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RELATRIO
"VISITA A CARVOARIAS NO PAR
Designado pela Comisso
de Direitos Humanos para averigar denncia de trabalho infantil
em carvoarias nas cidades de Rondon do Par, Don Eliseu, Ulianpolis
e Paragominas, no Estado do Par, no dia 25 de novembro p.p.,
encontramo-nos, em Marab, com o Coordenador do Grupo Especial de
Combate ao Trabalho Infantil e Proteo ao Trabalhador
Adolescente, Sr. Demtrio Medrado, e com os auditores da
Delegacia Regional do Trabalho, Srs. Jos Ribamar Miranda da Cruz
e Ronaldo Abronhero de Barros, para organizao da ao a ser
desenvolvida.
No dia 26 partimos de
Marab, acompanhados pelos Agentes Federais da Superintendncia
da Polcia Federal de Belm, Brasil e Newton, em direo a
Rondon do Par. Na cidade, contatamos o Conselho Tutelar,
solicitando que um dos Conselheiros nos acompanhasse nas diligncias.
Foram visitadas aleatoriamente 03 carvoarias, onde detectou-se a
presena de crianas e adolescentes, algumas flagradas
desempenhando atividade laboral, como barrelagem e enchimento de
fornos. Os??? trabalhadores adultos das carvoarias no so
registrados e tampouco lhes so oferecidas as mnimas condies
de segurana no trabalho, sequer condies humanas dignas. A
fumaa intensa provoca vrios problemas de sade s crianas,
aos adolescentes e adultos, como tambm o no fornecimento de gua
potvel a gua transportada em um caminho-pipa
improvisado, coletada em um riacho e depositada em caixas de
madeira forradas com lona plstica preta ou em tanques de
alvenaria a cu aberto. Em uma dessas caixas de madeira
encontramos alguns peixes, e ao questionarmos se era criao,
fomos informados pela senhora que utilizava aquela gua que os
peixes eram colocados ali para comer os micrbios. O Conselheiro
Tutelar Edmar anotou os dados de todas as crianas e adolescentes
encontradas nas carvoarias, para as providncias legais; os
auditores da DRT-Par procederam lavratura dos autos de infrao
em razo do trabalho de crianas e adolescentes, bem como em razo
dos trabalhadores sem registro e pela falta de condies de
segurana no trabalho.
Aps as diligncias
e procedida a autuao da Carvoaria Srgio Venturini,
dirigimo-nos ao Forum para uma reunio com o Promotor Pblico,
Dr. Raimundo Aires, em razo das reclamaes do Conselho
Tutelar quanto prostituio infantil, ao trabalho infantil e
longa demora no andamento das Aes de Alimentos. Dr.
Raimundo Aires informou-nos que, alm de responder pela Comarca
de Rondon do Par, responde, tambm, pela 3 Vara Criminal de
Marab, o que o obriga por vezes a ausentar-se da Comarca; o
mesmo ocorre com a Juza da ???Comarca que responde por outras
Comarcas, mas que vem buscando agilizar os procedimentos, como
tambm vem procurando combater o trabalho e a prostituio
infantil quando acionado pelo Conselho Tutelar. Alegou,
entretanto, que aes isoladas no obtm o resultado esperado,
uma vez que seria necessrio uma ao tambm do executivo,
oportunidade em que sugeriu que mantivssemos contato com a
Secretria de Ao Social do Municpio.
Na Secretaria da Ao
Social fomos recebidos pela Secretria Municipal, Sra. Rosane
Nascimento, a quem relatamos a situao encontrada nas
carvoarias trabalho infantil e semi-escravo e prostituio
infantil; solicitamos maior apoio ao Conselho Tutelar e maior
rigor por parte da municipalidade na ao fiscalizadora nos
estabelecimentos comerciais e nas indstrias. A Secretria
argumentou quanto s dificuldades financeiras do Municpio,
informando que vem buscando atuar com os parcos recursos
municipais para reverter o quadro da prostituio infantil.
Afirmou que para o Municpio foram destinadas apenas 100 bolsas
do PETI, insuficientes para a erradicao do trabalho infantil,
mas que envidaria, conjuntamente com o Ministrio Pblico e o
Conselho Tutelar, todos os esforos para solucionar o problema.
Lamentou a falta de outros programas e a carncia dos existentes
para fazer frente s necessidades. O Sr. Demtrio solicitou que
todas as crianas e adolescentes na faixa etria do PETI fossem
relacionadas e os nomes encaminhados DRT para que se pudesse
solicitar junto Secretaria de Estado de Ao Social a ampliao
do nmero de bolsas pa???ra o Municpio.
