a sua nomeao ao Governador (com a
necessria unificao, apenas com membros de Macau, dos actuais
dois Conselhos de gesto e disciplina).
Redefinio
do sistema disciplinar dos juzes, designadamente quanto aos
factos susceptveis de serem qualificados como infraco
disciplinar, forma de apuramento de tais factos, entidade a
quem deve caber tal apuramento e a proposta de aplicao de
sano disciplinar ( que desejavelmente ser o Conselho de
gesto e disciplina), interveno da comisso de julgamento
composta por juzes ou por deputados Assembleia Legislativa no
caso de tal sano ser a de demisso e, finalmente,
interveno do Governador.
Redefinio
das competncias, processo de nomeao (desejavelmente por
proposta do Conselho de gesto e disciplina efectuada ao
Governador), durao do mandato e exonerao dos presidentes
dos tribunais das vrias instncias.
Redefinio
global do estatuto do Ministrio Pblico.
Por
ser exactamente neste campo que a Declarao Conjunta e a Lei
Bsica apresentam maiores omisses de regulamentao a ele
dedicaremos o nmero seguinte.
2.
O Estatuto do Ministrio Pblico na RAEM
2.1.Em
todos os documentos legais hoje vigentes e nos preparados para
vigorar no futuro inequvoca a afirmao de que o
Ministrio Pblico dispe de estatuto prprio, goza de
autonomia, age com independncia e liberto de qualquer
interferncia. assim no n 5 do art. 53 do EOM, no art.
23 da LBOJM, no n 1 do art. 8 do DL n 55/92/M, no ponto
IV do Anexo I Declarao Conjunta e no art. 90, 1
pargrafo, da Lei Bsica. Parece-nos, por isso, indiscutvel
que assim tambm vir a ser na futura lei de organizao
judiciria de Macau.
Contudo,
no obstante todas as afirmaes de princpio que na matria
se possam produzir - e apesar da boa-f que anima os seus autores
-, tais princpios permanecero letra v se no forem
acompanhados por mecanismos que, efectivamente e na prtica,
garantam que os magistrados do Ministrio Pblico constituam um
corpo prprio, com autonomia dos restantes poderes polticos,
agindo com total independncia sem que haja possibilidade de
interferncias exteriores aos prprios no decurso da respectiva
actividade.
que, apesar de a caracterstica da independncia ser normalmente
atributo dos tribunais e dos respectivos juzes, o cada vez mais
amplo campo de interveno processual do Ministrio Pblico
(principalmente no mbito penal e laboral) vem apelando para que
a referida autonomia e independncia colorem em maior grau tal
magistratura tendo em vista evitar aquilo a que j se chamou uma
gesto poltica do processo afastada, por isso, da
justia material do caso.
De
entre tais mecanismos destacaremos quatro, com alguma incidncia
na interpretao da regulamentao constante da Lei Bsica.
2.2.Antes
de mais, a questo das categorias por que se deve desdobrar
a magistratura do Ministrio Pblico.
Confrontada
a Lei Bsica, no seu art. 90, deparamo-nos com, apenas, duas
categorias: o procurador e os delegados do procurador. No
obstante isso, no cremos que tivesse sido esprito do seu
legislador limitar tal magistratura a to-somente tais duas
categorias: em contraponto, no se poder afirmar
iniludivelmente que a letra do preceito, por no prever outras,
impe apenas duas categorias; o que, salvo melhor
interpretao, aquele esprito e letra impem que as duas
referidas categorias existam... independentemente de a lei
ordinria poder criar outras !
Mas
devero existir outras categorias ?
Vejamos.
O
sistema judicirio vigente em Macau pelo menos desde 1976 prev,
para o exerccio de funes junto dos tribunais de 1
instncia, duas categorias de magistrados do Ministrio
Pblico: os delegados do procurador (da Repblica) e os
procuradores (da Repblica). Posteriormente, com a criao de
um tribunal de 2 instncia - o Tribunal Superior de Justia -,
a categoria entretanto j criada mesmo ao nvel da 1
instncia, a de procurador-geral-adjunto, foi afecta, como vimos,
representao do Ministrio Pblico junto desse tribunal.
Logicamente se impe, quando se criar o Tribunal de ltima
Instncia, o nascimento da categoria que culminar a pirmide
do Ministrio Pblico e que o representar junto de tal
tribunal: a de procurador-geral (note-se que estamos a utilizar,
na designao das categorias, a terminologia judiciria
vigente; contudo, deve reconhecer-se que tal terminologia no tem
virtualidades para perdurar para alm de 19 de Dezembro de 1999
por no ser coincidente com a prevista na Lei Bsica).
Por
outro lado, tem-se mostrado terica e praticamente muito
importante a diferenciao de duas categorias junto dos
tribunais de 1 instncia. Enquanto os magistrados da categoria
inferior, mais inexperientes, acompanham os processos mais
simples, os da categoria superior - com tempo de servio superior
e mrito profissional adequado - coordenam o exerccio das
funes daqueles e intervm nos processos mais complexos,
designadamente nos que devam ser julgados em colectivo.
Alis,
as categorias apontadas incorporam a matriz judiciria portuguesa
desde h longos anos, a qual se vem, desde sempre, reflectindo na
organizao judiciria do Territrio (de alguma forma, a
actual designao de procurador-geral-adjunto conclama a
criao de outra categoria superior da qual aquela seja
adjunta). Por que razo se haveria agora, no momento em que
se prepara a transio de soberania, e sem que a Lei Bsica o
imponha, de abandonar tal matriz ?
Adite-se
ainda que tal elenco de categorias est bem melhor preparado para
defender a autonomia e a independncia do Ministrio Pblico do
que outro com nmero inferior. Na verdade, qualquer tentativa de
interferncia exterior magistratura no desenvolvimento dos
processos a seu cargo tornar-se- bem mais difcil se as
instrues que a consubstanciem tiverem que ser sucessivamente
transmitidas por diversos graus hierrquicos - como o tero, se
no existirem apenas duas categorias -, dando, por isso,
interferncia a publicidade que ela no pretende; do mesmo modo
que ficar bem mais obstaculizada se, pretendendo actuar
directamente junto do magistrado que acompanha o processo,
existirem diversas pirmides hierrquicas encarregadas de
fiscalizar as funes dos sucessivos inferiores.
Tudo
razes para se propugnar o desdobramento da magistratura do
Ministrio Pblico em quatro categorias.
2.3.Se
tomado letra, e no fosse objecto de qualquer
regulamentao, o sistema previsto na Lei Bsica para a
nomeao dos magistrados do Ministrio Pblico originaria,
inevitavelmente, as maiores arbitrariedades.
De
facto, na matria, a referida Lei limita-se a prever que o
procurador ser nomeado pelo Governo Popular Central sob
indigitao do Chefe do Executivo e que os restantes magistrados
do Ministrio Pblico sero nomeados pelo Chefe do Executivo
sob indigitao do procurador.
Se
tais dispositivos quisessem - e sabemos que no querem ! -
permitir que o Chefe do Executivo indigitasse quem lhe aprouvesse,
independentemente de quaisquer requisitos, para procurador, e que
este agisse da mesma forma relativamente aos restantes magistrados
do Ministrio Pblico, ficaria gravemente afectada, como bem se
compreende, a autonomia do Ministrio Pblico, a independncia
no exerccio das suas funes e a garantia de no
interferncia.
H,
por isso, em nossa opinio, que salvaguardar, na futura lei de
organizao judiciria:
A
necessidade de formao adequada prvia (licenciatura em
Direito e aprovao em curso e estgio de formao para o
efeito) para ingresso na categoria inferior da magistratura.
A
necessidade de reunio de requisitos de experincia e mrito
profisisonal para o - ou ingresso directo - a categorias
superiores.
A
definio de critrios o mais objectivos possvel tendentes a
tornar mais vinculada a opo pela nomeao de certos
candidatos em detrimento de outros. A atribuio a um rgo
colegial (que poderia ser o Conselho de gesto e disciplina que
previmos para os juzes) das tarefas de recrutamento e seleco
de candidatos e subsequente proposta de nomeao, conforme os
casos, ao Governador ou ao procurador (note-se, por curiosidade,
que a lei de organizao judiciria, a fazer, no pode prever
- por dever vigorar ainda durante a istrao Portuguesa -
que o procurador seja nomeado pelo Governo Popular Central da
Repblica Popular da China).
Nem
o Governador nem o procurador podem, de motu proprio, tomar
a iniciativa de nomear ou propor a nomeao de qualquer
magistrado do Ministrio Pblico ainda que, no respeito pela Lei
Bsica, possam rejeitar as propostas de nomeao que lhes sejam
feitas.
2.4.Problemtica
idntica ocorre com a questo da demisso dos magistrados do
Ministrio Pblico. Tambm aqui a Lei Bsica perigosamente
lacnica ao afirmar que o procurador ser demitido pelo Governo
Popular Central sob proposta do Chefe do Executivo e que os
restantes magistrados do Ministrio Pblico sero demitidos
pelo Chefe do Executivo sob proposta do procurador. Aparentemente,
bastaria uma pequena falta de confiana (poltica) por parte do
proponente para que, independentemente de quaisquer garantias de
defesa do proposto, este fosse inexoravelmente afastado das suas
funes. Como se salvaguardaria, com este regime, a
caracterstica da autonomia do Ministrio Pblico relativamente
ao poder poltico ? E
a da actuao com independncia e livre de qualquer
interferncia por parte de cada magistrado ? Est bem de ver que
no pode ter sido isto que o legislador da Lei Bsica pretendeu.