No dia seguinte,
iniciamos nossas diligncias acompanhados do Conselheiro Tutelar
Francisco, da cidade de Dom Eliseu. A situao encontrada nas
carvoarias daquela cidade em nada difere das carvoarias de Rondon
do Par: trabalho infantil e trabalhadores sem registro
desempenhando atividades sem as mnimas condies de dignidade
e segurana no trabalho. Os trabalhadores, a exemplo das demais
carvoarias visitadas, quando desenfornam o carvo, jogam gua
nas brasas incandescentes e vo retirando gradativamente o carvo;
seus trajes so bermuda, camiseta, sandlia de borracha e, como
equipamento, apenas um garfo em forma de p. A temperatura na
boca do forno ou caieira de aproximadamente setenta graus,
sendo que eles entram e saem, alternando constantemente a
temperatura. Alguns se molham para ar o calor. Vrios
carregam marcas de queimaduras adas. Trs carvoarias foram
autuadas: Edvar Raimundo de Alvarenga, Jos Aroldo de Souza Silva
e Madeireira Prola do Par Ltda. Em todas o Conselheiro Tutelar
relacionou as crianas e adolescentes para as providncias
futuras.
Aps relato do
Conselheiro Tutelar Francisco da situao de crianas e
adolescentes que vinham desempenhando atividades no Posto de
Fiscalizao da cidade, dirigimo-nos para o local onde
encontramos aproximadamente 20 crianas desenvolvendo trabalhos
como despachantes de caminhoneiros, batedores de pneus de caminhes,
engraxadores de pneus e vendedores de doces e salgadinhos. Em
reunio com a Diretora istrativa do Posto??? Fiscal, Senhora
Neusa, a mesma informou-nos que est cansada de solicitar providncias;
disse que h um ano o Ministrio Pblico esteve l, porm at
aquela data nenhuma providncia foi tomada; que o Conselho
Tutelar tem mantido presena peridica, porm, como as crianas
j conhecem os Conselheiros, quando eles chegam elas vo embora
rapidamente, mas basta os Conselheiros se retirarem do local para
elas retornarem. Informou que proibiu aos inspetores do posto
aceitarem que crianas faam despachos. Lamentou que cerca de 50
crianas se revezassem no trabalho em trs perodos (manh,
tarde e noite) e lamentou que no perodo da noite exista outra
atividade alm das mencionadas, ou seja, a prostituio
infantil. Comprometeu-se a auxiliar ao conjunta entre o
Conselho Tutelar e a municipalidade para a soluo do problema.
Procuramos contatar o
Prefeito, mas no o localizamos; entretanto mantivemos contato
com a primeira dama, Sra. Eliana Brunoro Depra, que manifestou sua
preocupao sobre a situao, dispondo-se a auxiliar no caso
das crianas que trabalham no Posto Fiscal; reclamou tambm do nmero
insuficiente de bolsas do PETI para o Municpio, bem como da
falta de outros programas para atuar no combate ao trabalho e
prostituio infantil. Alegou que os recursos do municpio so
poucos.
Encerrada a atividade
em Dom Eliseu, prosseguimos para Ulianpolis. Procuramos contato
com o Conselho Tutelar, porm aquele encontrava-se fechado.
Localizamos a servente do Conselho, que nos levou residncia
de um dos Cons???elheiros e, posteriormente, at a praa da cidade,
onde encontramos um Conselheiro Tutelar, que se mostrou um tanto
receoso em conversar conosco, informando que mais tarde nos
procuraria no hotel. Na mesma noite procurou-nos a Sra. Glicera
Soares de Vasconcelos, Coordenadora do Conselho Tutelar, que
relatou a situao da criana e do adolescente na cidade;
afirmou que ainda h trabalho infantil, porm bem reduzido; que
h muito trabalho infantil na cidade com venda de sorvete,
engraxate e no comrcio; a prostituio infantil fato
preocupante, uma vez que a faixa etria est entre 11 e 15 anos.
H balnerios na cidade que so pontos de encontros, porm o
mais alarmante a ocorrncia de casos de estupro. No dia
seguinte nos reunimos no Conselho Tutelar e, em companhia dos
Conselheiros Glicera e Lucinaldo, dirigimo-nos s carvoarias,
onde constatamos a mesma situao das carvoarias dos outros
municpios, ou seja, trabalho infantil, trabalhadores adultos sem
registro, sem condies de dignidade e segurana no trabalho.
Foram autuadas as carvoarias de Regina Aparecida Alvarenga
Pandolfi; Camilo Uliana e de Daniel Teixeira Vargas. Os
Conselheiros Tutelares relacionaram os adolescentes para as providncias.