Assim sendo, h que criar o mecanismo necessrio e suficiente
para o impedir, o que a, em nossa opinio, pela consagrao
na futura lei de organizao judiciria das seguintes regras:
Tipificao dos comportamentos dos magistrados do
Ministrio Pblico qualificveis como infraco disciplinar e
susceptveis de conduzir aplicao da sano de demisso
(comportamentos que nada impede que coincidam com os tipificados
para os juzes: incapacidade para o exerccio das funes e
conduta incompatvel com o desempenho do cargo).
Obrigatoriedade
de apuramento dos factos em causa atravs de adequado processo
(disciplinar) que confira ao arguido suficientes garantias de
defesa contra as acusaes que lhe sejam feitas.
Instruo
do processo e consequente proposta de aplicao de sano (de
demisso ou outra) a cargo de um rgo colegial independente
(que igualmente nada impede que seja o Conselho de gesto e
disciplina previsto para os juzes); se a sano a aplicar for
a de demisso, a proposta ser endereada, conforme os casos,
ao Governador ou ao procurador (note-se igualmente que tambm
nesta sede se no pode prever que o procurador seja demitido pelo
Governo Popular Central da Repblica Popular da China).
Impedimento
de o Governador ou o procurador, de motu proprio, tomarem a
iniciativa de demitir ou propor a demisso de qualquer magistrado
do Ministrio Pblico embora, no respeito pela Lei Bsica,
possam rejeitar as propostas de demisso que lhes sejam feitas.
2.5.Finalmente
o quarto e ltimo mecanismo que, embora no directamente
abordado na Lei Bsica, se afigura essencial garantia das to
referidas caractersticas do Ministrio Pblico.
Trata-se
da definio dos limites da subordinao hierrquica e da
obedincia a instrues por parte daqueles magistrados,
matria que hoje se encontra regulada nos arts. 8 - n2,
9, 10 e 11 do DL n 55/92/M, relativamente qual, desde
j, se adianta a opinio de que altamente desejvel que, na
sua essncia, se mantenha intocada na futura lei de organizao
judiciria.
A
questo, na verdade, coloca-se nos seguintes termos: em qualquer
caso, os magistrados do Ministrio Pblico encontram-se
vinculados, exclusivamente, a critrios de legalidade e de
objectividade. Sendo esses os nicos critrios que os vinculam,
pautaro por eles toda a sua actividade. sabido, porm, que a
magistratura do Ministrio Pblico se encontra internamente
hierarquizada, por um lado, e que representa o territrio de
Macau, por outro. Dois factores que, certamente, propiciaro a
emisso de instrues ora por parte dos respectivos superiores
hierrquicos ora por parte do rgo executivo de governo
prprio do Territrio, o Governador.
Em
que grau tais poderes de emisso de instrues encontram no
lado ivo de quem as recebe um dever de obedincia ?
Sem temor, poder-se- responder que no grau mais absoluto
possvel... desde que as referidas instrues no ofendam os
critrios vinculativos de legalidade e de objectividade !
Vejamos
a questo mais em pormenor.
E
comecemos pela vertente da subordinao hierrquica.
O
art. 10 do DL n 55/92/M procura estabelecer esse por vezes
difcil equilbrio entre hierarquia e vinculao aos referidos
critrios, prevendo um dever de recusa de cumprimento de
instrues ilegais e uma faculdade de recusa com fundamento em
grave violao da conscincia jurdica do magistrado.
Comentando preceito constante da Lei Orgnica do Ministrio
Pblico vigente em Portugal, que serviu de fonte inspiradora
quele, escreve Jos Manuel Meirim em Recusa do cumprimento de directivas, ordens e instrues com
fundamento em grave violao da conscincia jurdica: ...uma nota sobre a especial relao hierrquica presente no
estatuto dos magistrados do Ministrio Pblico, certos de que
aquela no segue, o a o, os traos caractersticos da
hierarquia istrativa. Prova segura do que afirmamos
exactamente o que encontramos no domnio do exerccio dos
poderes directivos. Enquanto para os funcionrios e agentes do
Estado o exerccio desse poder, e correlativo respeito do dever
de obedincia por parte do funcionrio de grau inferior,
permanece vlido mesmo se concretizado de forma ilegal (com a
nica excepo do cumprimento de ordens ou instrues que
impliquem a prtica de qualquer crime ... art. 271, n 3, da
Constituio), no caso da relao hierrquica existente no
Ministrio Pblico, assiste-se pelo contrrio, e desde logo,
imposio de um dever de recusa do cumprimento de
...instrues ilegais... . Esse dever, por si s, constitui um
limite ao exerccio dos poderes directivos. Mas no se fica por
aqui a especialidade. Sintoma ainda mais flagrante da
especialidade desta relao hierrquica, representa a
possibilidade de , em larga medida, o magistrado colocado em grau
inferior recusar o cumprimento de ... instrues com fundamento
em grave violao da sua conscincia jurdica.