Em razo da votao
na Cmara Federal do projeto de flexibilizao da CLT,
retornamos a Braslia em 28 de novembro, porm os auditores da
Delegacia Regional do Trabalho prosseguiram com as atividades,
encerrando-as no dia seguinte em Paragominas. O Sr. Demtrio
Medrado, por telefone, informou-nos que em Paragominas, em razo
da divulgao nos meios de comunicao das nossas ati???vidades
nos outros municpios, encontraram praticamente as carvoarias
esvaziadas. Foram informados pelo Conselho Tutelar da cidade que
ainda h casos isolados de trabalho infantil, porm em relao
ao ado pode-se afirmar que est praticamente erradicado.
O balano da inspeo
em 7 carvoarias foi detectar 160 trabalhadores adultos sem
direitos trabalhistas observados e 33 crianas e adolescentes em
situao irregular, sendo que dessas, 15 foram flagradas
desenvolvendo atividade laboral (n de autos: 14).
Concluses
Diante das constataes
anteriores, podemos afirmar que o atual modelo de carvoaria
propicia a explorao do trabalho infantil, funciona em regime
de semi-escravido, degrada a pessoa humana, pois no oferece
condies de habitabilidade digna, tampouco o mnimo de
infra-estrutura, como gua potvel e sanitrios; a permanncia
em meio a fumaa, a caloria e madeira em farpas, sem o uso de
equipamentos de segurana, apresenta incidncia de vrios
acidentes e problemas sade, como: deficincias respi???ratrias,
dores de cabea, febre constante, irritaes nas vistas,
queimaduras, mutilaes, dentre outras, alm da explorao
quanto jornada de trabalho, remunerao e garantias
trabalhistas.
Alm disso, h
degradao ao meio ambiente, pela ocorrncia da devastao de
vegetao nativa para o fabrico do carvo e poluio na
queima, uma vez que a fumaa invade as rodovias, as cidades e,
segundo relatos, aeronaves ficam impossibilitadas de conclurem
seus vos por falta de visibilidade.
Devemos aqui ressaltar
que h uma precariedade na fiscalizao por parte do Ibama, dos
Conselhos Tutelares - estes por falta de estrutura -, dos municpios
e da prpria Delegacia Regional do Trabalho, que conta com nmero
reduzidssimo de profissionais para desempenhar sua ao.
Propostas
Considerando os
aspectos acima mencionados, propomos Comisso de Direitos
Humanos da Cmara que este relatrio seja enviado aos Ministrios
da Justia e do Trabalho; ao Presidente do Tribunal de Justia
??? do Estado do Par, ao Procurador Geral de Justia do Estado do
Par, s Secretarias de Estado de Direitos Humanos e de Assistncia
Social, aos Conselhos Nacional e Estadual dos Direitos da Criana
e do Adolescente e Delegacia Regional do Trabalho do Par.
Alm do envio do
relatrio, propomos:
- iniciar campanha
para extino do atual modelo de carvoaria, envolvendo os
governos de Estados e Municpios e siderrgicas, que so as nicas
beneficiadas com o produto final das carvoarias;
- realizao de ao
conjunta entre as Delegacias do Trabalho dos locais das carvoarias
e das siderrgicas, objetivando autuar ambas (carvoarias e siderrgicas)
por serem solidrias na explorao dos trabalhadores para obteno
do produto final;
- ao junto ao
Ministrio do Trabalho no sentido da alterao da Portaria
290/97, que estabelece multa de R$ 402,52 por cada criana ou
adolescente encontrada em situao irregular na empresa, at o
mximo de cinco, para que a multa seja alterada em seu valor e
incida para cada criana ou adolescente, independentemente do nmero;
- aprovao de
legislao que torne obrigatrio s empresas a apresentao
de certido negativa de inexistncia de mo-de-obra infantil,
na ocasio da habilitao para concorrer a todas as modalidades
de licitao em nvel Federal, Estadual e Municipal, fornecida
pelas Delegacias Regionais do Trabalho de c???ada Estado da Federao;
- aprovao de
legislao proibindo as empresas que se utilizam, direta ou
indiretamente, de mo-de-obra infantil, em obter financiamento
junto s instituies financeiras;
- aprovao de
legislao que vete a exportao de produtos que em alguma
fase do seu processo produtivo tenha utilizado mo-de-obra
infantil;
- propor dispositivo
legal considerando a utilizao de mo-de-obra infantil crime
de natureza penal.
Braslia, 06 de
dezembro de 2001.
ORLANDO FANTAZZINI
Deputado Federal
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