... afirmou-se radicar aqui um sinal da verdadeira
dignificao da magistratura do Ministrio Pblico (... o
sistema apresenta ... as vantagens de defender a objectividade dos
agentes do Ministrio Pblico e a sua liberdade de avaliao,
sem todavia perigar a realizao dos fins que os superiores
hierrquicos legitimamente se proponham ... cfr. o n 3 da
norma).
Temendo,
porm, que o arrimo vinculao aos critrios de legalidade
e de objectividade pudessem subverter de todo a subordinao
hierrquica - a qual, em Portugal, tem assento constitucional - o
legislador revela grande prudncia na regulamentao do dever e
da faculdade de recusa. Comentando dois aspectos dessa
regulamentao (os previstos nos ns. 2 e 5 do preceito em
causa), escreve o autor acima citado quanto representao
pessoal: Trata-se...de
uma precipitao do dever de lealdade, em que o magistrado
hierarquicamente subordinado apresenta pessoalmente, isto ,
diante dos olhos do superior hierrquico, as razes da sua
recusa. ... A representao pessoal surge, assim,...como mais um
sinal de dignificao da relao hierrquica dos magistrados
do Ministrio Pblico, estabelecendo-se um quadro onde prevalece
o respeito por opinies diferentes. Questionando-se sobre
a razoabilidade e proporcionalidade da previso estabelecida em
norma idntica do n5 do art. 10, prossegue o autor: Numa
primeira leitura poder-se-ia configurar uma ameaa ao
exerccio da faculdade de recusa, intolervel nos quadros
constitucionais da liberdade de expresso. Ou seja, a
eventualidade de surgir um juizo de injustificao do uso da
faculdade de recusa, conducente a uma falta disciplinar, como que
limita o livre exerccio daquela faculdade, inibindo os
magistrados, como que provocando uma autocensura. Mas
conclui: Em nosso
entender no procede este raciocnio. E, a final, resume
assim as razes da improcedncia: ...a
hierarquia do Ministrio Pblico representa um meio
constitucional no desprezvel, no sentido da presuno da
legalidade democrtica, valor to caro ao Estado de direito
democrtico. A quebra dessa relao hierrquica, em que se
traduz a recusa de...instruo...s pode ser recebida com
agrado por esta valorao, desde que a sua justificao no
se encontre desprovida de fundamento. este o ponto de
equilbrio alcanado, ao nvel legislativo, que permite a
salvaguarda do essencial das
referncias constitucionais em conflito. H que
reconhecer que, neste ltimo aspecto, a argumentao expendida
para justificar o contedo
daquele n 5 sofrer um duro golpe na RAEM, uma vez que o
valor da liberdade de expresso se encontra expressamente
previsto no art. 27 da Lei Bsica enquanto o da
subordinao hierrquica dos magistrados do Ministrio
Pblico s com muito boa vontade, e em qualquer caso de forma
claramente indirecta, se ver aflorado no art. 90.
Na
vertente das instrues emitidas pelo Governador, h que notar,
desde logo, a ausncia da possibilidade de emisso de
instrues de carcter genrico. Bem pelo contrrio, as
previses das alneas a) a c) do art. 11 dirigem-se todas a
causas concretamente instauradas, s podendo, por isso, as
referidas instrues assumir um carcter especfico. Por outro
lado, mesmo a emisso de instrues de carcter especfico
encontra-se condicionada s causas em que, de certa forma, se
discutam direitos ou interesses disponveis,
particulares, do domnio privado do Territrio:
ser esse o caso das aces cveis e dos processos-crime
dependentes de participao ou acusao particular por parte
do Territrio. Ainda assim ser de questionar: se o Ministrio
Pblico entender que tais instrues conflituam com os
critrios de legalidade e de objectividade a que se encontra
vinculado dever-lhes- obedincia ?
Entendemos
que no, em virtude da supremacia desses critrios.
E
no se diga que, assim, ficaro o Territrio ou a RAEM
judiciariamente desprotegidos: em ltima anlise sempre podero
recorrer aos servios de um mandatrio judicial como qualquer
vulgar residente.
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